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sábado, 23 de novembro de 2019

cotidianas #657 - Cem Anos de Felicidade




Muitos anos depois, diante daquele copo de chopp gelado, Tatjana Mavić se lembraria do distante dia em que sua mãe a levou para conhecer... o iogurte. Sim, o iogurte! Na época de sua infância, o pequeno país do leste europeu em que nascera, era, assim como outros na mesma região do continente, governado sob regime comunista totalitário, e por isso, fechado comercialmente para o mercado externo por conta de suas relações conturbadas com o bloco capitalista. Por consequência disso, todos os produtos básicos eram produzidos no próprio país e, por "básicos" deve-se entender rigorosamente o necessário à vida de uma família, o que não incluía supérfluos como iogurte, por exemplo. Os produtos, oriundos dos órgãos estatais, não tendo porquê apresentar algum apelo visual e devendo meramente informar ao consumidor o que ele estava adquirindo, apresentavam-se em embalagens completamente brancas, apenas com a informação do conteúdo e o selo estatal. Assim, a paisagem que se observava no interior dos pequenos supermercados, se é que se podia chamar assim aquelas precárias mercearias, era de grandes superfícies brancas formadas pelas caixas enfileiradas nas prateleiras.
Bem diferente daquele mundo de cores que Tatjana encontrava nas poucas vezes que cruzava a fronteira, com autorização do governo, para visitar os primos, em Corona, país vizinho que desfrutava do "sonho capitalista". Era como sair de um filme em preto e branco e entrar num filme a cores. Aquilo tudo era fascinante. Tinha vida. Tudo tinha vida. Para quem é familiarizado com as seduções do mundo capitalista pode parecer estranho e até ridículo, mas para a pequena Tatjana, naquelas viagens, ir ao supermercado era algo  quase mágico. Todas aquelas cores, todas aquelas marcas, toda aquela variedade de coisas... Refrigerantes, chocolates, enfeites... Mas o que mais a fascinava era o iogurte. Ah, aquele rosado que se deixava descobrir sutilmente pelo pote leitoso semitransparente... Nunca vira nada igual: um líquido rosa! Era incrível. E os desenhos na tampa? Um morango sorridente, um solzinho feliz, um garotinho num balanço... As embalagens em seu país eram tão... tristes. Aliás, tudo era tão triste. Agora, muitos anos depois, diante daquele copo com aquele refrescante líquido dourado, Tatjana lembrava do branco das embalagens, do rosa do iogurte e anunciava para os amigos, na mesa sua decisão de voltar à pátria mãe. O país que a acolhera e lhe dera oportunidades era, hoje, diferente daquele promissor que se afigurava quando nele desembarcou. Parecia que aquele país caminhava para ser como era o seu, quando sairá de lá. Sombras se aproximavam. O horizonte era cinza. Ao mesmo tempo, do outro lado do oceano, sua terra natal, depois de todas as tensões políticas, conflitos internos e étnicos, parecia convidá-la a voltar. Se por um lado tinha um amor nascido na pátria adotiva, seu noivo e, com ele, o desejo de ser mãe, tinha, por outro lado, lá, a mãe doente e precisando de sua presença. A solução para o dilema maternal estava em outra mãe: a pátria. Voltaria!  Levaria o noivo para o país onde nascera e teria a oportunidade de ficar junto da mãe.
Agora, muitos anos depois de ver-se hipnotizada pelo róseo do iogurte, Tatjana não percebia mas sorria distraída diante do amarelo do copo de chopp, distraída, lembrando exatamente daquele distante dia no supermercado, pensando que o filho que desejava ter, lá, conheceria um país muito mais colorido do que ela tivera em sua infância.
Como que despertada por alguma entidade, de repente, Tatjana sai do devaneio. Sorri e olha em volta, meio sem jeito, esperando que ninguém repare nos olhos começando a merejar. E então, numa ação decidida, apanha o copo da mesa e o ergue no ar. Um brinde!, propõe. Que sejamos felizes!





