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quarta-feira, 19 de março de 2014

Tim Maia - "Nuvens" (1982)



“Arlênio pega a pelota/ E passa pro China/ Trindade pisa na bola/ Mas é bom menino.”
da letra de “Haddock Lobo, Esquina com Matoso”



Ed Motta, profundo conhecedor da música soul e, além de tudo, sobrinho de Tim Maia, disse certa vez: “’Nêgo’ tá de bobeira com negócio de [Tim Maia] Racional, muito menos musical. O lance é esse aqui.” O “lance” a que ele se refere é “Nuvens”, que seu tio gravara em 1982. Uma preciosidade da soul music brasileira da fase final da era black rio que Tim foi, se não o principal, um dos protagonistas juntamente com Cassiano, Hyldon, Dom Salvador, Érlon Chaves, Oberdan Magalhães, Carlos Dafé, entre outros craques. Tudo gente da maior categoria, músicos de primeira, a quem Tim, em “Nuvens”, faz questão de reverenciar de uma forma ou de outra.

O disco, assim, é uma volta às raízes da errante carreira desse junkie total chamado Tim Maia (afinal, o cara, cheirava, fumava, bebia e comia, tudo em excesso). Tim já era uma lenda desde o final dos anos 50, antes mesmo apresentar seu gogó de veludo ao mundo do entretenimento. Nos anos 60, viajou, no peito e na raça (negra), para os Estados Unidos em plena ebulição de Luther King e Black Panthers e em uma época que não era comum um preto sul-americano pobre fazê-lo (ainda não é...) para viver no gueto de Nova York fazendo música “y outras cositas mas”. Foi, evidentemente, deportado por porte de drogas... Voltou ao Brasil, foi gravado pelo já ícone Roberto Carlos e fez dueto com outro ícone, Elis Regina. Tudo isso antes do seu aguardado – e confirmado – debut solo, "Tim Maia" (1970) (já resenhado aqui no ClyBlog). Entre sucessos estrondosos ao longo da década seguinte (“Primavera”, “Não Quero Dinheiro”, “Você”, “Azul da Cor do Mar” e mais uma dezenas de hits), Tim também amargou fracassos homéricos, fosse pela sua inabilidade como empresário à frente da gravadora própria, a Seroma, fosse pelo comportamento de toxicômano ou pelo seu temperamento irascível, o que lhe indispunha diretamente com toda a indústria fonográfica. O limite da “irracionalidade” se deu em 1975, quando, em uma séria crise de abstinência, parou com todas as drogas químicas para se viciar na Cultura Racional, uma espécie de seita ocultista cuja filosofia ia do nada ao nada, mas que o motivou a gravar os dois históricos discos “Tim Maia Racional Vol. 1” e “Vol. 2”.

Após o (óbvio) fracasso do projeto (o Racional virou cult no mundo 30 anos depois sem render, no entanto, nenhum centavo ao bolso de Tim) e de um retorno com tudo às drogas, ele limpou-se de novo e ainda se recuperou nas paradas no final dos anos 70, mas tudo com mais baixos do que altos. Curiosamente, a despeito do caixa zerado, esse período de sua carreira é extremamente rico e fértil. Maduro como músico (tocava quase todos os instrumentos, do violão à bateria, além compor, arranjar e de dominar a mesa de estúdio), Tim enfileira discos excepcionais, como os homônimos de 1976 (que contém “Rodésia”) e 1978 (o todo em inglês) e “Reencontro”, de 1979 (o da linda “Lábios de Mel”). “Nuvens”, como Ed Motta ressalta, é o ápice dessa fase, e um dos segredos para tal êxito está justamente na volta às origens. Tim, então chegado aos 40 anos, parecia ter compreendido que era necessário não se afastar de todos, como fizeram na fase Racional, mas, sim, se reaproximar (física ou espiritualmente) daqueles que construíram sua história, expondo, assim, o que ele realmente era: um cara de talento ímpar, excêntrico e difícil, mas generoso e amigo.

Assim, voltam à cena Hyldon, Robson Jorge e, principalmente, o “genial Genival”: Cassiano, cuja participação já lá no primeiro álbum de Tim é fundamental. A faixa-título e de abertura, parceria de Cassiano com o “gringo brasileiro” Deny King, evidencia seu toque refinado. Como destaca Ed Motta: “tema do Cassiano lindaço, moderno harmonicamente”. De fato, a harmonia bossa-novista, com sinuosidades a la Marvin Gaye, ao mesmo tempo romântica e espacial, tem a sua cara. O paraibano contribui ainda com seu falsete e arranjo vocal no refrão, no qual forja, numa improvável alocação, a palavra “você” dentro de apenas meio tempo do compasso sobre um riff de metais matador. Genial. Genival. Cassiano.

O álbum segue com temas interessantíssimos: o sambão romântico “Outra Mulher”, ao estilo “Gostava Tanto de Você”, “Réu Confesso” e “Vou Correndo te Buscar”, característico de Tim; a foliosa “A Festa”, com uma levada de baixo em escala que é de um groove impressionante; a autoavaliativa “Ninguém Gosta de se Sentir Só”, cuja gostosa melodia lembra outra de Tim, “Brother, Father, Sister and Mother” (presente em “Tim Maia”, de 1976); e a balada quase bolero “Deixar as Coisas Tristes pra Depois”, também com a mãozinha de Cassiano no coro. Mais uma fruto de parceria com um “brother”, Robson Jorge, “Ar Puro”, de letra ecologicamente consciente numa época em que não era moda este termo (“Mas eis que estão matando o verde/ E o quê irá sobrar?/ Sujando os mares e os rios/ O volume do ar/ Ar.”), é daqueles soul super dançáveis, igualmente às versões de “O Trem”, tanto o tema instrumental (infalível em qualquer disco de Tim) quanto o “falado”, que tem improvisos super bacanas da banda Vitória Régia.

