"Eu desejava que o Zeppelin fosse um casamento de blues, hard rock e música acústica coberto por refrões pesados, uma combinação que nunca tinha sido feita antes. Um monte de luz e sombra na música."
Jimmy Page
Que baita disco de estreia!
Depois do esfacelamanto dos Yardbirds, o guitarrista Jimmy Page saiu à cata de parceiros para sua nova empreitada e convocando um timaço - o baixista competentíssimo John Paul Jones, o monstro na batera John Bohan e o carismático vocalista Robert Plant de um poderio vocal estupendo - formava uma das maiores bandas da história do rock.
Com uma fórmula que englobava hard-rock, psicodelismo, country, folk e blues, incrementada pelo misticismo feiticeiro de Jimmy Page, o Led Zeppelin escrevia a partir de então uma das páginas mais importantes da história do rock com um disco impecável, "Led Zeppelin"de 1969 (também conhecido como "Led Zeppelin I"), que pelo peso, pelos timbres, pelas distorções, pelos solos, pela linguagem proposta, teria alta influência e começava inspirar aquilo que viria a ser o heavy-metal.
Seu primeiro disco traz o excelente rockão "Good Times, Bad Times" com a condução segura e precisa do baixo de Jones; o blues singular, com a marca ácida e experimentalista da banda, "Dazed and Confused"; e a elétrica "Communication Breakdown"; além de dois covers matadores do bluesman americano Willie Dixon e da ótima balada "Babe I'm Gonna Leave You" cheia de variações de intensidade e rompantes de peso, contando um show à parte do vocal de Robert Plant.
Um dos melhores discos de estreia da história do rock, aliás não só um dos melhores de estreia como um dos melhores sob todos os aspectos. Um dos mais importantes e influnetes com certeza. Sem sombra de dúvida, ÁLBUM FUNDAMENTAL.
**************************
FAIXAS: 1. "Good Times Bad Times" (Bonham/Jones/Page) 2. "Babe I'm Gonna Leave You" (Page/Plant/Anne Bredon) 3. "You Shook Me" (Dixon/J. B. Lenoir) 4. "Dazed and Confused" Page (Page) 5. "Your Time Is Gonna Come" (Jones/Page) 6. "Black Mountain Side" (Page) 7. "Communication Breakdown" (Bonham/Jones/Page) 8. "I Can't Quit You Baby" (Dixon) 9. "How Many More Times" (Bonham/Jones/Page)
Tinha eu tenros 11 aninhos de idade quando ganhei meu toca-discos Phillips, daqueles cuja caixa de som é a tampa, bem pequeno, mas que me servia muito bem na época. Como não tinha muita grana pra comprar LPs, comecei a atacar as discotecas dos primos. As primeiras vítimas foram a Tania e o Clebar Derivi Barros, que moravam na César Lombroso. Peguei emprestado com eles três discos: "The Best of The Ventures", com a banda de surf music tocando o tema da série Batman; o disco psicodélico dos Stones, "Their Satanic Majesties Request", e o "Led Zeppelin II".
Fiquei fissurado pelos três mas o Led Zeppelin me impressionou, porque era “roquenrou” de verdade. Peso, muito peso. De cara, curti "Living Loving Maid" e "Whole Lotta Love". Aos poucos, fui entrando no clima da banda e passei a ouvir com atenção "The Lemon Song", "Heartbreaker", "Ramble On" e mais o resto do disco. Posso dizer que este LP preparou minha pobre cabecinha de guri para o que vinha pela frente. Continuei comprando os compactos da moda e ouvindo a Continental mas nunca mais me recuperei do "trauma" de ouvir Led Zeppelin aos 11 anos.
Tempos depois, aos 17, quando estava no cursinho IPV, a Yes Discos ainda na Rua da Praia fez uma superpromoção com todos os discos do Led sendo vendidos a um precinho razoável. Tentei convencer minha mãe a me dar de presente mas ela achou muito caro. Me vinguei anos depois, na era do CD, comprando TODOS os discos oficiais da banda. E descobri que alguém mais gosta de Led, especialmente do "Led IV", que sumiu lá de casa.
******************* FAIXAS: 1. "Whole Lotta Love" (Jimmy Page/Robert Plant/John Paul Jones/John Bonham/Willie Dixon) - 5:34 2. "What Is and What Should Never Be" (Page/Plant) - 4:47 3. "The Lemon Song" (Page/Plant/Jones/Bonham/Howlin' Wolf) - 6:20 4. "Thank You" (Page/Plant) 4:47 5. "Heartbreaker" (Page/Plant/Jones/Bonham) - 4:15 6. "Living Loving Maid” (“She's Just a Woman”) (Page/Plant) - 2:40 7. "Ramble On" (Page/Plant) 4:35 8. "Moby Dick" (instrumental) (Page/Jones/Bonham) - 4:25 9. "Bring It On Home" (Page/Plant/Dixon) - 4:19
“Ninguém nunca mais nos comparou ao Black Sabbath depois deste álbum.”
John Paul Jones
Sempre tive a ideia de botar algum Led Zeppelin no ÁLBUNS FUNDAMENTAIS mas hesitava um pouco pensando em qual deles pra não cometer injustiça. O primeiro? Ou o incrível Led Zeppelin II? Ou por que não o III ? Ou o fantástico "Physical Graffiti"? Podia ser qualquer um destes sem problema algum, mas na minha opinião o quarto álbum do Led Zeppelin, de 1971, conhecido como "IV", ou "Four Symbols" ou "ZoSo" ou ainda, somente, como "o disco do velhinho na capa" é o que melhor representa toda a pagada, a força, a sonoridade e a qualidade da banda.
Com influências que iam de blues, ao country, a Elvis e a bruxaria, o Led consolidava em "IV" uma sonoridade que iria se tornar pedra fundamental do estilo metal e similares, com muito peso nas guitarras, ritmos acelerados e vocais gritados. "Black Dog", canção que abre o disco é prova e símbolo disso, com aquela guitarra extremamente pesada e mágica de Jimmy Page, alternado tempos com o vocal poderoso e estridente de Robert Plant. Certamente é, ainda hoje, um dos riffs mais conhecidos e lembrados de todos os tempos. Um clássico imortal do rock!
E a propósito de clássico e de rock, o que dizer de um álbum que tem uma música chamada "Rock'n Roll"? Bom, muitos podem ter uma música com este nome, mas provavelmente só o Led conseguiu fazer com que ela remetesse ao estilo com tanta clareza, ficasse marcada pelo nome e virasse um clássico absoluto. Eu mesmo, sempre que ouço o termo rock' roll me vem à cabeça aquele início marcado na bateria de John Bonham, que aliás, "quebra tudo" nesta música. Mas não só ele. Nesta, a guitarra menos distorcida que de costume, conduz uma espécie de blues acelerado, um rockabilly pesado alucinante, num show à parte que se constitui em outro dos riffs mais conhecidos da história da história da música.
Para os mais "populares", este álbum traz ainda o clássico "Stairway to Heaven" que serviu até mesmo de faixa de trilha sonora de novela nos anos 80, fazendo-a alcançar uma grande popularidade até entre os não-fãs e público em geral, mesmo com sua estrutura rica, complexa e sua extensa duração para padrões comerciais.
Todas as 8 faixas são excepcionais mas o disco acaba com outra de minhas favoritas, a poderosa "When the Levee Brakes", sonoramente impactante com sua bateria estrondosa com uma marcação ao que ao mesmo tempo é tem um tom marcial mas é também emocionante e sedutora. Mas Bonham não cria esse fascínio sozinho: a guitarra de Page aqui é mística, mágica e hipnótica; John Paul Jones conduz a linha de maneira segura e forte; e Plant é preciso nos vocais em cada verso, em cada entonação, em cada nota, além da harmônica que toca conferindo um ar ainda mais místico à canção. Um final monumental para um disco fantástico!
Pela seleção privilegiada de faixas do álbum, pelos clássicos que traz, pelo significado no cenário musical, pela consolidação de um estilo, pela importância da obra, pela popularidade, pela sonoridade, por todas estas razões e muitas mais é que "Led Zeppelin IV" é para mim não só o melhor álbum da banda como um dos melhores de todos os tempos. Acho que não cometo nenhuma injustiça em mencioná-lo aqui. Agora, o que também não invalida de daqui a pouco termos aqui na seção um "Led Zeppelin II", por exemplo... Ou o " Led III", ou o "Physical" ou o "Houses"...
Não precisamos ter apenas um, precisamos?
***************************
FAIXAS:
"Black Dog" (Page/Plant/Jones) – 4:57
"Rock and Roll" (Page/Plant/Jones/Bonham) – 3:40
"The Battle Of Evermore" (Page/Plant) – 5:52
"Stairway to Heaven" (Page/Plant) – 8:03
"Misty Mountain Hop" (Page/Plant/Jones) – 4:38
"Four Sticks" (Page/Plant) – 4:45
"Going To California" (Page/Plant) – 3:31
"When The Levee Breaks" (Page/Plant/Jones/Bonham/Minnie) – 7:08
Só o fato de ter "Kashmir", uma sinfonia monumental onde cordas, metais, teclados e instrumentos exóticos parecem agigantar-se como um monstro numa progressão repetida e grandiosa, já poderia ser suficiente para justificar "Physical Graffiti", do Led Zeppelin, como um dos maiores álbuns da história do rock, mas a consolidação de seu hard-rock, a adição de peso, distorções e peso ao blues, o vigor e a versatilidade das composições, seus riff criativos e poderosos, seu misticismo, a capa cheia de símbolos e mistérios, a genialidade e ousadia de Page e as interpretações singulares de Plant, contribuem igualmente de forma decisiva para conferir-lhe o status álbum fundamental.
Álbum duplo que não fica cansativo, dono de uma interessante e curiosa coerênca e unidade, uma vez que fora composto ao longo de aproximadamente 4 anos, "Physical Graffiti não só é um dos melhores álbuns da banda, reverenciado por fãs e crítica, como é o favorito da dupla de frente da banda, Robert Plant e Jimmy Page.
A levada contínua, básica e precisa de "Custard Pie" que abre em grande estilo; a guitarra chorosa de "In My Time of Dying" combinada à bateria de John Bonham soando como se fossem tiros; o pop-rock da agradável "Houses of the Holy"; a psicodelia exótica da espetacular "In the Light"; o folk bem original de "Down By the Seaside"; as variações e a beleza rítmica de "Ten Years Gone"; o hard-rock pré-progressivo de "Night Flight"; a energia quase selvagem de "Wanton Song"; "Boogie With Stu" com sua bateria genial e sonoridade country-blues; a vibração cheia de peso da ótima "Sick Again" que encerra o disco; e claro, a já citada "Kashmir" e suas referências hindus e orientais; são razões que fazem de "Physical Graffiti" um disco mágico e um dos melhores de todos os tempos.
Nada mais justo que ele seja o destaque dos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS neste Dia Mundial do Rock.
A coleção “O Livro do Disco” sempre acaba nos reservando uma
certa surpresa a cada exemplar. Depois da análise pormenorizada com detalhes
técnicos do "Unknown Pleasures" do Joy Division; da avaliação também faixa a
faixa, mas muito mais emocional de "Daydream Nation" do Sonic Youth; e de uma
abordagem mais ampla e temática da obra "A Tábua de Emeralda" de Jorge Ben;
agora este “Led Zeppelin IV” traz outro tipo de apreciação. O trabalho examina o disco clássico do Led Zeppelin predominantemente sob o prisma do misticismo que envolve não somente a
obra mas também, é claro, por origem, a banda. O jornalista Erik Davis
debruça-se com afinco e seriedade sobre todos os aspectos que compõe a mística
em torno das lendas que envolvem a banda e seus integrantes e amplia esta
investigação para a obra por eles produzida procurando, sem muita dificuldade dada toda o material que a banda proporciona,
mistérios e significados contidos nela. No que diz respeito especificamente ao
quarto disco do Led Zeppelin, o autor entende que o próprio conjunto de
símbolos que sugere um nome intraduzível para a obra por si só já determina que
ele contenha elementos místicos e informações ocultas, o que já o torna digno
de uma análise aprofundada. Assim, o livro vai desde os quatro ícones gráficos;
passa pela capa com seu velhote misterioso; pelo monge com o candeeiro no
encarte; pelas referências literárias; pelas supostas relações demoníacas do guitarrista Jimmy Page; pela
ordem das faixas e por possíveis significados ocultos em seus títulos; pela
lenda da satânica rotação ao contrário de “Stairway to Heaven”; e,
inevitavelmente, dentro de tudo isso, uma análise musical faixa a faixa, não
sem deixar de considerar também os aspectos místicos que possam ter
influenciado em suas letras ou composições.
De modo a manter coerente uma linha de pensamento, estabelecendo
uma ligação de uma canção com a seguinte, atravessando o disco da primeira à
última faixa, o autor cria uma espécie de trajetória hipotética de um
personagem ficcional, Percy, que enquanto imagem, devo dizer que não me agradou
muito e em alguns momentos pareceu-me forçado e em outros uma liberdade autoral
pretensiosa. Mas de um modo geral o produto final vale e é muito rico e
instrutivo trazendo diversas informações e curiosidades para fãs e aficionados por
música e pelo lado obscuro dos artistas, especialmente uma banda tão envolta em
lendas como é o caso do Led Zeppelin.
Despertando a criança que há dentro de cada um, o MDC 236 brinca com as sonoridades hoje. Vai de Paralamas do Sucesso a Robert Plant & Jimmy Page, de David Bowie a Noriel Vilela, de Nirvana a Stephen Stills. Tem ainda "Cabeça dos Outros", "Palavra, Lê" e "Música de Fato". Melhor que playground, o programa vai ao ar 21h na divertida Rádio Elétrica. Produção, apresentação e fotinho fofa: Daniel Rodrigues. E não e te esquece de votar na gente para o Prêmio Press: Música da Cabeça (Programa de Rádio) e em Daniel Rodrigues (Apresentador de Rádio): www.revistapress.com.br/premiopress/
Há muito tempo, tinha vontade de escrever sobre minhas preferências
musicais. Agora, depois dos 50 (um pouco depois, na verdade), resolvi tomar
coragem e colocar no "papel virtual" minhas impressões sobre aqueles
discos que significam muito pra mim. Um de suma importância é um clássico do fusion, que foi a minha porta de entrada
no jazz propriamente dito: "Blow by
Blow", do guitarrista inglês Jeff Beck.
Pra começar, um pouquinho de história. Jeff Beck foi um daqueles
talentos da guitarra que surgiram na década de 60 em Londres, ao lado de Eric Clapton, Peter Green e Jimmy Page, entre outros. Ele integrou os Yardbirds, fez
um disco de blues considerado clássico chamado “Truth” com a Jeff Beck Group e
montou outras diversas bandas (entre elas, um power trio Beck, Bogert & Appice). Em 1974, porém, Beck estava
numa encruzilhada: tinha desmontado o JB Group e o BBA e tinha ficado fascinado
com a sonoridade conseguida no jazz-rock
ou fusion de um colega guitarrista, o
também inglês John McLauglhin, mentor e criador da Mahavishnu Orchestra. Ele
monta então um quarteto para gravar seu novo disco no Air Studios, de
propriedade de George Martin. Ao lado de Max Middleton nos teclados; Phil Chen no
baixo e Richard Bailey na bateria, Beck viria a fazer história. O resultado foi
“Blow by Blow”. O disco começa com um funk-jazz
de primeira chamado "You Know What I Mean", que é uma espécie de
carta de intenções do guitarrista. O swing
é irresistível, mas ele não descuida do trabalho em grupo. Todos brilham. Na
sequência, começa a aparecer a influência de Martin na produção: "She's a
Woman", do repertório dos Beatles, composta por John Lennon e McCartney. Numa
levada reggae, Beck acrescenta o som
muito em moda na época do talk box,
popularizado um ano depois por Peter Frampton em "Show me the Way".
Depois, vem uma música em que o título diz tudo: "Constipated
Duck" ou pato resfriado. Munido de um pedal wah-wah e muitos efeitos, Beck brinca com a sonoridade de sua
guitarra. Pra fechar o lado 1 (é, eu sou do tempo do LP e da fita cassete), uma
dupla explosiva: "Air Blower", composta pela banda, e
"Scatterbrain", de Beck e Middleton. Nestas duas faixas, sem
intervalos entre uma e outra, o guitarrista exercita todo seu talento e exige
uma performance além da conta de sua banda. Destaque absoluto pro baterista Richard
Bailey, que faz coisas incríveis em seu instrumento, acompanhando as maluquices
engendradas por Beck. No final de segunda, inclusive, Martin consegue romper o
cerco e coloca sua orquestra pra dar um molho todo especial na pauleira fusion do quarteto. Depois de todo este
virtuosismo, Beck nos brinda com uma das gravações mais bonitas que eu já ouvi
em meus quase 53 anos de vida: "Cause We've Ended as Lovers", uma
balada maravilhosa composta por ninguém menos do que Stevie Wonder. A relação entre os dois começou quando Beck gravou um solo no disco "Talking Book" de Stevie
(já resenhado por Eduardo Wolff aqui nos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS). Depois, com o Beck,
Bogert & Appice, fez uma versão da clássica "Superstition", que
foi o grande sucesso do disco. Nesta balada, Beck geme, esperneia, se entorta
todo com sua guitarra mostrando toda a tristeza que Stevie quis passar na
canção. De tirar o fôlego.
Após isso, só mesmo um funkão em homenagem ao mestre Thelonious Monk pra
gente poder respirar. Em "Thelonious", Stevie faz sua participação
especial no clavinete. Em seguida, vem uma faixa estradeira, talvez a faixa
mais roqueira do disco, chamada "Freeway Jam". O baixo de Phil Chen segura
todas, enquanto o resto se esbalda na jam
session. E, pra encerrar, um momento sublime do disco: "Diamond
Dust". Outra balada, desta vez com as cordas arranjadas e regidas por Martin
fazendo o contraponto à guitarra límpida de Beck. “Blow By Blow” é um disco
seminal que eu não me canso de ouvir há exatos 38 anos.
..........................................
Curiosidades: Jeff Beck sempre montou bandas extraordinárias. Uma
delas, a do disco “Truth” com Rod Stewart no vocal e Ron Wood no baixo. E Rod
nunca se cansou de roubar os músicos de Beck. Primeiro foi o baterista Carmine
Appice e, depois, o baixista Phil Chen. Os dois tocam no disco "Blondes
Have More Fun", de 78, que tem o "sucesso" roubado de Jorge Ben,
"Do Ya Think I'm Sexy".
Ganhei “Blow By Blow” em cassete do meu querido e saudoso primo José
Carlos De Andrade Ribeiro, o popular Chico Caroço, que foi um pouco responsável
pela minha educação musical. Mas
esta é outra história...
**************************************
FAIXAS:
1. "You Know What
I Mean" (Jeff Beck/Max Middleton) - 4:05
2. "She's a
Woman" (John Lennon/Paul McCartney) - 4:31
abrir os olhos, se não estiver tocando ao fundo essa música,
provavelmente você está indo para o lugar errado."
Robert Christgau,
crítico musical
sobre “Blue Bell Knoll”
Era uma vez uma falange de anjos que, de saco cheio da exigência de
serem angelicais o tempo todo, se revoltaram e desceram dos Céus. Desafiadores,
eles vieram cair na Terra de propósito, justo neste planetinha atrasado dentre
os tantos bilhões que podiam escolher na galáxia. Claro que foi, justamente,
para desafiar as divindades. Se aqui achariam a inveja, a tristeza, a ganância,
a incompreensão, a violência, era exatamente onde suas almas jovens e rebeldes
queriam ficar. Como filhos desgarrados que precisavam se autoafirmar, puseram
toda a revolta para fora. E como se não bastasse, inventaram de formar uma
banda de rock, para desespero dos santos. Queriam seguir Lúcifer e não o chato
do Gabriel. Assombro geral no firmamento.
No começo, foi o punk. Jogaram fora as auréolas e trajaram roupas de
segunda mão rasgadas e sujas. Muito couro duro e escuro; nada de sedas leves e
brancas como antes. Na música que criavam, todo esse inconformismo era transmitido
na forma de depressão. Compunham canções soturnas, carregadas, chorosas, em que
a guitarra mais parecia gemer pedindo clemência. O baixo, grave em sonoridade e
intenção, e a bateria, marcada, repetindo uma interminável marcha fúnebre. Eram
chamados não apenas de punks, mas de gothic-punks,
ou seja, os punks de espírito dark. E
na voz da anja, dor. Muita beleza e afinação divina. Mas dolorida. Gravaram o
primeiro disco assim, em 1982, chamado “Garlands”, onde descarregaram as mágoas
e aflições que vinham guardando desde casa, quando romperam com o Pai em busca
do reconhecimento de si mesmos.
Acontece que uma vez anjo, sempre anjo. Os desgarrados, à medida que
iam produzindo, iam também, pouco a pouco, amenizando a raiva. E, não
coincidentemente, voltando a serem cada vez mais angelicais. O bom “Head Over
Heells”, segundo deles, de um ano depois, é o meio termo entre esses dois polos
de estado evolutivo. Avançam mais um pouco no sentido da suavização e chegam já
praticamente renovados no referencial "Treasure", de 1984, que, embora lírico,
ainda guarda um pouco da densidade dark
dos anos iniciais. Já com as asas de volta, depois do astral “Victorialand”
(1986), atingem o ápice da manifestação de suas almas celestiais com “Blue Bell Knoll”. Os querubins em
questão são Elizabeth Fraser (voz), Robin Guthrie (guitarras, teclados) e Simon
Raymonde (baixo): os escoceses do Cocteau Twins.
Maduros tecnicamente e afeitos aos estúdios da 4AD, eles mesmos produzem
um álbum altamente delicado e sofisticado, bastante marcado pelas texturas
espaciais dos teclados e pelas programações de ritmo. É assim que começa a
faixa-título, numa das aberturas de disco mais belas da discografia do pop britânico dos anos 80: um ataque de
teclados que lembra o som de cravo junto com a guitarra e bateria só no bumbo e
chipô. Camadas sonoras preenchem o espaço. Não demora, subindo um tom, entra a
deslumbrante voz de Liz Fraser articulando de improviso a letra em cima de uma
melodia vocal. Já começa nesse nível. Em seguida, a bonita “Athol-Brose” antecipa
uma das melhores do disco: “Carolyn’s Fingers”, encantadora, que, se for
considerar o tema, essa tal Carolyn deve realmente ter dedos mágicos. Brit-pop clássico, com a tradicional
batida funkeada em tempo 2/3, mas com o também tradicional riff twiniano. E o mais relevante: Liz Fraser dando um show de
vocal, adicionando uma carga erudita ao pop-rock
como poucas vezes se tinha visto. Deste jeito, jamais.
Guthrie, um guitarrista de qualidade, como boa parte de sua geração (Will Sergeant, Barney Sumner, Daniel Ash, irmãos Reid) não chegava aos pés em
técnica de um Jimmy Page, Eric Clapton ou um Jeff Beck (no pós-punk, não raro o baixista era mais hábil que o guitarrista na
banda). Porém, sua criatividade para compor e aproveitar os recursos sensoriais
e de textura que as cordas lhe proporcionam é gigantesco. Foi a mente inventiva
e observadora de Guthrie que cunhou uma rica assinatura melódica para a banda.
Ele sintetizou uma espécie de “base de riffs”
para o Cocteau Twins, a qual transmite, em notas geralmente de som cintilante,
exatamente esse espírito suave e etéreo que lhes é característico. Trata-se de
uma combinação de notas em tempo 7/7 que se assemelha ao andamento de uma valsa
mas que, avaliando bem, é bastante hipnótica visto sua estrutura cíclica em
arpejo. Com essa base, Guthrie é capaz de criar infinitos riffs, infinitas combinações valendo-se da variação de tom, das
texturas, dos arranjos, dos timbres e por aí vai. Como um pintor que se vale
das mesmas tintas para pintar quadros diferentes. É tão inteligente e marcante
que pode até nem conter todas as 7 notas (6, 5 ou até 4 apenas), mas percebe-se
o mesmo esqueleto ao se ouvir. O que apareceu pela primeira vez em 1983, na
linda “Sugar Hiccup” (e que já vinha sendo já largamente usada por eles, basta
ouvir “Pandora”, do “Treasure”, ou várias de “Victorialand”), é claramente
repetido em “Carolyn’s Fingers”, na melodiosa "Suckling the Mender",
cujo arranjo vocal do refrão a faz ganhar cores orientais, e em "Spooning
Good Singing Gum", outra linda, que chega a pôr o ouvinte para voar.
O estilo Ethereal criado pelos Twins, impressionista e sofisticado, é
fruto de uma improvável mescla de pós-punk,
ambient music, new age, folclore celta e música barroco-renascentista, Isso
é evidente em "The Itchy Glowbo Blow" e noutra balada, "A Kissed
Out Red Floatboat", com seus sons espaciais e um lindo refrão, onde Liz,
em overdub, põe o tom lá em cima.
“Ella Megalast Burls Forever” é outra magnífica balada que evoca, aliás, tanto o
sentido moderno do termo (canção sentimental em andamento lento) quanto sua
acepção primeira, medieva, de uma forma de poesia lírica em estrofes. Chega a
ser litúrgica de tão elevada, pois faz vir à mente suntuosas igrejas em que o
som se propaga às alturas. Os ecos, as sobreposições e os contracantos só fazem
aumentar essa sensação.
A voz de Liz Fraser, aliás, é um caso à parte. Ela não ficou conhecida
no meio pop-rock alternativo como “a
voz de Deus” por acaso. Talvez a melhor pupila de Cathy Barberian – mas também
bastante inspirada em Meredith Monk, Joni Mitchell e nos intrincados arranjos
de voz de Philip Glass – Liz foi, desde o início dos Twins, o maior destaque da
banda. Soprano – diferente de Barberian, uma mezzo –, foi aperfeiçoando a técnica e soltando seu canto até
chegar ao status que adquiriu. A
capacidade de alcance dos agudos e a fluência pelas escalas são típicas de uma
voz treinada e, acima de tudo, emocionalmente livre. “Cico Buff”, balada ambient muito terna, e "For Phoebe
Still a Baby", cheia dos ornamentos vocais, foram escritas para que ela as
conduzisse. Até o conteúdo do que ela canta tem sentido superior quando cria
melismas e inventa palavras ininteligíveis e sem sentido semântico nenhum,
apenas experenciando a musicalidade da pronúncia e dos encadeamentos. Não é
possível – nem necessário – entender o significado, pois a música é sentida na
essência, e essa é a própria concretização da linguagem universal da arte
musical. Provavelmente, seja esse o idioma dos anjos.
Depois de “Blue...”, a sina desses anjos na Terra permaneceu no caminho
de iluminação e de cores, influenciando diretamente bandas como Lush, Stereolab, My Bloody Valentine, The Cranberries, The Moon Seven Times, entre outras. Nos anos
seguintes, vieram os também ótimos “Heaven or Las Vegas” (1990, considerado
para muitos o melhor do grupo), “Four-Calendar Café” (1993) e “Milk &
Kisses” (1998), este, o último antes da dissolução após apenas nove discos de
estúdio (contando com o em parceria com o compositor vanguardista Harold Budd,
“The Moon & The Melodies”, de 1986).
Nessa trajetória, eles viram que tinham razão quando se autoexpurgaram,
pois o mundo precisa, sim, de um pouco de Satanás para sair do conformismo e
quebrar barreiras. O Diabo, afinal, é o pai do rock. Mas compreenderam,
igualmente, que havia uma inquestionável beleza naquilo que Gabriel representava
– e que ele não era o chato como eles pintavam. Foi em “Blue Bell Knoll” que aprenderam
isso e a não fugirem de seus próprios destinos, e que aceitar e elaborar suas
próprias naturezas era o caminho mais acertado. Isso vale tanto para anjos
quanto para pessoas. Quem sabe, então, não foi este, desde o início, o designo
divino aos Twins quando vieram em missão: ensinar aos humanos que o importante
é seguir o próprio coração?
vídeo de"Carolyn's Fingers" -Cocteau Twins
************
FAIXAS:
1. "Blue Bell
Knoll" - 3:24
2.
"Athol-Brose" - 2:59
3. "Carolyn's
Fingers" - 3:08
4. "For Phoebe
Still a Baby" - 3:16
5. "The Itchy
Glowbo Blow" - 3:21
6. "Cico
Buff" - 3:49
7. "Suckling the
Mender" - 3:35
8. "Spooning Good
Singing Gum" - 3:52
9. "A Kissed Out
Red Floatboat" - 4:10
10. "Ella Megalast Burls Forever" - 3:39
todas as composições de autoria
de Fraser, Guthrie e Raymonde.
A estabilidade que a
primavera traz ao tempo reservou um dia ensolarado no parque da Redenção para receber
o 2º Festival BB Seguridade de Blues e
Jazz. Após passar por São Paulo, Recife e Brasília, este interessante
festival reuniu nomes nacionais e internacionais em torno de ambos os gêneros,
como Hamilton de Holanda, João Maldonado Trio, O Bando, Maria Gadú e a Orleans
Street Jazz Band. Estima-se que 32 mil pessoas estiveram no parque
curtindo o dia com a família e os amigos. Entre estes, Leocádia e eu.
Como não dava pra passar o
dia, fomos no horário que pegaríamos os dois shows que mais nos interessavam: o
da banda carioca Blues Etílicos e, em seguida, do guitarrista norte-americano
Stanley Jordan. Se bem que, quando apontamos no parque, ainda dava pra ouvir,
mesmo que de longe, Hamilton de Holanda detonando seu bandolim. Quando nos
acomodamos, já no intervalo entre uma apresentação e outra, aparecem os
paulistas da Orleans Street Jazz Band tocando no meio da galera. Alto astral aquele
som de jazz do sul norte-americano, com direito a tuba, trompete, trombone,
sax, banjo e percussão. As melhores das boas-vindas.
Orleans Street Jazz Band no 2º Festival BB Seguridade de Blues e Jazz
Logo em seguida veio a Blues
Etílicos. Embora as letras deixem a desejar, a sonoridade é do mais poderoso e
original blues eletrificado. Destaque para o guitarrista Otávio Rocha e seus
slides impiedosos. É ele quem segura o som de um berimbau extraído da própria
guitarra na música “Dente de Ouro”, misto de baião e blues, a melhor da
apresentação. Também teve participação do blueseiro gaúcho Solon Fishbone em
“Puro Malte”, noutro momento muito legal em que três guitarras se somaram.
Foi então a vez de Stanley
Jordan subir ao palco. Ele, que havíamos perdido de ver quando do Canoas Jazz
Festival, em 2014, deu um show curto mas delicioso. Isso que o tal Dudu Lima
quase pôs água no chope! O músico mineiro, baixista e líder do trio que apoiou
Jordan, começou o show tocando a “Suíte BItuca”, versão jazz fusion para “Fé Cega, Faca Amolada”, de Milton Nascimento e Fernando Brant, com incursões de outras melodias, como a de “Raça”, também de
Milton, e “Asa Branca”, clássico de Luiz Gonzaga. Até aí, tudo bem. Acontece
que quando Jordan entra definitivamente para tocarem a primeira juntos, “Clube
da Esquina nº 2”, outra de Milton, esta parceria com Lô Borges. A beleza da
interpretação passa a ganhar tons de exagero por parte de Dudu Lima, que se perde,
sai do compasso e inventa improvisos mais ruidosos do que melódicos.
Pensamos: “Tudo bem, vai ver que estão esquentando
ainda”. Veio, então, o tema seguinte, “Regina” de autoria d Dudu. Estavam
os dois ali, tocando juntos quando, no meio da execução, o autor, decerto por
achar a autoria motivo para tal, desce do palco para tocar no meio do público
(!). Não que não possa fazer isso, mas no SEGUNDO número? E justo ele, o coadjuvante
do show? Totalmente despropositado. Jordan, na sua simplicidade, ficou no palco
fazendo base para o exibido lá embaixo. O bom foi que, a partir dali, tudo se
rearrumou. O mestre Jordan permanece no palco para, sozinho agora, mandar ver
duas suítes solo impressionantes. Uma delas é a originalmente linda “Eleanor
Rigby”, clássico dos Beatles presente no terceiro álbum de Jordan, o memorável
“Magic Touch”, de 1985. Um desbunde. Ele aproveita as linhas vocais, do cello e
dos violinos da original de 1966 para fazer o mesmo, só que apenas na guitarra.
Usando sempre das duas mãos, as quais tocam geralmente ao mesmo tempo, o
característico tapping – técnica que
evoluiu com ele –, a exuberante forma de Jordan tocar comove e impressiona.
A banda volta ao palco,
agora trocando seu bom baterista Leandro
Scio por um verdadeiro craque: o mestre Ivan Conti “Mamão”, integrante da
lendária banda de jazz-soul brasileira Azymuth. Não tinha como dar errado, e
até Dudu Lima, agora mais contido, passou a contribuir com seu competente baixo
elétrico. Uma linda execução de “Partido Alto”, faixa do disco da Azymuth "Light As A Feather", de 1979. Mamão, com sua experiência e suingue, dá outra
atmosfera para a sonoridade, um ganho que faz com que toda a banda cresça e
Jordan, por sua vez, conseguisse desenvolver ainda mais sua habilidade como
solista.
A formação com Mamão
arrepiou em outro jazz fusion estonteante, com variações de ritmo, agilidade e
performance de todos, claro, principalmente de Jordan. É o guitarrista que puxa,
enfim, novamente acompanhado do trio do começo, o número final, que o público
reconhece já nos primeiros acordes. É “Stairway to Heaven”, o clássico hard-rock
da Led Zeppelin. Como fizera
com a canção de Lennon e McCartney, nesta Jordan utiliza todas as
possibilidades harmônicas criadas pelo riff
de Jimmy Page, ora valendo-se da suavidade do dedilhado, ora transformando a
guitarra em piano, ora roncando em palhetadas. Até sons de bandolim e viola é
possível ouvir da guitarra de Jordan. Um final digno de um show que valeu a
pena aguardar esses dois anos para assistir.
vídeo de“Stairway to Heaven”porStanley Jordan e Dudu Lima Trio
Céu azul e muita gente na Redenção.
A Orleans Street Jazz Band toca no meio do público.
A inusitada percussão da OSJB.
A Blues Etílicos mandando ver no blues eletrificado.
No telão, Jordan e Dudu solando.
Galera aproveitando o gramado e a sombra das árvores.
É pura mentira, mas se um dia Elvis Presley refletisse sobre o seu legado para o futuro do rock ‘n’ roll,
ele almejaria que se criasse um som de raiz, usando instrumentações e timbres
típicos do rock genuíno, porém que se evoluísse naquilo que fizeram precursores
como ele, Little Richard, Jerry Lee Lewis, Johnny Cash, Chuck Berry e cia.. A música ambicionada pelo Rei haveria de conter, além desses predicados, melodias
belas e bem elaboradas, referenciando não apenas a ele e seus companheiros de primeiros
anos, mas a outras vertentes que o rock ganharia a partir de então – o country-rock, o punk, o hard-rock, a new wave, o folk-rock, o shoegaze.
Ah! E também não abriria mão de ser uma música bem tocada e bem cantada, com um
vocal afinado e de timbre apreciável (consciente, dispensaria que fosse
necessariamente o vozeirão dele).
Até que, 40 anos depois de inaugurar o estilo mais subversivo, popular
e eletrizante da história da música, Elvis, do auge do seu trono em que se
senta lá em cima, veria os rapazes da Grant
Lee Buffalo lançarem seu primeiro disco: “Fuzzy”. Estava ali o que ele esperava! Pondo o vinil pra tocar em seu toca-discos
celeste, os primeiros sons que Elvis ouviria são de uma introdução ligeira da
bateria na caixa com escovinhas, herdada do jazz
swing e ao estilo do rock que ele inventara. “Que beleza! É isso aí, rapaziada!”, vibrou. Ele está escutando “The
Shining Hour”, um rockabilly matador em
que a banda de Los Angeles liderada por Grant Lee Phillips – juntamente com Paul
Kimble, baixo, e Joey Peters, nas baquetas – apresenta de cara as qualidades
que fazem de “Fuzzy” o disco que é: a influência direta do blues, a prevalência
da sonoridade acústica, simplicidade nos arranjos (não há nenhum sopro ou
cordas de orquestra) e o espírito desafiador do bom e velho rock ‘n’ roll. Embalada, “The Shining
Hour” conta ainda com um piano, como a letra diz, saído de um “salão de
bilhar azul de Monterey”, que sola lá pelo meio e ainda a desfecha numa
nota grave e impositiva.
Em “Jupiter and Teardrop”, balada lindíssima em que Phillips, se já
tinha mostrado suas habilidades vocais na primeira faixa, aqui, ele
impressiona. Principalmente nos momentos de maior emotividade, a qual a canção
vai ganhando à medida que se desenrola. Esse clima é ampliado pelas guitarras
que, rosnantes, aparecem pela primeira vez no disco para comporem junto com a
base do violão 12 cordas um clima carregado e melancólico. A letra acompanha a
sonoridade, contando a triste história de um casal cujo rapaz, Teardrop, encrencado
com a polícia, está prestes a ser preso novamente, forçando a distanciar-se de
sua Jupter. ”Apenas uma garota que não
pode dizer não/ E seu namorado em liberdade condicional/ Seus pais lhe deram o
nome de Jupiter/ Para abençoá-la com uma alma de sorte/ Ele é um garoto que
nunca chorou/ Quando eles o prenderam lá dentro/ E ela o apelidou de ‘Lágrima’/
Para fazer uma tatuagem de seu olho.” Ela sonha com filhos e casamento, mas
teme que o pior aconteça antes do esperado: “O
telefone toca/ É para ela/ ‘Tenho que ver você, Jupiter’/ ‘Estou com problemas
com a lei’/ ‘Traga minha calibre 38’.” Uma crônica urbana romântica e de
final trágico.
Talvez a melhor da banda, se não, seu maior sucesso – o que para um
grupo alternativo como eles é algo considerável –, a faixa-título é outra
balada com estrutura semelhante à anterior (base no violão, guitarras
intensificando o clima semiacústico, tom tristonho), visto que ganha
emotividade conforme avança. “Fuzzy”, no entanto, traz um refrão absolutamente
tocante, em que Phillips, mais uma vez explorando suas qualidades de canto,
lança falsetes para dizer com sentimento: “I've
been lied to/ Now I'm fuzzy” (“Eu tenho mentido/ Agora estou confuso”). Em
seguida, “Wish You Well”, com uma base de guitarra bem interessante, é mais
pesada mas sem deixar de ser bastante melodiosa. Realce para a interessante
linha de bateria, forjada em pequenos rolos no surdo com a caixa.
“The Hook”, totalmente acústica, é uma bela canção em que tudo funciona
com perfeição: violão de cordas de aço, baixo acústico, bateria nas escovinhas
e a voz ora deslizante ora impregnada de Phillips. Outro destaque do disco é “Soft
Wolf Tread”, que inicia só na voz e frases do violão para, em seguida, explodir
em peso e fúria. Assim é também “America Snoring”: melodiosa mas permeada pela
distorção das guitarras e por uma bateria alta, pericialmente amplificada na
produção assinada pelo próprio Kimble.
O piano estilo country volta
na excelente “Dixie Drug Store” em que, por óbvio, homenageia o bluesman Willie Dixon mas, igualmente,
referencia a ligação intrínseca que o blues tem com a música folk, tal como outro bluesman, Muddy Waters, fizera no
clássico “Folk Singer”, de 1959 – disco em que, não coincidentemente, Dixon
produz e toca. Aqui, Phillips manda ver mais uma vez nos falsetes, os quais
incorpora de forma muito natural ao próprio timbre. Com essa, Elvis deve ter
ficado arrepiado. “Stars n' Stripes”, delicada, é talvez a mais fraca do álbum,
o que nem de longe tira a graça do trabalho como um todo.
E é justamente essa característica que desfecha “Fuzzy”: graça. Afinal,
“Grace”, penúltima faixa, seguindo o mesmo conceito de “The Hook”, que revela a
leveza d’”a rocha”, contrariamente, traz agora a densidade da “clemência”. Imagino
que para alguém que morava numa mansão chamada Graceland deve ter sido uma
feliz surpresa ouvir esse tema. “You Just Have to be Crazy”, baixando novamente
os ânimos, finaliza o álbum com a mesma pegada acústica e doce já apresentada
em vários momentos. A bela letra que diz: “Você
apenas tem que ser louco, não você/ Você apenas tem que estar fora de sua
mente/ Você apenas tem que ser louco, não você/ Você apenas tem que ser/
Verdade ou não/ Verdade ou não.”
Com todo respeito que tem a seus súditos Neil Young, Bob Dylan, John Lennon, Raul Seixas, Robbie Robertson, Jimmy Page, Elton John, Renato Russo, Elvis Costello, Johnny Thunders e mais centenas e centenas de roqueiros e
não-roqueiros mundo afora, Elvis Presley – na minha invencionice apaixonada –,
deu seu troféu para a Grant Lee Buffalo por “Fuzzy”. Foi neste disco que ele
identificou aquilo que imaginava que sua música um dia chegaria a ser:
sofisticada mas popular e pungente. Dá pra enxergar Elvis tirando dos ouvidos
seu fone dourado, recostando-se no trono e dizendo emocionado: “Muito bem, rapazes! Aprenderam direitinho. Obrigado”.