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segunda-feira, 10 de outubro de 2016

" 'Crime e Castigo' : Graphic Novel" - adaptação para HQ do romance de Fiódor Dostoiévski - por David Zane Mairowitz e Alain Korkos - ed. L&PM (2016)



Normalmente me interesso por adaptações em quadrinhos para clássicos da literatura e não foi diferente quando me deparei numa livraria dessas da vida com "Crime e Castigo" do escritor russo Fiódor Dostoiévski em versão HQ.
A publicação embora bem acabada e caprichada, não conta com uma arte notável. Rostos e movimentos do ilustrador Alain Korkos carecem em alguns momentos de uma expressividade maior mas talvez por isso mesmo, quando resolve enfatizar estas expressões, o faz de modo quase exagerado, o que poderia ser considerado defeito se não acabasse tendo o interessante efeito, combinada à opção pelo preto e branco, de dotar sua obra de uma identidade visual que remete muito ao expressionismo alemão de Murnau e Wiene.
Esse visual sombrio é pano de fundo mais que apropriado para a suplício psicológico do atormentado Roskólnikov que em meio a problemas cotidianos comuns como falta de dinheiro, família, desigualdade,, tem que conviver com a inquietação de um vazio interior que o leva a formular ideias pouco recomendáveis, digamos assim. E á na identificação desses elementos cotidianos que reside a grande sacada dos elaboradores da graphic novel. Por certo a abordagem de questões sociais e humanas ainda hoje tão relevantes e tão atuais foram por certo encorajadores para que os adaptadores audaciosamente ambientassem a obra aos dias atuais, confirmando que os tormentos, anseios, questionamentos do jovem Roskolnikóv permanecem tão pertinentes quanto na época em que o romance original fora escrito. Mas o maior mérito da adaptação é o de conseguir sintetizar uma obra tão extensa e complexa, como é o caso de "Crime e Castigo", e pinçar com grande sabedoria momentos-chave onde os questionamentos filosóficos propostos por Dostoiévski são mais significativos e urgentes. A riqueza da obra permanece intacta.



Cly Reis

sábado, 18 de fevereiro de 2017

“Manchester À Beira-Mar”, de Kenneth Lonergan (2016)


Precisava escrever sobre “Manchester À Beira-Mar”
Por Eduardo Dorneles


Um amigo, leitor assíduo e crítico construtivo do que escrevo, uma vez me disse: "seus textos, sem querer ofender, às vezes são muito para baixo".

Não me ofendeu. Ele tinha razão. Porém, respondi, não tenho muito o que fazer quanto a isso. Esse é o mundo que vejo. E já há tanta gente dizendo que a vida é maravilhosa, que os sonhos vão acontecer, que os amores serão eternos, que somos especiais, que não vejo motivo de ser mais um a contar essas mentiras - ainda que estes ganhem mais dinheiro e tenham mais leitores, evidentemente.

A vida é complexa, cinza e imprevisível. Somos contraditórios, egocêntricos - nossa geração mais ainda - e não temos controle sobre nosso próprio ser. Sinto-me mais útil apontando e rindo disso do que cantando glórias que não existem.

Talvez por isso o filme “Manchester À Beira-Mar”, escrito e dirigido por Kenneth Lonergan e com Casey Affleck – o irmão mais novo do Ben Affleck – no elenco, tenha me arrebatado ao ponto de dedicar muitas horas do meu dia em pensar na mensagem de seu texto.

O filme conta a história de Lee Chandler, um zelador de condomínio na cidade de Boston, com seus quase quarenta anos, frequentador de bares locais, adepto de brigas sem motivos e nada entusiasta dos ritos sociais fugazes – como as conversas supérfluas com os moradores dos prédios que atende ou um flerte com a garota que se interessa por pena, por exemplo. Ele é mais um entre tantos bilhões que vive o martírio de suportar a existência vazio de maiores realizações.

Chandler e Affleck na narrativa que suscita Crime e Castigo
Até que recebe uma amarga notícia: seu irmão mais velho morreu e ele precisa retornar à sua cidade natal, Manchester. Porém, retornar para lá também é voltar a um passado cruel e amedrontador. As coisas só pioram quando ele recebe a notícia que se tornou o guardião legal de seu sobrinho de 16 anos.

Disso nasce o drama que move a narrativa: tirar o jovem da cidade onde é querido, tem amigos, duas namoradas, a titularidade na equipe hóquei da escola, uma banda, casa e o barco do pai morto; ou permanecer e ter que lidar com o passado que ainda o tortura?

A memória que funciona quase como uma maldição sobre os ombros do protagonista faz lembrar Dostoievski e seu Raskólnikov: não existe nada mais desesperador do que um crime sem castigo. O drama de Lee é a perfeita metáfora que demonstra o quão tolo é o argumento de que a culpa não passa de uma ferramenta de opressão e manipulação da “sociedade patriarcal” e da tradição judaico-cristã.

O filme conta, através de flashbacks bem introduzidos, o que aconteceu a Lee. Não vou entregar a surpresa que é fundamental para o impacto que a história quer causar. Porém, diante de um reencontro inesperado com a ex-esposa (Michelle Williams, fantástica!) e um diálogo com falta de palavras – uma das cenas mais belas e chocantes do filme –, ele balbucia a chave que traduz a mensagem do filme:

- Eu não consigo superar isso.

Lee é inocentado perante a lei e segue livre externamente, mas internamente está acorrentado a um calabouço. Ele é torturado pelas forças incontroláveis que dominam e destroem a vida de um homem.

O filme é mais que um drama para lhe fazer chorar – e Lonergan acerta muito ao não forçar um sentimentalismo barato. A obra é uma perfeita tragédia – no sentido grego da coisa, mesmo: Lee é o sacrifício entregue a Dionísio, deus do vinho e da loucura, e atormentado pela completa falta de controle sobre a contingência da vida.

Michelle Williams, atuação de destaque
“Manchester À Beira-Mar” não é um filme para você se sentir bem. A obra não dá soluções ou saídas miraculosas. Não há redenção. A vida é muito maior que uma teoria, uma oração, um exercício de respiração que você chama de meditação, um pensamento positivo ou “o segredo” em um livro de autoajuda.

Somos uma geração tola que realmente deposita fé na ilusão do controle. Os “medievais”, estes que seu professor “progressista” gosta de acusar de retrógrados, eram muito melhores do que nós neste quesito. Eles sabiam e temiam o terror que a vida, essa série de circunstâncias incontroláveis, pode causar.

“Manchester À Beira-Mar” reverencia a derrota inerente à nossa natureza. Vamos tombar. A vida em algum momento vai nos vencer. Assim como Lee, precisamos ter consciência de que para algumas coisas não vamos ter força. E tudo bem por isso.

O amigo que acha meus textos para baixo não vai gostar do filme, provavelmente. Ele vai preferir se emocionar com “La La Land” e com crônicas de outro amigo que escreve textos mais “cheirosos”.