Ainda no espírito de resgates, Tim chama Hyldon para tocar na regravação do maior sucesso do amigo, “Na rua, na chuva, na fazenda (Casinha de Sapê)”, em que empresta seu vozeirão com direito a ouverdub para a pegajosa letra da canção: “Jogue suas mãos para o céu/ E agradeça se acaso tiver...”. Mas para muitos críticos e fãs é “Haddock Lobo, Esquina com Matoso” – endereço do bairro da Tijuca, Zona Norte do Rio, ponto de encontro de uns moleques que se tornariam algumas maiores nomes da MPB dos anos 50 até os dias de hoje – o verdadeiro hit de “Nuvens”. “Foi lá que toda a confusão começou”, alerta Tim! Pois foi lá que Tim formou seu primeiro grupo musical juntamente com Roberto Carlos, Arlênio Lívio (aquele que “pega a pelota”), o “bom menino” Edson Trindade (um dos grandes parceiros de Tim ao longo da carreira, autor do clássico “Gostava Tanto de Você”, gravada por Tim em 1973) e Wellington Oliveira, Os Sputniks, posteriormente, renomeado The Snakes, já sem Tim e Roberto mas com as substituições de outro Roberto, o China, e de outro Carlos, o Erasmo. Ele recobra esta origem de subúrbio ao trazer situações e personagens, como Jorge Ben (“A turma estava formada/ Com lindas meninas/ E o Jorge com um camarada/ Era o Babulina”) e os próprios Roberto e Erasmo (“Erasmo, um cara esperto/ Juntou com Roberto/ Fizeram coisas bacanas/ São lá da esquina...”). Como se vê, uma das lembranças gostosas desse tempo está relacionada a futebol, nas peladas que batiam pelas ruas quando meninos. Uma menção breve acerca do esporte, mas bastante simbólica no que se refere ao conceito de resgate emocional (Tim era um jogador de futebol frustrado) que o disco carrega.

Depois dessa passagem nostólgico-futebolística, merecem atenção dois funks. O primeiro,  “Apesar dos Poucos Anos”, de Tim e Cajueiro, mas que quem dá a roupagem caprichada é Cassiano na fineza da harmonia e da linha vocal com sutilezas de Nile Rodgers e Quincy Jones. Por último, justamente a faixa que encerra o disco, “Sol Brilhante”, uma canção, simplesmente, solar, tal seu colorido e boas energias que transmite: “Vê que dia lindo/ Com muito amor, viver sorrindo/ Com este sol da manhã/ Com este sol penetrante/ Sol brilhante...”. Tudo numa execução exata da banda, num ritmo swingado e com vocal aberto, cantado pra fora. Inspiração total. O jornalista e escritor Marcello Campos, admirador e conhecedor da obra do artista, que diz: “’A musica do Sol’ é uma das coisas mais lindamente felizes e inspiradoras que eu já ouvi. Lindo demais.”

Definitivamente, “Nuvens” é um dos mais ricos e bem-acabados trabalhos da longa e sinuosa carreira de Tim Maia, seja pelas interpretações, pelos arranjos perfeitos, pela diversidade rítmica – percebida antes com tanta variedade, a bem da verdade, somente nos Racional – ou pelas referências que absorve, que vão desde Banda Black Rio até Gaye, James Brown, Curtis Mayfield e Stevie Wonder, passando pelos companheiros de rock e soul dos anos 60-70 e o samba carioca. Tudo isso não quer dizer, entretanto, que “Nuvens” tenha sido um sucesso. Marcello Campos confirma isso: “Esse disco é ensolarado como a capa, mas, por questões ‘tim-maianas’, um fracasso de mercado“. Mas, como de costume na obra te Tim Maia, virou mitológico tempo depois. Qual a validade disso? Em relação a Tim Maia, “só não vale dançar homem com homem e nem mulher com mulher”. O resto vale.

"Haddock Lobo, Esquina com Matoso" - Tim Maia


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FAIXAS:
1. "Nuvens" (Cassiano/Deny King) - 3:05
2. "Outra Mulher" - 3:11
3. "Ar Puro" – (Tim Maia/Robson Jorge) - 3:08
4. "O Trem - 1ª Parte" - 1:56
5. "A Festa" - 4:26
6. "Apesar dos Poucos Anos" (Tim Maia/Beto Cajueiro)- 3:24
7. "Deixar as Coisas Tristes para Depois" (Pedro Carlos Fernandes) - 2:58
8. "Ninguém Gosta de se Sentir Só" - 3:13
9. "Haddock Lobo, Esquina com Matoso"- 3:53
10. "O Trem - 2ª Parte" - 1:56
11. "Na Rua, na Chuva, na Fazenda (Casinha de Sapê)" (Hyldon) - 3:38
12. "Sol Brilhante" (Tim Maia/Rubens Sabino) - 2:50
Todas de Tim Maia, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO





sábado, 9 de maio de 2015

Lucas Arruda – “Sambadi” (2013)





Musicalmente falando, eu acho que o que estou fazendo é, basicamente, a continuação de uma estética de linguagem musical que existe no Brasil desde os anos 60 e 70, mas que de repente ficou meio esquecida por aqui.”
Lucas Arruda

Esse cara é um gênio. Para mim, ele salva esse cenário supermedíocre de hoje”.
Ed Motta

Ano passado publiquei aqui no Clyblog uma lista dos meus melhores discos instrumentais brasileiros de todos os tempos. Salvo a minha ignorância de não listado a obra-prima de Robson Jorge e Lincoln Olivetti, de 1982 (menção esta aqui com a qual me sinto agora livre do justo espancamento), um que não incluí, pois ainda não o conhecia nem o entendia suficientemente devido à sua recência, é “Sambadi”, de Lucas Arruda, de 2013. Considero, no entanto, que desfaço agora duplamente a injustiça ao sagrá-lo como um ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, tanto por destacá-lo assim, exclusivamente, como pelo fato de ser o álbum mais recente sobre o qual já escrevi entre os meus mais de 40 para esta seção.

O certo é que esse destaque não se sustenta por um sentimento de culpa. “Sambadi” é que é muito bom. Primeiro disco deste talentoso jovem capixaba multi-instrumentista radicado no Rio de Janeiro, é ao mesmo tempo um trabalho autoral e raro na música brasileira dos últimos 20 anos como também uma homenagem aos ídolos da soul music e do samba-jazz brasileiro, forte nos anos 60 e 70 mas gradativamente desvalorizado a partir dos 80. O resultado é um disco semi-instrumental altamente sofisticado pela habilidade de Lucas, responsável por praticamente todos os instrumentos (a bateria, único que ele não toca, é de seu irmão, Thiago Arruda). As referências vão dos mestres norte-americanos Stevie Wonder, Curtis Mayfield e George Duke aos brasileiros Tamba Trio, Azimuth, Marcos Valle, Black RioSambrasa Trio, Ed Motta, os próprios Robson Jorge, Olivetti, entre outros dentre os que dominam o legado da MPB e o manancial estético oferecido pelo jazz e o R&B.

“Physis” dá a cara da abertura com uma linha de sintetizador marcando acordes que vão e voltam, acompanhados por vocalises de Lucas. Ao fundo, um clima muito brasileiro se forma com sons da natureza de nossa flora e fauna. Prenúncio da brasilidade que se sentirá fortemente a partir dali. Sem dar tempo de respirar, a primeira faixa emenda com “Tamba”, um samba-funk gostoso e sofisticado no qual Lucas manda ver em lindos improvisos de seus teclados (piano, Fender Rhodes e sintetizador). Nos tons médios, a guitarra, numa levada de mexer o esqueleto, sustenta a base junto com o Rhodes e a batida sincopada da caixa, enquanto o baixo e o bumbo mantém a seção grave. Afora a visível homenagem ao famoso trio de bossa-jazz dos anos 60 comandado pelo pianista Luiz Eça, a sonoridade remete mesmo durante todo o disco fortemente à Azimuth, outra grande banda da mistura de jazz e MPB, porém esta, já setentista, com o espírito fusion de então.

Aliás, a arquitetura timbrística de “Sambadi” respira o tempo todo a Rio de Janeiro e a essa atmosfera da Azimuth, e isso por dois motivos. Primeiro, pelo arranjo e produção serem do próprio Lucas Arruda, que encerra todas as músicas do disco dentro do mesmo conceito sonoro: bateria e/ou percussão e/ou programação de ritmo (uma ou duas juntas no máximo), guitarra, baixo, piano elétrico e sintetizador ou Fender Rhodes. Fora um ou outro instrumento ocasional (cavaquinho, violão) ou voz, as texturas do disco são permanentemente essas, o que lhe dá bastante coesão. E essa sonoridade é muito Azimith, principalmente no mitológico "Light as a Feather", de 1979, porém adicionando a isso a limpidez dos estúdios digitais de hoje. Segundo: quem executa tudo é apenas um músico: o próprio autor – fora a bateria, que também vêm de alguém do sangue Arruda. E com tamanho talento, tudo funciona redondinho. “Batuque” (outra referência a seus mestres, nesse caso, o clássico “Batucada Surgiu”, dos irmãos Valle, de 1967) acelera o ritmo mas mantém a mesma malemolência e elegância. Na percussão, além da bateria, um agogô joga o ouvinte pra dentro de um terreiro de samba. Nesta, Lucas investe em solos não só de seus teclados, mas também da guitarra, tudo sob uma linha de baixo 4/4 maravilhosa a la Ron Carter que lembra as realizadas pelo baixista norte-americano nas memoráveis gravações com os brasileiros Airto Moreira, Tom Jobim e Hermeto Paschoal.

A black music ganha um preito especial em “Who’s that Lady”, de autoria de O'Kelly Isley, do grupo soul norte-americano Isley Brothers, das poucas cantadas do disco. Clima sensual e charmoso nesse AOR que podia rodar em qualquer rádio retrô tipo Continental que os desavisados achariam que foi gravada nos anos 70. Sem percussão, apenas no piano elétrico e sintetizador, “Rio Afternoon”, na sequência, é quase uma vinheta atmosférica como a inicial “Physis”, demarcando agora o começo de uma nova seção do disco, como se o CD tivesse o lado B do vinil. Essa segunda parte começa com a também curta “Na Feira”, um baião hi-tech, provando o quanto Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira são sofisticados.

Tudo isso faz cama para a excepcional faixa-título em seus cerca de cinco minutos de puro desenvolvimento de solos e perícia nas linhas de base. O espírito nordestino se mantém na marcação metálica de um triângulo, que vem com os keyboards espaciais do Rhodes e uma rica linha de guitarra ao estilo Nile Rodgers. Uma programação eletrônica, associada à bateria e a percussões, aponta o ritmo. O baixo, entretanto, é um destaque à parte, denotando o quanto Lucas é ouvinte atento de suas fontes. Com uma letra quase incidental, ele canta versos que mais fazem dar sentido melódico à ideia de “samba de” (“Sambadi balada/sambadi quebrada/ sambadi embolada/ sambadi linha do mar...") do que para inventar poesia. A melodia, swingada e requintada, algo entre o samba e o funk, dá espaço tanto para os solos quanto para floreios dos instrumentos, principalmente da guitarra e do Rhodes.

Outra aberta lembrança à Azimuth, “Carnival” (alusão à “Jazz Carnival”, sucesso da banda de José Roberto Bertrami) põe ainda mais groove no samba. Já “Alma Nova” faz cair novamente o ritmo para aclimatar uma bela bossa-nova romântica, a última com letra de verdade. Lucas canta com leveza e afinação sobre uma batida de violão sincopada, característica do estilo, somada a um acompanhamento na bateria do irmão Thiago digno de um Milton Banana ou um João Palma. O piano e o Rhodes estão ali funcionando no arranjo como integradores da faixa ao restante do repertório mesmo com a estética distinta que a bossa-nova impõe. Para arrematar, uma nova sequência de “Tamba”, finalizando o álbum novamente com um instrumental de alto virtuosismo.

Festejado por gente do calibre de Ed Motta, por quem a admiração é recíproca, o surgimento de Lucas Arruda vem como um raiar de esperança na música brasileira contemporânea tão infestada pelo medíocre, conformada com o mediano e, quando melhor que isso, ainda ditada por artistas de gerações (bem) anteriores. Ironicamente, o que acontece com Lucas Arruda é a repetição do que muitas vezes já se viu em terras tupiniquins: seu trabalho foi apreciado antes no exterior (no caso dele, Europa e Japão) para depois receber atenção aqui. Pouca, diga-se de passagem. E se a galera da MPB pós-bossa-bova está toda na faixa dos 70 anos, o aparecimento de um guri de apenas 32 de idade (30 quando gravou “Sambadi”) é no mínimo alentador. Com uma estreia luminosa como essa isso se torna ainda mais promissor. Neste sentido, não parece coincidência que seu novo CD, lançado em março desse ano (novamente primeiro no exterior) traga um título consideravelmente simbólico: “Solar”.

Lucas Arruda - Sambadi (Radio Edit)
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FAIXAS:
1. Physis - 1:15
2. Tamba, Pt. 1 - 7:10
3. Batuque - 5:38
4. Who's That Lady (O'Kelly Isley) - 3:40
5. Rio Afternoon - 1:37
6. Na Feira - 1:29
7. Sambadi - 5:18
8. Carnival - 3:30
9. Alma Nova (Arruda/Fabricio Di Monaco) - 5:33
10. Tamba, Pt. 2 - 4:41

todas as composições de autoria de Lucas Arruda, exceto indicadas.
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OUÇA O DISCO








terça-feira, 10 de março de 2020

Marisa Monte - "Mais" (1991)



"Ela tem umas coisas
 que nasceram com ela:
carisma, uma beleza calma
e uma enorme cultura musical."
Nelson Motta




Ela já havia interpretado uma música deles em seu álbum de estreia e, não muito tempo depois, um encontro num especial da Rede Globo que a colocava no mesmo palco com os Titãs, além de servir de alavanca para o namoro com o baixista Nando Reis, encaminharia a parceria que se materializaria objetivamente, logo ali adiante no excelente álbum "Mais", de 1991 e ainda abriria o caminho para, mais futuramente, o projeto Tribalistas, já mencionado aqui nos A.F., de Marisa, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, que faz a percussão em grande parte das músicas. "Mais" pode até parecer, num primeiro momento, uma espécie de projeto alternativo dos Titãs com outro tipo de concepção vocal, dada a quantidade de músicas em que eles têm, no mínimo, participação nas composições. Causa ou consequência da então recente relação de Marisa com Nando, a parceria com os Titãs refletiria na linguagem do trabalho como um todo, até mesmo, de certa forma nas versões de outros artistas. Com exceção de "Rosa", de Pixinguinha, de estrutura mais complexa e letra rebuscada, a maioria das outras covers poderia caber, sem problemas num disco do octeto paulista, como no caso de "De Noite na Cama", de Caetano Veloso, por exemplo, a adaptação do folclores nordestino, "Borboleta", e até mesmo, por incrível que pareça, "Ensaboa", de Cartola, que dentro do espectro da obra do mestre da Mangueira, pode ser considerada uma de suas letras mais minimalistas e de estrutura diferenciada. Mas seria uma injusta simplificação reduzir o trabalho a uma experimentação titânica. "Mais" é muito mais! Marisa Monte canta, encanta, brinca, emociona, impressiona. Com produção do norte-americano Arto Lindsay, o disco é eclético sem ser pretensioso e tem um equilíbrio perfeito entre as faixas o que faz com que seja prazeroso e mantenha um frescor mesmo para quem já o conhece de muitas audições.
"Beija Eu", com letra de Arnaldo Antunes, comprova que o mesmo cara que fazia coisas como "Saia de Mim", era capaz de compor algo tão belo e delicado como aquela faixa de abertura, que, por sinal, não merecia outra interpretação que não à de Marisa Monte, doce e graciosa. "Volte para o seu lar", rebelde e impositiva, é a mais titânica das músicas do disco, contando com uma leitura musical perfeita de Marisa que dosou com sabedoria a melodiosidade com a pungência da letra ("Aqui nessa casa/ Ninguém quer a sua boa educação/ Nos dias que tem comida/ Comemos comida com a mão...", "Aqui nessa tribo/ Ninguém quer a sua catequização/ Falamos a sua língua/ Mas não entendemos o seu sermão"...). "Ainda Lembro", canção de amor elegante e de muito bom gosto, conta com a luxuosa participação de Ed Motta compõe com Marisa um dueto que pode se incluído entre os grandes da música brasileira. Em "De noite na cama", Marisa dá um ar leve à canção de Caetano Veloso, inúmeras vezes regravada na discografia nacional, desta vez com uma interpretação bem solta e alegre; e a "Rosa", de Pixinguinha e Otávio Cruz, a confere senão a versão definitiva, no mínimo uma das mais memoráveis. E em "Borboleta", cantiga tradicional do nordeste, Marisa Monte começa fazendo a voz pairar suavemente sobre nosso jardim sonoro para em seguida, sobre uma base acústica, desfilar seu canto doce e gracioso.
Marisa começa esticando a voz em "Ensaboa", sugerindo um cântico de lavadeiras, a música ganha um coro no refrão que também remete a um canto do trabalho conjunto na beira do tanque e de ribeirões, e culmina num pout-pourri, simplesmente extático, com "Lamento da Lavadeira", "Colonial Mentality", "Marinheiro Só", "A Felicidade" e "Eu Sou Negão". Espetacular!
"Eu não sou da sua rua", outra muito titânica, é uma espécie de "Lugar Nenhum"l mais leve e melancólica. "Diariamente", de Nando Reis, uma das melhores do disco, usa um formato em lista, como era característico dos Titãs em músicas como "Nome aos bois", do próprio Nando, só que aqui com atividades e situações rotineiras, numa anáfora conduzida de maneira brilhante pela cantora sobre uma base de violão constante e repetida.
Marisa se aventura pela primeira vez em uma composição solo e se sai bem na gostosa "Eu Sei";
"Tudo pela metade", parceria de Marisa com Nando, talvez seja a mostra mais perfeita no álbum do êxito da combinação de seu estilo com o dos Titãs, ficando bem evidenciado o ponto onde acaba um, começa o outro e onde se fundem. Um pop delicioso de refrão cativante e que fica mais bacana ainda na última vez em que se repete com um coro de crianças bem espontâneo e "bagunçado"; e "Mustaphá", uma balada zen, tranquila, com um belíssimo trabalho de violão, fecha o disco com competência.
"Mais" era a confirmação de Marisa Monte. Se passara uma boa impressão com o primeiro disco "MM", um ao vivo só de versões de outros artistas, mas deixara uma certa dúvida sobre ser ou não um daqueles fenômenos efêmeros que parecem de vez em quando, este disco mostrava que ela não era só mais uma cantora de um ou dois hits. Ela chegara para ficar. Era mais uma das grandes mulheres da música brasileira. Uma mulher com M maiúsculo! M de música, M de Marisa, M de Mais.

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FAIXAS:
1."Beija Eu" -  Marisa Monte, Arnaldo Antunes, Arto Lindsay (3:10)
2."Volte Para o Seu Lar" - Arnaldo  Antunes (4:41)
3."Ainda Lembro" - (participação especial de Ed Motta) - Marisa Monte, Nando Reis (4:05)
4."De Noite na Cama" - Caetano Veloso (4:24)
5."Rosa" - Pixinguinha, Otávio de Souza (2:43)
6."Borboleta" - Folclore Nordestino (1:56)
7."Ensaboa (Lamento da Lavadeira)" - Cartola, Monsueto Menezes (4:15)
8."Eu Não Sou da Sua Rua" - Branco Mello, Arnaldo Antunes (1:29)
9."Diariamente" - Nando Reis (4:05)
10."Eu Sei (Na Mira)" - Marisa Monte (2:40)
11."Tudo Pela Metade" - Marisa Monte, Nando Reis (4:11)
12."Mustaphá" - Marisa Monte, Nando Reis (2:23)
******************
Ouça:
Marisa Monte - Mais


Cly Reis

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

ClyBlog 5+ Artista/Banda


Qual a sua banda do coração?
Qual seu cantor predileto?
Qual a maior cantora, na sua opinião?
E aquele que não canta nada mas você curte assim mesmo?
E banda? Qual a maior banda de todos os tempos? Beatles ou Stones? (ou nenhum dos dois?)
Todo mundo tem os seus favoritos, não é? Por isso, na sequência dos especiais de 5 anos do clyblog  perguntamos a 5 amigos quais seus artistas de música prediletos, sejam eles cantores, cantoras, performers, bandas, instrumentistas, DJ's, etc. O que saiu disso foram mais algumas interessante listinhas dos nossos convidados.
Saquem só aí: clyblog 5+ artista/banda.



1. Renata Seabra
fotógrafa
(Rio de Janeiro/RJ)


"Nem preciso pensar. Sei bem minhas preferências
A lista é extensa mas meu 'top 5'' ta aí."

