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segunda-feira, 2 de abril de 2018

"Tropicália" ou "Panis et Circencis" - vários (1968)


O Descobrimento do Brasil

“Eu organizo o movimento/ 
Eu oriento o carnaval/ 
Eu inauguro o monumento/
No planalto central do país.”
Versos da canção “Tropicália”, de Caetano Veloso

“SEQUÊNCIA 5 – CENA 9
INTERIOR, NOITE EXTERIOR, DIA, ESTÚDIO DE GRAVAÇÃO. NARA, GAL, GIL, CAETANO, TORQUATO, CAPINAN E OS MUTANTES. FRENTE AO MICROFONE. OBEDECEM AO MAESTRO ROGÉRIO DUPRAT. UNÍSSONO. 
TODOS – As coisas estão no mundo, só que é preciso aprender.
CORTA.”
Trecho do texto do encarte original de “Tropicália”

“Só a ANTROPOFAGIA nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.“ 
Trecho do Manifesto Antropofágico, de Oswald de Andrade, 1928.


A filosofia antropofágica que o modernista Oswald de Andrade concebeu em finais dos anos 20 traz no cerne uma revolução conceitual cuja difícil assimilação perdura ainda nos dias de hoje. Como criar uma arte brasileira e original ao deglutir, temperado com os sabores tropicais, aquilo que vem de fora? Oswald converteu o ato de canibalismo ameríndio do colonizador numa metáfora de combate ideológico. Noutras palavras, devorar e digerir todas as influências estrangeiras que sirvam para fortalecer a própria cultura e, assim, recriá-la.

Desafiador, por óbvio. Afinal, isso significa, antes de saber identificar o que é de fora, entender o que pertence a si próprio. Complicado de concretizar, ainda mais em terras tupiniquins historicamente subjugadas e inferiorizadas. Houve quem topasse a briga, contudo. E não foi um alguém, mas um grupo. Em 1967, Caetano Veloso e Gilberto Gil, filhos da santa Bahia imortal e seguidores da bossa-nova de João Gilberto, organizaram o movimento e orientaram o carnaval. Sob a égide das ideias oswaldianas, criaram aquilo que pertinentemente se chamou de “Tropicália”, disco e movimento, que estão completando celebráveis 50 anos. Vestidos de parangolés por dentro e por fora, eles, mais os representantes da Paulicéia Desvairada Mutantes e Rogério Duprat, os conterrâneos baianos Gal CostaTom Zé, a carioca Nara Leão o os poetas tão nordestinos quanto universais Torquato Neto e Capinan, fizeram aquilo que o continental, desigual e rico Brasil moderno ensejava: estabelecer uma verdadeira ponte entre o rural e o urbano, a alta e a baixa cultura, o bom e o mau gosto. Vicente Celestino dialogava, sim, com rock britânico, e Carmen Miranda não ficava abaixo da avant-garde. O mesmo para com Luiz Gonzaga em relação à Disney, ou os sambistas do morro à linhagem clássica do Velho Mundo. Tudo junto e misturado. Era mais que um desejo: era uma necessidade.

Caetano e Gil à época do Tropicalismo, as duas principais
cabeças do movimento
De fato, a conturbação sociológica a que os anos 50 e 60 se acometiam não era pouca: Guerra do Vietnã, ameaça de desastre atômico, ascensão das ditaduras nas Américas, Crise dos Mísseis, assassinato de Kennedy, corrida espacial, revolução sexual. No Brasil, se a bossa-nova, a arquitetura de Niemeyer e o Cinema Novo colocavam o País no mapa mundial da produção intelectual – para além apenas da habilidade física de um futebol já bicampeão mundial àqueles idos –, os primeiros anos de Ditadura Militar anunciavam tempos cada vez mais sombrios de censura, perseguições, prisões, vigília, cerceamento e exílio – como acabaria por ocorrer com Caetano e Gil menos de dois anos dali. Os festivais espocavam de euforia e tensão. A cultura de massa começava a fermentar nas telas da tevê. Roberto Carlos, Elis Regina e Wilson Simonal movem multidões. Ao mesmo tempo, pairava no ar um clima de inquietação, medo e incertezas. E a antropofagia cultural caía como uma luva para compreender essa louca realidade brasileira.

“Tropicália” mostrava-se, então, como um acidente inevitável. Não tinha mais como fugir: era ir adiante sem lenço e sem documento enquanto o seu lobo não vinha."Tupi or not tupi", era essa a questão. Os acordes de órgão em clima litúrgico abrem o disco dando uma noção da complexidade que seguirá até o seu término. A missa pagã irá começar! É o início de “Miserere Nobis”, cuja letra de Capinan guarda em seu latim ecumênico ideias revolucionárias de igualdade social (“Tomara que um dia de um dia seja/ Que seja de linho a toalha da mesa/ Tomara que um dia de um dia não/ Na mesa da gente tem banana e feijão”) e de resistência (“Já não somos como na chegada/ O sol já é claro nas águas quietas do mangue/ Derramemos vinho no linho da mesa/ Molhada de vinho e manchada de sangue”).

A influência do rock psicodélico da época está totalmente presente, como na colegam das faixas, igual ao então recente e já referencial “Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band”. Mal “Miserere...” anuncia seu término, já começam a se ouvir estrondos intermitentes. É a percussão martelada de “Coração Materno”, a superversão do seresteiro Vicente Celestino pela ótica tropicalista. Inspirando-se na veia sinfônica dos Beatles (“She’s Leaving Home”, “Eleanor Rigby”, entre outras), mas superando-os em conceito, a música evoca a orquestração carregada de Duprat e o canto emotivo de Caetano para dramatizar (ainda mais!) a canção escrita nos anos 30, redimensionando seu caráter operístico. Novamente, a dialética clássico versus popular. Ao mesmo tempo, a nova leitura moderniza o antigo original, cuja certa breguice esconde um ar tragicômico, dando-lhe um caráter de seriedade que o faz parecer... ainda mais tragicômica! Fina ironia.

É a vez, então, dos Mutantes aparecerem pela primeira vez com “Panis et Circencis”, um dos hinos do movimento e tão importante no repertório que subtitula o projeto. A produção impecável e ousada de Manuel Berenbein põe os acordes do Repórter Esso – noticiário de radio e telejornalismo símbolo da cultura de massa daquele Brasil – antecipando a exótica melodia que vem a seguir, misto de balada medieval com cantata italiana. A letra faz aberta crítica às “pessoas da sala de jantar”, a burguesia alienada apenas “ocupada em nascer e morrer”. Metalinguística, lá pela metade da faixa, o coro de Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias é emulado como se o tape tivesse sido desligado. Um segundo momento na música traz solos de flauta e corneta e repetições de versos enquanto o andamento acelera para, em nova interrupção, entrar a ambiência de uma sala de jantar com pessoas à mesa, quando, enfim, tudo acaba sendo engolido de vez por um som agudo. Só no terceiro final, aí que a música acaba realmente. Como numa edição de um filme de Glauber Rocha ou um quadro de Hélio Oiticica, a fragmentação e a descontinuidade que traduziam os tempos confusos de então.

Nunca se vira nada igual na música brasileira (e nem mundial) até então.

Fragmentação na edição de "Terra em Transe", de Glauber Rocha, de 1967

Eis que dá a impressão de que tamanha subversão parece ser superada com “Lindoneia”, um bolero classicamente orquestrado e com a doce voz de Nara, símbolo da bossa-nova e do “bom gosto” consensual na música brasileira. Ledo engano. Inspirada numa tela do artista visual Robens Gerchman – aliás, autor da arte da capa do disco –, “Lindoneia” remonta a história de depressão de uma linda modelo que, diante da hipocrisia asfixiante da sociedade moderna, se suicida. “Despedaçados, atropelados/ Cachorros mortos nas ruas/ Policiais vigiando/ O sol batendo nas frutas/ Sangrando”. São as imagens que as retinas da jovem não conseguem parar de enxergar até que, fatalmente: “No avesso do espelho/ Mas desaparecida/ Ela aparece na fotografia/ Do outro lado da vida”. Sem precisar das famigeradas guitarras elétricas, combatidas pelos conservadores da MPB àqueles idos, a música é tão impactante e provocativa quanto o restante.

Na linha do que pautaria toda sua obra, “Parque Industrial”, de Tom Zé – que ainda gravaria o primeiro disco solo naquele ano –, é outra obra-prima de “Tropicália”. A sonoridade de bandinha marcial, como se celebrasse ignorantemente a industrialização do sentimento humano, é típica da ironia do baiano de Irará. Ele critica num só tempo as indústrias do entretenimento, dos bens de consumo e da comunicação, sem deixar de dar uns tapas na Igreja Católica: “Despertai com orações/ O avanço industrial/ Vem trazer nossa redenção”. E o refrão diz, impiedoso: “Pois temos o sorriso engarrafado/ Já vem pronto e tabelado/ É somente requentar/ E usar/ Porque é made, made, made, made in Brazil”.

O baião-exaltação “Geleia Geral” tem na poesia de Torquato e na brilhante melodia de Gil outro hino tropicalista, quase um ideário ali condensado. “Um poeta desfolha a bandeira/ E a manhã tropical se inicia/ Resplendente, cadente, fagueira/ Num calor girassol com alegria/ Na geleia geral brasileira/ Que o jornal do Brasil anuncia”. A letra carrega a complexidade cultural que a Tropicália descobria, como que tirando um véu das escondidas “relíquias do Brasil”:“Doce mulata malvada/ Um LP de Sinatra/ Maracujá, mês de abril/ Santo barroco baiano/ Superpoder de paisano/ Formiplac e céu de anil/ Três destaques da Portela/ Carne seca na janela/ Alguém que chora por mim/ Um carnaval de verdade/ Hospitaleira amizade/ Brutalidade, jardim.” Brasilianista, carrega em seus versos Macunaíma, Sérgio Buarque de Hollanda, cultura de massa, diáspora africana, arte popular, folclore. Uma das mais belas letras do cancioneiro nacional.

Instalação "Tropicália", de Oiticica,
de 1966, antecipando o movimento
Se a referencial bossa-nova carioca permeia toda a obra, como no sucesso “Baby” – aqui, na sua versão mais clássica – e "Enquanto seu Lobo Não Vem", genial em sua construção em contrapontos, o igualmente basal baião nordestino sustenta a dissonante "Mamãe, Coragem", outra joia da parceria Caetano/Torquato (“Mamãe, mamãe não chore/ Não chore nunca mais, não adianta/ Eu tenho um beijo preso na garganta/ Eu tenho um jeito de quem não se espanta”) cuja interpretação de Gal é irretocável. Novamente, um final abrupto que, junto de todos os outros elementos sonoros e simbólicos, dá feições não apenas musicais, mas também visuais e antropológicas à proposta tropicalista.

A poesia concretista-visual da
letra de"Bat Macumba"
O passeio pela cultura brasileira está presente ainda na farra “Bat Macumba”, de letra claramente sintonizada com o concretismo de um dos padrinhos do movimento, Augusto de Campos, e cujo arranjo mistura os batuques de terreiro com as guitarras distorcidas do rock; na releitura histórico-musical de “Três Caravelas”; e na faixa que encerra apoteoticamente o álbum, "Hino ao Senhor do Bonfim", que se indica uma afirmação “baianística” dos seus mentores, também funciona como um interessante contraponto à música de abertura, “Miserere Nobis”: primeiro, a súplica e, depois, a elevação.

Caetano, Gil e a turma tropicalista já eram artistas populares tanto por suas obras musicais quanto pelas participações ativas em teatro, tevê e cinema. Mas é a partir desse projeto coletivo muito bem concebido e acabado que eles engendram uma revolução não somente em suas obras e carreiras, mas na cultura nacional. Nunca mais o Brasil foi o mesmo. Nunca mais o Brasil se viu da mesma forma. BRock, Black Rio, Lambada, Axé Music, Pagode, Mangue Beat: tudo teve (e seguirá tendo) o visto do Tropicalismo.

A pretensão modernista ainda hoje é digerida pelos dentes do Tropicalismo. Mesmo tão influente que foi e é, ainda lhe restam pedaços mal comidos sobre o prato – basta ver, hoje, o abismo que há entre Anitta e Criolo, dois influenciados. Por querer ou não, o movimento abriu caminho para a proposição de uma verdadeira identidade nacional, uma expressão brasileira salvadora. A Tropicália, em sua assimilação da antropofagia, fez o contrário dos inocentes índios quando os europeus lhes compravam com meros espelhos: dessa vez, foi o nativo quem apresentou o espelho para o forasteiro e lhe disse: “Olha só como eu sou”.

O Tropicalismo pôs o Brasil sobre um palco iluminado pelo sol dos trópicos e ornamentado com frutas e vegetação – com direito a mulatas rebolando e declamações de poesia ufanista. Sugeriu que o Brasil enxergasse a si próprio, que se lhe percorresse as matas, os sertões,os  mangues, as praias e os morros. Conhecesse por dentro suas mansões, malocas, palafitas e ocas. Considerou admitir-se complexo, pois mestiço e pluricultural. Levantou a esperança da realização da alternativa alegre e sábia diante dos outros povos do mundo. “A alegria é a prova dos nove”, como já preconizava o Manifesto Antropofágico.

 Se “o Brazyl não conhece o Brasil”, pois “nunca foi ao Brazil”, como disse certa vez Tom Jobim, a Tropicália propôs uma ruptura emancipadora a estes tristes trópicos. Ir a seu próprio encontro, mas não ao vento de caravelas, e sim, de expresso. De número 2222. No embalo do ritmo alucinante da modernidade para forjar o renascimento de uma nação. Como um (re)descobrimento do Brasil.

FAIXAS
1. "Miserere Nóbis" (Capinam, Gilberto Gil) – com Gilberto Gil - 3:44
2. "Coração Materno" (Vicente Celestino) – com Caetano Veloso - 4:17
3. "Panis et Circencis" (Caetano Veloso, Gilberto Gil) - Os Mutantes - 3:35
4. "Lindoneia" (Caetano Veloso) – com Nara Leão - 2:14
5. "Parque Industrial" (Tom Zé) – com Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Os Mutantes e Tom Zé - 3:16
6. "Geleia Geral" (Gilberto Gil, Torquato Neto) – com Gilberto Gil - 3:42
7. "Baby" (Caetano Veloso) – com Gal Costa e Caetano Veloso - 3:31
8. "Três Caravelas (Las Tres Carabelas)" (Algueró Jr., Moreau. Versão: João de Barro) - Caetano Veloso e Gilberto Gil - 3:06
9. "Enquanto seu Lobo Não Vem" (Caetano Veloso) - com Caetano Veloso, Gilberto Gil e Rita Lee - 2:31
10. "Mamãe, Coragem" (Caetano Veloso, Torquato Neto) – com Gal Costa - 2:30
11. "Bat Macumba" (Caetano Veloso, Gilberto Gil) – com Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil e Os Mutantes - 2:33
12. "Hino ao Senhor do Bonfim" (Artur de Sales, João Antônio Wanderley) com Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil e Os Mutantes - 3:39

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OUÇA O DISCO
Vários - "Tropicália"

Daniel Rodrigues

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

10ª Bienal do Mercosul – Usina do Gasômetro (2ª parte)








Gershman, um dos meus preferidos.
Como mencionei no último post sobre a Bienal, as três exposições que dividiam espaço na Usina do Gasômetro com a fraca "Marginália da forma", eram ”Olfatória: O Cheiro na Arte”, “A Poeira e o Mundo dos Objetos” e “Aparatos do Corpo”. Além de trazerem mais diversidade e obras realmente impactantes. Tiveram maior intercomunicabilidade, inclusive com aspectos observados no Memorial do Rio Grande do Sul e Santander Cultural. A conexão se dá em grande parte ao substrato da obra enquanto técnica, fazendo da poeira o barro que acessa o olfato e com o qual o corpo interage para construir esse mundo artificial. Nesse aspecto, “Marginália da forma” pelo menos se liga a estas por conta da (pouco expressiva) variabilidade de técnica, como visto na originalidade de Karin Lambrecht, Brigida Baltar e outros.

Padecendo igualmente das mesmas inconsistências as quais mencionei anteriormente (muita repetição de um mesmo artista e/ou de séries), somando-se ainda a de haver muitos artistas gaúchos, as três mostras, entretanto, reuniram mais diversidade e aquilo que todo visitante de coletivas espera: boas surpresas. Foi o que tivemos Leocádia e eu ao nos depararmos, na ”Olfatória: O Cheiro na Arte”, com as bolas iluminadas pendulares, que até cheiro exalavam. Muito plástico e leve.

Instalação da 10ª Bienal do Mercosul

Ao lado, um Rubens Gerchman, dos artistas visuais que mais admiro: “Ar”, em metal fundido. Sempre criativo Gerchman. Crítica, a instalação do colombiano Oswaldo Maciá “Quien limpa a quien” traz, dentro de um suporte de acrílico transparente um sabonete feito de óleo concentrado de alho disposto em uma saboneteira Votoriana de cerâmica original. Dá pra imaginar o cheiro que exala pelo tubo com folículos, né?

Outra de chamar atenção é a tela (1,22 por 1,83 metros) é “Tierra y Libertad”, de 2013, do mexicano Rúben Ortiz-Torres, o qual fez um link bastante interessante com o crítico tema do Memorial da América Latina, “Biografia da Vida Urbana”.. O carioca Waltércio Caldas apresenta a interessante e sintética “Circunferência com Espelho a 30°” (ferro pintado e espelho), dos anos 70, década que, pela observação geral, demarcou fundamentalmente toda a Bienal, uma vez que o mote central (“Mensagens de Uma Nova América”) passa diretamente por esse período no que se refere à construção de uma consciência artística e política das artes na América Latina. Ainda, uma bela tela do gaúcho de Britto Velho (“Sem título”, 1946).

Mas Oticica é Oiticica, não adianta. Com a simplicidade até grosseira – e, por isso, altamente cáustica – da arte moderna, ele referencia numa só vez a arte transgressora do alemão Joseph Beuys e a poesia concreto-barroca de Haroldo de Campos com seu “Bólide Saco 2 Olf ático”, de 1967, feito em plástico, tubo de borracha e café. Por que digo que Oticica é Oiticica? Com uma peça, aparentemente banal e quase “não-artística” é capaz de sintetizar ideologicamente toda a comunicabilidade potencial do recorte em que está inserido. E olha que estamos falando apenas DESTA mostra.  No momento em que se interpõe, com propriedade e significância semiótica, no limite entre o sublime e o vulgar, eis a verdadeira arte contemporânea.

Terra e Liberdade, conexão como tema do Memorial.

Circunferência com Espelho, de 1976

A interessante instalação de Maciá.

Oiticica genial.




sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

10ª Bienal do Mercosul – Usina do Gasômetro (1ª parte)









A, inacessível ao público, "Tropicália", de Oiticica
Consegui visitar um dos espaços que mais tinha curiosidade da Bienal: a Usina do Gasômetro. Os compromissos me empurraram para o último final de semana desta curta Bienal do Mercosul. Motivado pelos recortes temáticos que se encontravam lá, principalmente “Marginália da Forma” – conceito de entendimento do Brasil com o qual me identifico ideologicamente –, e talvez até motivado pela memória emocional que tenho para com o lugar no que se refere ao evento (é-me marcante a exposição que lá vi do uruguaio Julio Le Parc, na 2ª Bienal), fui com boa expectativa. No entanto, frustrei-me, principal e justamente com esta mostra, a qual dividia o espaço com outros três subtemas: ”Olfatória: O Cheiro na Arte”, “A Poeira e o Mundo dos Objetos” e “Aparatos do Corpo”. Quiçá pela maior intercomunicabilidade entre três últimos, “Marginália”, que a mim deveria trazer com fervor o tropicalismo e a diversidade de questões culturais, sociais e antropológicas que dele suscitam-se, ficou não apenas deslocado quanto não se justificou na sua capacidade.

A frustração, igualmente, se deve a outro fator, somente mais perceptível ao se visitar mais espaços da Bienal, que não apenas dois como tinha ido até então, que são algumas inconsistências. Sabe-se que a realização do evento teve problemas financeiros e estruturais, o que dificilmente seria diferente em tempos de crise em que empresariado e governos tendem a achar arte ainda mais boba e supérflua. Isso certamente ocasionou à curadoria uma dificuldade de agregar mais nomes representativos, bem como trazer mais obras significativas de artistas referenciais. Até aí, entende-se. O que se critica é, por exemplo, as repetições não apenas de artistas (MUITAS obras de Dudi Maia Rosa, por exemplo, tanto no Memorial, ali e no Santander Cultural, que comentarei noutro post) como, principalmente, de conceitos. Uma coisa é haver uma sincronia entre os espaços expositivos em que haja obras que dialoguem aqui e lá. Outra é, como no claro caso de Shirley Paes Leme (não vai aqui nenhuma crítica ao trabalho dela), em que se veem obras da mesma série e em grande número em mais de um lugar. Aí, é assumir uma pobreza que se podia resolver selecionando-se ou variando-se mais.

Porém, ressaltando o que teve de legal no Gasômetro, começo, agora terminada a Bienal, uma retrospectiva. Em “Marginália da Forma”, obviamente, interessava-me a instalação “Tropicália”, de Hélio Oiticica (1969), ícone da arte pop brasileira. Fora o fato de conhecê-la, agrega-se a ela outra frustração: por causa dessa mentalidade expositiva de total não-interação do público com as obras (o que não é exclusividade de Porto Alegre nem da Bienal), não é possível se embrenhar na instalação como originalmente pensou o artista. Como numa cena de crime, fica-se atrás de um cordão de isolamento admirando e comentando-se de longe aquilo que não se sabe por inteiro. Lembrei-me de uma grande mostra em que estive no Rio de Janeiro em 2014, a ArteVida (que, a rigor, valia por esta Bienal, em diversidade e tamanho), em que vi um dos famosos trapos dos “Parangolés” de Oiticica. Uma criança, corretíssima em sua mentalidade lúdica, vestiu-a e saiu “usando” a arte. Claro que foi repreendida. Pena.

Dali também ressalto poucas outras coisas realmente boas. Uma delas, “O Impossível”, a expressiva escultura em bronze de Maria Martins (1940); “O Dragão”, da porto-alegrense Karin Lambrecht, cuja técnica vale-se sempre de materiais orgânicos (neste caso, têmpera e ovo); “Plegabes”, do uruguaio Osvaldo Salerno (impressão sobre papel dobrado, 1982), inteligente em sua simplicidade; e a mesmo que evidente série “Fotomódulos” do paranaense Tony Camargo referenciando à (óbvia) interação corpo-arte dos “Parangolés” de Oiticica.
Nada espetacular, nada de cair o queixo. Do Gasômetro, as outras três mostras, que comentarei adiante, apresentaram, ao menos, mais ousadia. Quem sabe, até mais marginalia.

Detalhe de "Topicália".
Recado dado.

O bronze de "O Impossível".

"O Dragão" de Karen Lambrecht.

"Plegables", impreessão sobre papel dobrado.

Série de Tony Camargo inspirada nos icônicos Parangolés.