Cly Reis
para Maja

domingo, 17 de maio de 2015

Exposição “A Aventura de Criar” - Galeria Espaço Cultural Duque - Porto Alegre/RS (12/05/2015)










A curadora e a obra de Augusto Rodrigues, de seu acervo próprio
Tive a felicidade e o privilégio de presenciar – e fotografar! – a abertura da exposição “A Aventura de Criar”, na Galeria Espaço Cultural Duque, em Porto Alegre. Isso porque a curadora é ninguém mais, ninguém menos, que minha amada Leocádia Costa, costumaz colaboradora do Clyblog. Desta vez, a sensível fotógrafa usou suas habilidades de arte-educadora e produtora cultural para montar essa mostra que reúne obras de artistas e educadores que participaram da história do Instituto de Artes e da Escolinha de Arte da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), esta última, com mais de 50 anos de existência e pela qual passaram diversos artistas consagrados das artes do Rio Grande do Sul e de outros estados.
Tela do precursor da arte-educação,
Augusto Rodrigues
A ligação emocional, profissional e artística que Leocádia tem com a Escolinha vem de bastante tempo. Resultado do seu trabalho de conclusão  para a Especialização em Arte-Educação na Feevale, em 2011, a mostra “A Aventura de Criar” é uma materialização daquilo que só estava no papel até então, considerando também o filme que ela dirigira para o cinquentenário da Escolinha e o período em que esteve lá dentro. Isso, graças ao fato de a proposta dela no Curso de Curadoria, ministrado por José Francisco Alves ano passado no Atelier Livre da Prefeitura de Porto Alegre, ter essa temática e ser uma das três escolhidas para a montagem de uma exposição. Deu nessa mostra, que, na prática, funcionou realmente muito bem.
O traço delicado de Alice Soares em três quadros
Estão ali obras de: Ado Malagoli, Alice Soares, Alice Brueggemann, Ângelo Guido, Augusto Rodrigues, Cristina Balbão, Fayga Ostrower, Fernando Corona, João Fahrion, Plinio Bernhardt, Romanita Disconzi e Teresa Poester. Todos feras. Espacialmente, foram divididos, nas duas compridas paredes do segundo piso da galeria, obras dos artistas homens de um lado e mulheres do outro, as quais se interpõem apenas quadros do mais feminino deles: o pernambucano Augusto Rodrigues, principal difusor da Arte-Educação no Brasil. Dele, são quatro obras: um desenho, uma pintura e duas serigrafias, sendo uma delas a única do acervo pessoal de Leocádia. Ainda, a mostra traz sete obras convidadas da artista Cecília Machado Bueno, falecida no ano passado, arte-educadora dedicada cuja arte (basicamente desenho) é de visível delicadeza. A renda obtida com a venda dos quadros dela será revertida para a Associação De Peito Aberto, na qual, entre outras atividades, era voluntária pelo calendário anual da entidade.
De resto, todas as obras, à venda, pertencem ao acervo da Galeria Duque. E tem maravilhas. Ao mesmo tempo, a exposição homenageia a Escolinha de Artes, seus principais artistas e educadores e dá um panorama da diversidade de estilos e referências de cada um. Ainda, evidencia a rica variedade de técnicas desses artistas, que datam desde os anos 50 à década atual. É o que se vê nas três selecionadas de Alice Soares: uma pintura, uma xilogravura e um desenho a grafite. Nas quatro de Alice Brueggemann e de Fayga Ostrower, também: total domínio e multiplicidade de técnicas.
Obras de Cecília Machado Bueno, 
homenageada especial da exposição
Merecem destaque ainda o trio de telas de Plinio Bernhardt, com sua temática tradicionalmente picante aliado à grande expressividade, dois desenhos lindos de Cristina Balbão – um deles, “Borracha”, que reproduz em tamanho natural o rosto de um negro –, dos mais antigos entre os selecionados, um vistoso óleo sobre tela de Ado Malagoli, autor que também foi contemplado com uma sensível litogravura chamada “Pomba”.
Haverá duas visitas guiadas com a presença da curadora e do colecionador e proprietário da Duque,  Arnaldo Buss, agendadas para final de maio e para julho, além da apresentação da pesquisa de Leocádia, no próximo dia 6. Porém, independente dessas datas, vale a pena visitar a mostra. E olha que não é parcialidade minha: “A Aventura de Criar” está realmente muito interessante, tanto pela importância do tema que aborda quanto pela qualidade das obras e do recorte curatorial que foi empregado. E como desta vez foi com isso e com a recepção aos vários convidados e amigos que prestigiaram a abertura que Leocádia teve que se preocupar, a maioria das fotos ficaram a cargo da minha pessoa mesmo.



Movimentação na galeria na abertura da mostra


A fotógrafa Iris Borges foi prestigiar

A também fotógrafa Tânia Meinerz esteve lá

Arte e desejo nos quadros de João Fahrion

Carolina Costa foi conferir as flores de Cecília Machado Bueno

Loecádia Costa com as historiadoras
Luísa Khul Brasil e Luciana de Oliveira

Leocádia e a arte-educadora Maria Lúcia Varnieri,
autora do texto de apresentação da exposição

Alice Brueggermann e a força de sua arte
em quatro quadros

Publico interessado n'Aventura de Criar

Galeira movimetada




fotos: Daniel Rodrigues, Carolina Costa e

**********

"A Aventura de Criar", vários artistas ligados ao Instituto de Artes do RS e da Escolinha de Artes da UFRGS
onde: Galeria Espaço Cultural Duque (R. Duque de Caxias, n° 649 - Centro/POA)
quando: segunda a sábado, das 18h às 20h
entrada: gratuita
curadoria: Leocádia Costa

terça-feira, 7 de setembro de 2021

“Escolinha de Arte da UFGRS (1960-2011): 51 anos de arte/educação”, de Flávia Leal - Ed. Appris (2021)



Arte em dois tempos

Quando cursei Cerâmica no Atelier Livre da Prefeitura de Porto Alegre com o mestre do barro e fã de João Bosco e Caetano Veloso, o querido Prof. Cláudio Ely, ouvi dele que uma ideia (ainda mais quando estamos falando em Arte), nunca aparece isoladamente na mente de um artista. O estalo ocorre em muitas pessoas que tem a mesma ideia, mas nem sempre tem a consciência do quanto estão interligadas, então se consideram num primeiro momento únicas e originais. Isso foi comentado numa aula no início dos anos 90, mais precisamente 1992, em que falávamos sobre autoria, originalidade e unicidade de uma obra de Arte. 

Logo depois, ainda na mesma década, vi o mundo iniciar as conexões em rede e aí cada qual foi descobrindo que suas ideias ecoavam ao mesmo tempo em outros cantos do planetinha azul, ainda mais quando se referiam a temas relevantes e universais voltados a coletividade. 

Em maio desse ano, quase 30 anos depois dessa reflexão do Prof. Ely, deparei-me com uma boa surpresa! Na mesma semana em que lancei o site "A Aventura de Criar os 50 anos da Escolinha de Arte do RS", falando sobre a pesquisa, filme e revista dos 50 anos da Escolinha de Arte do RS (1960-2010), outra pesquisadora lançava um livro sobre os 51 anos da mesma Escolinha. Sim, ambas pesquisadoras disponibilizavam em site e livro com um ano de diferença na história da Escolinha e 10 entre a feitura das pesquisas! 

Flávia Leal, a autora da nova pesquisa resultante do seu Mestrado na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), intitulado “Escolinha de Arte da UFGRS (1960-2011): 51 anos de arte/educação”, contatava-me para combinar gentilmente a entrega do seu livro. Recém publicado pela editora Appris, o lançamento seria na mesma semana em um encontro virtual com a sua mediação e a presença dos professores da Escolinha.

lançamento virtual do livro "Escolinha de Arte da UFGRS (1960-2011)"


O mais legal é que, logo no início da sua pesquisa, as únicas monografias com foco na Escolinha de Arte da UFRGS que ela encontrou foram a minha pela Feevale, que vocês já conhecem, e a da Mariana Ramos, pela UFRGS. A pesquisa da Mariana tem foco na prática do professor, pois ela estava cursando Pedagogia e fazia estágio em 2008 no Centro de Desenvolvimento da Expressão (CDE) em Porto Alegre, quando a escreveu. Aliás, é de lá do CDE que nos conhecemos. Já a minha pesquisa tem foco nos 50 anos da Escolinha e na produção da revista, filme e nas entrevistas com professores e alunos da Associação Cultural de Ex-Alunos do Instituto de Artes da UFRGS. A partir da leitura das nossas monografias, Flávia, como ela mesma diz no livro, teve a oportunidade de conhecer os olhares de duas pesquisadoras ligadas à Escolinha com olhares diferentes, uma como aluna e a outra como professora. Ela ressalta como isso foi relevante no seu processo de pesquisa:

“Assim, pude aprender mais sobre 
o objeto de minha pesquisa. A principal diferença 
entre o meu trabalho e o das pesquisadoras 
citadas é que ele se baseia, essencialmente, 
na análise de documentos, propondo-se a contribuir 
com uma perspectiva histórica da Escolinha.”

Acontece que a História da Escolinha não está separada de todos os processos que nela coabitam: a transformação dos alunos, a formação dos professores e a sua renovação e mudança também. A Escolinha é viva, pulsante e segue transcorrendo no decorrer dos anos, os fatos se relacionando em diversas esferas e abrangências, desde um ponto aparentemente isolado em uma cidade do interior do RS, mas altamente ligado à proposta da Escolinha de Arte do Brasil ou a outro país que levou a mesma filosofia adiante através do Movimento de Arte Educação. O que quero dizer é que as três pesquisas se interlaçam, falam entre si mesmas, independentemente do recorte acadêmico e metodologia da pesquisa, porque a Escolinha é esse oásis de oportunidades para o criar e o recriar-se. E isso é bom porque pontos de vista não aprofundados numa pesquisa aparecem mais contemplados noutra, enriquecendo a linha do tempo dessa história.  

O trabalho de Flávia, para fins de metodologia acadêmica, foi baseado em quatro pilares: o Ateliê, as Exposições, o Curso Intensivo de Arte-Educação (CIAE) e o Acervo. Em muitos momentos os depoimentos se repetem aos coletados por mim para o documentário “A Aventura de Criar”, porque a Escolinha marcou a vida dos professores e ex-alunos que por ela passaram e as histórias de cada um deles é única, sem outras versões, mesmo que os entrevistadores mudem. O livro mantém, em muitos momentos, pontos de emoção e de profundo reconhecimento pelo trabalho que as variadas equipes da Escolinha desenvolveram dentro da UFRGS o que é muito bom, já que a própria universidade pelo que eu soube nos relatos que coletei, nem sempre contribuiu muito para que esse espaço fosse mantido desde o seu início, o que gerava um esforço e uma constante luta das equipes que lá trabalharam para continuarem existindo. 

Gostei muito de ler no livro da Flávia outras informações sobre as cartas da pesquisa da simpática baiana Maria Dolores Coni Campos, a quem tive o prazer de visitar em 2009 no Rio de Janeiro. Na época, estava preparando a minha pesquisa para o filme quando pude entrevistá-la como uma das últimas vozes da Escolinha de Arte do Brasil, que conviveu com Augusto e Iara. E de quebra degustei um biju bem a moda baiana - Axé, Dolores! Ela afirmou aos gritos que a Escolinha de Arte do RS foi a que mais entendeu a proposta de Augusto Rodrigues, uma verdade incontestável! 

Curso Intensivo de Arte Educação para Educadoras
da SMED/Porto Alegre: da esquerda para direita
Cecília Machado Bueno, Maria Lúcia Campos Varnieri,
Eneida Moraes, Elton Manganelli, Sussy Possap,
Beatriz Noll e a Diretora da Creche da UFRGS/2011
Somam ainda ao livro de Flávia aspectos do CIAE que se manteve firme e forte até novembro/2011, quando realizamos um curso especial para a Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (SMED), realizado na Creche da UFRGS e com as participação dos professores Maria Lúcia Campos Varnieri, Maria Beatriz Noll, Cecília Machado Bueno, Elton Manganelli e algumas participações de convidados especiais: Sandra Richter, Marília Fitchner e eu. Além disso, reforço o destaque especial à importância que Flávia oportunizou ao Acervo da Escolinha de Arte da UFRGS que serviu de base a sua pesquisa através de 214 documentos consultados no Acervo Histórico do Instituto de Artes da UFRGS e disponível a todos os pesquisadores interessados. 

Ao final do livro Flávia faz menção aos desdobramentos que podem ocorrer estimulando assim outros pesquisadores a seguirem em frente, em novas pesquisas. Entre essas sugestões, destaquei algumas que resultariam num material para a linha de tempo da Escolinha extremamente relevante e que teço alguns comparativos com o que encontrei na minha pesquisa: Analisar o papel de outros professores e áreas da Escolinha, como a música e o teatro, em minha pesquisa ficou notória a participação de áreas como o teatro, a música, a psicologia que dialogavam entre si, desde a criação da Escolinha; Analisar o acervo de 15 mil desenhos e pinturas dos alunos da Escolinha; esse ponto foi enfatizado por Maria Lúcia Varnieri inúmeras vezes, pois é o mapeamento do desenvolvimento de cada aluno em etapas diferenciadas de expressão, possibilitando aos professores compreender quais os avanços ela faz através da sua própria expressão; Pesquisar sobre o Movimento das Escolinhas de Arte no Rio Grande do Sul, estado onde a proposta de Augusto Rodrigues teve maior adesão no país; bem sobre esse ponto já comentei e, sem dúvida é o estado que mais alicerçou a filosofia da Escolinha sonhada por Augusto e desenvolveu parte das ações por ele esboçadas, ainda há muito o que construir. Com certeza serão ótimos temas para seguir completando com outras vozes a História da Escolinha! 

Dez anos após eu escrever a pesquisa "A aventura de criar: 50 anos da Escolinha de Arte do RS" e visitar as mesmas pessoas e ambientes por onde Flávia esteve recentemente, fiquei feliz com a continuidade e o diálogo mesmo sem nos conhecermos promovemos, através da pesquisa e da leitura, uma da outra. A arte se fez em dois tempos, no meu e no dela e quem ganha são os pesquisadores, os educadores e a sociedade em geral. Somamos histórias e reforçamos pontos dentro desse tempo que não vivemos presencialmente, enquanto a maior parte dos fatos acontecia, mas que nos envolveu e nos levou a buscar mais dados com quem os viveu profundamente. A força da Escolinha nos levou a compartilhar com todas as pessoas possíveis os resultados do que escutamos, descobrimos ou nos revelaram. Além disso, compartilhar aquilo que vivemos como indivíduos tocados pela sua proposta. 

Agradeço a Flávia pela consulta e inserção da minha pesquisa em diversos momentos da sua tese e me arrisco a provocar junto com ela, novamente os pesquisadores a buscarem quem sabe um novo olhar sobre a Escolinha. A Escolinha foi “um espaço de desenvolvimento das potencialidades e da liberdade de expressão, com o intuito de formar pessoas mais sensíveis, livres, criadores e críticos”, como afirma Flávia na sua análise final e eu assino embaixo. Então, quem sabe seja interessante escutar também essas pessoas em outras pesquisas? Quem sabe há muitos indivíduos espalhados pelo mundo, pelo nosso país, no nosso bairro,  transformando as vidas de outras pessoas através da filosofia da Escolinha exercendo tudo aquilo que aprenderam em seus variados ofícios? A Escolinha tem na sua essência essa força social e libertadora de promover transformação de cada pessoa, e se isso der em Arte, melhor ainda, mas nunca foi uma condição única.  

Finalizo essa pequena reflexão com um fragmento de uma entrevista de Teresa Poester, que foi minha professora e a quem tenho uma admiração imensa, ao jornal Zero Hora (2005), extraída para o livro de Flávia quando ela fala sobre a filosofia da Escolinha e numa de suas maiores porta-vozes que sempre acreditou no poder transformador da arte, Iara de Mattos Rodrigues (Iarinha, como a chamavam na Escolinha). O que Teresa afirma continua sendo essencial em nossas vidas, em nosso planeta. Ao citar Iarinha, está alertando a cada um de nós sobre a forma com a qual agimos, colaboramos, sentimos e convivemos uns com os outros. O recado é direto e muito atual: 

“Pessoas como Iara são, lamentavelmente, 
cada vez mais raras; não vivemos 
uma época de paixão, mas de um pragmatismo 
crescente. É preciso, pois, aproveitá-las. 
Deixam marcas profundas. São como crianças, 
não sabem mentir. São incômodas, 
malcriadas, ternas e teimosas. Resistem.”  

Vamos seguir em frente somando iniciativas e resistindo sempre juntos! Obrigada Beatriz Noll, Teresa Poester, Marilice Corona, Maria Lúcia Varnieri, Gení Mabília, Jailton Moreira, Élida Tessler, Eneida Moraes, Cecília Bueno e Elton Manganelli (in memoriam) e tantos outros por tudo o que nos oportunizaram nesses 51 anos de Escolinha da UFRGS. Toda a minha, gratidão! 


***************

Escolinha de Arte da UFGRS (1960-2011): 51 anos de arte/educação"
de Flávia Leal
Ed. Appris (2021)
1ª edição
R$49,50 (impresso)
www.editoraappris.com.br 


Leocádia Costa

terça-feira, 30 de junho de 2015

Visita guiada à exposição “A Aventura de Criar” - Galeria Espaço Cultural Duque - Porto Alegre/RS (27/06/2015)









Leocádia explicando aos visitantes da mostra
sobre a Escolinha de Arte
Acompanhei – e fotografei – a visita guiada conduzida por Leocádia Costa pela exposição da qual ela é curadora, “A Aventura de Criar”, na Galeria Espaço Duque. Foi a segunda ocorrida durante o período da mostra, que segue aberta até o dia 18 de julho. Público interessado e muitas informações interessantes pinçadas por Leocádia que fizeram da visita um acontecimento agradável e pedagógico. Além de passar pelas obras de cada um dos artistas em exposição (Ado Malagoli, Alice Soares, Alice Brueggemann, Ângelo Guido, Augusto Rodrigues, Cristina Balbão, Fayga Ostrower, Fernando Corona, João Fahrion, Plinio Bernhardt, Romanita Disconzi e Teresa Poester), todos ligados de alguma forma à Escolinha de Artes do Rio Grande do Sul, os visitantes puderam, ao final da fala explicativa, assistir ao filme-documentário dirigido por Leocádia em 2010, quando do aniversário de 50 anos da hoje infelizmente extinta Escolinha. Bom programa para um sábado à tarde, que àqueles que não foram, dá tempo ainda de conferir.


*********** 


Diante dos quadros de Augusto Rodrigues,
idealizador da Escolinha
"A Aventura de Criar", vários artistas ligados ao Instituto de Artes do RS e da Escolinha de Artes da UFRGS
onde: Galeria Espaço Cultural Duque (R. Duque de Caxias, n° 649 - Centro/POA)
quando: até 18 de julho, segunda a sábado, das 18h às 20h
entrada: gratuita

curadoria: Leocádia Costa





sábado, 25 de abril de 2020

Coluna dEle #54




Fala aí, Meus filho!

Tudo na Minha mais Santa Paz?
É...
Não, né...
Eu sei.


***


Mas não me culpem. Essa coisa do vírus não é culpa Minha. Vocês podem até achar que Eu mando em tudo, que tudo tem que passar por Mim, mas tem coisas que fogem do Meu controle. Eu não sou Deus! Ou melhor... Quero dizer...


***



Bom, o caso é que pra essas coisas de informática Eu sou péssimo, sou deligado e ainda por cima antivírus que a gente usa aqui tava vencido, a renovação era uma fortuna e aí esse tal de Corona invadiu o sistema aqui e tomou conta. Aí, como vocês fazem parte do Meu sistema, tá dando essa merda toda que vocês estão vendo. Já chamei o pessoal da manutenção pra dar um jeito mas levaram a minha CPU e não deram previsão pra trazer de volta.


***


Enquanto isso tô em casa, que nem vocês todos aí.

É!!! Tão pensando o quê? Que aqui a coisa não tá assim também?
A recomendação por aqui também é essa.
E no Meu caso, Eu idoso com Meus bilhões de anos e a Minha pressão aqui nas alturas, tenho que Me cuidar.


***



Agora, desafio mais difícil nessa quarentena é ficar o dia inteiro enfurnado em casa com a Dona Encrenca buzinando nos Meus ouvidos o tempo inteiro.

Ai, Minha Nossa Senhora!!!


***



Espero que o pessoal da técnica dê um jeito nesse vírus logo porque, se aí embaixo tá sobrecarregando o sistema de saúde, aqui vai ter problema de superlotação.



***


Mas ainda nesse assunto: Já que Tô em casa de bobeira, Tô vendo essas lives aí que tem rolado na Eternet. Meu Eu, que coisas mais chatas. Umas coisas meio no improviso, de qualquer jeito, com copo na mão, bêbado, com a cama desarrumada, cara com bateria imaginária..., Ô bagacerage! E como tem lives de sertanejo! Cruzes! 

Aí desisti das lives aí de baixo. Larguei vocês de mão. Agora só assisto às deads do pessoal que já subiu pra cá. Hoje, por exemplo, tem dead do David Bowie, do Jimi Hendrix, amanhã tem da Amy e à noite desafio de batera do Ginger Baker com o Neil Peart que subiram pra cá há pouco tempo.
Nisso a gente aqui tá bem servido.


***


Mas, mudando de assunto, parece que o cabaré aí no Meu país, digo..., no Brasil, tá pegando fogo, hein!

Mas não foi por falta de aviso.
Eu Sei que não falei nada mas o que vocês queriam? Que Eu descesse daqui de cima numa nuvem branca e dissesse "Ele não!"? Eu mostrei de todas as formas que podia mostrar e, na boa, só não viu quem não quis. E, sinceramente, tô vendo a ficha desse pessoal aqui, e muitos desses aí não só viram os Meus sinais como escolheram o Messias exatamente por tudo que ele demonstrava.

***


Mas se liguem: não é porque deu uma recaída de honestidade e moralidade em uns aí que o cara virou santo. E de Santo Eu entendo.

Fica a dica.


***


Vou nessa que ainda tenho que sair pra fazer as compras porque, como Eu falei, a internet tá com o "probleminha" e não dá pra fazer compras online. Aí tem que usar aquela parafernália toda de máscara, luva, "alquingéu", desinfetante, desodorante 24 horas, óculos infravermelho, raio laser e o escambau.

Afff...

***

Dúvidas, reclamações, denúncias, lives, súplicas, pedidos, listas de comprar, tele-netregas, orações, milagres para:
god@voxdei.org


Fiquem Comigo e que Eu lhes abençoe.


Fui.





Ele

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

10ª Bienal do Mercosul – Santander Cultural










Detalhe de "O Helicóptero"
Meu receio de não conseguir ver no pouco tempo que tinha as sete exposições da Bienal do Mercosul foi relativamente afastado. Afinal, dos seis espaços expositivos, apenas dois deles não visitei. Certo: tratavam-se de dois importantes: o Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli (MARGS), principal museu de artes de Porto Alegre, e o Instituto Ling, o qual ainda não visitei desde que abrira, em 2014, mas que, tanto pelo tema-recorte, “Síntese”, quanto por sua modernidade arquitetônica e sabida pujança, certamente abrigara uma fatia qualitativamente interessante da Bienal. Esta, do Santander, a qual visitei acompanhado de Leocádia, foi a mais bem montada e fiel à proposta, a “Antropofagia Neobarroca”.

A engenhoca Wesley Duke Lee “O Helicóptero” (1968), composta por diversas técnicas (pintura, colagem, fotografia, fundição) sobre um caracol metálico e (embora estático na exposição) giratório abre o salão do Santander com uma das mais belas e criativas (e instigantes!) peças da Bienal. Mas haveria mais coisas interessantes ali, sim. Caso de outra instalação “Anaconda”, do venezuelano Carlos Zerpa, montada com centenas de discos de vinil presos a si por arames e cadeados formando uma impactante cobra negra, limite entre a modernidade tecnológica e a ancestralidade de raiz, traduzidos no tema central daquela exposição. Evocando a antropofagia de Oswald de Andrade e o neobarroco, ideia forjada por artistas latino-americanos a partir dos anos 70 como instrumento de resistência e de autodefinição pós-colonial, “Antropofagia Neobarroca” buscou da luz à tentativa de emancipação cultural principalmente nos elementos indígenas, capazes de confrontar simbolicamente os sistemas europeus de colonização cultural.

Óleo sobre tela impressionante
em dimensões e impacto.
De forma bastante direta e denunciadora, o tema aparece em peças como os quadros dos mexicanos Daniel Lezama (2004) e José Maria Jara (1889), dois impactantes óleo sobre tela, o não menos assombroso “A Rébis Mestiça Coroa a Escadaria dos Mártires Indigentes” (2013), do maranhense Thiago Martins de Melo, visto que gigantesco (3,60 metros por quase 4 de altura), onde podem se ver diversas referências à desumanidade e violência das colonizações. Sangue, muito sangue. Ligia Clark, a quem tudo exposto na Bienal surpreende, haja vista sua capacidade criativa imensa e sempre pungente, apresenta ali o tropicalista “Cabeça Coletiva”, de 1975, de materiais mistos. A figura indígena e meio andrógena do bronze polido “Inca”, do espanhol-brasileiro Fernando Corona, é outra das belezas vistas. A carioca Beatriz Milhazes, de quem havíamos visto uma extensa exposição individual no Paço Imperial, no Rio de Janeiro, em 2014, traz uma interessante acrílica sobre tela. Caso de outra carioca badalada das artes visuais da atualidade, Adriana Varejão, com o duo “Espiral em Flor” e “Voluta e Cercadura”.

Acrílica de Röhnelt.
Do admirável paulista Luiz Zerbini, sempre com uma visão diferenciada entre o pop e o surreal, havia a “Medusa”, que dá a uma acrílica sobre tela um ar de técnica mais moderna visto o brilho vivo das cores e a textura das formas obtida. Valem, igualmente, outra das “obras postais” do pernambucano Paulo Bruscky (da mesma série encontrada no Memorial do Rio Grande do Sul e Gasômetro), “Xerophagia Atropophago Affectar – Cartas para Oswald de Andrade”, de 1981; a instigante fotografia do porto-alegrenese Dirnei Prates da série “Júpiter, Netuno e Plutão” (jato de tinta em papel algodão, 2014), o paulistano Dudi Maia Rosa (“Sem título”, resina poliéster pigmentada e fibra de vidro, 2014); e as “Arquiteturas XI e XV”, do pelotense Mário Röhnelt, artista referencial nas artes gaúchas, de quem também havia duas já vistas por nós na exposição individual dele, em 2014, no MARGS, ambas em acrílica sobre tela (e com muita cara de negativo de foto) de 1995.

Havia imagens sacras tanto de artesões/artistas conhecidos quanto anônimos que também chamaram atenção, mas para quem já visitou os museus de Ouro Preto e Salvador ou presenciou a exposição de arte sacra (“Crux, Crucis, Crucifixus”, CCBB, 2013), melhor destacar outras coisas. Com esta exposição do Santander, juntamente às que presenciei acompanhado ou não nos outros espaços destinados à Bienal do Mercosul, com certeza deu para se ter uma ideia da mostra em suas virtudes e falhas, tais como as que já me referi anteriormente. Entretanto, de modo a ressaltar as qualidades e não tornar a apontar os erros, esta aqui, a última que vi e no derradeiro dia de Bienal, foi provavelmente a mais bem montada em termos de variedade de obras e síntese (quem sabe, a do Ling tivesse isso ainda mais, ou essa lhe fosse de certa forma mais uma repetição da curadoria?).
Até arte de colagem, tal qual eu e meu irmão fazíamos por prazer, nos deparamos. Veja só: nossas colagens que iam para nossas paredes e cadernos escolares nos salões de arte...


 
"O Helicóptero" de Wesley Duke Lee abrindo o salão.
A impressionante cobra de discos de vinil.

O inferno existe e colonizou a América Latina.

Lígia Clark, sempre criativa.

"Inca" de Fernando Corona.

A carioca Beatriz Milhazes.

Um dos quadros de Adriana Varejão.

A "Medusa" de Zerbini.

Arte postal de Brusky em homenagem a Oswald de Andrade.

A bonita fotografia com textura de óleo de Prates


Dudi Maia Rosa

Riqueza de detalhes em quadro do século XIX.

Outro duo do pelotense Röhnelt