A Legião, banda de devoção 
quase religiosa dos fãs



1 - The Cure
2 - The Smiths
3 - Legião Urbana
4 - Metallica
5 - Chico Buarque







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2. Marcello Campos
jornalista e
escritor
(Porto Alegre/RS)


"Chico é o casamento perfeito de letra e música. 
Letra é sempre o menos importante, mas gênios como Chico me fazem prestar atenção no "conteúdo". 
Até porque são letras em que as palavras e a narrativa não são apenas legendas para a obra de arte abstrata, 
mas parte da própria construção formal.
Ed Motta, tal como um Hitchchcok da música brasileira,
é um exemplo de que se pode ser popular e sofisticado ao mesmo tempo, tal como um xis-burguer de cordeiro.
Parliament/Funkadelic, além dos grooves, me ensinaram que boa música dispensa a necessidade de boas letras e temas lógicos.
Ou seja, a boa e velha lição de que nem sempre se precisa levar as coisas a sério!
Rachmaninoff, o russo me despertou para a música clássica,
com um trabalho que influenciaria dois de meus ídolos supremos, Astor Piazzolla e Tom Jobim.
João Gilberto. A síntese. A beleza e o estranhamento que me fizeram ouvir um "clic", em 1980,
quando eu assistia distraidamente a novela "Água Viva" na Rede Globo.
Assim que ouvi "Wave", corri pra perguntar aos adultos quem era aquele cantor."



Chico Buarque



1 - Chico Buarque
2 - Ed Motta
3 - Parliament/Funkadelic
4 - Sergei Rachmaninoff
5 - João Gilberto






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3. Michele Santos
estudante de engenharia,
música e 
colaboradora do ClyBlog
(Viamão/RS)


"Ai que difícil!
Não pode ser duas listas de 5?
Listo mais 5 sem problemas."

1 - Pink Floyd
2 - The Rolling Stones
3 - The Allman Brothers
4 - Iron Maiden
5 - Guns'n Roses




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4. Márcio Pinheiro
jornalista e
crítico musical
(Porto Alegre/RS)
João Donato, destacado pelo
crítico Márcio Pinheiro


"Nem sei se o Chico é top.
Falei os cinco que mais ouço.
E por ouvir, ao longo da vida, diria que o top talvez fosse o Jorge Ben.
Jobim e Donato foram paixões velhas.
Já tinha 20 anos quando os descobri."

1 - Chico Buarque
2 - Tom Jobim
3 - João Donato
4 - Jorge Ben
5 - Caetano Veloso




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5. Paulo Roberto Guazzi
publicitário,
coordenador de eventos
e músico
(Rio de Janeiro/RJ)


"Eu tenho um gosto bastante eclético, mas acho que meus cinco principais são esses.
Beatles não poderia faltar. "



Não poderiam faltar os quatro rapazes de Liverpool
















1 - The Beatles
2 - The Rolling Stones
3 - Emerson, Lake and Palmer
4 - Black Sabbath
5 - Led Zeppelin






sexta-feira, 26 de agosto de 2016

ÁLBUNS FUNDAMENTAIS ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO, ClyBlog 8 anos - Robson Jorge & Lincoln Olivetti - "Robson Jorge & Lincoln Olivetti" (1982)

Minha Bíblia Musical
por Lucas Arruda


“O disco solo do Lincoln Olivetti e do Robson Jorge é uma referência de que é possível fazer um disco bem gravado MESMO, em qualquer condição, basta dedicação e talento”.
Ed Motta



Alegria imensa em poder falar um pouco deste álbum! Pessoalmente, é o disco que mais influenciou em termos de arranjo, sonoridade, composição. Minha bíblia! Um registro magistral da parceria do Robson e Lincoln, dupla de músicos e produtores que dominou a produção musical no Brasil durante a década de 80.

Este disco representa toda a perfeição técnica que os dois sempre buscaram em suas produções e traz um time incrível de músicos, os melhores daquela geração! Paulo Cezar Barros, Jamil Joanes, Picolé, Paulo Braga, Mamão, Oberdan Magalhães, Leo GandelmanMárcio Montarroyos, Bidinho, Serginho do Trombone, Zé Carlos Bigorna e outros brilhantes músicos. Um supertime!

São 12 faixas que trazem a mais perfeita simbiose entre a black music norte-americana e a música brasileira. Os arranjos de sintetizadores explicam porque Lincoln é chamado de mago, e o Robson é sem dúvida um dos maiores músicos que este país viu, embora incrivelmente pouco citado!

A primeira música que ouvi deste álbum foi a balada "Eva". Destaque para o trabalho rítmico das guitarras do Robson nesse disco, assim como a melodia tocada em uníssono com a voz. Aliás, essa é uma característica forte do álbum. Canções instrumentais, com os vocalises do Robson às vezes cantando pequenos trechos de letra, outras vezes a melodia. Tomo a liberdade de dizer que isso me influencia muito.

Tem algo de muito incrível nesse disco! A capacidade de criar hits sem letras, ou com apenas uma palavra, como o clássico “Aleluia!”. Esta é a faixa mais conhecida deste disco, e traz ecos do Earth, Wind and Fire. Ninguém no Brasil conseguiu traduzir essa sonoridade como os dois fizeram. Nota-se também a influência da música latina (“Raton” e o medley “Baila Comigo/Festa Brava”).

Outra canção que evidencia a habilidade do Robson como guitarrista é o funk "Pret a Porter". Aliás, ouso dizer que este disco pode ser muito mais classificado como um disco de música norte-americana influenciado por música brasileira do que o contrário. É um disco que realmente pode ser equiparado às produções norte-americanas da época em termos de sonoridade e qualidade técnica.

