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domingo, 24 de julho de 2016

Blues Etílicos - Bar La Esquina - Rio de Janeiro/RJ (22/07/2016)



A Blues Etílicos no palco
matando a pau.
Tive o prazer e o privilégio de assistir na noite da última sexta-feira ao show da lendária banda Blues Etílicos, referência no estilo no Brasil e possivelmente, junto com o já falecido Celso Blues Boy, o grande nome no gênero no país. Grande show onde a banda apresentou um repertório muito bem escolhido, um som contagiante e onde seus integrantes demostraram todas suas virtudes técnicas. Também, é só tem fera! O vocalista norte-americano Greg Wilson conduziu a festa com competência e elegância; Cláudio Bedran com seu baixo dava um suíngue todo especial ao blues da banda; o guitarrista Otávio Rocha, um dos grandes nomes do blues da atualidade, deu um show à parte, especialmente na introdução de "berimbau" da excelente "Dente de Ouro", um dos melhores números da noite, por sinal; o baterista Pedro Strasser, que já tinha tido a oportunidade de ver num show menor num pub de pequeno porte em outra ocasião, simplesmente destruiu tudo numa performance impecável conduzindo o ritmo da banda com firmeza e explosão; e o craque da gaita, Flávio Guimarães não deixa dúvidas do por quê de ser considerado um dos grandes nomes no instrumento reconhecido internacionalmente. Isso tudo sem falar na participação especialíssima do saxofonista Leo Gandelman que deu uma generosa canja participando de vários números do espetáculo, inclusiva da clássica "Safra 63", que, como lembrou bem Flávio Guimarães, foi a primeira música da Blues Etílicos a tocar em rádio, na extinta Fluminense FM, a "Maldita" como era conhecida, lá pelos idos de 1987.
Grande show. Grande festa. Uma verdadeira celebração do blues na companhia da maior banda brasileira do gênero.


Um trechinho do show com a participação de Leo Gandelman




Cly Reis

sábado, 19 de agosto de 2017

Kid Abelha e Os Abóboras Selvagens - "Educação Sentimental" (1985)


"A marca fundamental do nosso trabalho é a sinceridade.
Para mim o sucesso é ser perene."
Paula Toller



O Kid Abelha costuma ser uma banda pouco valorizada diante do papel importante que teve na música pop nacional dos anos 80 e que vem desempenhando desde então.
"Educação Sentimental " de 1985 pode ser colocado, sem medo, entre os grandes discos daquela rica safra oitentista brasileira que teve ali naquele mesmo momento obras como "Dois", "Cabeça Dinossauro", "Selvagem?", "O Rock Errou", entre outros.
Ainda com Leoni na banda, cantor, guitarrista e principal compositor, a banda, que na época ainda carregava o sobrenome de Os Abóboras Selvagens, evoluía daquele new wave incauto de seu primeiro trabalho, "Seu Espião" para algo mais maduro e consistente. Aliás, a trajetória da banda parece correr numa linha de tempo evolutiva na qual suas 'personagens' parecem ir amadurecendo com as relações, saindo das cartinhas de amor ("Alice..."), passando pela descoberta de como funcionam verdadeiramente os relacionamentos ("E agora você vai embora e eu não sei o que fazer..." ou "já conheci muita gente/ gostei de alguns garotos/ mas depois de você os outros são os outros"); entendendo o fim da puberdade e o salto para novas responsabilidades ("acabou a puberdade/ essa é a nossa casa e não a dos nossos pais"); chegando à triste realidade do desmoronamento da relação ("o nosso amor se transformou num 'bom dia"); e por fim, relaxando e deixando as coisas rolarem com discursos mais descontraídos a partir do disco "Iê, Iê, Iê". Assim, se as composições perdiam em qualidade após a saída de Leoni a partir do disco "Tomate", a perda era compensada com uma espécie de autenticidade conferida pelas interpretações de Paula Toller que incorporava aquela espécie de biografia musical traçada a pela banda.
"Educação Sentimental", embora não represente o auge da maturidade emocional dessa personagem feminina vivida pela voz de Paula Toller, configura-se no momento em que sua música encontra a melhor fórmula que, com mudanças, adequações e progressos, veio a tornar-se característica e marca do Kid Abelha. O título ainda que carregue a referência literária à obra de Gustave Flaubert, pode traduzir-se efetivamente muito no aprendizado que a vida traz para qualquer relacionamento afetivo que vivemos, e sua abordagem, às vezes um tanto inocente, parecendo mesmo até situar-se dentro de uma fase colegial, justificando ainda mais a sugestão de "didática" reforçada por títulos como "Garotos", "Uniformes" e as duas "Educação Sentimental".
Com um pop sem grandes arroubos ou virtuosismos mas muito limpo, bem produzido e preciso, o Kid Abelha e seus Abóboras Selvagens apresentavam um disco simples, enxuto porém com grande alcance popular, o que se confirmaria com o estouro de músicas como "Os Outros", "Lágrimas e Chuva", "Garotos" e "Fórmula do Amor".
 Produzido pelo mago dos estúdios no Brasil, Liminha, o disco conta com uma série de participações especiais qualificadas como a de Leo Gandelman que reforça a linha de metais; a de Roberto de Carvalho no piano; e de Léo Jaime, que dá uma canja em "Fórmula do Amor" devolvendo a gentileza da banda que participara em seu disco "Sessão da Tarde" na mesma canção.
"Lágrimas e Chuva" é um pop poderoso no qual a delicadeza da voz de Paula contrasta com a linha de metais impetuosa de Gandelman e George Israel; a romântica "Os Outros" chega a ser comovente na confissão da importância do ex-namorado na vida daquela garota; e a balada "Uniformes" é taciturna com seu saxofone choroso, letra tristonha e uma interpretação copiosa. A outra grande balada do disco "Garotos" expõe as fraquezas, defeitos e limitações dos rapazes nos relacionamentos, tendo merecido posteriormente de Leoni, em sua carreira solo, uma espécie de justificativa masculina. Ambas as partes de "Educação Sentimental" sendo a primeira cantada por Leoni, têm seu valor, mas a parte dois, composta em parceria com Herbert Vianna, é a que praticamente define o álbum com seus questionamentos e descobertas e um produto musical final mais bem acabado. Já "Conspiração Internacional", outra com vocal de Leoni, "Amor por Retribuição" e "Um Dia em Cem" destoam um pouco do restante mas não conseguem diminuir as virtudes do álbum como um todo.
Longe da capacidade aglutinadora de uma Legião, da revolução formal dos Titãs, da exploração sonora dos Paralamas, da irreverência do Ultraje, o Kid Abelha mesmo com um disco indiscutivelmente menor do que os mencionados escrevia com "Educação Sentimental" seu nome na página dos grandes discos brasileiros dos anos 80.
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FAIXAS:
1. Lágrimas e Chuva (4:33)
2. Educação Sentimental II (4:51)
3. Conspiração Internacional (3:55)
4. Os Outros (3:25)
5. Amor por Retribuíção (3:35)
6. Educação Sentimental (4:03)
7. Garotos (4:24)
8. Um Dia em Cem (3:23)
9. Uniformes (4:08)
10. A Fórmula do Amor (5:00)

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Ouça:


Cly Reis

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

ÁLBUNS FUNDAMENTAIS ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO, ClyBlog 8 anos - Robson Jorge & Lincoln Olivetti - "Robson Jorge & Lincoln Olivetti" (1982)

Minha Bíblia Musical
por Lucas Arruda


“O disco solo do Lincoln Olivetti e do Robson Jorge é uma referência de que é possível fazer um disco bem gravado MESMO, em qualquer condição, basta dedicação e talento”.
Ed Motta



Alegria imensa em poder falar um pouco deste álbum! Pessoalmente, é o disco que mais influenciou em termos de arranjo, sonoridade, composição. Minha bíblia! Um registro magistral da parceria do Robson e Lincoln, dupla de músicos e produtores que dominou a produção musical no Brasil durante a década de 80.

Este disco representa toda a perfeição técnica que os dois sempre buscaram em suas produções e traz um time incrível de músicos, os melhores daquela geração! Paulo Cezar Barros, Jamil Joanes, Picolé, Paulo Braga, Mamão, Oberdan Magalhães, Leo GandelmanMárcio Montarroyos, Bidinho, Serginho do Trombone, Zé Carlos Bigorna e outros brilhantes músicos. Um supertime!

São 12 faixas que trazem a mais perfeita simbiose entre a black music norte-americana e a música brasileira. Os arranjos de sintetizadores explicam porque Lincoln é chamado de mago, e o Robson é sem dúvida um dos maiores músicos que este país viu, embora incrivelmente pouco citado!

A primeira música que ouvi deste álbum foi a balada "Eva". Destaque para o trabalho rítmico das guitarras do Robson nesse disco, assim como a melodia tocada em uníssono com a voz. Aliás, essa é uma característica forte do álbum. Canções instrumentais, com os vocalises do Robson às vezes cantando pequenos trechos de letra, outras vezes a melodia. Tomo a liberdade de dizer que isso me influencia muito.

Tem algo de muito incrível nesse disco! A capacidade de criar hits sem letras, ou com apenas uma palavra, como o clássico “Aleluia!”. Esta é a faixa mais conhecida deste disco, e traz ecos do Earth, Wind and Fire. Ninguém no Brasil conseguiu traduzir essa sonoridade como os dois fizeram. Nota-se também a influência da música latina (“Raton” e o medley “Baila Comigo/Festa Brava”).

Outra canção que evidencia a habilidade do Robson como guitarrista é o funk "Pret a Porter". Aliás, ouso dizer que este disco pode ser muito mais classificado como um disco de música norte-americana influenciado por música brasileira do que o contrário. É um disco que realmente pode ser equiparado às produções norte-americanas da época em termos de sonoridade e qualidade técnica.

O disco abre com “Jorgea Corisco”, segue para a balada “No Bom Sentido” e logo após “Aleluia!”. Depois a latina “Raton” e a genial “Pret a Porter”. “Squash”, com lindas dobras de synth e guitarras e a canção “Eva”, com um clima quase blaxploitation. “Fá Sustenido” apresenta quase um acento reggae nas guitarras e lindo arranjo de vocoder. Passamos pelo samba do morro no interlúdio “Zé Piolho” e seguimos pro medley “Baila Comigo/Festa Brava”. Finalizando: o samba funk “Ginga” com um poderoso naipe de metais e a última faixa do disco: “Alegrias!”.

Mas na verdade não consigo ser muito teórico ao falar deste trabalho. Eu amo este disco! É um álbum que abriu muitos caminhos musicais na minha cabeça, e sou eternamente grato por esse trabalho existir. Recentemente, durante as gravações do meu terceiro disco, tive o prazer de trabalhar com o grande Edu Costa, engenheiro de som e braço direito do Lincoln em suas produções. Pude ouvir muitas histórias incríveis e absorver um pouco do universo dos dois.
Recomendo muito! E pra quem ainda não ouviu com atenção, ouça! É uma obra-prima! Felizmente este disco vem sendo cada vez mais cultuado. E assim como outros clássicos é um trabalho sempre presente na minha vida. Referência forte, sempre!

Robson Jorge & Lincoln Olivetti - "Pret-à-Porter"

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FAIXAS:
1-Jorgea Corisco
2-No bom sentido
3-Aleluia
4-Raton (Contesini)
5-Pret-à-porter
6-Squash
7-Eva (Ronaldo, Olivetti, Jorge)
8-Fã sustenido
9-Zé Piolho
10-Baila comigo (Roberto de Carvalho, Rita Lee)/Festa braba (Olivetti, Jorge)
11-Ginga
12-Alegrias
todas as composições de autoria de Lincoln Olivetti e Robson Jorge, exceto indicadas
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OUÇA O DISCO:




Natural do Espírito Santo, Lucas Arruda é um jovem compositor, cantor, arranjador, produtor e multi-instrumentista. Um dos maiores talentos da música brasileira dos últimos anos, leva suas influências de soul, funk, MPB, jazz, rock e blues ao mundo, principalmente a Europa e ao Japão, onde é reverenciado. Em fase de conclusão de seu mais novo trabalho, tem dois discos: "Sambadi", de 2013, integrante da lista dos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS do ClyBlog, e o igualmente elogiado “Solar”, de 2015. Um digno representante da linhagem dos músicos do jazz-soul brasileiro, que passa por AzymuthBlack Rio, Marcos Valle, Robson, Lincoln e Ed Motta. Lucas foi especialmente convidado pelo Clyblog para falar sobre um disco de sua predileção em razão das comemorações pelos 8 anos do blog.
www.facebook.com/lucasarrudaofficial/?fref=ts

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Edu Lobo & Chico Buarque - "O Grande Circo Místico” (1983)



 

Acima, capa do vinil original de 1983; a outra,
capa da versão em CD
"O médico de câmara da imperatriz Teresa – Frederico Knieps –
resolveu que seu filho também fosse médico,
mas o rapaz fazendo relações com a equilibrista Agnes,
com ela se casou, fundando a dinastia de circo Knieps
de que tanto se tem ocupado a imprensa."
Versos de abertura do poema "O Grande Circo Místico", de Jorge de Lima, 1938

"Uma enciclopédia da música brasileira."
Antônio Carlos Miguel, jornalista e escritor

Não é incomum ouvir de admiradores da música brasileira que “O Grande Circo Místico” é o melhor disco já produzido no Brasil. Mesmo que nessa seara naturalmente venha à mente obras como “Elis & Tom”, “Acabou Chorare” ou “Getz-Gilberto”, não é descabida a consideração atribuída a esta obra. Afinal, em que projeto se reuniu para cantar boa parte do primeiro escalão da MPB, leia-se Gilberto Gil, Tim Maia, Gal Costa, Milton Nascimento, Simone, Jane Duboc e Zizi Possi? E quando que esse time de estrelas estaria junto para interpretar temas de uma peça infanto-juvenil feita para o curitibano Teatro Ballet Guaíra sobre um poema clássico da língua portuguesa? Mais: quando contariam com o reforço de músicos do calibre de Oberdan Magalhães, Jamil Joanes, Cristóvão Bastos, Marcio Montarroyos, Antonio Adolfo, Leo Gandelman, Hélio Delmiro, entre outros? E, mais ainda: em que ocasião tudo isso gravitou em torno de um repertório inédito e tão qualificado, que é o sumo de uma então recente parceria de dois gênios da música do século XX?

Pois este disco adorado pelos fãs e cheio de significados chega a 40 anos de lançamento no mesmo ano em que um de seus artífices, Edu Lobo, completa o dobro de idade. Na linha do que foi produzido nos anos 70 e 80 para o público infantil, ”O Grande...” traz o espírito de especiais clássicos como “Plunct Plact Zum”, “A Arca de Noé” e “Pirilimpimpim”, a começar pelo primor musical e estético que não subestima o bom gosto da criança. Porém, neste caso, tal atmosfera vem encapsulada por um diferencial: o encontro de Edu com seu melhor parceiro: Chico Buarque. A dupla cria 11 temas novinhos em folha com o mais alto nível não apenas para aquilo que pode ser classificado como “música infanto-juvenil”, mas em toda a história da música popular brasileira. 

Se hoje esta dobradinha dourada se tornou uma das mais celebradas da MPB, muito se deve a ”O Grande...”. Até então, os caminhos de Edu e Chico haviam se cruzado apenas duas vezes: na orquestração que Edu fizera para a peça “Calabar”, de Chico e Ruy Guerra, em 1973, e numa única e frutífera composição, a música “Moto-Contínuo”, que o segundo gravara em seu disco “Almanaque”, de 1981. Pronto: estava dada a magia! Edu, que já havia produzido a excelente trilha para o balé Guaíra “Jogos de Dança”, sem letras e usando apenas as vozes dentro do arranjo instrumental, foi novamente convidado pelo cenógrafo, dramaturgo e figurinista Naum para um novo projeto da companhia. Porém, tratava-se de uma adaptação do singular poema surrealista de mesmo nome de 1938, de autoria do poeta modernista Jorge de Lima, composto de uma estrofe e 45 versos. O texto conta a trajetória de Knieps, que abandona a corte e a medicina, apaixonando-se pela equilibrista Agnes, começando a dinastia do Grande Circo Místico. Algo que Edu, desde os anos 60 envolvido com teatro, normalmente delegava a parceiros, como a Gianfrancesco Guarnieri em “Arena Canta Zumbi” (1965) e a Vinícius de Moraes em “Deus lhe Pague” (1975). 

Edu e Chico no início dos anos 80: encontro que não
os separaria jamais
Para aquela nova empreitada, a bola da vez era o mais recente parceiro. Afeito ao texto para palco, haja vista que já havia escrito, além de “Calabar”, ”Roda Viva”, em 1968, Chico também era mestre nas adaptações para teatro. Escreveu sozinho todas as composições sobre o poema de João Cabral de Melo Neto para “Morte e Vida Severina”, em 1966, adaptou, com Paulo Pontes, “Medeia” de Eurípides em “Gota D’Água” para a voz de Bibi Ferreira, em 1975, e trouxe Bertold Brecht e John Gay para a realidade brasileira noutro musical, “Ópera do Malandro”, de 1978. Porém, mais do que todos estes exemplos – que já seriam suficientes para justificar um convite –, Chico sabia lidar com o universo infantil. Além do livro “Chapeuzinho Amarelo”, que lançara em 1979, o pai de Sílvia, Luísa e Helena já tinha realizado, dois anos antes, a deliciosa peça musical “Os Saltimbancos”, inspirada no conto "Os Músicos de Bremen", dos irmãos Grimm, junto a Sergio Bardotti e Luis Bacalov, amigos italianos dos tempos de autoexílio na terra de Michelangelo. Ali se revelava mais uma faceta do Chico plural: afora o malandro, o militante político, o cronista, o amante, a voz feminina e vários outros, via-se agora o autor para os pequenos. Edu, que enfileirara parceiros da categoria de Joyce, Cacaso, Dori Caymmi, Ferreira Gullar, Paulo César Pinheiro e outros, sabia ter achado a pessoa ideal para letrar suas músicas.

O resultado é um desbunde capaz de encantar crianças e adultos há quatro décadas. Começando pela instrumental “Abertura do Circo”, com fantástico arranjo escrito por Edu e orquestração do maestro Chiquinho de Moraes, um tema circense tão marcante, que dá a impressão de se tratar daquelas melodias folclóricas antigas e de autor desconhecido. Mas tem autor, sim, e é Edu Lobo. Na sequência, uma pausa na rotação do planeta, pois é Milton Nascimento cantando a balada “Beatriz”. “Olha/ Será que ela é moça/ Será que ela é triste/ Será que é o contrário/ Será que é pintura/ O rosto da atriz...” Considerada por oito entre 10 uma das maiores canções da música brasileira de todos os tempos, este clássico não pode ser classificado de outra coisa, que não de perfeito. Em melodia, em arranjo, em letra e, principalmente, na interpretação de Milton. A voz do gênio de Três Pontas é de uma afinação tão precisa e atinge registros tão improváveis, que fica impossível imaginar outro ser capaz de cantá-la. Além, claro, da emoção transcendente que Milton transmite. Uma obra-prima, que apenas Zizi, numa permissão para o Songbook de Chico, ousou regravar. Também, pudera.

Seguindo adiante, Jane Duboc entra no picadeiro e usa de toda sua brandura e sentimento na linda “Valsa dos Clowns”, cuja letra fala da famosa dicotomia da tristeza do palhaço, escondida por detrás da figura sempre engraçada: “Em toda canção/ O palhaço é um charlatão/ Esparrama tanta gargalhada da boca pra fora/ Dizem que seu coração pintado/ Toda tarde de domingo chora”. Cantada em coro, na sequência, "Opereta do Casamento”, como uma breve e alegre história popularesca, antecede outra história: a de Lily Brown. Personagem criada no poema de Jorge de Lima, mas cuja saga é totalmente inventada pela mente de Chico. Ele dá vida à “deslocadora” Lily Brown, a que “tinha um santo tatuado no ventre”, atribuindo-lhe contornos de uma moça sonhadora, que acredita ter encontrado o “homem de seus sonhos”. Ao fim, entretanto, não concordando com sua vida mambembe, ele a abandona. Num estonteante jazz bluesy, a melodia e o primoroso arranjo de Edu acompanham os versos de Chico, que deita e rola na poética. Por exemplo: o raro uso de rimas “preciosas”, que combina a fonética de palavras de idiomas distintos, é largamente usada. Caso de “cheese” com “feliz”, “dancing” com “romance” e “azul” com “flou”. Outro elemento-chave para a canção é, novamente, a adequação da interpretação, que não poderia ser mais exata, pois toda a sensualidade que a música exige está devidamente contida na voz de Gal e seu timbre de cristal.

Outra linda balada: a sentimental “Meu Namorado”, interpretada por Simone, é das mais perfeitas do repertório. Os teclados de Cristóvão Bastos comandam o toque da arpa, da gaita e das cordas, fazendo cama para os versos potentes e líricos emitidos pela voz da baiana: “Meu namorado/ Minha morada é onde for morar você”. De arranjo bem mais enxuto, mas não menos brilhante, "Sobre Todas as Coisas” tem no violão de Gil a única do álbum apenas com um instrumento acompanhando o vocal. De fato, não precisa mais, pois a genialidade do autor de “Aquele Abraço” é tão inata, que desta rara interpretação de Gil a uma canção de Chico e Edu sai o tema mais contemplativo e filosófico do disco. Gil dá ares de um spiritual à canção, tal uma canção-prece dos trabalhadores negros escravizados dos Estados Unidos, clamando pelo entendimento da existência e de um amor não correspondido. “Ao Nosso Senhor/ Pergunte se Ele produziu nas trevas o esplendor/ Se tudo foi criado - o macho, a fêmea, o bicho, a flor/ Criado pra adorar o Criador”. Caetano Veloso bem captou tamanha profusão de significados ao mencionar na sua música “Pra Ninguém”, de 1997, em que enumera músicas de autores da MPB cantados por outros autores/cantores da música brasileira, justamente esta entre tantas que poderia escolher do vasto repertório de versões de Gil a outros compositores. 

Contracapa do álbum com desenhos de Naum,
que reproduzem a ideia da cenografia da pela

Congele-se o firmamento mais uma vez, pois é hora de Tim Maia soltar seu vozeirão para a incrível "A Bela e a Fera”. Jazz-soul surpreendente de Edu – ainda mais após um número tão melancólico como o anterior – com seu arrojado arranjo de metais a la Quincy Jones, a bateria suingada de Paulinho Braga e o baixo vivo e inconfundível do “Black Rio” Jamil Joanes. Toda esta qualidade a serviço do “Síndico” em uma de suas melhores performances. Tim escalando as notas para cantar versos como: “Ouve a declaração, ó bela/ De um sonhador titã/ Um que da nó em paralela/ E almoça rolimã” é simplesmente histórico! Chico, também em uma de suas melhores letras, repete a dose em uma nova rima “preciosa” ainda mais improvável: “rolimã” com “Superman”! Musicando a saga do bruto boxeur Rudolf, da história original, Chico recria o personagem sob a perspectiva da famosa fábula do século 16, produzindo versos de admirável beleza como: “Não brilharia a estrela, ó bela/ Sem noite por detrás/ Sua beleza de gazela/ Sobre o meu corpo é mais/ Uma centelha num graveto/ Queima canaviais/ Queima canaviais/ Quase que eu fiz um soneto”. Para terminar arrebatando e elevando a emoção, Tim promove um dos lances mais sublimes da música brasileira, aumentando cirurgicamente o registro vocal para dizer: “Abre o teu coração/ Ou eu arrombo a janela”. De arrombar o coração, sim. O de quem escuta!

Quebrando mais uma vez a sequência rítmica, aquela que certamente é a mais infantil de todo o repertório. Se “Opereta...” contava com coro adulto, "Ciranda da Bailarina” traz agora vozes de crianças sobre uma lúdica ciranda de tons medievais, ainda mais pela sonoridade marcante de cravo e flauta doce forjados no sintetizador. E quem são as crianças? Os filhos de Chico e Edu, mais a pequena Bebel Gilberto (desde sempre envolvida com a música) e outros dois meninos. A sessão com a criançada é tal como recentemente a turma experimentava na trilha sonora do filme “Os Saltimbancos Trapalhões”, que Chico versara de sua peça para o famoso quarteto humorístico um ano antes. E que versos! Semelhantemente aos “Saltimbancos”, a letra de “Ciranda...” era, ironicamente, a mais política de todo o disco. Mesmo se tratando da aparentemente mais ingênua faixa, “Ciranda...” foi a única afetada pela ainda ativa censura. A palavra “pentelho”, ridiculamente, foi cortada na execução, provocando um hiato bizarro na audição. Se nos Anos de Chumbo uma música como esta seria sumariamente vetada pelo simples fato do autor se chamar Chico Buarque, ao menos os ventos da Abertura Política não a subtraíram totalmente. E ainda bem que, anos depois, com a democracia conquistada e consolidada, foi possível regravá-la e reencená-la diversas vezes, incluindo as belas versõesde Adriana Partimpim, em 2009, e a do próprio Edu, em 2013.

Poster original do show no Teatro Guaíra,
em Curitiba
Quase finalizando, Zizi vocaliza com brilhantismo o tema-título, o preferido do disco para o próprio Edu. Mas para finalizar mesmo, não havia de serem outros, que não os autores. Intercalando uníssonos e combinações vocais, "Na Carreira” é uma comovente marchinha circense de despedida, que deixa um sabor de pipoca e algodão-doce na boca ao final do espetáculo. Uma tradução poética da vida mambembe: “Hora de ir embora/ Quando o corpo quer ficar/ Toda alma de artista quer partir/ Arte de deixar algum lugar/ Quando não se tem pra onde ir”. A arte do palhaço presente em “Piruetas”, que Chico coescrevera para “Os Saltimbancos Trapalhões” (”Salta sobre a arquibancada/ E tomba de nariz/ Que a moçada/ Vai pedir bis”) empresta inspiração para “Na Carreira” quando esta diz: “Palmas pro artista confundir/ Pernas pro artista tropeçar”. Pode-se ler, aliás, como uma metáfora de artistas brasileiros como eles, saídos da Ditadura e vislumbrando um país livre e democrático com a então nascente campanha das Diretas Já!. Artistas estes que, igual ao que as duas músicas tratam, não desistem de apresentar sua arte, independentemente das condições. “O espetáculo não pode parar”, diz uma, e a outra: “Ir deixando a pele em cada palco/ E não olhar pra trás/ E nem jamais/ Jamais dizer/ Adeus”.

Desde então, Chico e Edu nunca mais se distanciaram. Vieram, na esteira de “O Grande...”, outras três trilhas para teatro da dupla: "O Corsário do Rei" (1985), "Contos da Meia-Lua" (1988) – também para o Guaíra – e "Cambaio" (2001), além da coletânea "Álbum de Teatro", de 1997. Desses, mais joias do cancioneiro nacional saíram, a exemplo de "Choro Bandido", "A Permuta dos Santos", "Bancarrota Blues" e "Ode aos Ratos". Mas nada se compara ao que realizaram naquele efetivo encontro no início dos anos 80 tanto na excelência das músicas quanto na coesão da obra, lindamente ilustrada por Naum. Revisitado várias vezes, seja nos palcos e até no cinema, "O Grande..." guarda qualidades incontestes, que o credenciam a ser considerado um marco na música brasileira. Quiçá, o maior. Se o próprio Edu a tem como uma das suas cinco melhores obras da assertiva, longa e nobre carreira, um indício bastante forte há nisso. O exigente Ed Motta, músico e colecionador, acha o mesmo. O tempo, sem dúvidas, ajudou a formar tal reputação. Fato é que, há 40 anos, esta trilha vem sendo notícia nos principais meios e consta não raro em listas de melhores discos da música no Brasil. “O Grande...” consolidou-se neste patamar e no imaginário do público. Um feito tão maravilhoso "de que tanto se tem ocupado a imprensa" há quatro décadas.

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clipe de "O Circo Místico", com Zizi Possi, no programa Bar Academia (1983)


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FAIXAS:
1. "Abertura do Circo (Instrumental)" (Edu Lobo) - 2:30
2. "Beatriz” (Milton Nascimento) - 5:01
3. "Valsa dos Clowns” (Jane Duboc) - 3:39
4. "Opereta do Casamento” (Coro) - 3:55
5. "A História de Lily Braun” (Gal Costa) - 3:51
6. "Meu Namorado” (Simone) - 2:44
7. "Sobre Todas as Coisas” (Gilberto Gil) - 5:00
8. "A Bela e a Fera” (Tim Maia) - 2:55 
9. "Ciranda da Bailarina” (Coro Infantil) - 2:22
10. "O Circo Místico” (Zizi Possi) - 3:41
11. "Na Carreira” (Chico Buarque & Edu Lobo) - 4:06
Faixas-bônus da versão em CD:
"Oremus - Coro (Instrumental)" (Edu Lobo) - 1:57
"O Tatuador (Instrumental)" (Edu Lobo) - 3:26
Todas as composições de autoria de Edu Lobo e Chico Buarque, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues