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quinta-feira, 8 de maio de 2014

Leonard Cohen - "Songs of Leonard Cohen" (1967)



"Cada faixa de 'Songs of Leonard Cohen' 
revela um artista que fala
de forma indelével
em sua própria voz inimitável.
Anthony DeCurtis
crítico da revista Rolling Stone



Um homem das letras que pegou o violão e resolveu cantar histórias, aventuras, fantasias e amarguras. Leonard Cohen já era um escritor com algum reconhecimento e renome, principalmente no Canadá, seu país de origem, quando decidiu se lançar no mundo da música e com um disco praticamente acústico, voz e violão na maioria das vezes, às vezes com alguma guitarra elétrica, um teclado, cordas ou um sopro, bastante básico de um modo geral, mas muito sensível e profundo, não só pelas letras, mas pela musicalidade que aquela parente simplicidade carregava.
"Songs of Leonard Cohen" de 1967 traz uma coleção de canções do poeta canadense repletas de paixão, melancolia e angústia. Não, Cohen não era um cantor brilhante,até se tornou um bom com o passar do tempo, mas expressava sua poesia em forma de cações de tal maneira que por si só sua tentativa musical já se justificava.
Disco que pode muitas vezes ser subestimado por sua aparente uniformidade musical mas que é extremamente rico compositivamente e que, se escutado com a devida atenção, vai tornar perceptível sua estrutura crescente, partindo das canções mais 'simples', menos estruturadas, às mais complexas, mais elaboradas e preenchidas instrumentalmente.
Destaques para a boa "Suzanne" que abre o disco e que já havia sido gravada pela cantora americana Judy Collins; para "One of Us Can Be Wrong", que encerra o álbum com uma cantoria bêbada, enlouquecida e desesperada; para "Sisters of Mercy", uma espécie de grande caixinha de música, cujo título originou o nome da banda gótica dos anos 80; para a terna "Hey, That's No Way To Say Goodbye", lindíssima; para os belos trabalhos de violão de "The Stranger Song" e "Teachers"; para a espetacular "Stories of the Street"; e especialmente para a épica e linda "So Long, Marianne", uma apaixonada e fascinante canção com uma bela interpretação de Cohen, apoiado por um belíssimo backing vocal feminino no refrão que a torna ainda mais emocionante. Mesmo, na origem, não sendo exatamente um vocalista, Leonard Cohen foi extremamente influente para gerações posteriores de poetas-cantores, como, por exemplo, para Nick Cave, Michael Stipe, Morrissey e até mesmo Kurt Cobain. E não apenas no modo de escrever, mas também, por incrível que possa parecer, considerando sua origem de escritor, no modo de cantar.
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FAIXAS:
1. "Suzanne"
2. "Master Song" 
3. "Winter Lady" 
4."The Stranger Song" 
5. "Sisters of Mercy"
6. "So Long, Marianne"
7. "Hey, That's No Way to Say Goodbye"
8. "Stories of the Street" 
9. "Teachers"
10. "One of Us Cannot Be Wrong"


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Ouça:
Songs of Leonard Cohen




Cly Reis

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

R.I.P. Leonard Cohen

Cheguei tarde ao Leonard Cohen. Em 1979, meu amigo e colega da FAMECOS, Claudio Almeida, me emprestou o disco "Recent Songs". Como eu descobria Joni Mitchell na época, não dei muita importância a Lenny. Só fui voltar a prestar a atenção em 1987/88, quando dois discos me levaram ao canadense: "Famous Blue Raincoat", da cantora Jennifer Warnes (ela mesma, a parceira de Joe Cocker em "Up Where We Belong" da trilha de "Na Officer and a Gentleman" e de Bill Medley no mega-sucesso "I Had The Tme of My Life" do filme "Dirty Dancing"). Jennifer foi backing vocal de Cohen e ele a encorajou a gravar um disco só de composições suas. O trabalho é um dos melhores discos que tenho na minha discoteca. 
Já "I'm Your Man", de Cohen, me assustou um pouco pelo uso excessivo de teclados e baterias eletrônicas, bem ao gosto da música pop oitentista. De qualquer maneira, três faixas me chamaram a atenção: "Ain't No Cure for Love", "I Can't Forget" e "Tower of Song", cuja ironia e auto-depreciação são muito engraçadas: "Eu nasci assim, não tive escolha / Nasci com o presente de uma voz de ouro". 
Depois, foi a vez de Oliver Stone transformar em sucesso pop com "The Future", música do seu enlouquecido filme "Natural Born Killers". Mas foi um disco ao vivo que me ganhou e me fez virar fã absoluto: "Cohen Live" com uma versão de "There is a War", outro portento de ironia: "Eu vivo aqui com uma mulher e uma criança, a situação me faz ficar um pouco nervoso / Eu a levanto pelos braços, ela diz, ' Imagino que você chama isso de amor, eu chamo de serviço de quarto'. 
Daí em diante, todos os lançamentos de Cohen passaram a frequentar minha discoteca e o meu CD player. Agora, aguardo a chegada de "You Want it Darker", seu derradeiro trabalho. BowiePrince e agora Cohen. 2016 está levando nossos ídolos, mas a música fica. RIP Leonard Cohen.




por Paulo Moreira

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Phil Spector & Vários – “A Christmas Gift for You from Phil Spector” (1963)





"Eu inventei o negócio da música.
Onde está a estátua para mim?"
Phil Spector




Talvez não combine muito com o espírito natalino fumar, beber e se drogar compulsivamente dentro do estúdio de gravação. Muito menos andar armado, a ponto de mirar uma espingarda nos integrantes dos Ramones para que estes o obedecessem. Pior: disparar um tiro a esmo e deixar John Lennon com permanentes problemas auditivos. Mas, sobretudo, não combina com o ato de usar um revólver para matar a atriz Lana Clarkson em sua própria casa. Pois, ironicamente, esta criatura, que bem poderia passar por qualquer delinquente, é nada mais, nada menos que uma das mentes mais geniais que o mundo da música pop já viu. Foi ele que concebeu integralmente este histórico disco.

Claro que estamos falando de Phil Spector. O talentoso produtor que deu forma às obras-primas “Let it Be”, dos Beatles, a “Plastic Ono Band”, do Lennon, e a “All Things Must Pass”, do George Harrison. Que é também o mesmo tirano que se trancafiava no estúdio como fez em “Death of a Ladies’ Man”, de Leonard Cohen, em 1977, para não deixar ninguém entrar (nem mesmo o próprio Cohen). Mas, talvez, por uma missão divina – motivada, quem sabe, por um milagre de Natal – esse judeu pobre nascido no Bronx em 1939 não escolheu o caminho do crime como seus amigos de bairro e encontrou sua salvação na música para, passando por cima de todas as excentricidades, egocentrismos e loucuras, entrar para a história. No final dos anos 50, esse iluminado ajudou a dar forma à música pop, a forjar o que se passou a chamar de enterteinment.

Compositor, arranjador, produtor, instrumentista e até cantor, Spector ostenta ao menos dois títulos de pioneirismo: o de primeiro multimídia da indústria fonográfica e o primeiro grande produtor de discos. Pois, além de todos esses predicados, ele também sabia empresariar astros e encontrar talentos. E aí ele era infalível. Cabeça do selo Philles Records, ele liderava projetos, lançava grupos e cantores, direcionava carreiras. Tina Turner, Ben King, The Righteous Brothers e Dusty Springfield passaram por sua mão. Criador de peças de forte apelo popular, mas com pés firmes no R&B, no country e no folk, Spector inventou as teenage symphonies, quando pôs grupos vocais como Ronettes e Crystals a serviço de seus arranjos elaborados e primorosos.

A Christmas Gift for You from Phil Spector” é o resultado dessa profusão. Primeiro álbum-conceito de Natal do mercado fonográfico, ajudou a impulsionar as hoje tradicionais vendas de música nessa época do ano (o próprio título, inteligentemente sugestivo, já induz ao ato da compra). Dono de um apuro técnico inconfundível das mesas de som, Spector desenvolveu o que até hoje se conhece como “wall of sound”, ou seja, a “parede de som”, técnica própria dele que aproveitava o estúdio como um instrumento, explorando novas combinações de sons que surgem a partir do uso de diversos timbres (elétricos e acústicos) e vozes em conjunto, combinando-os com ecos e reverberações.

É isso que se ouve em todo o álbum, em maior ou em menor grau e sempre na medida certa. Recriando melodias de standarts natalinos, Spector, junto com o grupo de compositores e sob a batuta de Jack Nietsche, pôs para interpretar em ”A Christmas Gift...”, além dos já citados girl groups Ronettes e Crystals, a cantora Darlene Love e, para equilibrar, o grupo vocal misto Bob B. Soxx & the Blue Jeans, cada um com três faixas (exceto o último, com duas).

Cabe a Darlene Love iniciar o disco com “White Christmas”, clássico de Irving Berlin que, na mão de Spector, ganha uma dimensão apoteótica. O primor do arranjo dá contornos s eruditos à música, como uma minissinfonia. Mas, antes de mais nada, nada rebuscada e saborosamente pop. Exemplo perfeito do seu método de gravação, a música começa com a voz potente de Darlene no mesmo peso dos instrumentos (banda e orquestra), que, por sua vez, soam com amplitude, reverberados. A massa sonora vai se intensificando à medida em que a carga emocional também avança na interpretação da cantora. Ao final, banda, voz e cordas parecem explodir no ambiente, quando atingem o ponto máximo do volume, que Spector modula cirurgicamente. Nota-se um permanente equilíbrio de alturas: percussão grave como tímpanos de orquestra, instrumentos de base assegurando os médios e a voz, juntamente às cordas, com o privilégio diferencial dos agudos, aqueles que fazem arrepiar o ouvinte.

Na sequência, “Frosty The Snowman”, com as Ronettes, traz o marcante timbre agudo de Ronnie Spector – esposa do produtor à época – animando mais o álbum, num R&B típico dos anos 50. O coro das companheiras Estelle Bennett e Nedra Talley ao fundo encorpa a harmonia, mesclando-se as cordas e à percussão permanentemente cintilante dos chocalhos e sinos, como os do trenó do Papai Noel. Os motivos natalinos, também com os característicos sininhos, voltam na outra das Ronettes, o hit “Sleight Ride”, com uma frenética levada de jazz swing.

O gogó romântico de Bobby Sheen, primeira voz da Bob B. Soxx & the Blue Jeans (que tinha a própria Darlene Love mais Fanta James no backing), arrasa na versão para “The Bells of St. Mary's” – que ficou conhecida com Bing Crosby no filme homônimo de 1945, em que, fazendo um padre, o ator a interpreta totalmente diferente, acompanhado de um coro de freiras e órgão. Aqui, Spector redimensiona a beleza litúrgica da canção, aprontando um arranjo vibrante, carregado de emotividade, com toques de balada de baile de anos 50.

Santa Claus Is Coming to Town” traz as Crystals Barbara Alston, Dee Dee Kennibrew e Mary Thomas num R&B embalado e ao seu estilo vocal peculiar. O trio reaparece em “Rudolph the Red-Nosed Reindeer”, de pegada bem infantil, e na divertida “Parade of the Wooden Soldiers” em que, para representar a lúdica “parada dos soldadinhos de madeira”, Spector se vale, na abertura, de cornetas marciais, mas sem perder o astral festivo e descontraído.

As Ronettes, estrelas da Phillies, têm o privilégio de cantar outro standart: “I Saw Mommy Kissing Santa Claus”, original na voz de Jimmy Boyd que atingira, em 1952, o 1º posto da Billboard. Por sua vez, Darlene Love ganha “Winter Wonderland”, um dos mais celebrados cantos natalinos norte-americanos – composta em 1934 por Felix Bernard e Dick Smith –, além da única composta para o disco: “Christmas (Baby Please Come Home)", alçada em 2010 pela revista Rolling Stone à lista de Grandes Canções Rock and roll de Natal, que justificou a escolha: "ninguém poderia combinar tão bem emoção e pura potência vocal como Darlene Love”.

O vozeirão de Bobby Sheen mais uma vez encanta na sacolejante “Here Comes Santa Claus”, outro clássico natalino que, além da gravação do autor – Gene Autry, hit em 1947 –, também recebeu versões ao longo dos tempos de Elvis Presley (no aqui já resenhado "Elvis Christmas Album"), Doris Day, Ray Conniff e Bob Dylan. Sinos de trenó, escala em tom alto, contracantos, percussão reverberada, melodia em crescendo. Um típico “wall of soundspectoriano. Para finalizar, o próprio “cabeça” do projeto declama a letra e “Silent Night” com o suave coro de todos os outros músicos ao fundo, num desfecho se não brilhante como todo o restante, ao menos coerente.

Dessa trajetória iluminada mas altamente conturbada de Phil Spector – a qual ele, encarcerado desde 2009 pelo assassinato da amante, segue infelizmente desperdiçando –, fica a rica contribuição de seu modo de compor e, principalmente, “apresentar” as músicas. Spector foi uma verdadeira máquina de sucessos, criando peças que serviriam de exemplo para toda a geração da Motown e do rock de como fazer uma música pegajosa e inteligente em menos de 4 minutos. Brian WilsonBrian JonesRod Argent, Frank Zappa, Rogério DupratBrian Eno e até George Martin conseguiram pensar como um dia pensaram por causa do caminho aberto por Phil Spector. Sem ele não existiriam os conceitos de hit nem perfect pop. Com Phil Spector a música popular virou negócio – e um negócio muito bom de escutar. Se isso já não vale por um milagre de Natal, ao menos justifica uma estátua.

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FAIXAS:
1. White Christmas (Irving Berlin) - com Darlene Love - 2:52
2. Frosty the Snowman (Steve Nelson/Walter Rollins) – com The Ronettes - 2:16
3. The Bells of St. Mary's (A. Emmett Adams/Douglas Furber) – com Bob B. Soxx & the Blue Jeans - 2:54
4. Santa Claus Is Coming to Town (J. Fred Coots/Haven Gillespie) – com The Crystals - 3:24
5. Sleigh Ride (Leroy Anderson/Mitchell Parish) – com The Ronettes - 3:00
6. Marshmallow World (Carl Sigman/Peter DeRose) - com Darlene Love - 2:23
7. I Saw Mommy Kissing Santa Claus (Tommie Connor) – com The Ronettes - 2:37
8. Rudolph the Red-Nosed Reindeer (Johnny Marks) – com The Crystals - 2:30
9. Winter Wonderland (Felix Bernard/Dick Smith) – com Darlene Love - 2:25
10. Parade of the Wooden Soldiers (Leon Jessel) – com The Crystals - 2:55
11. Christmas (Baby Please Come Home) (Ellie Greenwich/Jeff Barry/Phil Spector) – com Darlene Love - 2:45
12. Here Comes Santa Claus (Gene Autry/Oakley Haldeman) - com Bob B. Soxx  the Blue Jeans - 2:03
13. Silent Night (Josef Mohr/Franz X. Gruber) com Phil Spector & artistas - 2:08

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OUÇA O DISCO:





quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Os 10 melhores filmes de Robert Altman


O cinéfilo e meu querido colega José Fernando Cardoso veio novamente me provocar com sua lista de 5 filmes preferidos do gigantesco diretor americano Robert Altman, um titã da cinematografia mundial e, concordando com o Zé, o único a rivalizar com o Scorsese em termos de qualidade e quantidade nos últimos 50 anos. Vou incrementar a lista dele e colocar 10 filmes do Altman (de quem recentemente lembrou-se da data de morte, 20 de novembro, em 2006), que fizeram a minha cabeça na adolescência naquelas sessões do cinema Bristol, em Porto Alegre, onde iniciei minha educação cinematográfica, “in the nineteen-seventies”, como diria o Neil Young

Por favor, os filmes não estão em ordem de preferência, senão teria de botar os 10 filmes no primeiro lugar, de tanto que eu gosto deles.


1 - NASHVILLE (1976)

No ano do bicentenário americano, Altman destrói o sentimento patriótico do universo da country music, jogando na tela uns 20 personagens, todos colidindo uns com os outros e fazendo um painel do que era a América naquele período pós-Nixon e Watergate. Impossível destacar alguém do elenco, mas Keith Carradine fez muito sucesso com sua música "I'm Easy".

Keith Carradine cantando "I'm Easy"


2 - CERIMÔNIA DE CASAMENTO (“A Wedding”, 1978)

O que fez com a música country em "Nashville", Altman faz aqui com uma das instituições mais cultuadas no mundo ocidental: o casamento. A demolição acontece a cada fotograma, especialmente com a irmã da noiva, interpretada pela Mia Farrow, marcando território com o noivo numa rapidinha atrás da cortina. O entra-e-sai de figuras patéticas só ajuda a demolir a aura de felicidade de um casamento.


3 - ONDE OS HOMENS SÃO HOMENS (“McCabe and Mrs. Miller”, 1971) 

Um faroeste existencial no meio da neve com fotografia belíssima de Vilmos Zsigmond e música de Leonard Cohen. Julie Christie esplendorosa e Warren Beatty brigando com Altman o tempo inteiro mais aquela turma do Altman que sempre estava de coadjuvante: René Aberjounois, Michael Murphy, Bert Remsey e Shelley Duvall.


4 - VOAR É COM OS PÁSSAROS (“Brewster McCloud”, 1970)

A história de um guri recluso que sonha em voar e constrói um par de asas artificiais com a ajuda de sua madrinha. Bud Cort, saindo do sucesso de "Ensina-me a Viver" encarnando o "menino maluquinho” e a deliciosa Sally Kellerman fazendo o papel da dinda. Um detalhe interessante: enquanto as aventuras de Brewster McCloud são mostradas, há uma aula de ornitologia ministrada pelo professor René Auberjonois, que vai se transformando em pássaro à medida em que o filme avança. No final, o veterano ator William Windom apresenta o elenco num picadeiro. Maluquice total, porém muita divertida!



5 - M.A.S.H. (1970) 

No auge da Guerra do Vietnam, Robert Altman usa a sátira sexual para demolir o exército e suas idiossincrasias durante o conflito na Coreia. A dupla Elliot Gould e Donald Sutherland fez tanto sucesso que acabou fazendo uma série de outros filmes. A cena mais emblemática é a da gostosa porém maluca Lábios Quentes (Sally Kellerman) tomando banho e a catrefa toda abrindo a cortina e dando nota para seus "atributos", por assim dizer. O primeiro grande momento da carreira do diretor. Virou série de sucesso.




6 - BUFALLO BILL E OS ÍNDIOS (“Buffalo Bill and the Indians” ou “Sitting Bull's History Lesson” 1976)

Depois de “Nashville”, Altman continuou na sua busca de escrachar os símbolos americanos. Com o herói Búfalo Bill, não foi diferente. Seus cabelos longos são uma peruca, suas atitudes são inventadas e as batalhas com índios e bandidos são ensaiadas para que ele ganhe. Paul Newman mandando brasa no papel-título. Na época, não foi bem recebido, mas merece uma revisão.


7 - O PERIGOSO ADEUS (“The Long Goodbye”, 1973)

Baseado em Raymond Chandler, mas Altman desloca a ação dos anos 40 para a década de 70, no porre pós-Watergate, Woodstock e do movimento hippie. O detetive Phillip Marlowe tem de localizar seu amigo Terry Lennox acusado de matar a esposa. A trama de Chandler está intacta, mas o diretor imprime um clima de fim de festa à investigação, que é difícil não torcer pelo private investigator. Durante a busca, os personagens mais incríveis se sucedem. Elliot Gould arrasando como o Marlowe existencial.


A turma do jaazz reunida interpretando os mestres
8 – KANSAS CITY (1996)

Pode dizer que estou puxando a brasa pro meu assado, porque é isso mesmo. O filme nem é tão bom assim, mas com toda aquela turma do jazz dos anos 80 e 90 (David Murray, Joshua Redman, James Carter, Craig Handy e Geri Allen) tocando e interpretando os mestres da década de 30, a gente nem presta muita atenção à história, um filme de gangsters em Kansas City. Jennifer Jason Leigh e Miranda Richardson são as femmes fatales e Michael Murphy e Harry Belafonte são os principais atores masculinos. Médio, porém bom. Dá pra entender?


9 – O JOGADOR (“The Player”, 1992)

Hollywood estava querendo fazer um mea culpa por ter vilipendiado o independente Altman a vida inteira e adotou “O Jogador” como veículo desta “valorização”. O filme ganhou 3 indicações ao Oscar mas não ganhou nenhuma (aí ia ser demais, não é Academia?). Tim Robbins faz o executivo de Hollywood que mata um aspirante a roteirista que acredita estar mandando ameaças de morte. “O Jogador” é um who’s who de quem era alguma coisa na cidade dos sonhos naquele momento. São 65 aparições de gente como o diretor Sidney Pollack, os atores Dean Stockwell e Whoopi Goldberg e o cantor country Lyle Lovett. O plano-sequência de 7 minutos e 47 segundos já te ganha no começo do filme. E tem até a Joyce Moreno na trilha!

Plano-sequência inicial de "O Jogador"


10 – SHORT CUTS - CENAS DA VIDA ("Short Cuts", 1993)

Os contos do minimalista Raymond Carver são a base para as histórias contadas neste filme, que tem dois artistas da música em papéis principais: a cantora de jazz Annie Ross e o cantor e compositor Tom Waits. As angústias da classe média americana misturadas com a possibilidade da sorte e/ou do azar mudar sua vida. Mais um filme de Robert Altman onde a força do grupo de atores é mais importante do que as performances individuais.


por Paulo Moreira

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Dossiê ÁLBUNS FUNDAMENTAIS 2016



Os líderes já vêem os alemães do Kraftwerk pelo retrovisor.
Vamos combinar que 2016 foi cruel com alguns grandes ídolos da música, não? David BowiePrinceCauby PeixotoPierre Boulez; Alan Vega do Suicide; Paul Katner do Jefferson Airplane; Pete Burns do Dead Or Alive; Glenn Frey dos Eagles; Maurice White  do Earth, Wind and Fire; a espinha dorsal do Emerson, Lake and Palmer, Keith e Greg; Leonard Cohen e, por último, no apagar das luzes do ano, George Michael. Foi pesado, hein! Mas não adianta: esses caras se foram mas suas obras ficam e serão sempre lembrados e, entre outras coisas é para isso que uma seção como esta, a ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, serve. Para eternizar grandes obras do meio musical e manter imortalizados os artistas que nos proporcionaram o privilégio de tê-las entre nós. Prova disso, na nossa coluna, é que o recém-falecido David Bowie ocupa a liderança de discos destacados, ali, abraçadinho com as duas maiores bandas de rock do mundo, Beatles e Stones. Que trinca, hein! Sim, é verdade, a ponta de cima não teve nenhuma alteração em relação ao mesmo período do ano passado, mas a meiúca, o miolo ali teve movimentação com gente nova entrando como a talentosa Janelle Monáe com seu "ArchAndroid", o Blur saindo em vantagem na eterna briga contra o Oasis botando "Parklife" na lista e já com algum atraso, finalmente pintando um Marvin Gaye entre os nossos fundamentais. Alguns subiram de posição, como é o caso do Kraftwerk que com seu "Tour de France Soundtracks" aproximou-se ameaçadoramente dos líderes já colocando na roda seu quarto A.F.; assim como os Smiths que, fazendo a última postagem do ano na seção, tiveram seu terceiro relacionado e já ocupam lugar destacado entre os internacionais.
Por esses lados, Jorge Ben continua na ponta no ranking nacional e a parte de cima continua sem alteração com Titãs, Legião, Engenheiros, Caetano, Gil e Tim Maia seguindo de perto. Os fatos mais  consideráveis foram o de Lobão, com seu "O Rock Errou", por sinal o primeiro A.F. de 2016, ter subido para dois indicados, empatado com nomes como Chico Buarque, Novos Baianos, Tom Jobim, Chico Science, entre outros que já tem um bicampeonato; e o da Tia Rita finalmente ter colocado seus pés no nosso "Hall da Fama" com seu ótimo "Babilônia".
Na disputa por décadas os anos 70 continuam mandando fácil, em compensação por ano, o de 1986, é o que tem mais discos integrantes do nosso grupo de honra. Por nacionalidade, os Estados Unidos lideram com ampla vantagem, e os brasileiros que haviam roubado a segunda posição dos ingleses na temporada passada, ampliaram ainda mais a vantagem em relação ao pessoal da Rainha, mas isso sem contar com Irlanda e Escócia, o que faria, aí sim, com que o Reino Unido estivesse à nossa frente no placar geral. A novidade ficou por conta do primeiro A.F. francês com a dupla Air emplacando seu excelente "Moon Safari" entre os Fundamentais do Clyblog.
E esse empate triplo na ponteira internacional? Ninguém vai pular à frente? E no Brasil, Jorge Ben vai continuar reinando absoluto por tanto tempo? E aí Chico Buarque, não vai reagir? E essa briga Brasil vs Inglaterra pela vice-liderança? Será que o English Team vai se reaproximar? Será que vai passar? Bala na agulha tem pra isso com toda aquela elite do rock, não? Em compensação a criatividade, a musicalidade, o ritmo brasileiro tem meios de se defender. Enfim, 2017 promete. Ainda mais pelo fato de que provavelmente, pelo ritmo que a coisa vai, chegaremos ao número 400 e certamente pensaremos em algo especial com alguma convidado que venha a engrandecer este número e momento especial.
Enquanto isso, voltemos a 2016 e confiramos como foram as coisas. É!!! Porque 2017 já está aí e muitos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS inda estão por vir. Sendo assim, vamos aos números:


PLACAR POR ARTISTA (GERAL)

  • The Beatles: 5 álbuns
  • David Bowie 5 álbuns
  • The Rolling Stones 5 álbuns
  • Kraftwerk 4 álbuns
  • Stevie Wonder, Cure, Smiths, Led Zeppelin, Miles Davis, John Coltrane, Pink Floyd, Van Morrison e Bob Dylan: 3 álbuns cada


PLACAR POR ARTISTA (NACIONAL)

  • Jorge Ben 4 álbuns*
  • Gilberto Gil*, Caetano Veloso, Legião Urbana, Titãs, Engenheiros do Hawaii e Tim Maia; 3 álbuns cada
*contando o álbum Gil & Jorge

PLACAR POR DÉCADA

  • anos 20: 2
  • anos 30: 2
  • anos 40: -
  • anos 50: 13
  • anos 60: 67
  • anos 70: 98
  • anos 80: 92
  • anos 90: 67
  • anos 2000: 9
  • anos 2010: 7


*séc. XIX: 2
*séc. XVIII: 1

PLACAR POR ANO

  • 1986: 18 álbuns
  • 1976: 15 álbuns
  • 1985: 14 a´lbuns
  • 1991: 13 álbuns
  • 1967, 1972 e 1979: 12 álbuns cada
  • 1968, 1971 e 1992: 11 álbuns cada
  • 1969, 1970, 1973, 1989 e 1992: 10 álbuns cada


PLACAR POR NACIONALIDADE*

  • Estados Unidos: 133 obras de artistas*
  • Brasil: 94 obras
  • Inglaterra: 86 obras
  • Alemanha: 7 obras
  • Irlanda: 6 obras
  • Canadá e Escócia: 4 cada
  • México, Austrália e Islândia: 2 cada
  • Jamaica, Gales, Itália, Hungria, Suíça e França: 1 cada

*artista oriundo daquele país

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Música da Cabeça - Programa #158


Pra homenagear Moraes Moreira, vamos fazer o Brasil subir a ladeira no Música da Cabeça de hoje!. Além de falar do eterno Novo Baiano, também teremos Marku Ribas, Cássia Eller, Henri Mancini, U2, Leonard Cohen, Chico Buarque e mais.Também, o oitentão Herbie Hancock no nosso quadro móvel "Sete-List". Lá vem o MDC subindo a ladeira da Rádio Elétrica! É às 21h com produção e apresentação de Daniel Rodrigues (E não escutem os neogenocidas: #ficaemcasa)


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Parede sonora

Dias antes do dia 17, sem saber estar premeditando, rodei no meu programa "Then He Kissed Me", com a The Crystals, autoria de Phil Spector. A música havia estado na minha cabeça durante a semana anterior, e ao reescutar o programa mais uma vez me embasbacava: que coisa magnífica! Em composição, arranjo, timbre, sonoridade. E outra clássica, "Be my Baby", dele com as Ronettes, que Scorsese usou mais de uma vez em seus filmes, como na cena de abertura de "Caminhos Perigosos"?! Música pop na mais precisa - e bem acabada - acepção. O monofásico "wall of sound", que Beach Boys, Beatles, Love, The Zombies, Bruce Springsteen e produtores como Brian Eno Tony Visconti, e Stephen Street souberam se valer tão bem, é revolucionário ainda hoje, era digital, por sua concepção integral de uma obra musical mesmo mais de 60 anos depois de ser inventado. No estúdio mas, principalmente, na mente genial e louca de Phil Spector.

Spector produzindo Lennon
nos anos 70
Se para Spector a genialidade andava junto com a loucura, uma alimentando-se da outra, não raro a segunda vencia a queda de braço. Andar armado no estúdio, a ponto de manter em cárcere privado dentro do estúdio os rapazes dos Ramones ou apontar um revólver para a cabeça de outro produzido, Leonard Cohen (e ao mesmo tempo lhe fazer declarações de amor), era prenúncio de que algo pior uma hora podia acontecer. Como de fato, aconteceu. O assassinato a tiros de sua esposa Lana Clarkson, em 2003, colocou o excêntrico e talentoso, mas também perigoso e intratável Spector, atrás das grades para sempre. De artista a criminoso. Condenação a 19 anos de prisão, que dificilmente seriam completos por alguém já aos 62 anos quando da sentença, como de fato aconteceu no último dia 17 de janeiro, com Phil já a seus 81 de vida.

A obra de Phil Spector é daquelas coisas inesgastáveis assim como as polêmicas em torno de sua conduta não raro paranoica e violenta. desde suas autorias junto aos conjuntos que ajudou a montar e empresariar - e a explorá-los também, no pior sentido do termo - até as produções de discos dos Beatles, de Lennon, dos Ramones, de Harrison. Já o resenhei aqui para o blog com seu essencial "Phil Spector Christmas Album", e certamente falar dele e de sua obra merece muito mais. Inesgastável.

Como disse meu amigo e jornalista Paulo Moreira, com Phil Spector morre uma era do rock 'n' roll. Como algo que se rompe. Como uma grande parede sonora, que rui para sempre na música pop.


PHIL SPECTOR
(1939-2021)


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Cena de abertura de "Caminhos Perigosos"
de Martin Scorsese, com "Be my Baby",  
da The Ronettes, autoria de Phil Spector

Daniel Rodrigues

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Música da Cabeça - Programa #116


As variadas cores do São João e do LGBT+ estão representadas no ecletismo do programa desta semana. Olha só quantos tons diferentes: Baco Exu do Blues, David Bowie, Carmen Miranda, Tom Waits, Led Zeppelin, Moacir Santos, Leonard Cohen e mais. E o mais legal: cores diferentes mas totalmente harmônicas! Vem pra Festa Junina do Música da Cabeça, que tenho certeza que vão fazer questão de ficar presos na nossa cadeia. A fogueira tem hora pra acender: às 21h, no Arraial da Rádio Elétrica. Produção, apresentação e quadrilha: Daniel Rodrigues.



Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Madeleine Peyroux - Teatro Bourbon Country - Porto Alegre/RS (09/11/2017)



Pra começar, um aviso: se você é fã da cantora Madeleine Peyroux, não siga em frente. Você vai ficar muito irritado e vai me xingar, me destratar e até vai ter vontade de me dar uns tapas. Por quê? Porque nunca gostei de sua voz (aquele timbre "billieholidayesco" só funciona com a própria) e acho que o resultado final de sua música é mediano. Não tem brilho.

Com seus músicos no palco
Posto isso, depois de ignorar os shows anteriores dela, resolvi dar uma chance de ser surpreendido. Afinal, a formação é jazzística - violão e ukulele mais guitarra e baixo acústico – para o show no Teatro Bourbon Country, em Porto Alegre. E o guitarrista era o grande Jon Herrington, que toca com o Steely Dan há muito tempo.

O show começou morno, demorando pra deslanchar. Diga-se a favor de Peyroux, que ela foi muito simpática ao se comunicar com a plateia em português. Musicalmente, os altos momentos foram "A Good Man is Hard to Find", dedicada às mulheres; "Everything I Do Gonna be Funky", do mestre de New Orleans, Allen Toussaint; e até mesmo "um cantchinho e um violaaaao", "Corcovado". Em compensação, o pior veio logo depois: uma versão horrorosa de "Água de Beber", também de Tom Jobim, interpretada ao ukulele, como se o maestro tivesse vivido em Maui, ao invés do Rio.

Para salvar o show, Peyroux e seus rapazes puxaram da cartola "Dance me to the End of Love", de Leonard Cohen, no encerramento. Ainda não foi desta vez que Madeleine Peyroux me convenceu. Não sei se terá outra chance.

texto: Paulo Moreira
fotos: Cris Moreira/Divulgação

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Suzanne Vega - "Nine Objects of Desire" (1996)

Os (12) Objetos de Desejo de Miss. Suzanne


“Quem se lembra de Suzanne Vega apenas pelo hit mundial ‘Luka’
está perdendo a chance de conhecer
uma das artistas mais inteligentes da música do nosso tempo.
Ela vem de um passado folk,
mas a partir do trabalho com o produtor Mitchell Froom
lançou alguns dos melhores discos da carreira.
Este álbum traz Suzanne Vega num estado encantado.
Falando de coisas que acontecem à sua volta com um olhar delicado,
a compositora e violonista nos transporta para perto dela.
O disco é permeado de sonoridades instigantes.
Doses certeiras de dúvida existencial,
sensualidade, paixão e alguns mistérios.”
Fernanda Takai



Na minha adolescência, eu e meus amigos sempre tivemos gostos musicais parecidos. Éramos praticamente unânimes quanto a The Cure e The Smiths, por exemplo. Mas todos tinham suas paixões, aqueles pelos quais nutriam um sentimento especial. Não que se deixasse de gostar também em certa medida do que os outros preferiam; mas aquele era “queridinho” de cada um. Tinha quem fosse fã de Sting, de Depeche Mode, de New Order, de Genesis. A minha “queridinha” era Suzanne Vega. Sempre me encantaram a elegância, a limpidez da voz e o lirismo das músicas dessa compositora, violonista, poeta e cantora surgida nos anos 80 com seu estilo folk-pop arrojado que remete a Leonard CohenLou ReedBob Dylan e a bossa nova – especialmente Astrud Gilberto. Percebi que, desde o início, ela trilhara por um caminho de invariavelmente trabalhos bem elaborados, que, por consequência, lhe renderam grandes sucessos, como “Tom’s Diner”, “Book of Dreams”, “Blood Makes Noise” e, principalmente, o belo e melancólico megahit “Luka”. A música, um dos melhores exemplos de perfect pop de toda a história do rock, encheu seus bolsos e a deixou mundialmente conhecida.

Mesmo com o estrelato, Suzanne Veja nunca quis ser apenas “a cantora de Luka”. Com o inseparável violão, ela construiu uma carreira sólida e em crescente evolução, primando pelas letras literárias, harmonias e arranjos sofisticados e pungentes, batida do violão marcante, influências da MPB, dos sons étnicos e até da vanguarda (haja vista as parcerias com Philip Glass). Depois do aclamado álbum de estreia (produzido por Lenny Kaye e Steve Addabbo, de 1985), teve como parceiro e arranjador o competente Anton Sanko, com quem cunhou “Solitude Standing”, de 1987, e “Days of Open Hand”, de 1990. Quis o destino, entretanto, que, em 1991, ela conhecesse o também versátil Mitchell Froom – que trabalhara com Elvis Costello no passado. Não só trocou de parceiro na música como o assumiu na vida, casando-se com Froom e tendo como fruto (até se separarem, em 1998) uma filha, Ruby, e dois excelentes discos: o “febril” “99.9 F°”, de 1992; e este, o primoroso “Nine Objetcs of Desire”, de 1996.

Auge da musicalidade da artista, auge da feminilidade da mulher. Mãe pela primeira vez e próxima de completar 40 anos, Suzanne realça a sua beleza alva e doce de bailarina profissional (é graduada em Dança Moderna desde os 18) e compõem um disco arrasador em que vida artística e pessoal se homogeneízam. São 12 faixas em que Miss. Suzanne aborda temas como sexo, maternidade, prazer, orgasmo, castidade, culpa. Elementos do imaginário feminino e íntimo, do erotismo à religião, estão expostos, na epiderme. Tudo com uma sensibilidade ímpar e num invólucro perfeito. Desde a capa, em que Suzanne aparece com uma maçã, a picardia está presente. Mas do jeito dela, sob sua ótica (tanto que a maçã não é eroticamente vermelha, mas exoticamente verde). Na arquitetura sonora, Froom estabelece um diálogo igualmente inteligente entre sons eletrônicos, instrumentos de base e timbres, modulados pela mesa de som com tamanha adequação que somente alguém muito próximo à artista como ele poderia realizar.

Uma batida tribal dá os primeiros acordes, quando entra um brilhante riff de guitarra heavy-country. É “Birth-Day”, faixa inicial que relata, numa poesia forte, o momento do parto (“Uma coisa eu sei/ esta dor vai passar/ Atravesso tudo o que me resta sentir/ Eu espero para conhecer o meu amor se tornando real”). No refrão, o nascimento; e os sons não se fazem cândidos, mas, sim, estouram saborosamente ruidosos. Como diria Tom Zé: um rebento como um “orgasmo invertido”.

Em “Headshots”, a sensação de sensibilidade à flor da pele é evidente. Desde a bateria e o baixo retumbantes até à voz e a respiração de Suzanne, a qual é ouvida no mesmo patamar sonoro que os enigmáticos samples de cítara, do gongo oriental e do sensual assovio. Exímia contadora de histórias, na tradição dos bons trovadores folk-country norte-americanos, Suzanne fala sobre uma mulher que vê estampado num anúncio de “procura-se” o rosto de um ex-amor, que agora parece triste e fatalmente distante dela: “A placa diz ‘Headshots’/ É tudo que eu vejo/ Um menino torna-se uma imagem/ De culpa e simpatia/ E então eu penso em você/ Em memória/ Dos dias em que estávamos juntos/ E eu sabia que você me amava/ Essa era a diferença/ Daquilo que vemos/ Mas isso é história.../ Ah...”.

Enteada de um escritor porto-riquenho, Ed Vega (com quem aprendera o gosto pela poesia e literatura), Suzanne cresceu, por causa dele, na região latina de Manhattan, Nova York. Por isso, sua veia de música brasileira não só se justifica como é extremamente presente. “Caramel”, hit do disco, talvez seja o segundo melhor exemplo disso em seu cancioneiro: uma linda bossa nova com todos os elementos característicos da batida de João Gilberto e a complexidade harmônica de Tom Jobim. A letra, sobre um amor impossível, carrega em referências sensoriais ao paladar (“caramelo”, “canela”, “pele”). E ela diz: “Então, adeus/ doce apetite/ Nem uma única mordida/ Poderia satisfazer...”. A voz de Suzanne é suave, sugerindo um sussurro de dor e prazer. O refrão é ainda mais belo com a característica pronúncia perfeita de seu canto. E o charme do solo de clarinete, então!? Um show.

Digo que “Caramel” é a “segunda” grande bossa de Suzanne Vega porque a melhor é “Thin Man”. Tocado com instrumentos de rock, mas em um inconfundível ritmo de samba, tem uma das mais belas melodias de voz criadas pela compositora. O violão, centro harmônico da melodia, desenha a canção como fazem todos os bons “filhos de João”. Sensual e cadenciada, põe a personagem no universo de um homem de modos finos e misterioso. “Ele não é meu amigo, mas ele está comigo/ E ele me promete uma paz que eu nunca conheci/ Eu não posso desistir, não, eu tenho que resistir/ Mas eu podia mesmo ser a única a resistir àquele beijo tão verdadeiro...”

A capacidade de incutir toques étnicos ao folk (como já procedera claramente em "Room off the Street", “In the Eye” e “As a Child”, de discos anteriores) faz com que Suzanne Vega não restrinja as influências apenas à música brasileira ou latina, mas também aos sons árabes e orientais. “Stockings”, sobre uma moça que se atrai pela voluptuosa amiga (“Você sabe onde a amizade termina e paixão se inicia?/ É entre o que liga suas meias-calças à sua pele...”), é exatamente isso: uma linha de violão de natureza country, porém simplificado, direto ao ponto, quase um riff de guitarra. E acompanhando o canto limpo dela a percussão de tablas, isso sem falar nas cordas, que Froom escreve em notas bem próprias das danças arábicas.

“Casual Match”, pouco variável e mais fraca do disco, nem por isso chega a desnivelar o repertório, pois na sequência vem a outra “música de trabalho” de “Nine Objects...”: “No Cheap Thrill”, pop-rock infalível como Suzanne sabe fazer com o pé nas costas; e “Lolita”, uma rumba estilizada que, mais uma vez literária, Suzanne referencia à imagem da clássica ninfeta nabukoviana, revelando a farsa deste estereótipo (“Ei, garota/ Não seja como um cão toda a sua vida/ Não peça/ Algumas poucos migalhas de afeto/ Não tente/ Para ser mulher de alguém/ Tão jovem/ Você precisa de uma palavra de proteção...”).

A maternidade, em forma de “descobrimento” de si mesma e da nova vida que entra em seu universo, volta na emocionante “World Before Columbus”. Mais do que uma declaração de amor à filha (“Se o seu amor fosse tirado de mim/ Cada cor seria preto e branco/ Seria tão monótono como o mundo antes de Colombo...”), Suzanne faz uma crítica ao materialismo do mundo moderno e uma ode ao verdadeiro afeto, engendrando um deslocamento temporal e simbólico típico de escritores como ela (“Aqueles homens que têm cobiça por terra/ E por riquezas estranhas e novas/ Quem ama essas bugigangas de desejo/ Oh, eles nunca vão ter você”).

“Honeymoon Suite” resgata a Suzanne Vega original, a trovadora de violão em punho, num country voz-viola tão germinal que parece ter sido extraído de um filme de faroeste. Enigmática, imaginativa. E para fechar todo esse clima de volúpia, um... jazz! Sim, um jazz swing marcado no piano e cheio de simbologias à morte, à passagem do tempo e ao prazer carnal: “Se você me perguntar como faz para chegar ao/ meu humilde mapa/ Eu sei por que porta você pode entrar/ Mostre-me sua fraqueza/ E o tempo está queimando, queimando, queimando/ Queima até o fim”. Um final digno desse caldeirão de ideias e sentimentos.

(Mas eu falei “final”? Ops!)

Ainda não é o fim! Suzanne Vega ainda nos revela, depois de um longo silêncio após o término da 11ª faixa – como aquele presente picante escondido meio ao alcance para que possa ser revelado com surpresa –, “My Favorite Plum”, uma valsa sexy conduzida na guitarra do craque Tchad Blake em que reveem-se o gozo e o prazer que entra pela boca, tendo a delicada e saborosa fruta vermelha como metáfora-chave.

Um disco que, desde que conheci se tornou um dos favoritos da discoteca. Já havia me impressionado bastante com “99.9F°”, quando a parceria com o então marido começou. Mas este representa na carreira dela uma consolidação de várias coisas: musicalidade, personalidade e, principalmente, feminilidade. È tão forte e sincero que o deleite de escutar suas canções é quase carnal: quando se está numa faixa, já se sabe a delícia que será quando chegar à seguinte. Deseja-se ouvir cada uma delas. E que cheguem, e que se aproveite enquanto estão tocando, e quando terminam, e quando começa outra, e quando virá a próxima, nossa!... Hum, acho melhor parar por aqui, porque 12 vezes é demais.
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FAIXAS:
1. Birth-Day (Love Made Real) - 3:38
2. Headshots (Suzanne Vega/Mitchell Froom) - 3:08
3. Caramel - 2:53
4. Stockings - 3:30
5. Casual Match (Vega/Froom) - 3:10
6. Thin Man - 3:39
7. No Cheap Thrill - 3:10
8. World Before Columbus - 3:26
9. Lolita (Vega/Froom) - 3:33
10. Honeymoon Suite - 2:56
11. Tombstone - 3:07
12. My Favorite Plum - 2:47

todas as composições de Suzanne Vega, exceto indicadas
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OUÇA O DISCO: