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sábado, 13 de novembro de 2010

Jorge Ben - "A Tábua de Esmeralda" (1974)



"É VERDADE
SEM MENTIRA
CERTO MUITO
VERDADEIRO"


Por diversas vezes já li por aí que seria este o maior disco da música brasileira.
É provavelmente o disco mais declaradamente influente na discografia nacional: canso de ver, ler, ouvir artistas dos mais variados dizerem que este, "A Tábua de Esmeralda"  fora o disco que mais influenciara seus trabalhos: Samuel Rosa do Skank, Fred 04 do Mundo Livre S.A., Falcão dO Rappa, Mano Brown dos Racionais, e por aí vai.
Talvez o disco brasileiro que mais tenha causado aquela vontade de tocar, de ter uma banda, de fazer um som, provavelmente por conter toda aquela brasilidade, aquele swing, aquele balanço, mas com uma linguagem (incrivelmente) tão universal, com todo aquele rock, com doses de reggae, de funk, de soul e tudo mais de todos os ritmos negros possíveis.
Depois de uma estréia incrível com o ótimo "Samba Esquema Novo", Jorge Ben meio que se repetiu na sequência com “Ben é Samba Bom” e “Sacudin Ben Samba”, e mesmo mantendo um nível de qualidade bastante interessante, não apresentou nada de muito impressionante nos discos seguintes, exceção feita, na minha opinião a “Ben” de 1972, que também merece destaque especial. No entanto, sua evolução era notória, era gradual, e agregando um elemento daqui, outro dali, experimentações, influências, experiência musical, em 1974, com “A Tábua de Esmeralda”, Jorge atingia então um patamar superior na sua obra e na música brasileira como um todo.
Sob a luz de suas novas descobertas e estudos acerca de misticismos, escritos antigos, alquimistas, santos, magos e outros assuntos metafísicos, o ‘sambista-roqueiro’ concebia então um álbum verdadeiramente mágico. Uma obra criativa, coesa, refinada e de uma sofisticação que talvez nem ele mesmo tivesse noção naquele momento. 
A produção é mais trabalhada e detalhada que nos discos anteriores, em parte, até para transmitir uma sensação etérea, algo cósmica, com ecos e efeitos; mas não se limitava a isso: há cordas em várias canções, os côros tem uma orientação direcionada ao que se pretende de cada sonoridade, o violão de Jorge Bem soa diferente a cada faixa. É primoroso.
O disco abre com “Os Alquimistas Estão Chegando os Alquimistas” e seu côro condutor marcante, num samba bem no seu estilo característico com aquela levada forte do violão mas já com uma letra que dá a tônica do disco: o lado místico do universo. O assunto ronda praticamente todo o disco, desde a capa com gravuras que o alquimista Nicolas Flamel encontrou no livro de Abraão, passando por uma citação ao título do livro de Erich Von Däniken, “Eram os Deuses Astronautas?” na faixa “Errare Humanun Est”, ou por uma letra adaptada de um escrito antigo que o faraó Hermes Trismegisto teria feito em uma lâmina de esmeralda, gerando uma inusitada 'parceria' do músico com o tradutor da tábua, o alquimista Fulcanelli como letrista, por assim dizer; ou ainda mesmo em faixas que aparentemente não tem nada a ver com a coisa toda, como a excelente “O Homem da Gravata Florida”, que reverencia o alquimista Paracelso.
Mas fora a coisa toda de misticismo, esoterismo e coisa e tal, é mesmo musicalmente que o álbum manda ver: “Menina Mulher da Pele Preta”, uma das grandes do disco é um daqueles sambas sensuais que o cara sabia fazer como poucos; a já citada "Errare Humanum Est" vai num crescendo mágico até finalizar num ápice de cordas acompanhado de uma contagem regressiva pra subir pro espaço; “O Namorado da Viúva” é um sambinha irreverente e gostoso também bem típico dele assim como a delicada “Magnólia” que traz um saboroso refrão. “Zumbi”, uma de suas melhores letras, é um samba cheio de swing também contando com arranjo de cordas e com uma retaguarda vocal bem bacana que dá peso e força à música; a genial “Brother” é um funk cadenciado com toques de gospel e uma letra num inglês tão tosco que faz de uma música que tinha tudo pra ser apenas uma cópia de estilos americanos, torne-se algo extremamente original; e o disco fecha em grande estilo com a melancólica “Cinco Minutos (5 Minutos)” com uma interpretação fantástica, inspirada e emocionante de Jorge, com um violoncelo choroso criando toda uma atmosfera de despedida. Grand finale!
Um dos discos mais IMPORTANTES da música brasileira e um dos melhores dela. Um dos poucos que é praticamente unanimidade entre público, críticos e músicos. Infelizmente nem todos que o ouviram, se inspiraram nele, conseguiram fazer algo de bom: o tal samba-rock se popularizou e vulgarizou e no fim das contas virou um balaio de gatos só. Mas se existe tal termo e se tem alguém que possa merecer ser considerado mestre na matéria é Jorge Ben, e um disco que simbolize toda sua qualidade e criatividade, é "A Tábua de Esmeralda".
Alquimia pura!
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FAIXAS:
  1. Os Alquimistas Estão Chegando os Alquimistas
  2. O Homem da Gravata Florida (A gravata florida de Paracelso)
  3. Errare Humanum Est
  4. Menina Mulher da Pele Preta
  5. Eu Vou Torcer
  6. Magnólia
  7. Minha Teimosia, Uma Arma para te Conquistar
  8. Zumbi
  9. Brother
  10. O Namorado da Viúva
  11. Hermes Trismegisto e sua Celeste Tábua de Esmeralda (Tratado Hermético Escrito Pelo Faraó Egpicio Hermes Trimegisto e Traduzido Por Fulcanelli)
  12. Cinco Minutos (5 minutos)
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Ouça:
Jorge Ben A Tábua de Esmeralda


Cly Reis


segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

"A Tábua de Esmeralda: Jorge Ben", de Paulo da Costa e Silva, coleção O Livro do Disco - editora Cobogó (2014)




"Quanto mais eu ouvia Jorge  Ben, mais eu percebia que sua música é capaz de induzir
a um determinado estado de espírito: um estado de plenitude e força,
capaz de inspirar uma atitude altiva perante a vida.
Não por acaso sua lira é recheada de incríveis heróis, obstinados e orgulhosos guerreiros."
Paulo da Costa e Silva


"Ele é um enigma, porque ninguém sabe de onde vem a música de Jorge Ben (...)
Não é Jackson do Pandeiro, não é o pessoal do samba tradicional, 
também não é um cara que "Ah, esse cara trouxe o rock pro Brasil",
como o Tim Maia trouxe o soul.
Ele faz samba com algum tempero de música pop, rock, que depois foi ampliando,
chegou até a juntar samba enredo com disco music, fez algumas fusões assim,
mas ele realmente é um enigma, porque foi a alquimia mental dele
que transformou o samba no que ele fez.
Ele criou um samba dentro do samba..."
Tárik de Souza
jornalista, escritor e crítico musical



Desde o primeiro momento em que dei de cara com os títulos da coleção "O Livro do Disco" fiquei enormemente empolgado com a ideia e com a iniciativa de examinar grandes discos de forma mais detida e aprofundada. Muito desse entusiasmo deve-se ao fato que o conceito da coisa é muito próximo ao que fazemos aqui no ClyBlog na seção ÁLBUNS FUNDAMENTAIS onde dissecamos grandes discos de todos os tempos e todos os estilos buscando enaltecer as grandes virtudes que fazem daquela obra um trabalho de exceção. O interessante é que, assim como a nossa seção aqui do blog, a coleção da editora Cobogó não se amarra a um formato apresentando linhas de construção e análise diferentes entre os autores, valorizando ainda mais o projeto e mantendo sempre renovado o interesse para a leitura dos demais números.
"Unknown Pleasures" do Joy Division, o primeiro que li, esmiuçado pelo jornalista Chris Ott, tinha uma abordagem um pouco mais precisa e técnica, fixando-se muitas vezes em números, datas, equipamentos, pormenores e etc., sem deixar no entanto de chamar atenção para letras, motivações e outros aspectos particulares da banda. Leitura extremamente válida e rica, especialmente para os interessados em cada detalhe da obra de uma banda que tinha um trabalho de pós-produção muito significativo em grande parte por conta de seu produtor, Martin Hannet, um gênio de estúdio que se por um lado era altamente excêntrico, por outro era extremamente profissional, perfeccionista e exigente.
"Daydream Nation" do Sonic Youth é mais emocional. O autor Matthew Stearns descreve cada elemento com um fervor e paixão admiráveis. Se o do Joy Division repassava tudo, inclusive os singles da época, neste do Sonic Youth, os capítulos formam os lados do LP e cada lado (de um disco duplo) apresenta cada uma das faixas.
O que trata do disco de Jorge Ben, "A Tábua de Esmeralda", do pesquisador  Paulo da Costa e Silva, me surpreendeu uma vez que a proposta do autor foi a de não falar especificamente do disco e de suas faixas e sim abordá-lo de um modo mais amplo, mencionando suas músicas, é claro, mas não ordenando o livro e analisando uma a uma. O autor examina o interesse do cantor pelos assuntos de alquimia, misticismo e astrologia e como estes elementos funcionam dentro de sua obra sob diversos prismas como o da inventividade, o da transformação, o do comportamento, o da filosofia, o da modernidade, o do medievalismo. Embora não se detenha faixa a faixa, o autor se debruça mais atentamente sobre "Os Alquimistas estão Chegando" e toda a questão químico-místico-científica-filosófica que a envolve e como estes itens se traduzem na música de Jorge Ben, e mais aprofundadamente ainda sobre a canção "O homem da gravata florida (A gravata florida de Paracelso)", utilizando-a como ponto de convergência de uma série de ideias do compositor presentes no disco, para isso dedicando um capítulo inteiro a ela.
Paulo da Costa e Silva, com muito respeito e admiração, ainda discorre sobre o lugar que Jorge Ben ocupa na música brasileira e o posto único e diferenciado que lhe é garantido por sua forma de composição absolutamente ímpar e sem precedentes. Ainda sobre isso destaca a valorização do heróis na obra do cantor e o rol de grandes personagens que o mesmo construiu ao longo de sua obra sempre enaltecendo a humildade, a coragem, a bondade, a sabedoria, o gesto nobre, como um verdadeiro cavaleiro medieval.
A propósito dos heróis da galeria jorgebeniana, um capítulo é dedicado especialmente a Zumbi dos Palmares, personagem emblemático na história da escravidão negra no Brasil e que mereceu de Jorge duas versões musicadas, uma delas com o característico balanço samba-rock e caráter "visual" altamente ilustrativo no disco em questão, "o Tábua de Esmeralda"; e outra de tom desafiador e agressivo no disco "África Brasil" de 1976. "Zumbi" é tomada como exemplo da exaltação da negritude, sempre presente na música de Jorge Ben, ao mesmo tempo que traduz algumas de suas características compositivas mais marcantes como a aglomeração, muitas vezes improvável, de versos; a espontaneidade quase aleatória de sua batida, a miscelânea funk, soul, samba, rock e blues; e a formação de uma fotografia musical capaz de congelar no espaço momentos, situações, imagens e paisagens como poucas vezes se fez na música brasileira (Aqui onde estão os homens/ de um lado cana de açúcar/ do outro lado imenso cafezal/ ao centro senhores sentados/ vendo a colheita do algodão branco/ sendo colhido por mãos negras").
Se os outros livros da coleção me causaram sensações de descoberta, de informação, de empolgação, este por toda a merecida reverência a um dos artistas mais originais da música nacional, pelas menções ao heroísmo nobre de seus personagens; e ainda pela identificação com a exaltação da dignidade da  negritude da qual Jorge Ben sempre procurou impregnar sua música, fizeram com que minha leitura fosse carregada de orgulho e emoção. Salve Jorge! Salve!



Cly Reis 


terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Jorge Ben - "Solta o Pavão" (1975)



"Pavão Real, Pavão Dourado
Procedente da África e da Índia [...]
Sua cauda, de uma plumagem azul. verde e ouro
Formando um lindo e majestoso leque
Na Idade Média
O pavão, pela sua figura bonita e livre
Era visto como uma ave real e da sorte." 
Jorge "Sanctus" Ben,
do texto da contracapa original do disco 


Na metade dos anos 70, Jorge Ben, que ainda não tinha se tornado o Benjor que assumiria a guitarra elétrica no lugar do violão, já havia alcançado tudo que um artista popular podia. Estouro no disco de estreia, altas e baixas vendagens, idolatria e ostracismo, adesão a movimentos (sambalanço, soul, tropicalismo), participação e vitória em festivais, hits nas paradas, gravações internacionais e até briga judicial por plágio (vencida por ele sobre um Rod Stewart metido a esperto). Mas principalmente, desde que começara a carreira, o “Babulina” foi responsável pela talvez mais extensa e irreparável sequência de discos de um artista na indústria fonográfica no Brasil. Somente nos primeiros cinco anos daquela década, enfileirou os álbuns “Força Bruta”, “Negro é Lindo”, “Ben” e “10 Anos Depois”, isso sem falar dos registros ao vivo com o Trio Mocotó e dos clássicos absolutos “Gil & Jorge/Xangô Ogum” e “A Tábua de Esmeralda”. Com estes dois, principalmente o segundo, o autor de “Chove Chuva” atingia o ápice da criatividade e forjava uma linguagem totalmente peculiar, com melodias de alta inventividade, harmonias despojadas, estilo de cantar próprio e ritmo, muito ritmo. Seu samba-rock, carregado de referências ao esoterismo, à religião, à filosofia e a uma visão humanista do mundo, é igualmente sustentado na cultura popular da ginga, do país tropical, do amor, das moças bonitas e da cordialidade.

O que faltava, então, a um artista consagrado por crítica e público? Explodir. Isso que é “Solta o Pavão”: uma explosão de sonoridade, de balanço, de misticismo, de religiosidade, das paixões. Aquilo que Ben trouxera em “A Tábua...” se intensifica neste seu último disco antes da adoção de vez da guitarra, ocorrido um ano depois noutro disco emblemático, “África Brasil”. Está nele toda a bruta brasilidade de Ben, encharcada de matizes africanas e influenciada por elementos da cultura pop, do funk norte-americano ao gospel, da soul ao blues, do rock ao jazz. “Solta...”, assim, com seus riffs inspiradíssimos, sua percussão carregada e arranjos modernos, tem o despojamento e o peso de um disco de rock – sem dever nada em densidade a outros de roqueiros daquele ano, como “Fruto Proibido”, de Rita Lee, ou “Novo Aeon”, de Raul Seixas –, mas ainda com um pé no Jorge Ben do “Samba Esquema Novo”: o da batida percussiva no violão de nylon, malemolente, suingado, malandro, enraizado no morro.

A abertura dignifica todas essas qualidades: um riff de violão como um Neil Young acústico e a batida potente da percussão ao fundo. Prenúncio do arrasador samba que irá começar: “Zagueiro”, uma ode ao “anjo da guarda da defesa” no futebol. Quem sustenta a coesa cozinha, além da Admiral Jorge V Group (João “Van da Luz”, piano; Dadi “Aroul Flavi”, baixo; João “Zim” da Percussão, ritmo; e Gusta “Von” Schroeter, bateria) são os Cream Crackers, grupo formado por ninguém menos que o percussionista e arranjador Zé Roberto, o não à toa intitulado Mestre Marçal e um jovem pernambucano já muito afim com o samba chamado Bezerra da Silva. Todos comandados pela batuta de Jorge “Sanctus” Ben.

O pensamento sobre o ser humano ganhava suma importância na obra de Ben àquela época. Se o filosofia alquimista do Egito de 1.300 a.C. fora responsável pela letra de “Hermes Trismegisto Escreveu” em “A Tábua...”, agora Ben volta sua abundante musicalidade para dar cores aos densos escritos do filósofo oficial da Igreja da Idade Média: São Tomás de Aquino. Capaz de musicar até bula de remédio (e torná-la suingada!), Ben adapta trechos do complexo livro “Suma Teológica”, escrito no século XIII, e o transforma num samba cheio de molejo. Em “Assim Falou Santo Tomás de Aquino” ele consegue imprimir no hermético texto escolástico frases sonoramente cantaroláveis, como: “Senhor, que tens tido feito o nosso refúgio” ou “Estão enganados, puramente enganados/ Estão errados, puramente errados”.

O clima de devoção sambada continua na sequência numa das melhores do disco – e, por que não, da carreira de Ben. “Deus todo poderoso eterno pai da luz, da luz/ De onde provem todos bens e todos dons perfeitos/ Imploro vossa misericórdia infinita, infinita/ Deixai-me conhecer um pouco de vossa sabedoria eterna”. Esses versos dão a ideia da contrição contida na lindíssima "Velhos, Flores, Criancinhas e Cachorros", misto de prece franciscana e canto humanista. De ritmo vibrante e contagiante, passa longe de ser piegas. Pelo contrário, a música tem uma aura especial, tanto por causa da melodia quanto pelo coro alto e intenso, que traz o mesmo “Ôôô” de “Os Alquimistas Estão Chegando”, de “A Tábua...”, porém, usados em outro tom para dar uma atmosfera de canto litúrgico. Ben, como em todo o disco, está solto, tocando o violão com total desembaraço, brincando com vocalizes e melismas e inventando cantos na hora da execução.

Por falar em brincadeira, a divertida "Cuidado com o Bulldog" é, além disso, um show de musicalidade. Começa em um ritmo de rock com o band leader esmerilhando o violão e Dadi mandando ver numa base de baixo no melhor estilo Novos Baianos, ambos acompanhados por uma bateria que abusa dos rolos. Até que, de repente, um breque, e a música dá uma virada para se transformar num samba gingado daqueles de não deixar ninguém parado. A impressão é de farra, mas os músicos estão fazendo um samba-jazz do mais alto nível. Ben aproveita para se divertir com o tema, lançando grunhidos como se estivesse sendo mordido pelo cão (um desses, sampleado pela Nação Zumbi no início de “Cidadão do Mundo”, do disco “Afrociberdelia”, de 1996) e bolando frases engraçadas como: “Bulldog, mandíbulas de ouro” ou “Bulldog não perdoa, Bulldog morde”. Registro ao vivo no estúdio – assim como tudo dos álbuns dele à época –, lembra a naturalidade e a descontração das jam sessions com Gilberto Gil do então recente “Gil & Jorge”. Impagável.

"O rei chegou, viva o rei", com sua linha de metais tropicalista, segue o conceito letrístico de prosa medieva (“Então vierem os cavaleiros com seus uniformes brilhantes/ Garbosos e triunfantes/ Um abre-alas lindo de se ver/ E logo atrás/ Separado por lanceiros/ Vinha a guarda de honra, orgulhosa, polida, agressiva/ Porém bonita/ Anunciando e protegendo o rei”), estilo que serviria, entre outras semelhantes de Ben, de inspiração a Caetano Veloso para escrever “Alexandre”, do disco “Livro”, de 1997. Também prosada e tomada de suingue, "Luz Polarizada" (“Coloque o teu grisol sob a luz polarizada/ Ó meu filho/ Lava as escórias com a água tri-destilada/ Pois aquele que forja a falsa prata/ E o falso ouro/ Não merece a simpatia de ninguém”) lembra a psicodelia de “O Homem da Gravata Florida”, do disco anterior. Ben, totalmente à vontade com os companheiros no estúdio, chama-os para o “La, la, la, la, la, la” do refrão dizendo: “Quero ver o coral agora!”

Mas se tem algo que está no mesmo pé que a religiosidade e o esoterismo em “Solta...” são elas: as musas. Como um menestrel medieval apaixonado, Ben canta para várias delas: "Dumingaz", um samba “maravilha” e “sensual”, como classifica o próprio enquanto canta; “Luciana”, a “canção singela” feita pra lembrar-se do seu trovador quando se ouvir no rádio (clara homenagem a Gil por "Essa é pra Tocar no Rádio", que gravaram juntos em "Gil & Jorge" um ano antes); "Jesualda", samba-rock de riff puxado no assovio que conta a história da mulata saída da favela que ganhou a vida no exterior; e "Dorothy", outra irretocável, com destaque para o arranjo de flautas de Ugo Marotta.

“Solta...” ainda tem a gostosa "Se Segura Malandro", tema do filme homônimo de Hugo Carvana (na linha de “O Namorado da Viúva”, de “A Tábua...”) e um dos mais inspirados temas da história da música brasileira: “Jorge da Capadócia”. Um hino da MPB, regravado por Caetano, Fernanda Abreu e Racionais MC’s, que virou um símbolo do próprio autor, xará do Santo Guerreiro e filho de Ogum, o correspondente ao santo católico no Candomblé pelo sincretismo. Musicando a oração de São Jorge, Ben atinge um clímax como apenas em especiais momentos de sua carreira conseguira – talvez, parecidas, só “5 Minutos” e “Zumbi”, faixas que cumprem o fechamento dos discos “A Tábua...” e “África Brasil”. Isso porque, ao evocar as preces ao Jorge dos Céus, o Jorge da Terra o faça com tamanha potência que a música acaba ganhando uma dimensão mais profunda, etérea e espiritual. O Coral do Kojac entoa o título da canção repetidas vezes num samba marcado e intenso sob um riff de guitarra (sim, de guitarra!). Porém, a exaltação se arrefeça para, aí sim, serem declamados os emocionados versos: “Eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge/ Para que meus inimigos tenham pés e não me alcancem/ Para que meus inimigos tenham mãos e não me toquem/ Para que meus inimigos tenham olhos e não me vejam/ E nem mesmo um pensamento eles possam ter para me fazerem mal”. Ben, com sua voz oscilante, funde canto de escravos à dicção do morro. Um teclado entra para fazer a base, enquanto o violão sola e a percussão, estilo jazz-fusion, desenha um compasso arrastado e assimétrico. Para terminar, retorna a melodia da abertura, porém ainda mais enérgica, mais volumosa, mais expressiva. Um desbunde.

Guardadas as devidas proporções, “Solta...” é o “Magical Mystery Tour” de Jorge Ben: ao mesmo tempo em que é a continuidade natural de uma obra-prima revolucionária (“Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band”, no caso dos Beatles, “A Tábua...”, para o músico brasileiro), também a consolida, redimensionando-lhe as ideias e conceitos originais. Assim, tanto este quanto o da banda inglesa passam longe de serem meros “volumes 2” das obras-irmãs, haja vista que são tão únicos quanto estas e até mais ousados. “Solta...” é, sim, um feliz acontecimento da música brasileira de um momento em que Ben, figura única no panteão da MPB, está com toda vitalidade e alegria. Um artista pleno, que concebeu, na linha evolutiva de sua própria obra, o mais livre e completo trabalho. Majestoso e colorido como a cauda de um pavão.

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FAIXAS:
1. "Zagueiro" - 3:05
2. "Assim Falou Santo Tomaz de Aquino" - 3:04
3. "Velhos, Flores, Criancinhas e Cachorros" - 3:16
4. "Dorothy" - 3:58
5. "Cuidado com o Bulldog"  - 2:53
6. "Para Ouvir no Rádio (Luciana)" - 4:20
7. "O rei chegou, viva o rei" - 3:03
8. Jorge de Capadócia"  - 3:53
9. "Se Segura Malandro" - 2:53
10. "Dumingaz" - 3:30
11. "Luz Polarizada"  - 2:20
12. "Jesualda" - 4:06
todas as composições de autoria de Jorge Ben

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OUÇA O DISCO:
Jorge Ben - "Solta o Pavão"


Daniel Rodrigues

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Jorge Ben - "África Brasil" (1976)


"O Jorge [Ben] é o cara que eu conheço
que consegue colocar mais
palavras num mesmo verso."
Jô Soares



Se a expressão samba-rock pode ser atribuída à música de um artista, esse cara com certeza é Jorge Ben. Agora, se tem um disco para o qual esta mesma expressão possa ser aplicada com perfeição, esse álbum é o "África Brasil". Neste disco de 1976, Jorge Ben com a ajuda de uma banda de peso, cheia de suíngue, embalo, com músicos de diversas procedências e influências, trocava o violão pela guitarra elétrica e conjugava magistralmente os elementos básicos destes dois estilos, enriquecendo-os ainda com outros como funk, soul e jazz, obtendo um resultado absolutamente inigualável. Pode-se dizer que "África Brasil" é mais ou menos como Bob Dylan 'abandonado' as canções folk e pegando a guitarra... Só que aqui sem as vaias.
Com eletricidade, potência, ímpeto e pegada, "O Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)", que dá as boas-vindas no disco, é o sonho de qualquer banda que tenha tentado dotar seu rock de embalo. Com um riff contagiante e pungente, um baixo envolvente e uma cozinha que mescla funk, samba e batidas afro, a música que fala de um atacante carismático e goleador, a quem torcida saíra de casa somente para ver jogar, talvez seja o melhor exemplo dessa sonoridade pretendida e obtida por Jorge Ben neste álbum.
"Hermes Trismegisto Escreveu", uma das referências e amarração com o disco "A Tábua de Esmeralda" é uma incrível soul music da melhor qualidade onde reaparecem os interesses do cantor por assuntos místicos; já demonstrados em outros trabalhos; o futebol por sua vez, também volta a aparecer em "Meus Filhos, Meu Tesouro", batucada, carregada de brasilidade e ritmo, é interessantemente cantada à rock por Jorge Ben, chegando a rasgar a voz em determinados momentos, numa descontraída declaração de amor aos filhos. As boas "O Filósofo" e "O Plebeu" mantém a tradição do sambalanço de letras quase ingênuas características do cantor; e o clássico "Taj Mahal" ganha uma versão mais elétrica, mais guitarrada, mas interessantemente, cheia de cuícas.
"Xica da Silva", que serviu de trilha sonora para o filme homônimo, narra, em um samba manemolente e sensual, a história de uma negra que ascendeu à aristocracia brasileira graças a um caso com um nobre português na época do Império, bem naquele estilo característico de letra de Jorge Ben, de versos extensos com o máximo de palavras possíveis como observou muito bem certa vez o apresentador Jô Soares numa entrevista com o diretor do filme, Cacá Diegues.
Em "A História de Jorge", o cantor faz aquela tradicional auto-referência ("Jorge de Capadócia", "Jorge Well") dotando desta vez o personagem de mesmo nome que ele com o poder de voar; em "Camisa 10 da Gávea", Jorge Ben expressa mais uma vez sua paixão pelo futebol manifestando dessa vez sua admiração pelo ainda jovem craque rubro-negro, Zico, num samba-jazz cadenciado com mais um trabalho admirável do baixista Dadi, o Leãozinho da música de Caetano Veloso, ex-Novos Baianos e que viria a tocar em bandas como A Cor do Som e Barão Vermelho.
O Babulina faz a também costumeira homenagem a seu santo de devoção e igualmente xará, São Jorge, no rock-jazz-samba frenético e acelerado "O Cavaleiro do Cavalo Imaculado"; e fecha o disco com a faixa que lhe empresta o nome, "África Brasil", que na verdade não seria mais que uma versão da música "Zumbi", do álbum "A Tábua de Esmeralda", em outra referência-laço com aquele disco clássico, se não fosse sua agressividade rock, gritada e rasgada, a ponto de me lembrar "California Über Alles" dos Dead Kennedy's.
 "África Brasil" foi o responsável pela retomada da minha coleção de LP's uma vez que há uns 3 anos atrás, numa exposição sobre vinil, no CCBB resolvi comprar a reedição em bolachão deste clássico que havia acabado de sair (cara $$$), antes mesmo de comprar um novo toca-discos. Mas agora tenho ambos, o LP e o toca-discos. Bom,... e na verdade tenho o CD também.
Por muitos, "África Brasil" chega a ser apontado como o melhor disco nacional de todos os tempos e embora não seja o meu, entendo a preferência e não considero nenhum absurdo. Com certeza é um dos grandes álbuns da discografia nacional e mais uma obra-prima da fase mais criativa de Jorge Ben.
Salve Jorge!
Salve a África!
Salve "África Brasil"!
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FAIXAS:
01 – Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)
02 – Hermes Trismegisto Escreveu
03 – O Filósofo
04 – Meus Filhos, Meu Tesouro
05 – O Plebeu
06 – Taj Mahal
07 – Xica da Silva
08 – A História de Jorge
09 – Camisa 10 da Gávea
10 – Cavaleiro do Cavalo Imaculado
11 – Africa Brasil (Zumbi)


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Ouça:


Cly Reis

quarta-feira, 25 de março de 2015

"Discoteca Básica : 100 Personalidades e seus 10 Discos Favoritos", de Zé Antônio Algodoal - Ed. Ideal (2014)



“Em um tempo em que
 as pessoas “baixam” músicas
e não tem noção
do que é um álbum,
nada mais bacana que
poder falar dos álbuns
 e de suas influências em nossas vidas.”
Marcelo Rossi
(fotógrafo, diretor de videoclipes e compositor)





Topei, dia desses, com o livro “Discoteca Básica: 100 personalidades e seus 10 discos favoritos” e, blogueiro como sou, com seção dedicada a álbuns importantes, além de apaixonado por música e colecionador de CD's e LP's, fiquei extremamente interessado. Trata-se de uma série de listas elaboradas por 100 personalidades, em sua maioria ligadas ao mundo da música, que destacam, cada um, 10 álbuns musicais importantes de alguma forma em suas vidas. Por mais que tivesse me dado coceira pra comprar, até hesitei um pouco em comprar imaginando que as indicações dos convidados pudessem meramente cair naqueles clichês tipo “progressivo é mais técnico e o resto é pobre”, ou “sou do metal e escolhi 5 AC/DC e 5 Iron Maiden" ou Beatles é melhor que tudo” e simplesmente saírem nomeando 5 entre os 10, 7 de 10 ou mesmo 100% da lista só de Beatles. Mas não. Um que outro até manifestou a intenção de relacionar Beatles nas 10 posições mas felizmente meus temores não se confirmaram. No caso do Fab Four, em especial, tiveram, por óbvio, um número de indicações proporcional à sua importância de maior banda de todos os tempos, mas felizmente as listas mostraram-se bem diversificadas, curiosas e contendo dicas bem interessantes. Os convidados em sua maioria são de alguma maneira ligadas ao mundo da música, como os músicos Arnaldo Baptista, Péricles Cavalcanti, Dinho e Andreas Kisser, por exemplo, mas também encontramos artistas visuais, produtores, executivos de gravadoras, e ex-VJ's da MTV como Didi, Gastão, Edgar e Thunderbird.
O que torna o livro mais interessante é que a proposta do organizador, Zé Antônio Algodoal, não foi a de necessariamente listar 10 discos qualitativamente ou em ordem de preferência. Seus entrevistados podiam utilizar o critério que quisessem e essa liberdade de escolha resultou em listas muito bacanas. Questões afetivas, cronológicas, de formação, profissionais, primeiras aquisições, parcerias, influências, os critérios adotados são os mais diversos, alguns convidados preferindo comentários mais genéricos, abrangentes, outros mais detalhados, pontuais, disco a disco. Alguns relatos como o da francesa Laetitia Sadier da banda Stereolab são muito amplos, bonitos e completos, por outro lado, pessoas de quem gostaríamos de ter alguma consideração a mais sobre suas escolhas, como no caso do apresentador Jô Soares, foram extremamente econômicos, deixando uma breve observação ou às vezes nenhuma.
A paixão demonstrada pelo músico Hélio Flanders em suas descrições; o envolvimento do diretor de cinema e teatro Felipe Hirsh; as metamorfoses da ex-diretora da MTV Brasil, Ana Buttler; o caso dos primeiros dez discos que o Gordo Miranda ganhou do pai; o texto criativo e bem escrito de Xico Sá; e a emoção de Airto Moreira ao ser apresentado ao álbum “Miles Ahead” pela cantora Flora Purim, no relato de Rodrigo Carneiro, são alguns dos pontos mais legais do livro e que não podem deixar de serem lidos. Como curiosidades, me chamou a atenção o fato do álbum “Boys Don't Cry” do The Cure, que eu, fã, nem considero dos melhores, aparecer bastante entre os votantes; a surpreendente 'disputa' acirrada entre o "Força Bruta", muito votado, e o "Tábua de Esmeralda", que no fim das contas prevaleceu; e o fato de que alguns dos meus xodózinhos como o "Psychocandy" do Jesus and Mary Chain, que eu considero a melhor coisa que eu já ouvi, e o "Loveless" do My Bloody Valentine, que eu costumo dizer que seria o disco que eu levaria para uma ilha deserta, aparecem com bastante frequência no livro em diversas listas, inclusive na do próprio organizador. No mais, muitos dos meus favoritos aparecem com grande destaque entre os mais escolhidos como, por exemplo, o "Nevermind" do Nirvana, o "Transa" do Caetano e o "Tábua de Esmeralda" de Jorge Ben.
Elogios também para a parte gráfica do livro muito caprichada, cuja arte, meio retrô e saudosista, faz referência, desde a capa, a vinis, toca-discos e equipamentos de som antigos.
Para quem gosta de listas, como eu, especialmente aqs de música, é um livro que desperta a vontade de montar as suas próprias, com critérios diferentes, de modo que se consiga contemplar todos aqueles discos que, de certa forma quase como filhos, e tem um lugar reservado no coração.




Cly Reis

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Jorge Benjor - Circo Voador - Rio de Janeiro / RJ (08/08/2015)



Jorge Benjor animando a festa no palco do Circo Voador
Mais um daqueles shows que te marcam. Eu, que já havia assistido ao mestre Jorge Ben ou Benjor por volta de 1995, aceitei de pronto o convite de minha mãe para revê-lo um dia depois de pousar no Rio de Janeiro para umas curtas férias. Leocádia, que nunca o vira, engrossou o coro do “sim”. E lá estávamos nós: com a luxuosa, agradável e principalmente animada companhia de minha mãe, em pleno Circo Voador. Lotado, o local presenciou uma eletrizante apresentação, com Benjor e sua Banda do Zé Pretinho tocando os sucessos que sempre levantam a galera mas, além disso, executando uma série de clássicos, daqueles escondidos dentro de sua maravilhosa discografia, o que, para um apaixonado por sua obra como eu (principalmente a dos anos 60 e 70), foi algo de pura surpresa e emoção.

E como não se tocar com um show que já começa com a benção a Ogum/São Jorge, de quem o cantor e compositor é filho e xará? “Jorge de Capadócia” abre os trabalhos no terreiro. Com a graça recebida, é hora de começar o show de fato. E não podia ser mais entusiasmante, pois entra, em seguida, a música que dá nome ao competentíssimo grupo, o qual estava dedicado a “animar a festa” de verdade. Tal qual a primeira Banda do Zé Pretinho e reduzida daquela que vi nos anos 90 – quando contava com backing vocals, mais percussões e outra guitarra –, a formação agora tinha Lory, exímio no piano e teclados; Lucas Real, pulsante na bateria (posicionada ao lado do próprio Benjor e não atrás dele, pra ver a importância do ritmo da batida); Jean, no sax e flauta; Marlon, impecável no trombone; “Messiê” Nenê, eterno na percussão – e na empolgação! – e o mestre Dadi, também da formação original da Banda e de quem a palavra “baixo” já é um sinônimo. Mais com menos, pois além da qualidade dos músicos, os arranjos, quando não aqueles conhecidos, se adequaram perfeitamente às melodias. Isso ficou evidente principalmente nas mais “obscuras” do repertório, como o medley reggae com “Take it Easy My Brother Charlie”, “Bebete Vãobora” e, pra matar do coração um diletante benjoriano como eu, "Zumbi".

Entre as famosas, “Ive Brussel”, “Fio Maravilha”, “País tropical/Spyro Gyro” e “O dia em que o sol declarou seu amor pela terra”. Impossível ficar parado. A linda “Santa Clara Clareou” emendou, como de costume, com “Zazuêra”. Benjor recuperou – e aí está mais um dos ganhos da banda enxuta e afinada – o arranjo que fizera como no seu memorável disco "10 Anos Depois", de 1973, quando junta a “mutante” “A Minha Menina” com “Crioula” e “Cadê Teresa". Semelhante ele fez quando tocou outros dois pout-pourris "Por Causa de Você, Menina/ Chove Chuva/ Mas que Nada" e a sequência de “Que Pena” com a fantástica "O telefone tocou novamente” (toque do meu celular) e, pra desmontar a pessoa de vez, “Que Nega é Essa”.

As surpresas não parariam por aí. Do aclamado "A Tábua de Esmeralda", de 1974, não foi apenas o sucesso “Os alquimistas estão chegando” – que teve, inclusive, direito a uma parte com versos em francês. Querido pelo próprio compositor, o disco teve várias faixas tocadas, como “Eu Vou Torcer”, “Magnólia”, “Menina Mulher da Pele Preta”, a já citada “Zumbi” e, melhor ainda, o psycho-samba-funk “O Homem da Gravata Florida”. A relação sentimental de Benjor com seu cancioneiro estava evidente neste set-list, pois além dessas ele ainda sacou a lúdica “O Circo Chegou” (do disco “Ben”, de 1971) e, pra arrebatar de vez, uma enfurecida versão de outro de seus clássicos: “Umbabarauma”, música que tem um dos melhores riffs da história (seja do rock ou da MPB). Com a devida potência dada pelo baterista Lucas e o baixo reforço do baixo de um “novo baiano” como Dadi, o Babulina mandou ver num samba-rock pesado de dar vergonha em muito roqueiro. Espetacular! Momento do show que não sabia se sambava, assistia, chorava ou dava uma de headbanger – podia escolher qualquer reação que todas se justificavam.

Leocádia e eu no Circo Voador
curtindo o showzaço de Jorge Benjor
Benjor pediu uma paradinha de cinco minutos para recuperar o ar (afinal, mesmo em ótima forma, já passa dos setentinha), tempo muito bem aproveitado pelo pianista Lory, que executou solo Tom Jobim (“Passarim”), Stevie Wonder (“Isn’t She Lovely”) e outra bem bonita também mas que não identifiquei. Depois de baixar um pouco os ânimos com as já mencionadas “O circo chegou” e “Eu vou torcer”, sambas melodiosos, a animação voltou de vez na segunda parte do espetáculo. Teve até homenagens ao “síndico” Tim Maia, tanto no cover de “Do Leme ao Pontal”, dos grandes sucessos do amigo e parceiro, quanto em “W/Brasil”, responsável por trazer de volta Benjor nos anos 90 na qual que, quando a galera cantava “Tim Maia”, Benjor completava com: “Tá lá em cima!” e com “Tá no céu!”. Dos 90 também teve “Alcahol”, que convenientemente veio na sequência de “Os Alquimistas...”.

A imortal “Taj Majal”, numa versão bem parecida com a de "África Brasil", de 1976 (em que Dadi e Nenê integravam o banda), pôs tudo mundo pra sacolejar. Porém, antes foram chamadas ao palco, como já é de tradição nos shows de Benjor, dezenas de moças da plateia para a execução de “Gostosa” (“Gostosa/ Ela é gostosa/ O problema é que ela mora muito longe/ Bem que minha mãe avisou/ Bem que minha mãe avisou...”). Uma verdadeira bagunça divertida, que quase pôs o roadie à loucura de tanta mulher que subiu no palco. Mas tudo era festa, pois o clima era de verdadeira comunhão e alegria em torno da música. Energia total.

Como disse no início, foi daqueles shows que se sai com o corpo sacudido e a alma lavada. Um privilégio rever este, que é um dos músicos mais originais da música moderna. Um cara capaz de fundir com a maior naturalidade samba, rock, baião, funk, jongo, reggae, xote, jazz e rodos os ritmos afro-latinos que se possa imaginar. Sua música é a tradução do que, nos anos 70, o festival de jazz de Montreux esperava da música contemporânea. 20 anos depois, pude, numa ocasião tão especial, comprovar que ele continua sendo o maior performer do Brasil e que, sim, ele um “bandleader” e respeitado não só na sua casa e por seus “amigos e camaradinhas”, mas todos que, como eu, o amam e o admiram. E tem como não respeitar? Mais de 70 e mandando ver em duas horas de show com todo aquele suingue e vivacidade? Não é pra qualquer um. Longa vida ao Babulina. Salve, simpatia! Salve, Benjor!


trecho de "Fio Maravilha" executada no show do Circo Voador






quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

A volta de Jorge BEN

Soube apenas a poucos dias e gostaria de compartilhar com os amigos que como eu não tivessem a informação ainda, que Jorge Benjor deve regravar seu místico e clássico álbum "A Tábua de Esmeralda"  na íntegra este ano em comemoração aos 38 anos da obra. Recém iniciado em obras de alquimia e interessado em assuntos astrológicos, Jorge, naquele 1974, coloria seu álbum de citações, referências, ou mesmo letras inteiras sobre estes temas, embalados por seu singular violão e com o acréscimo de arranjos precisos e belíssimos.
Jorge avisou que pretende chamar para a regravação o máximo possível de pessoas que trabalharam com ele na  composição original, com exceção aos falecidos, por motivos óbvios, mas que o fato de ser nostálgico não fará com algumas canções tenham releituras bem diferentes das versões originais, até por uma questão de época, de recursos tecnológicos, de estúdio ou mesmo por uma nova visão da canção distanciada da época de seu lançamento.
Parece que o Jorge Benjor que vem cantando "A Banda do Zé Pretinho" há mais de trinta anos e que de vez em quando cria um refrãozinho pegajoso só pra levantar a galera nos shows, vai sair de cena um pouquinho e   dar espaço para o velho Jorge Ben, aquele da pegada se violão, do swing, do verdadeiro samba-rock. (Seria tão bom se o Jorge Ben ficasse de vez)
Aguardemos o que vai sair disso. Tenho boas expectativas.
Salve Jorge!




C.R.