Alceu Valença, Elba Ramalho e Geraldo Azevedo dividem o palco do Araújo Vianna
Ainda resta uma esperança! Numa semana em que a República parece ter desmoronado, a música brasileira não só salva, como renova o espírito de nação. Foi isso que aconteceu ontem à noite no Araújo Vianna. O show “O Grande Encontro”, que reuniu Alceu Valença, Elba Ramalho e Geraldo Azevedo, deu um banho de civilidade e brasilidade nas três mil pessoas que lotaram o local. De Gonzagão a Dominguinhos, passando por Vital Farias e Jackson do Pandeiro, os três artistas demonstraram vitalidade e altíssima qualidade musical, cada um em sua especialidade.
Alceu com sua energia inesgotável e seus sucessos; Geraldo Azevedo com suas composições e sendo uma espécie de diretor artístico do espetáculo e Elba cantando como nunca. Aliás, devo confessar que nunca fui muito fã da paraibana mas ela me ganhou. Seu resgate de "Sangrando", de Gonzaguinha, fez um arrepio de emoção percorrer as fileiras do Araújo Vianna.
Acompanhados por uma banda com destaque para o guitarrista Paulo Rafael - velho parceiro de Alceu desde os anos 70 - os nordestinos fizeram o público cantar, dançar e perceber que a saída está na variada e luminosa cultura do nosso país, atualmente afastada da mídia tradicional mas permanente nos corações de cada um.
Emoldurado por um dos cartões postais da cidade, o Araújo Vianna, local onde foi lançado o livro
“Mas não é só o filme que carrega em seu corpo sinais.
Sociedades e cidades também as têm, mesmo que por baixo das vestes. 'O Caso do
Homem Errado', na linha do que outras realizações vêm evidenciando há
aproximadamente 20 anos na produção audiovisual negra no Brasil e noutros polos
cinematográficos, denuncia verdades fadadas até então ao apagamento da
história, ao escurecimento – sem o perdão da redundância.”
Trecho do artigo "A Pele da Cidade", sobre o filme “O Caso do Homem Errado”
Antes de pisar sobre o chão da sala Radamés Gnatalli, no Auditório Araújo Vianna, na manhã do domingo, dia 20 de março, já tinha ideia que viveria um momento especial. A presença de my love Leocádia e de minha hermana Carolina, somadas à coincidentemente bem-vinda presença de minha mãe, Iara, chegada do Rio de Janeiro horas antes por outros motivos, mas que a deu condições de também comparecer ao evento, já garantiam a especialidade. O retorno, depois de 2 anos e alguns meses de total ausência de eventos presenciais por conta da covid-19, ao mesmo tempo em que excitava pela novidade, também assustava pela descostume. Havia também como elemento adicional as comemorações pelos 250 anos de Porto Alegre, do qual o livro faz parte através do projeto Cine Rock, momento raro na história de qualquer cidade. Tudo fazia aumentar a espera.
Mas todos os receios e expectativas foram totalmente superados ao que adentramos a sala onde “50 Olhares da Crítica sobre o Cinema Gaúcho” teve seu histórico lançamento. A felicidade de todos era visível, fosse pelo feito da materialização do primeiro livro da ACCIRS em 24 anos de associação, fosse pela alegria de poder rever as pessoas depois de tanto tempo, fosse pela satisfação de, simplesmente, dividir aquele momento com os colegas, amigos, familiares e realizadores. O livro da ACCIRS é feito em correalização com a Opinião Produtora por meio do projeto Cine Rock, aprovado pelo Pró-Cultura RS e pela Lei de Incentivo à Cultura (LIC) do RS e patrocínio da JBS.
De minha parte, mesmo sem convidar a ninguém especialmente, fui agraciado com, além destas as quais mencionei no início, ricas presenças que me fizeram ainda mais completo. Estiveram lá, representando a família Leão, meu primo Henrique, filho de Cléber, competente professor e historiador que tão essencialmente contribuiu para o artigo de minha autoria no livro. Fizeram meu coração sorrir também os amados amigos Rodrigo, Lisi, Malu e Elis, e Valéria Luna com a sua filha Dora, bem como dividir - e trocar - autógrafos com Conrado Oliveira, colega de trabalho e de cinefilia. Completou-se ainda com a satisfação de rever (e abraçar) os colegas jornalistas Paulo Moreira, membro da ACCIRS mas que não participou da edição, e Ana Mota, outra que coincidentemente, assim como minha mãe, aterrissou em Porto Alegre e também não quis perder a oportunidade de prestigiar.
Do livro em si, adianto que ainda não será possível me estender. Mal consegui folheá-lo do dia do lançamento até hoje e, para modo de não dar luz ao que mereça, prefiro deixar para uma outra postagem aqui no blog mais adiante – talvez até nem por mim mesmo. Entretanto, agora já posso comentar brevemente sobre o artigo que escrevi e o filme o qual escolhi: “O Caso do Homem Errado”, o essencial documentário da cineasta Camila de Moraes, de 2017, primeiro longa dirigido por uma mulher em então mais de 60 anos de produção cinematográfica no Rio Grande do Sul. Histórico por si só. Mas não somente isso: “O Caso...” trata-se de um grande filme, absurdamente atual diante da uma realidade social gaúcha e brasileira.
Em meu artigo, o qual considero grave por necessidade temática, discorro sobre questões que ligam o ontem e o hoje nas relações de preconceito racial e urbanicidade. Como disse anteriormente, a colaboração de meu primo Cleber é de suma importância para a abordagem proposta, uma vez que sua visão do brancocentrismo na sociedade é chave para fazer ligar essas pontas que enlaçam passado e presente.
Fico aqui, porém, em palavras, mas os deixo com alguns dos felizes registros feitos neste dia marcante para a história da crítica de cinema no Rio Grande do Sul, para o cinema do Rio Grande do Sul, para quem faz e curte cinema no Rio Grande do Sul. Para mim, que nasci e moro no Rio Grande do Sul. Uma coisa posso lhes dizer: que momento feliz vivemos neste dia!
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Um brinde com a mãe e o primo
Love, love, love: cinema, cinema, cinema
Conrado e eu: quando é que vem o próximo em conjunto?
Com hermana, que fez a manhã de autógrafos ser ainda mais iluminada
Os amigos da "visões periféricas" e da vida
Val, Dora e eu: Guaíba e Capibaribe
Autógrafos para a filha e ex-esposa de Luis Carlos Merten, referência pra qualquer crítico de cinema
A amada presença de Henrique representando os Leão
O professor Paulinho Moreira foi prestigiar!
O exemplar autografado de d. Iara não podia faltar...
... E ela logo pegou pra ler!
Com as queridas colegas de ACCIRS Mônica Kanitz e Fatimarlei Lunardelli
Posando para a foto conjunta com todos os autores presentes...
Fui ver no Araújo Vianna - com mais
1700 pessoas – o show do America. Em
2004, tinha visto o segundo show deles em Porto Alegre. Foi um show bacana, bem
fiel aos discos. Como sempre, cantei todas as músicas e pedi autógrafos. Bem
tiete. Afinal, sou fã dos caras desde o primeiro disco.
Minha expectativa pro show de hoje era a mesma. Só que Dewey
Bunnell e Gerry Beckley resolveram fazer uma surpresa para o público. Acompanhados
pelo excelente guitarrista Bill Worrell; pelo baixista Rich Campbell e pelo
baterista Ryland Steen, a dupla meteu o pé na jaca do “roquenrou”. Fazendo
versões mais pesadas de alguns dos seus clássicos - destaque absoluto para
"Sandman", com imagens de "Apocalypse Now" no telão – o
America subverteu a ideia de que veríamos mais um daquelas apresentações mornas
de bandas da antiga. Bunnell continua cantando como sempre. Já Beckley demorou
um pouco a entrar no tranco, mas quando esquentou lembrou os velhos tempos.
Além disso, o America fez aquilo que não se espera de um show neste estilo.
Eles cantaram músicas novas, fizeram belas versões de "Woodstock" e
de "California Dreaming" e levantaram o Araújo com a minha preferida
deles, "Sister Golden Hair" com todo o público cantando o "ooh bap-shuba" final.
Os faraós do antigo Egito – eu incluído – esperavam uma
banda acomodada e foram surpreendidos com um belo concerto de rock. Como nos
velhos tempos.
"A Ipanema era essencialmente isso: uma nova forma de fazer rádio"
Katia Suman
"A Ipanema mudou toda minha vida, a minha maneira de ver o mundo, e acredito que isso tenha acontecido não só comigo, mas com toda a minha geração."
Porã,
ex- comunicador da rádio
"O ouvinte ligou e disse que a Ipanema é do balacobaco por causa de seus comunicadores, pela naturalidade, pela facilidade com que os ouvintes têm acesso a eles. Disse que, para quem mora sozinho, ouvir Ipanema é como se tivesse outra pessoa em casa."
Mary Mezzari,
ex-redatora e comunicadora da rádio, falecida em 2015.
Se eu já tinha gratidão à rádio Ipanema FM por ter contribuído de forma determinante na minha formação musical, agora, depois de ter lido o livro "Katia Suman e os Diários Secretos da Ipanema FM" eles ganharam também minha admiração, reconhecimento e respeito. Além de tudo aquilo que a gente ouvia pelas ondas do rádio, a programação diferenciada, criteriosa, fora dos padrões das FM's tradicionais; os cadernos deixados pela autora à disposição dos colegas, na época em que trabalhou na rádio, para todo tipo de comunicação interna e recolhidos e ordenados por ela para o livro, revelam uma turma cheia de profissionalismo, envolvimento, compromisso, engajamento e sobretudo, paixão. Paixão por fazer rádio, por fazer rádio bem, por fazer a rádio Ipanema FM. Não era uma rádio qualquer para nós ouvintes e não era para eles também e, entendendo isso, aquela rapaziada tinha um cuidado todo especial em manter a identidade da rádio, fosse musicalmente, como também nos posicionamentos, na postura, nas ações, nas iniciativas. As anotações diárias que todos os comunicadores deixavam um para o outro escancaram a garra que aquela turma tinha para fazer o que fazia. Batalhando por equipamento melhor para a rádio, discutindo programação, propondo pautas relevantes entre eles mesmos, mobilizando eventos, interagindo (verdadeiramente e pioneiramente) com o ouvinte, encarando os veículos mais poderosos, aqueles radialistas cheios de profissionalismo mas com um espírito amador, no melhor sentido que isso possa ser definido, deixavam evidente a cada recadinho no caderno porque a rádio Ipanema, com orçamento baixo, com toca-discos caindo aos pedaços, com telefones péssimos, com som ruim, sem alcance, transformou-se numa referência e num marco para a radiofonia brasileira. É lógico que rolava uns arranca-rabos de vez em quando, umas tretas, umas discussões feias em que o nível ia lá no dedão do pé, uns esporros da chefia, mas, claramente predominava um espírito de equipe, uma vontade de fazer bem, uma gana, um tesão pelo jornalismo, pelo rádio e tudo isso ficava expresso nas notas que, com muita sabedoria e felicidade, Katia Suman recolheu e organizou nesse excelente trabalho.
O formato bem solto, desde a disposição dos capítulos e seus títulos, passando pela escolha da fonte e a opção por caixa-baixa, aproximam a autora do leitor e fazem da leitura algo ainda mais prazeroso a ponto de parecer, em muitos momentos que estamos ouvindo a rádio. Com exceção dos gráficos, na parte final, que particularmente achei um capítulo dispensável, o livro é todo muito cativante e e saboroso. Dentre tudo destacado, anotado, escrito no caderno, merecem destaques as iniciativas pioneiras e bem amadorísticas para levar shows para a cidade que acabaram sendo grandes sucessos como é o caso da emblemática apresentação do Camisa de Vênus, no Auditório Araújo Vianna; as transmissões ao vivo que a rádio fazia de diversas casas de shows de Porto Alegre, antecipando-se a emissoras maiores que mesmo com mais recursos, depois que a Ipanema "inventou" não conseguiam fazer com a mesma qualidade; a iniciativa de reabertura do Araújo Vianna, em que a rádio criou uma enorme mobilização que, com um abaixo-assinado de milhares de assinaturas, obteve o resultado pretendido; a vaquinha para comprar um rádio para um presidiário que havia perdido o seu e adorava ouvir a rádio (o aparelho foi comprado e chegou até ele); além das discussões sobre a programação e setlists que demonstravam acima de tudo um respeito incrível pela identidade daquele veículo e pelo ouvinte. Mais do que já o fazia antes, só tenho a agradecer à Ipanema e a sua equipe por terem feito parte da minha vida. Mas minha gratidão eles já tinham. Agora a Ipanema tem minha reverência.
Rick Wakeman em mais um grande show em Port Alegre
foto: Lúcio Brancato
Em dezembro de 1975,
um jovem de 15 anos ficou embasbacado com o último show do Projeto
Aquarius, que trouxe Rick Wakeman a Porto Alegre com a OSPA. Foi um
espetáculo memorável. Gigantinho lotado. Agora, 39 anos depois,
este já não tão jovem senhor de cabelos e barba grisalhos foi
conferir se continuava tão entusiasmado como antes. Claro que duas
pessoas diferentes viram os espetáculos. Este senhor de hoje
trabalha com música, já leu e viveu muita coisa e, até prova em
contrário, sabe as armadilhas que o chamado Prog Rock prega em seus
fãs. Mesmo assim, este cara ficou fascinado, pois quase 40 anos
depois esta grandiloquência estilística, o exagero do uso de
orquestra e coral, a capa misturada com calça de abrigo, tênis
branco e barriguinha aparecendo não atrapalharam a emoção de
reviver aqueles temas todos.
O som do mini-moog,
a banda afiada, o cantor Ashley Holt dividindo o palco com a nossa
Ana Lonardi (que se saiu muito bem) e a história narrada pelo Álvaro
Luthi terminaram por me seduzir, mesmo que eu saiba que esses
exageros fazem parte de um mise-en-scène já superado. Todos
os defeitos do chamado rock progressivo estavam no palco do Araújo
Vianna. Foi isso que fez o show de Rick Wakeman, acompanhado
da Orquestra Unisinos Anchieta e do Coral Porto Alegre, tão
profissional e irresistível. Mais um da série "Azar, eu
gostei".
Sabe aqueles acontecimentos em que se cria uma grande expectativa e a
recompensa vem completa? Pois ter assistido Caetano Veloso e Gilberto Gil juntos e ao vivo foi assim: momento completo de se guardar para a vida.
Folgados os nós dos sapatos, das gravatas, dos desejos e dos receios, fui, na
doce e astral companhia das hermanasLeocádia e Carolina, ao Araújo Vianna presenciar uma noite inesquecível na
cidade (ao menos, a nós). Dois gênios vivos da arte mundial celebrando algo
incomparável e irrepetível: a união de 50 anos de carreira de cada um. As vivências
artísticas e próprias ou em comum; as conexões com vários tempos e movimentos;
a confluência com diversas manifestações da Arte e culturas; a musicalidade e a
poesia constantemente desenvolvidas ao longo dos muitos anos; as parcerias
entre eles e com outros. A significância inequívoca de cada um dentro do cenário
sociocultural brasileiro e mundial. Enfim: uma gama de motivos que fazem de “Dois Amigos, Um Século de Música” um
marco só por sua realização.
Porém, no palco, Caetano e Gil justificam o show, cuja turnê, iniciada
na Europa, em junho, passou pelo Brasil e já ganha a América Latina. Repertório
escolhido com inteligência e cuidado, como sempre fizeram em seus projetos.
Aliás, conheço essa qualidade não só dos discos ao vivo mas por já ter
assistido tanto a um quanto outro por duas ocasiões. Coincidentemente, as duas
primeiras vezes nos anos 90, quando cinquentões, e as recentes há bem pouco
tempo: 2013 (Gil, “Concerto de Cordas & Máquinas de Ritmo”), e 2014
(Caetano, "Abraçaço"), já passados dos 70 anos. Pela tevê ainda tive, em 1993,
a oportunidade de assisti-los num memorável megashow aberto em São Paulo com
duas superbandas mais a cozinha da Timbalada com Brown e tudo por ocasião do
disco “Tropicália 2” (à época, gravei em VHS e revi várias vezes o que hoje tem
no Youtube). Ou seja: vê-los agora de novo e reunidos é como se fechasse um
panorama de compreensão da extensão e da perenidade de suas obras ao longo do
tempo, esse “tambor de todos os ritmos”.
E foi justo a diversidade de ritmos que, trazidos pelo ecletismo
tropicalista ainda hoje revolucionário, pautaram o show. O arrebatamento se deu
do primeiro ao último acorde. O inicial, aliás, foi de emocionar qualquer um
que admire e entenda um pouco de suas obras. A música escolhida para abrir o
espetáculo foi a magistral “Back in Bahia”, rock
‘n’roll escrito por Gil na volta do exílio de Londres, início dos anos 70,
na qual ele expõe de forma madura, consciente e transformadora tudo o que
aprendeu com a (que poderia ter sido) traumática experiência. O tom de
identificação de um se refletiria no outro durante todo o desenrolar do show –
aliás, uma mostra daquilo que um sempre foi para o outro: um espelho. Foi o que
aconteceu no número seguinte. Se “Back...” traz as reminiscências de Gil de um
período marcante de sua vida, Caetano preferiu reviver outro tipo de memória
afetiva com a bossa nova que abriu seu primeiro disco (na voz de Gal Costa, à
época), em 1966: “Coração Vagabundo”.
Arranjos bem pensados, ambos dividiram os violões e os microfones nas
duas de abertura para, na sequência, trazerem uma cantada por cada um. E foram
dois hinos tropicalistas: a própria “Tropicália”, numa bela e impensável versão
acústica (difícil imaginá-la sem a orquestração de Duprat) com Caetano à voz, e
a tocante “Marginália II”, poesia brasilianista de Torquato Neto que Gil,
magistralmente, musicara para o disco-manifesto “Tropicália” ou “Panis et
Circensis”, de 1968. Primeiro momento do show a me levar às lágrimas ao ouvir
Gil entoando aquela letra do mais alto lirismo e identidade: “A bomba explode lá fora/ E agora, o que vou temer?/ Oh, yes, nós temos banana/ Até pra dar e vender/
Olelê, lalá/ Aqui é o fim do mundo/ Aqui é o fim do mundo...”
Passeando por suas histórias, foi a vez de reverenciar com afinco a
bossa nova e, mais que isso, ao ídolo João Gilberto. Outras duas dividindo os
vocais: “É Luxo Só”, samba de Ary Barroso “convertido” em bossa por João quando
da inauguração do estilo, em 1959, e “É de Manhã”, primeira composição de
Caetano e mais antiga escrita por um dos dois em todo o show, em 1963. Nesta, destacaram
a importância de Maria Bethânia, primeira da turma dos baianos a gravá-la e a registrar
uma música do irmão, então um jovem compositor iniciante.
Contraponto à canção mais antiga, num dos momentos especiais do show,
eles apresentaram uma composição de 2015, primeira parceria em 22 anos escrita
em São Paulo quando retornaram da temporada europeia. Ou seja: somente São
Paulo e Curitiba, shows imediatamente anteriores ao de Porto Alegre, a tinham
escutado. Uma joia chamada “As camélias do Quilombo do Leblon”, samba poético e
filosófico que repensa as condições socioculturais que o Brasil tem de criar e colher,
como dizem os versos, “as camélias da
Segunda Abolição”. Numa resposta a toda polêmica gerada pela tentativa de
boicote do ex-Pink Floyd, Roger Waters, ativista anti-Estado de Israel, quando
da passagem dos brasileiros por Tel-Aviv, a letra não deixa por menos, evidenciando
as possibilidades emancipadoras que o miscigenado e “cordial” povo brasileiro (aka Sérgio Buarque de Hollanda e Domenico
de Masi) tem diante de outras civilizações do planeta: “Vimos as tristes colinas logo ao sul de Hebron/ Rimos com as doces
meninas sem sair do tom/ O que fazer/ Chegando aqui?/ As camélias do Quilombo
do Leblon/ Brandir.”
Caetano, uma das maiores forças criativas da MPB.
foto: Júlio Cordeiro
Uma sequência de várias de Caetano emocionou o público – de uma
complacência um tanto fria até então, mas que a partir dali se derreteu de vez.
Não era para menos, pois vieram a clássica “Sampa” e a não menos épica “Terra”,
talvez a mais bem arranjada de todo o show. Somente aos dois violões, de longe
superou a versão original, revelando toda a atmosfera etérea da melodia, com
seus traços árabes e folks. Enquanto
Caetano cantava com emoção e destreza, Gil percutia levemente na madeira do
pinho. No refrão, providenciava para o amigo todos os complementos que o
arranjo original suscita. As percussões cintilantes, o som da cítara, a viola,
o andamento cadenciado: tudo é substituído e condensado no dedilhar magistral
de Gil. De arrepiar.
Caetano emenda outras de três momentos importantes de sua carreira: “Nine
Out of Ten”, presente em "Transa", de 1972, seu melhor disco e que, gravado em
Londres, foi responsável por fazê-lo sair da depressão do exílio; “Odeio”, do
visceral “Cê”, já dos anos 2000, uma confissão de amor ao estilo rock: fazendo
sexo virtual a esmo, o que ele queria mesmo era a ex ali consigo; e a
castelhana “Tonada de Luna Ilena” (de Simón Diaz, que gravou em 1994, em “Fina
Estampa”), numa impressionante interpretação que, claro, tocou a nós gaúchos
tão próximos dos irmãos portenhos.
Mais outras três encantadoras tocadas em dupla: a excelente bossa nova
“Eu Vim da Bahia”, das primeiras composições de Gil; “Come Prima”, em que ambos
mandaram um afiado italiano; e "Super-Homem, a canção", noutro momento de emoção.
Caetano, com a afinação e o timbre doce que lhe foram presenteados por Deus,
começa cantando. Na segunda parte, Gil, comovido por ouvir o parceiro, engasga
a voz e é aplaudido.
Gil e o violão qu expressa tudo.
foto: Júlio Cordeiro
O repertório, seguindo o conceito de espelhamento, trouxe, então, uma
série com Gil, começando pela gostosa “Esotérico”, cantada em coro pela plateia.
Tomado pela acolhedora egrégora criada pelos dois, me deu até a impressão de
esta ser uma música de Caetano – embora saiba que é de fato de Gil – devido às
repetições de versos, às assimetrias de métrica e o tom desafiador típicos
deste. Depois, esmerilhando as cordas, Gil sacou uma impecável “Tres Palavras”,
do mexicano Osvaldo Farrés, para, na sequência, emocionar novamente todos com
“Drão” que – assim como ocorrera antes, quando o companheiro desnuda-se ao
tocar “Odeio” – revela a dor da separação da antiga esposa. Caetano, que a
gravou em 1998 (no ao vivo “Prenda Minha”), nem ousou cantar junto.
Aliás, a deferência e a admiração de Caetano para com Gil ficam visíveis.
Não que ele se apequene; não que desconheça seu tamanho e relevância; mas Caê
reverencia “aquele preto que ele gosta” e deixa que ele estabeleça o clima do
show, o qual se dá de forma leve e elevada. Bonito de se perceber. Em “Expresso
2222”, obra-prima visionária de Gil, é ele quem, além de tanger os complexos
acordes da melodia, comanda o forró que se instala. O Araújo Vianna dança. No
embalo da animação, vem o afoxé “Toda Menina Baiana”, outro clássico.
Junto com a nova composição já apresentada, a lírica “São João, Xangô
Menino” é a única do set-list
composta em parceria. Linda, outra que me emociona sempre (e não foi diferente
desta feita), principalmente no refrão de versos móveis, um verdadeiro canto de
louvor à riqueza do folclore nacional e às forças da natureza: “Viva São João/ Viva o milho verde/ Viva São
João/ Viva o brilho verde/ Viva São João/ Das matas de Oxóssi/ Viva São João”. A
crença e a espiritualidade voltam em outro sucesso de Gil: “Andar com Fé”. Na
mesma atmosfera, eles enfim me desmontam ao tocarem "Filhos de Gandhi". Das
melhores e mais significativas canções de todo o vastíssimo cancioneiro de Gil.
Um privilégio ouvi-la ali naquela ocasião tão especial, acompanhado de quem
estava e, tendo recentemente ido à Bahia e sentido todo esse universo que a
canção carrega. E ainda mais com Caetano entoando junto essa verdadeira oração
aos orixás (“Omolu, Ogum, Oxum, Oxumaré/
Todo o pessoal/ Manda descer pra ver/ Filhos de Gandhi...”).
O primeiro bis teve uma que já nasceu clássica: “Desde Que o Samba e
Samba”, a qual parece ter sido composta por aqueles bambas dos anos 30/40 tipo
Wilson Baptista ou Ataulfo Alves. Mas não: é do próprio Caetano e do já
mencionado “Tropicália 2”, dos anos 90 – que teve também a eletrizante “Nossa
gente” no repertório. “Luz de Tieta”, forte e cantarolável, não foi suficiente
para que os deixassem ir embora. Teve ainda um segundo bis com a beatle “Leãozinho”, muito querida da
plateia, uma impressionante "Domingo no Parque", em que Gil novamente faz
daquele violão uma orquestra completa e, fechando de vez a apresentação, “Tree
Little Birds”, de Bob Marley. Um final alegre e sereno.
Caê e Gil, andando com fé pela música.
foto: Júlio Cordeiro
Poucas foram as repercussões pré ou pós na cidade. Parafraseando
Caetano, o “silêncio sorridentede Porto Alegre” de quem não quer
admitir admiração por outrem. Talvez, em decorrência de um intimidamento
provocado pela interferência internacional de Roger Waters ao show de Israel
(muitos pensaram alarmados: “Nossa, um
estrangeiro importante dando atenção para tupiniquins como eu?!”) ou pela
polêmica em torno do valor dos ingressos, “caros demais para artistas que se
dizem populares”, como ouvi. Uma proposital confusão entre “popular” e “populista”
de quem não se autoentendeu diante da situação de existirem representantes do
seu país com merecido destaque tanto lá fora quanto aqui – haja vista que a
turnê de “Dois Amigos, Um Século de Música” foi um sucesso na Europa. Detração
que vem, certamente, de quem criticou o preço do ingresso de um show como este
(que não teve nada de diferente de qualquer outra bilheteria de artista
brasileiro, muitas vezes infinitamente menos expressivo) mas paga caro para ver
algum dinossauro do rock caquético e descontado que vem tirar uma grana naquela
cidade que se submete a isso. Desculpe frustrá-lo, Caetano, mas Porto Alegre
não faz jus à sentença de que a “verdadeira
Bahia é o Rio Grande do Sul”.
De minha parte, só elogios. Uma ocasião que, até pelo mote, jamais se
repetirá, e sabe-se lá se ainda tocarão assim juntos novamente em vida. Óbvio
que, como fã, passou-me pela cabeça músicas das preferidas que não foram incluídas,
como “Trilhos Urbanos”, “Trem das Cores”, “Cajuína”, “Cores Vivas”, “Palco”, "Lamento Sertanejo", “Aqui e Agora”. Ou mesmo não terem escolhido apenas duas
das coautorias: quiçá uma “Divino Maravilhoso”, “Iansã”, “Haiti”, “Panis et
Circensis”, “Cinema Novo” ou “Beira-mar”. Mas é evidente que, em 100 anos de
carreiras somadas tão profícuas quanto extensas e constantes, fica impraticável
condensar tudo em uma hora e meia. Ao menos, foi possível neste tempo sentir a
riqueza infindável da arte que emana de Caetano Veloso e de Gilberto Gil. Minutos,
na verdade, dentro de toda a amplidão. Minutos que valeram por um século.
**************
Caetano Veloso e Gilberto Gil - As Camélias do Quilombo do Leblon - Porto Alegre 28/08/2015
Sinceramente pensei que havíamos perdido Gal Costa. Por quase duas décadas, ela,
uma das maiores cantoras do Brasil e do mundo havia se afundado numa fase
obscura de falta de criatividade e trabalhos opacos que nem a voz cristalina
conseguia impulsionar. Parcerias ruins, projetos mal elaborados, repertórios
duvidosos, ações de marketing ineficientes. Tudo contribuía para pior a ponto
de quase tirar o brilho da intérprete de tantas glórias e êxitos. Porém, em
2012, renascida das cinzas, Gal Costa chama o “mano” Caetano Veloso para
exorcizar seus demônios e lança o “divisor de águas” "Recanto", no qual não só
retoma uma série de referências que havia deixado no passado quanto,
obviamente, se ergue de novo musicalmente.
Não é mesmo à toa que “Recanto” tenha esse título, pois de
fato a partir dele tudo mudou para Maria da Graça Costa Penna Burgos, que
completa louváveis 50 anos de carreira em 2015. E uma das mostras dessa mudança
para melhor é o novo CD “Estratosférica”,
cuja turnê passou por Porto Alegre numa memorável apresentação da baiana e sua
banda de jovens rapazes. Aliás, a nova geração é que, sob a batuta dessa
experiente cantora, dá o tom dos novos trabalho e show. A começar pela direção
musical, a cargo de Pupilo (Nação Zumbi), certamente responsável em boa parte
pelo tom de rock do show. Igualmente, o repertório é recheado de canções de
compositores de agora, como Mallu Magalhães, Marcelo Camelo, Criolo, Zeca Veloso
(sim, filho de Caetano!) e Alberto Continentino.
Maravilhosamente bem iluminado e com uma Gal em boa forma
física e principalmente vocal, “Estratosférica” é uma aula de construção de
repertório e conceito de espetáculo. Mesclando as novas músicas com sucessos e
clássicos da carreira, Gal não faz apenas o que se espera como, assim, reassume
a função que sempre foi sua desde que se tornou a revolucionária resistente do
tropicalismo e a dona de hits incontestes das rádios: a de servir de canal
transformador entre o novo e o tradicional na música brasileira. Afinal, foi
ela uma das principais responsáveis por gravar, nos anos 60 e 70, os então
jovens Caetano, Gilberto Gil, Tom Zé, Jards Macalé, Luiz Melodia, Jorge Ben e
vários outros. stoneano “Sem medo nem esperança”, música
do novato Arthur Nogueira com poesia do veterano Antonio Cícero dando o recado
pela intérprete: “Nada do que fiz/ Por
mais feliz/ Está à altura/ Do que há por fazer” (assim é que nós gostamos
de ver, Gal!). Esta emenda com “Mal Secreto”, de Jards e Waly Salomão, gravada
por ela no histórico “Fa-Tal” ou “Gal a Todo Vapor”, de 1971. Voltando mais no
tempo, Gal revive o ápice do tropicalismo com “Namorinho de Portão”, de Tom Zé,
que ganha arranjo tão parecido com o de 1969 que a guitarra de Guilherme
Monteiro soa até com aquele distorcido rasgado de Lanny Gordin. Grande momento.
Gal e sua excelente banda.
Nessa linha, o show começa detonando com o rockzão
Como todo bom concerto de rock, a base harmônica está na
guitarra, que ganha ora peso ora groove, auxiliado pela bateria de Thomas
Harres, pelo baixo de Fábio Sá e, principalmente, pelos teclados do ótimo Maurício
Fleury, ora modernos ora retrô-psicodélicos, servindo como elemento climático e
de textura. Soa assim a versão de outro clássico, “Não Identificado”, de Caetano,
cujos efeitos do sintetizador cobrem muito bem a orquestração intensa e
espacial de Rogério Duprat da original. “Pérola Negra”, de Melodia, é outra das
antigas que conquista o público. As canções novas não deixam, no entanto, nada
a dever para as já consagradas. É o caso de “Quando você olha pra ela”, gostoso
samba-rock assinado por Mallu com cara do melhor Jorge Ben: melodia suingada, linha
vocal assimétrica e a docilidade romântica de uma “Ive Brussel” e “Moça”.
Aliás, Benjor é reverenciado mais de uma vez: primeiro numa embasbacante
“Cabelo”, parceria com Arnaldo Antunes que ganha arranjo de funk-rock pesado, tipo Parlaiment/Funkadelic (o que é aquilo!). Lá no fim, Babulina volta em alto
estilo para encerrar o show com uma improvável (mas maravilhosa) "Os Alquimistas Estão Chegando", misto de indie
e samba-soul (o que é aquilo, de novo!).
Voltando às novas, ainda surpreendem a doce bossa-nova “Pelo
fio”, de Camelo, com ares de Carlos Lyra ou Ronaldo Bôscoli; “Ecstasy”, joia
nova de João Donato e Thalma de Freitas; a interessante faixa-título, de Maria
Poças, Romário Oliveira Jr. e Barreto; e, principalmente, a genial “Por baixo”,
um malicioso baião eletrônico de Tom Zé encomendado pela conterrânea: “Por baixo do vestido: a timidez/ Baixo da
timidez: a seda fina/ Baixo dela: uma nuvem de calor/ Baixo de calor: um
perfume da China...”. Ainda, a bela “Você me deu”, de Caetano e seu filho
Zeca, revisitando o conceito de “Recanto”; “Muita Sorte", última música
escrita pelo saudoso Lincoln Olivetti (morto em 2014), "Amor, Se
Acalme" (de Marisa Monte, Arnaldo e Cezar Menezes); a sensorial “Anuviar”,
de Moreno Veloso e Domenico; e a rica “Dez Anjos”, parceria de Criolo e Milton Nascimento, também feita especialmente para Gal. Aliás, para abrilhantar a
noite no Araújo Vianna, Bituca, na cidade para um show que faria dali a dois
dias, foi prestigiar a amiga.
Como nos velhos tempos, voz e violão.
O clima especial de quem está reverenciando sua própria obra
faz com que a artista passe por pontos importantes, e Caetano está presente aí
novamente. Além de ser personagem fundamental no resgate da companheira de
Doces Bárbaros e o único a ter quatro composições no set-list, é dele ainda outro feito: a primeira canção gravada por
Gal (ainda como Maria da Graça), “Sim, Foi Você”, em 1965. Para tocá-la, a
própria volta a empunhar o violão, numa das horas emocionantes do show.
A pulsante “Casca” (Jonas Sá e Alberto Continentino), das
melhores do show e que novamente remete ao tom kratrock de “Recanto”, fecha muito bem com o hino “Cartão Postal”,
de Rita Lee e Paulo Coelho, resgatada com muita sensibilidade por Gal. É o que
acontece também com “Arara”, de Lulu Santos, e no desbundante blues de “Como 2
e 2”, em que a cantora repete a performance que faz com que sua interpretação
seja tão definitiva quanto a de Roberto Carlos. Por falar em Roberto, é a
parceria dele com Erasmo Carlos escrita em homenagem à própria em 1969, o
sucesso “Meu nome é Gal”, que fecha o show no bis. Ainda teria mais um
impressionante arranjo, este para o samba dor-de-cotovelo de Lupicínio Rodrigues “Vingança”, que vira um bolero modernista, para encanto dos gaúchos.
Foi mais um show deste histórico momento de comemorações de
50 anos de carreira e/ou de 70 anos de idade, aos quais já presenciei de dois
anos para cá de Caetano e Gil (tanto juntos quanto separadamente), Milton, Maria Bethânia e da norte-americana Meredith Monk. Ou seja: a celebração de uma
geração que, na faixa ou acima dos 70 anos (ponham-se aí os Rolling Stones, Paul McCartney, Stevie Wonder, Bob Dylan e outros precursores), ainda nos tem
muito para dizer. E Gal, para sorte de todos, voltou ao time de forma inteira. Total.
Legal. Fa-tal. Estratosférica.
Embora os shows comecem a voltar presencialmente, o que acho
animador, não está nos meus planos assisti-los, assim, tão cedo, visto os riscos
que, infelizmente, ainda se correm. Enquanto não retorno com pelo menos boa
parte do prazer e despreocupação às casas de espetáculo, recordo aqui, então,
de mais um show de anos atrás que guardo com muita alegria na memória: o da
Jamiroquai. Se hoje é pouco provável a vinda de uma banda como a desses
ingleses a Porto Alegre – mesmo antes do cenário de pandemia –, há 24 anos
atrás, completos neste último dia 14, isso acontecia. E acontecia em razão de
um outro privilégio ainda maior que a capital gaúcha já teve, que era o de
receber shows do saudoso Free Jazz Festival. Recorrente no Rio de Janeiro e em
São Paulo desde 1985, o principal festival de jazz brasileiro ocasionalmente
incluía Porto Alegre no roteiro até, tristemente, encerrar por total as edições
em 2002, quando a 17ª edição foi cancelada devido à alta do dólar, que elevou
os custos a ponto de inviabilizar sua realização.
Ingresso de algum dos afortunados que assistiram o show bem de perto naquela noite
Mais do que só o privilégio e a raridade de assistir ao
maior grupo de acid jazz do planeta, a apresentação da Jamiroquai em si foi um
luxo. Repertório e produção impecáveis, músicos afiados, público sedento e um J.
Kay – a imagem da Jamiroquai, literalmente – carismático e catalisador:
cantando e performando com energia. Um showman, que dança constantemente, mas
não por isso deixa de soltar com muita técnica sua linda voz de timbre a la
Stevie Wonder. E a “cozinha” é outra maravilha à parte, sustentada pelo baixo
suingado de Stuart Zender, a bateria polirrítmica de Derrick McKenzie, os
teclados voadores de Toby Grafftey-Smith, a percussão “raiz” de Sola Akingbola
e a guitarra cheia de groove de Simon Katz. Além deles, as pick-ups do DJ D-Zire
e a linha de sopros.
A vinda do grupo, aliás, se deu justamente no momento de
maior sucesso mundial da banda, motivado pelo estouro do seu terceiro álbum, “Travelling
Without Moving”, de um ano antes. Sabe aqueles discos que mais de 80% das
faixas se tornaram hits? É o caso deste, um dos poucos casos desse fenômeno nos
anos 90, ajudado, inclusive, pela fase áurea da MTV, que rodava seus
videoclipes em looping. Resultado: uma paulada atrás da outra. "Virtual
Insanity", "Alright", "Cosmic Girl" e a faixa-título
do disco que motivou a turnê, por exemplo, incendiaram a galera, que sacolejou
aos montes mesmo espremida pelas poltronas. Isso porque, o espaço definitivamente
não foi o ideal: um Teatro do Sesi com cadeiras fixas que impediram o público
de dançar num show claramente apto a isso. Afinal, provinciana, Porto Alegre
não tinha nada melhor em termos de aparelho cultural - dois espaços que poderiam
ter recebido o show, o Teatro Bourbon Country, inaugurado em 2007, ainda nem
existia e o Araújo Vianna só seria reaberto 15 anos depois.
A grande Jamiroquai no seu auge no show de SP dias antes para o mesmo Free Jazz
Isso tirou a naturalidade da plateia, claro, mas não suficientemente para apagar
o brilho daquela noite. Afinal, Jason Kay e Cia., indiferentes a este problema,
mandaram ver numa apresentação competente e empolgante. Além dos sucessos, teve
direito a outros temas conhecidos e/ou queridos do público não apenas do disco
de então, mas também dos ótimos “Emergency On Planet Earth” (1993) e “The Return
Of The Space Cowboy” (1994), considerados por muitos dos fãs seus melhores
trabalhos. São exemplos "Space Cowboy", jazz-soul muito inspirada na brasileira
Azymuth; bem como “Hooked Up”, que abriu o show em alta numa rotação funk, e a
fantástica “Too Young To Die” (“Do-do-do-do-do, da-da-do, da-da-do-do”), ambas
do primeiro disco. Teve direito, ainda, a solo de Wallis Buchanan de didjeridu
(“Didjital Vibrations”), aquele instrumento de sopro dos aborígenes
australianos que a Jamiroquai adotou desde sempre.
Funk, jazz, AOR, disco, rap, rock, dance. A Jamiroquai é
tudo isso e mais um pouco, o que pude conferir ao vivo na minha própria cidade
em quase 2 horas incendiárias. Não lembro como foi o retorno de volta em plena
madrugada de um domingo considerando que cerca de 27 km distanciavam minha casa
do teatro e que pegar um táxi seria uma fortuna (provavelmente, mais caro do
que o próprio ingresso que havia pago). Mas cheguei em segurança, com certeza – se
não, nem estaria aqui relembrando disso tudo. Nesse aspecto, morar numa quase província haveria de ter as suas vantagens.
Jamiroquai - show completo do Free Jazz Festival (10/10/97/SP)
Planeta Terra. Cidade: Porto Alegre. População encontra um percalço nebuloso que ninguém sabia quanto tempo iria durar...e claro que tentativas de desopilar não iriam faltar! Com distanciamento, álcool em gel e máscara a Opinião Produtora anuncia para o dia 18 de dezembro de 2020, no Auditório Araújo Vianna, ingresso com lotes limitados e, lógico, que eu corri e garanti os meus dois!
Senhoras e senhores: Black Alien, o Mister Niterói, estaria fazendo seu espetáculo “Abaixo de Zero: Hello Hell” – que, cá para nós, é um álbum digno dos prêmios que recebeu. Porém, novas regras de isolamento isolam as mentes e nada pode acontecer nas datas programadas, para desespero de nós, trancafiados fãs.
E o tempo passou, passou e passou. Lá se foram dois anos. A cada evento que eu ia no Opinião, vinha a dúvida: e o show??? E os ingressos????
Até que, vixeeeee: “vai rolar!” Para deleite da galera ansiosa, Black Alien vem a Porto, e com música nova. E os tais os velhos ingresso poderem finalmente ser utilizados no dia 10 de março de 2022. Noite chuvosa, tipo chuva de molhar bobo, mas lá vamos nós, eu e a minha parça Val Soueu.
“Si larguemu” pra José do Patrocínio fazer o esquenta clássico garimpando botecos com cerveja barata e matar a saudade dos tempos do Bomfa. 23:30 se forma uma fila gigantesca e lá vamos nós embarcar numa nave alienígena que, por mim, não aterrissaria tão cedo...
Gustavo Ribeiro e DJ Eric Jay (campeão do DMC por duas ou três vezes) foram os anfitriões em uma celebração à vida. Apresentação afiada, intimidade MC/plateia e MC/DJ, algo que só os melhores podem oferecer. Casa lotada como poucas vezes tive a oportunidade de ver. Uma energia monstra embalava a galera, que sabia de cor todas as letras – não consigo enunciar a ordem do show, mas foi perfeito!
Noite memorável. Pouco mais de uma hora e meia com direto a bis, como de praxe, e bailinho com o DJ da casa, o meu parceiro Milk-Shake, para encerrar uma viagem alienígena.