O disco abre com “Jorgea Corisco”, segue para a balada “No Bom Sentido” e logo após “Aleluia!”. Depois a latina “Raton” e a genial “Pret a Porter”. “Squash”, com lindas dobras de synth e guitarras e a canção “Eva”, com um clima quase blaxploitation. “Fá Sustenido” apresenta quase um acento reggae nas guitarras e lindo arranjo de vocoder. Passamos pelo samba do morro no interlúdio “Zé Piolho” e seguimos pro medley “Baila Comigo/Festa Brava”. Finalizando: o samba funk “Ginga” com um poderoso naipe de metais e a última faixa do disco: “Alegrias!”.

Mas na verdade não consigo ser muito teórico ao falar deste trabalho. Eu amo este disco! É um álbum que abriu muitos caminhos musicais na minha cabeça, e sou eternamente grato por esse trabalho existir. Recentemente, durante as gravações do meu terceiro disco, tive o prazer de trabalhar com o grande Edu Costa, engenheiro de som e braço direito do Lincoln em suas produções. Pude ouvir muitas histórias incríveis e absorver um pouco do universo dos dois.
Recomendo muito! E pra quem ainda não ouviu com atenção, ouça! É uma obra-prima! Felizmente este disco vem sendo cada vez mais cultuado. E assim como outros clássicos é um trabalho sempre presente na minha vida. Referência forte, sempre!

Robson Jorge & Lincoln Olivetti - "Pret-à-Porter"

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FAIXAS:
1-Jorgea Corisco
2-No bom sentido
3-Aleluia
4-Raton (Contesini)
5-Pret-à-porter
6-Squash
7-Eva (Ronaldo, Olivetti, Jorge)
8-Fã sustenido
9-Zé Piolho
10-Baila comigo (Roberto de Carvalho, Rita Lee)/Festa braba (Olivetti, Jorge)
11-Ginga
12-Alegrias
todas as composições de autoria de Lincoln Olivetti e Robson Jorge, exceto indicadas
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OUÇA O DISCO:




Natural do Espírito Santo, Lucas Arruda é um jovem compositor, cantor, arranjador, produtor e multi-instrumentista. Um dos maiores talentos da música brasileira dos últimos anos, leva suas influências de soul, funk, MPB, jazz, rock e blues ao mundo, principalmente a Europa e ao Japão, onde é reverenciado. Em fase de conclusão de seu mais novo trabalho, tem dois discos: "Sambadi", de 2013, integrante da lista dos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS do ClyBlog, e o igualmente elogiado “Solar”, de 2015. Um digno representante da linhagem dos músicos do jazz-soul brasileiro, que passa por AzymuthBlack Rio, Marcos Valle, Robson, Lincoln e Ed Motta. Lucas foi especialmente convidado pelo Clyblog para falar sobre um disco de sua predileção em razão das comemorações pelos 8 anos do blog.
www.facebook.com/lucasarrudaofficial/?fref=ts

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Donald Fagen - "Kamakiriad" (1993)



“O ápice da música pop:
Steely Dan e os solos Donald Fagen.
Eu nunca escutei NADA melhor e mais inteligente que isso.
Numa coleção de quase 30 mil discos esses são meus favoritos,
poderia escutar somente isso a vida toda.
Está tudo sintetizado numa coisa só:
soul, pop, jazz, rock, broadway, soundtrackish jazz, folk, funk, reggae, etc.”
Ed Motta


Gosto do Steely Dan desde 1972, quando ouvi na Continental 1120, pela primeira vez “Do It Again”. Meu próximo encontro com a banda seria dois anos depois quando “Rickie, Don't Lose That Number” fez sucesso. Mas só fui levar a banda a sério aos 17 anos, quando ouvi “Aja”. Claro que não entendi de imediato aquela mistura de música pop com jazz, já eu que estava me iniciando no assunto. Só fui começar a decifrar o SD e virar fã quando saiu o “Gaucho”, que eu comprei na Flora Viaduto o LP usado, mas inteiro, como vários de nós fizeram naqueles tempos.
Toda esta introdução tá aí em cima pra dizer que meu disco favorito da turma não é do Steely Dan, mas do cantor e tecladista do grupo, Donald Fagen, metade da laranja criativa que ele formou com o guitarrista e baixista Walter Becker, depois que demitiu todo mundo e resolveu que era muito mais interessante usar os músicos de estúdio à disposição em Los Angeles e em Nova Iorque.
O disco se chama “Kamakiriad” e foi lançado em 1993, onze anos depois do Fagen colocar nas lojas – e fazer muito sucesso – com seu primeiro trabalho solo, “The Nightfly” e a canção I.G.Y. (International Geophysical Year). Desde 1981, ele e Walter não se falavam. O guitarrista tinha produzido um monte de gente, especialmente a cantora e compositora Rickie Lee Jones em seu CD “Flying Cowboys”. Mas, em 1993, resolveram deixar de lado as diferenças e partiram para a produção do segundo disco solo de Fagen. E deu muito certo.
“Kamakiriad” é uma viagem conceitual beirando a science-fiction. Fagen inventou um carro, o tal Kamakiriad, que é autossustentável, tem até uma horta hidropônica dentro. E as faixas do disco contam os passeios malucos que Fagen faz dentro deste veículo maluco. Parece disco de bandas de prog rock mas não é. Tem um balanço e um swing digno dos melhores trabalhos do Steely Dan. Confesso que minha escolha por este disco é puramente sentimental. Comprei ele em 93 e nunca consegui parar de ouvir nestes 20 anos.
As viagens de Fagen em seu “Kamakiriad” começam com “Trans-Island Skyway”, onde Becker e o outro guitarrista Georg Wadenius criam uma teia de sons, enquanto o baixo (também tocado por Becker) segura o ritmo com o baterista Leroy Clouden. E estamos ouvindo um disco do Steely Dan. Já em “Countermoon”, Donald Fagen faz uso extensivo das possibilidades dos backing vocais, especialmente no final da canção onde Katherine Russell se estrebucha cantando “All Beware!!” sob o sax tenor do havaiano Illinois Elohainu. Como sempre fez. “Springtime” inicia com o baixo e uma percussão que parece ser programada mas não é. Assim como a bateria. Neste disco, fica mais claro o fascínio de Fagen & Becker por um ritmo mais estático, ao contrário dos discos do SD, onde nomes como os dos bateristas Steve Gadd, Jim Gordon, Ed Greene, Bernard Purdie e Jeff Porcaro brilhavam sobre as harmonias intrincadas e jazzísticas da dupla. E como em todo o disco, os sopros estão em contraponto com as guitarras e os teclados.
Esta predileção por steady rhythms - se vocês me permitem o inglês - fica bem marcada em “Snowbound”. Chris Parker mantém a batida, enquanto o órgão Hammond B-3 de Fagen vai pontuando ao lado das guitarras e do naipe de sopros. O fender rhodes tece aquelas harmonias steelydanescas. E a gente vai batendo o pezinho, se o Arthur de Faria me permitir usar esta “figura de linguagem”. “Tomorrow's Girls” é o que de mais aproximado temos no disco de um “hit”. Virou inclusive clip da MTV. Como todas as letras do Steely Dan são quase indecifráveis, devido ao intrincado jogo de palavras e referências que os rapazes criam, o clip também ficou “difícil”. Mas a canção é irresistível. Daquelas que a gente ouve e sai cantando pela rua, mesmo que ela tenha TRÊS refrãos diferentes, dentro da mesma métrica, é claro. Também aqui os produtores dão todo espaço a uma bateria de backing vocais que vão de Amy Helm (filha da mulher de Fagen, Libby Titus com o baterista do The Band, o falecido Levon Helm) aos irmãos Brenda & Curtis King. No final, Becker sola enlouquecidamente sobre uma cama de sopros.
“Florida Room” é uma das preferidas do disco. Tem um clima caribenho. E o refrão fala disso: “Quando o verão se vai / eu me apronto / para fazer aquela corrida pro Caribe / Tenho de ter /algum tempo sob o sol / Quando o vento frio chega / Eu sei onde as dálias florescem / Acabo voltando / pro seu quarto na Flórida”. O naipe de saxofones, trompetes e trombones está presente toda a música, sobre aquele ritmo “latino versão americana”. Mas o destaque absoluto é pro solo de sax tenor do grande e falecido Cornelius Bumpus. Um mestre em colocar as notas certas num espaço exíguo dos compassos que a dupla lhe dava.
Já em “On the Dunes” o clima não é tão ensolarado, pra não dizer sombrio mesmo. Fagen e Bekcer viram tudo do avesso. Começam com teclados e guitarras fazendo esta harmonia durante toda a canção. Na letra, o Kamakiriad para na praia e acontece um homicídio nas dunas, enquanto “barcos bonitos passeiam pela orla/ nas luz que escasseia/ mulheres bonitas com seu amantes a seu lado/ é como se fosse um sonho terrível/ que eu tenho toda a noite”. Mais uma vez, Bumpus manda ver no seu tenor. Entretanto, a estrela total desta canção está nos quase 4 minutos de solo de bateria de Christopher Parker sobre a harmonia final que vai se mantendo, como se fosse um ostinato. E não é um solo comum. Parker vai pontuando dentro dos espaços arquitetados por piano acústico, baixo, guitarras e sintetizadores. Genial.
“Teahouse on the Tracks” é o destino final do “Kamakiriad”, o local onde o narrador desta viagem se encontra com sua garota e diz que ela tem uma última chance de “aprender a dançar no Teahouse on the Tracks”. Aqui de novo, a bateria parece ser programada. Muita guitarra rítmica e teclados fazem a cama onde o trombone de Birch Johnson se esbalda.
Como em todos os discos do Steely Dan, Donald Fagen & Walter Becker trabalham com estruturas reconhecidas pelos ouvidos acostumados com a música pop, mas radicalizam nos detalhes, nas harmonias diferenciadas e na utilização do potencial de cada músico para cada canção. Eles sabem escolher quem vai tocar em seus discos. “Kamakiriad”, por isso, pode ser ouvido despretensiosamente. Mas se você prestar a atenção, tenho certeza que será fisgado.
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FAIXAS:
1. "Trans-Island Skyway" (Fagen) – 6:30
2. "Countermoon" (Fagen) – 5:05
3. "Springtime" (Fagen) – 5:06
4. "Snowbound" (Walter Becker, Fagen) – 7:08
5. "Tomorrow's Girls" (Fagen) – 6:17
6. "Florida Room" (Fagen, Libby Titus) – 6:02
7. "On the Dunes" (Fagen) – 8:07
8. "Teahouse on the Tracks" (Fagen) – 6:09

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OUÇA: