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segunda-feira, 2 de março de 2015

20 filmes para entender o cinema brasileiro dos anos 80




Enfim, chegamos à terceira e última listagem de filmes brasileiros essenciais para se entender o nosso cinema no final do século XX, terminando com a safra dos 80. Mais do que para com os anos 60 e 70, a década de 80 foi a que mais tive dificuldade de escolher entre tantos títulos que considero fundamentais. Talvez pelo fato de, dos anos 60, embrionários e revolucionários, haver mais clareza quanto ao que hoje é tido como essencial, bem como pela até injusta comparação com os sofridos e minguados anos 70. O fato é que a produção dos 80 vem justificar, justamente, o decréscimo quali e quantitativo da sua década anterior. Tanto é verdade que, com os reflexos visíveis da Abertura Política e já se enxergando a tão sonhada democracia não apenas como uma miragem, os cineastas brasileiros – mesmo com a menos rígida mas ainda existente censura – passam a ter uma até então inédita estrutura através de verba do próprio Governo via Embrafilme.
Foi aí, então, que os cineastas daqui mostraram o quanto são, de fato, brasileiros. Se já haviam conseguido, nos 60 e 70, realizações memoráveis sem uma Atlântida ou Vera Cruz por trás, quando tiveram um tantinho mais fizeram “chover pra cima”. Desfalcados a maior parte da década da tempestuosidade de ideias de Glauber Rocha, falecido em 81, além de Leon Hirszman e Joaquim Pedro de Andrade, também vitimados cedo, outros cabeças do cinema nacional avançaram em temática, nível técnico, concepção e apelo com o público. Ironicamente, entretanto, se os 80 justificaram a baixa dos 70, também herdaram o inevitável: justo na década que talvez melhor se tenha produzido para as massas até então, recaiu-lhes a pecha de cinema malfeito e sem qualidade, motivado, principalmente, pela herança das famigeradas pornochanchadas, naturalmente desvalorizadas com o declínio do discurso do Governo Militar – estigma do qual o cinema nacional tenta se livrar até hoje.
Para além das comparações, a diversidade do cinema nacional dos 80 é grande. As abordagens vão desde cinebiografias (pouco vistas até então), felizes adaptações do teatro para as telas (finalmente!), avanço do documentário, início da descentralização da produção eixo Rio-São Paulo e, principalmente, uma maior liberdade de expressão. Sem o fantasma constante das torturas e perseguições, as histórias tocavam agora direto nas feridas da ditadura. “Nos nervos, nos fios”. Ainda deu tempo, inclusive, de tanto Glauber quanto Leon produzirem as talvez obras-primas de ambos. Diretores surgiam; uns, despontavam; outros, afirmavam-se. Nesse contexto, sobraram títulos que, por restringirmos a 20, não puderam entrar na lista, mas que merecem menção: “Barrela”, “Cidade Oculta”, “A Dama do Cine Shangai”, “Quilombo”, “Um Trem Pras Estrelas”, “Gabriela”, “Índia, a Filha do Sol”, “O Romance da Empregada”, “Inocência”, sem falar nas produções televisivas de Walter Avancini. Mas, com esses 20 não tem erro: só filmaços.



1 - “A Idade da Terra”, Glauber Rocha (80) – Poesia total. O último e criticado filme de Glauber, fábula sobre as possíveis vidas e mortes de Cristo num Brasil moderno, pode ser visto até como uma metáfora visionária da morte do cineasta, que, entristecido com o Brasil e com a recepção a seu filme, sucumbiu um ano depois de lançá-lo. Esqueça os detratores: “A Idade...” é grande, potente, cáustico, catártico, altamente filosófico. Um dia será devidamente reconhecido.





2 - “Os 7 Gatinhos”, Neville D’Almeida (80) – Neville é daqueles cineastas da “elite intelectual carioca” que só fala besteira e produz coisas intragáveis e ininteligíveis, mas esse é um acerto inconteste. Baseado em Nelson Rodrigues, tem o dedo do próprio no roteiro e, além de trilha com músicas de Roberto e Erasmo, é uma tragicomédia crítica e consistente à hipocrisia e depravação da sociedade brasileira. Interpretações (Thelma Reston, Melhor Coadjuvante em Gramado) e cenas inesquecíveis como a dos “caralhinhos voadores” e “me chama de contínuo” estão neste longa referencial.




3 - “O Beijo no Asfalto”, Bruno Barreto (80) – Outra feliz adaptação de peça, outra feliz adaptação de Nelson Rodrigues. Essa, no entanto, deixando de lado a linguagem metafórica e fantástica de “Os 7 Gatinhos”, investe numa história contada com rigor e direção segura, apoiada pelas ótimas atuações de todos: Ney, Tarcisão, Daniel, Torloni, Lídia. Daqueles filmes que, se está passando na TV, não se fixe por 15 segundos, pois senão acabarás terminando de assisti-lo inevitavelmente.



4 - “Pixote, A Lei do Mais Fraco”, Hector Babenco (80) – Babenco chega à maturidade de seu cinema e faz o até hoje melhor trabalho de sua longa e regular filmografia. Com ar de documentário, toma forma de um drama realista e trágico, trazendo à tona mais uma mazela da sociedade brasileira: a desassitência político-social às crianças e a violência urbana. O pequeno Fernando, que, ao interpretar Pixote, faz bem dizer ele mesmo, nos emociona e nos entristece. Marília está num dos papeis mais espetaculares da história. Indicado ao Globo de Ouro e vencedor do New York Film Critics Circle Awards (além de Locarno e San Sebastian), é considerado dos filmes essenciais dos anos 80 no mundo.





5 - “Eles não Usam Black Tie”, Leon Hirszman (81) – Como um “Batalha de Argel” e “Alemanha Ano Zero”, é uma ficção que se mistura com a realidade, e neste caso, por vários fatores. Adaptação para o cinema da peça dos anos 50 de Gianfrancesco Guarnieri sobre uma greve e a repressão política decorrente, transpõe para a realidade da época do filme, de Abertura Política e ânsia pela democracia, retratando as greves no ABC Paulista. E ainda: tem o próprio Guarnieri como ator, que, segundo relatos, codirigiu o filme. Filme lindo, que remete a Eisenstein e Petri. Música original da peça de 58 de autoria de Adoniran Barbosa. Prêmio do Júri em Veneza.



6 -Sargento Getúlio”, Hermano Penna (81) – Pouco lembrado, mas talvez o melhor filme nacional da década. Adaptação do romance de João Ubaldo, dá ares de tragédia shakesperiana à história em plenos sertão e Ditadura Militar. Crítico, poético e altamente literário, sem deixar o aspecto fílmico de lado, haja vista a fotografia, cenografia e a arte primorosos. E o que dizer de Lima Duarte, Melhor Ator em Gramado, Havana e APCA? Ponha sua atuação entre as 20 maiores do cinema mundial sem pestanejar. Ainda levou Melhor Filme e Crítica em Gramado.






7 - “O Homem que Virou Suco”, João Batista de Andrade (81) – A forte atuação de José Dumond (Melhor ator em Gramado, Brasília e Huelva), mais uma vez espetacular como em “A Hora da Estrela” e “Morte e Vida Severina”, leva o filme conta a história do poeta popular, o nordestino Deraldo, quer tenta viver em São Paulo de sua arte mas é irresponsavelmente confundido com um assassino. Suas raízes e verdades, então, viram “suco” na grande cidade. Melhor Filme em Moscou e Nevers.




8 - “Bar Esperança, O Último que Fecha”, Hugo Carvana (82) – Poético e divertido, “Bar...” é o típico filme do novo Brasil que se construía com a Abertura, o que significava transformações irrefreáveis, como o avanço da modernidade e a morte da antiga boemia poética. Junto com a companhia Asdrúbal Trouxe o Trambone, lançou toda a geração de atores que viriam a desembocar na TV Pirata e afins e no cinema que se constituiu no Brasil na pós-retomada. Cenas memoráveis, atuações impecáveis, diálogos idem. Música-tema de Caetano com Gal Costa. Vários prêmios em Gramado. Uma joia.





9 - “Pra Frente, Brasil”, Roberto Faria (82) – Tijolaço na cara da ditadura, que, embora mais branda, ainda se mantinha no governo Figueiredo. Corajoso e sem dó, evidencia a desumanidade do regime militar ao contar a história de um homem confundido com um “subversivo” e que é dura e aleatoriamente torturado, fazendo um paralelo com o clima festivo da Copa de 70. Primeiramente proibido pela censura, depois de liberado arrebatou Gramado (Filme e Edição) e levou prêmio em Berlim, entre outras premiações e indicações.





10 - “Nunca Fomos Tão Felizes”, Murilo Salles (84) – O letreiro inicial diz tudo, quando o título do filme se constrói de forma a se entender “Tão Felizes Nunca Fomos”. Estocada forte na Ditadura, rodado no último ano do Governo Militar, conta a história de um filho de um misterioso militante político que é retirado de um colégio interno para viver temporariamente num moderno e entediante apartamento. Alto nível técnico. Arrebatou Brasília e prêmio da Crítica em Gramado.






11 - “Verdes Anos”, Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil (84) – O cinema gaúcho, encabeçado pela galera da Casa de Cinema, começava nos 80 a mostrar suas qualidades: roteiros tratados literariamente, ares de cult movie europeu, técnicos competentes e sotaque diferente do “carioquês” ou “paulistês” que todos eram acostumados a ouvir no cinema nacional. Um sopro de criatividade que revolucionaria o audiovisual brasileiro a partir dos anos 90. Tema musical clássico de Nei Lisboa.






12 - ”Cabra Marcado para Morrer”, Eduardo Coutinho (84) – Mestre do documentário mundial, Coutinho não se entregava mesmo quando parecia impossível. “Cabra...”, um dos maiores filmes do gênero, é um documentário do documentário. Interrompido em 1964 pelo governo militar, narra a vida do líder camponês João Pedro Teixeira e teve suas filmagens retomadas 17 anos depois, introduzindo na narrativa os porquês da lacuna. Premiado na Alemanha, França, Cuba, Portugal e Brasil, onde conquistou Gramado e FestRio.




13 - “Memórias do Cárcere”, Nelson Pereira dos Santos (84) – Prova de que Nelson Pereira não tinha “perdido a mão” depois de erros e acertos nos anos 70, se debruça novamente sobre Graciliano Ramos, mas desta vez não como fizera com seu grande romance, “Vidas Secas”, mas sobre o próprio escritor quando de sua prisão pelo Governo Vargas. Um épico que ganhou prêmio da crítica em Cannes.





14 - “A Hora da Estrela”, Suzana Amaral (85) – Exemplo de como se fazer um filme pequeno, com baixo orçamento, mas de muito, muito esmero de roteiro (baseado no forte texto de Clarice Lispector) e cenografia. Cartaxo interpreta a inocente Macabéa, noutra atuação espetacular dos anos 80 no cinema mundial, que a fez ganhar Urso de Prata em Berlim, onde a diretora também ganhou prêmio da crítica. O filme ainda levou tudo no Festival de Brasília.






15 - “O Beijo da Mulher Aranha”, Hector Babenco (85) – Uma história improvável em uma produção brasileiro-americana ainda mais improvável de dar certo. Mas Babenco, talentoso e sensível, amarra tudo com maestria. De roteiro primoroso, é mais uma pungente crítica ao Governo Militar e que tem nas atuações dos estrangeiros John Hurt e Raul Julia e na dos brasileiros, Lewgoy, Sônia Braga e Milton Gonçalves sua base. Cannes e Oscar de Ator para Hurt, mas concorreu também a Filme, Direção e Roteiro na Academia e a Palma de Ouro.





16 - “O Homem da Capa Preta”, Sérgio Rezende (86) – Na sua longa filmografia, Rezende se especializou em rodar temas ligados à história do Brasil. Porém o seu maior acerto é justamente o primeiro com esta temática. Sobre o controverso político de Duque de Caxias, Tenório Cavalcanti (Wilker, incrível), é um exemplo a se seguir de cinebiografias, as quais hoje tanto se fazem mas que resvalam na superficialidade. Grande vencedor de Gramado.






17 - “O Grande Mentecapto”, Oswaldo Caldeira (86) – Das melhores comédias do cinema nacional, filme mineiro que, na linha de “Verdes Anos”, direcionou a produção a outros Estados que não Rio e SP, e que sedimentou a geração TV Pirata (Diogo Vilella, LF Guimarães, Regina Casé) numa história de Fernando Sabino ao mesmo tempo deliciosa, cômica, poética e aventuresca. Um dos finais de filme mais bonitos do cinema brasileiro. Trilha do Wagner Tiso marcante. Melhor Filme pelo júri em Gramado e concorreu em Cuba, Canadá e EUA.




18 - “Ópera do Malandro”, Ruy Guerra (86) – Ruy é o cara que sempre produziu com alto padrão de qualidade desde que surgiu, nos anos 60. Em “Ópera...”, coprodução da Embrafilme com a França, ele eleva ainda mais o nível. Numa adaptação da peça de Chico Buarque (por sua vez, baseada em Brecht e Gay), ele se vale do apoio do amigo e parceiro não só para os maravilhosos temas musicais como até para os diálogos. Tiro certeiro. Musical que não te cansa, pois integra tanto a cenografia às canções que todos os atores se saem bem cantando.






19 - “Ele, O Boto”, Walter Lima Jr, (87) – Lenda popular e realidade se misturam nessa fábula contada com muita poesia sobre a beleza do imaginário e da sexualidade feminino, tema que Lima Jr. recuperaria 10 anos depois em “A Ostra e o Vento”. Dos primeiros filmes brasileiros que me arrebataram. Nunca me esqueci da lindeza da fotografia das cenas noturnas, com a claridade (muito bem fotografada) da lua na praia. Outra ótima trilha de Tiso.






20 - “Faca de Dois Gumes”, Murilo Salles (89) – Terminando a década, Murilo acerta a mão em cheio de novo, desta vez adaptando Best-seller de Sabino. O resultado é um drama policial potente e não menos crítico no que se refere ao sistema. Atuações memoráveis de José Lewgoy, Pedro Vasconcelos e Paulo José, principalmente. Direção, Fotografia e prêmios técnicos em Gramado, além de Filme em Natal e Rio.




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Embora goste menos desses títulos ou até não goste de alguns, acho justo, por uma questão jornalística e histórica, ao menos citá-los, pois cada um tem seu grau de importância dentro do período dos anos 60, 70 e 80 que abordamos:
60: “Macunaíma” (Joaquim Pedro, 69); “Cara a Cara” (Bressane, 67); “A Falecida” (Leon, 65); “Porto das Caixas” (Saraceni, 62); “Bahia de Todos os Santos” (Triguerinho, 60); “A Grande Feira” (Pires, 61); “A Grande Cidade” (Cacá, 66)
70: “A Lira do Delírio” (Walter Lima. 78); “O Amuleto de Ogum” (Nelson Pereira, 74); “A Dama da Lotação” (Neville, 78); “Toda Nudez Será Castigada” (Jabor, 73); “Doramundo” (Tizuka, 78); “A Rainha Diaba” (Fontoura, 74)


80: “Eu te Amo” (Jabor, 80); “Eu Sei que Vou te Amar” (Jabor, 86); “Festa” (Giorgetti, 89); “A Marvada Carne” (Klotzel, 85); “Amor Estranho Amor” (Khouri, 82); “Das Tripas Coração” (Ana Carolina, 82); “Superoutro” (Navarro, 89); “Bonitinha, mas Ordinária” (Chediak, 81)




segunda-feira, 15 de abril de 2013

The Smiths Party - Bar Saloon - Rio de Janeiro (13/04/2013)



Tive o prazer de ir, no último sábado, na The Smiths Party, no Bar Saloon, em Botafogo. O lugar, muito acanhado, muito estreito não era o mais adequado, na minha opinião, para um evento tão interessante, com boa divulgação e que teve muito boa procura. Todas as (poucas) mesas estavam ocupadas desde muito cedo, o balcão não tardou a estreitar a circulação no corredor e tenho impressão que, não fosse a chuva que chegou a ser forte em determinados momentos naquele dia todo até quase na hora do show, a procura teria sido até maior e teria gente pendurada no lustre.
Mas enquanto espetáculo, as dimensões do lugar não foram empecilho para que quem estava lá dentro tivesse curtido muito. Primeiro, a apresentação da parte dos Smiths Cover que não tocou The Smiths  apresentando sucessos dos anos 80, bandas que influenciaram e foram influenciadas por Smiths, com grande competência, de um modo geral. Depois, o time completo, com meu amigo, Roberto Freitas à frente, com sua habitual performance  impecável contando com a retaguarda segura e precisa de seus novos parceiros, nesta que foi a primeira apresentação do The Smiths Cover Brasil com nova formação.
Muito bom show, mais uma vez. Já é redundância elogiar. Destaques para mim, para “Suedehead”, “Still Ill”, “Girl Afraid” e “Bigmouth Strikes Again”.
Tive ainda a honra de ter um texto meu, solicitado pelo Roberto, lido na abertura do show. A galera ansiosa pelo início, não deu muita bola, não ouviu muito ou nem percebeu que aquilo era algo relacionado com o show, mas de qualquer forma sinto-me feliz em ter feito parte daquele momento e dessa retomada do The Smiths Cover Brasil. Obrigado, Roberto, pelo show, sempre empolgante, e por me permitir participar disso tudo.

Abaixo o referido texto, lido antes do início da segunda parte do show:

The Smiths Cover Brasil mandando ver no Bar Saloon.
Naquele setembro de 1987, a cidade de Manchester ficava um pouco mais cinza, o universo particular de muitas pessoas ficava mais vazio, e muitas dessas pessoas pelo mundo afora ficavam um pouco mais sozinhas. Era como se tivessem perdido um amigo, um amor, alguém da família. Algumas delas não foram fortes o bastante e tiraram até mesmo de suas próprias vidas como se a partir daquele fato nada mais importasse. Uma banda com um nome despretensioso, como se fossem Zés-Ninguém, de melodias aparentemente simples e letras singelas acabava de anunciar sua separação. Era o fim do The Smiths.
Mas que diferença uma banda faz? Como um grupo de rock apenas é capaz de causar tamanha comoção? De fazer nos sentirmos... assim? Quem já foi preterido por alguém, já hesitou em revelar seus sentimentos a outra pessoa, já voltou sozinho de uma festa, entendia perfeitamente do que aquele carinha topetudo com jeito tímido e ao mesmo tempo impetuoso, falava e se identificava com aquilo tudo. Steven Morrissey exprimia exatamente o que a gente sentia ou já havia sentido em algum momento da vida, colocando aquelas questões com rara sensibilidade e poesia.
Mas talvez letras intimistas e inteligentes não bastassem se não contassem com um emolduramento digno daquelas palavras. Johnny Marr, guitarrista e parceiro de composições, conseguia extrair de seu instrumento melodias mágicas, supostamente modestas, porém compostas com enorme técnica e inspiração, sem apelar para exibicionismos de solos quilométricos ou distorções rascantes. E Andy Rouke e Mike Joyce, costumeiramente menos lembrados, mas não menos importantes, eram a sustentação precisa e segura para aquela dupla genial de compositores.
Mas eles haviam decidido acabar...
Contudo, felizmente, não muito tempo depois do alardeado fim, quase que como um alento, nosso querido Morrissey anunciava que seguiria nos presenteando com sua voz suave e corrosiva e sua pena doce e ácida. Embora em sua exitosa carreira solo tenha já nos brindando com músicas incríveis que nos pegam pelo coração sendo algumas canções realmente excepcionais e grandiosas, nós fãs sabemos que até hoje, ainda que tenha produzido bons trabalhos, a bem da verdade, nunca encontrou verdadeiramente um parceiro à altura do brilhantismo de Johnny Marr.
Talvez por isso, no fundo do peito da cada fã, sobreviva a esperança (quase sem esperança) de que um dia se reconciliem e voltem a fazer aquelas canções que nos fizeram chorar e que salvaram nossas vidas.
Enquanto isso, não com menos prazer, nos conformamos em ter APENAS Morrissey. Como se fosse pouco.



Cly Reis

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

“Para sempre é sempre por um triz.”




Uma das grandes atuações femininas na história do cinema,
Marilia em "Pixote", de Babenco


Sempre admirei demais Marília Pêra. Desde as atuações em novelas, em tempos que era possível e saudável assisti-las, como aquela rica decadente e sem noção que ela fez em “Brega & Chique”, a Rafaela Alvaray. Quem viu as telenovelas dos anos 70 deve ter recordações ótimas. Era das artistas completas, das raras, que cantava, dançava, encenava e atuava, tanto em drama quanto em comédia. Foi no cinema que Marília me cativou de fato, seja no apaixonante "Bar Esperança", no engraçado “Tieta do Agreste” ou no emocionante “Central do Brasil”, todos em que faz papéis memoráveis. Além disso, tenho para mim que uma das 10 melhores atuações femininas da história do cinema é dela: em "Pixote, A Lei do Mais Fraco", do Hector Babenco (1980). Coisa do nível de uma Giulieta Masina em "A Estrada da Vida", de uma Maryl Streep em "Kramer vs Kramer", de uma Hanna Schygulla em "O Casamento de Maria Braun".

Misto de realidade e ficção, "Pixote" criou uma atmosfera em que o limite entre um e outro se estreitam. O desafio de tornar essa fronteira verossímil, sem que pendesse para o tom amador do empirismo nem para a artificialidade do conhecimento técnico das artes cênica e cinematográfica, era bastante difícil. Qual seria o ponto de harmonização dessa necessária tensão – afinal, o filme, produto necessariamente industrial, se constituía fundamentalmente de um substrato orgânico da miséria social, algo quase documental?

A resposta estava encarnada em Marília Pêra. É ela quem, representando a prostituta Sueli, exerce a função mais do que a de atriz, mas a de “centro tonal” da narrativa. Babenco, sempre muito sensível – como os bons comunistas realmente engajados –, entendeu que isso era papel mais dela como atriz do que dele como diretor. Ele concebeu, conduziu e deu o norte. Porém, a possível interação entre os dois polos, real e imaginário, pobreza e riqueza, excluídos e incluídos, foi dada a Marília naturalmente. Não sei nem se isso de fato ocorreu no set de filmagem de maneira consciente, mas fica bastante evidente nas cenas em que ela contracena com os pivetes, principalmente com o próprio Pixote, o autobiográfico Fernando Ramos da Silva. É mais do que contracenar: é, através das artes cênicas, abrir um espaço de diálogo entre antagonismos sociais.

É exemplar a cena deles no quarto do motel, logo após duas mortes ocorridas ali, em que os sentimentos mais pulsantes e inatos se revelam de um e de outro, do instinto de maternidade à agressividade intransponível. Toda a profundidade antropológica envolvida naquela cena não é realizável apenas pelo o que o roteiro prevê. O peso de fazerem se aproximar através da dramaturgia esses dois universos antagônicos é, claro, comum a todos: equipe, diretor e atores, nessa ordem de complexidade. Exige uma percepção séria e comprometida com o objeto que se está manipulando. Nisso, o desafio cabido a Fernando, vindo da rua e interpretando um alter ego, é enorme, haja vista a óbvia dificuldade que não-atores têm em desempenhar algo crível, ainda mais num nível elevado ao contracenar com atores formados e experientes. É intrincado dar naturalidade à artificialidade intrínseca do encenar quando o que se está expressando é algo que se lhe é tão natural. Porém, a priori é mais fácil que o contrário, o de cobrir de naturalidade o desconhecido por meio da arte da interpretação. Principalmente quando se tem um ambiente propício – coisa que Babenco e sua equipe de fato arranjaram, visto a honestidade do projeto –, desempenhar-se é melhor do que a algo estranho a si.

"Pixote, A Lei do Mais Fraco", de Hector Babenco


Entretanto, a verdadeira profundidade recai sobre o profissional nessa hora. E é aí que Marília Pêra foi exímia. Como principal interlocutora do núcleo amador – e, mais a fundo, da casta excluída da sociedade abordada no filme – com o produto cultural de massa, ela fez a ponte entre os referidos mundos discordantes. Marília, com o aval de Babenco, pôs-se nesse limiar emocional e ajudou sobremaneira a fazer uma coisa cuja arte moderna raramente consegue com vigor e pungência: eliminar as barreiras entre alta e baixa cultura. Materializar as páginas dos livros de Ciências Políticas é para poucos. É, sim, para aqueles que saem só do discurso e se levam à prática. O filme cumpre isso a custa de sofrimento, tristeza e choque. E Marília, enquanto agente consciente e espiritual do conceito central da obra, representa tudo isso.

Se em “Pixote” é impactante ver Fernando trazendo a sua realidade crua para a frente da tela, é igualmente surpreendente Marília perscrutando um estado que não lhe pertence, que é o da loucura e da miséria. Ou será que pertence? A explicação disso se chama: atriz.

Parabéns, Marília. Como diz Chico Buarque: “para sempre é sempre por um triz”.


Marília Pêra
(1943-2015)




quinta-feira, 6 de abril de 2023

Aqueles 10 filmes argentinos imperdíveis

 

Darín, o grande astro do cinema argentino
contemporâneo e presente em várias obras
Este post vem cumprir uma promessa feita há alguns anos. Conversávamos eu e dois colegas de trabalho durante o almoço e, papo vai, papo vem, lá pelas tantas o assunto caiu – como não é incomum de acontecer comigo e amigos meus – em cinema. O tema: cinema argentino contemporâneo. Compartilhamos ali do mesmo gosto pelo cinema realizado pelos hermanos e começamos a falar sobre nossas preferências dentro desta cinematografia. Foi então que, percebendo-se que alguns dos títulos dos quais eu comentava ambos não tinham visto ainda, eles ficaram curiosos para conhecer e tratamos de que eu fizesse uma lista com os meus filmes argentinos preferidos.

A lista, como se vê, não saiu em seguida. Voltamos do almoço para nossos postos e as obrigações nos fizeram esquecer de qualquer ludicidade. Mas os anos se passaram e o cinema da Argentina segue muy bien, gracias. Vários filmes foram produzidos neste meio tempo, inclusive dignos de comporem uma lista como esta além dos que já haviam sido realizados até então quando daquela nossa conversa. A bem da verdade, desde o brilhante “A História Oficial”, o primeiro Oscar de Melhor Filme para um argentino, em 1985, isso já se anunciava. A meu ver, no entanto, não foi com o hoje cult “Nove Rainhas”, de 2000, o start, pois o ainda considero imaturo e artificial. Porém, o filme, mesmo com suas inconsistências, já era o sinal que o curso do Rio do Prata havia sido achado. A partir dali, só foi “golazo”.

O contundente "A História Oficial":
1º Oscar da Argentina
Pois a indicação ao Oscar de Melhor Filme Internacional de “Argentina, 1985”, certamente um dos novos entrantes deste rol, fez-me resgatar a ideia agora atualizada. Esta amostragem aqui, então, vem resgatar – mesmo com este atraso do tamanho do Obelisco – a tal promessa. As 10 indicações servem tanto para estes meus amigos (espero que esta postagem chegue a eles) como qualquer um que também admire o melhor cinema feito na América Latina nos últimos 30 anos. Sim, porque a Argentina certamente passou o Brasil neste quesito, o que se reflete inclusive nas conquistas e na simples comparação entre um cinema e outro durante este tempo. (e olha que o cinema brasileiro se tornou bastante pujante nas últimas duas décadas!)

Mas não tem comparação: é na terra de Gardel que se atingiu um nível muitas vezes de excelência (e de exigência) técnica que contamina uma grande parte da produção cinematográfica do país. Seja nos roteiros bem escritos, seja na técnica de nível “primeiro mundo”, seja na habilidade cênica, seja no carisma e competência de símbolos desse cinema, como o principal deles: Ricardo Darín. Mas não somente ele: Oscar Martínez, Martina Gusmán, Dario Grandinetti, Leonardo Sbaraglia, María Onetto e outros que brilham nas telas. Tudo está a serviço de um cinema eficiente, que sabe contar bem (e com criatividade) uma história. Um cinema que achou o tão almejado equilíbrio entre arte e entretenimento.

E como se trata de uma produção vultosa (inclusive aqueles que eu nem assisti), teve, claro, o que ficou de fora. Mas se quiserem incluir “Leonera” (Pablo Trapero, 2008), “A Odisseia dos Tontos” (Sebastián Borensztein e Eduardo Sacheri, 2019), “Koblic” (Borensztein, 2016), “Elefante Branco” (Trapero, 2012) e “Neve Negra” (Martín Hodara, 2017), sintam-se perfeitamente à vontade, que também merecem toda audiência.

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“O Segredo de Seus Olhos”, Juan José Campanella (2009)

Não se poderia falar em lista de melhores filmes argentinos sem incluir “O Segredo...”. Afinal, não se trata apenas de um dos melhores da história de seu país, mas, tranquilamente, da década de 2000 em todo o mundo, no mesmo patamar de "Match Point", "Cidade dos Sonhos", "Elefante" e "Onde os Fracos não Tem Vez". Muito teria para se falar do filme de Campanella: a atuação sublime de Ricardo Darín, o hipnotismo que a musa Soledad Villamil causa no espectador, do merecido Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, do impressionante plano-sequência do jogo de futebol, enfim. Mas o que pauta esta grande obra é, definitivamente, sua trama, tão envolvente quanto literária, visto que extraída com maestria por Campanella do livro de Eduardo Sacheri (que, aliás, colabora com o roteiro). Thriller, romance, comédia, policial, aventura, drama. Um pouco de tudo e tudo muito bem amarrado. (Amazon Prime)


“Abutres”, Pablo Trapero (2010)

Aqui, duas recorrências próprias do atual cinema da Argentina. A primeira delas, obviamente, é Ricardo Darín, que estrela vários filmes dessa lista e muitos outros dignos de estarem aqui mencionados também. A outra repetição é Trapero, o mais talentoso cineasta de sua geração na Argentina. Em ”Abutres”, ambos dão um show. Numa trama que, como é de costume aos argentinos, envolve drama, denúncia e história de amor, o filme trata de um advogado especializado em acidentes rodoviários, que descobre um esquema de corrupção e desvio de dinheiro às custas do sofrimento de pessoas simples. A cena final, sem dar spoiler, além de um surpreendente desfecho da história, tem o recurso de plano-sequência característico aos encerramentos dos filmes de Trapero. (Star Plus)


“Medianeiras – Buenos Aires na Era do Amor Virtual”, Gustavo Taretto (2011)

Comédia romântica, mas não como os enlatados de Hollywood, e sim com um olhar muito próprio da vida contemporânea na era que tudo impele a ser digital – inclusive as relações amorosas. Ganhador de melhor direção e melhor longa estrangeiro no Festival de Gramado, “Medianeiras” narra os encontros e desencontros de Martín e Mariana, os protagonistas-símbolo de uma geração emparedada pelas linhas simétricas das metrópoles. Solidão, neuroses, traumas, aflições, desilusões. Tudo sob o olhar da selva de concreto chamada Buenos Aires, que se revela como uma personagem onipresente. Para quem ama comédias românticas inteligentes como “Encontros e Desencontros”, “Bar Esperança”, e “(500) Dias com Ela”, pode por pra rodar “Medianeiras”, que o longa de Taretto é deste naipe. 


“O Clã”, Pablo Trapero (2015)

Trapero de novo. E aqui impecável. A assustadora história da família acima de qualquer suspeita, os Puccio, que sequestra pessoas ricas, cobra o resgate e assassina as vítimas assim que coloca a mão no dinheiro, guarda o aspecto de crítica político-social própria do cinema argentino. Baseado num caso real, mais do que apenas evidenciar fragilidades de seu país, “O Clã” revela perversidades obscuras sorrateiramente entranhadas na sociedade platina. Afinal, como duvidar que tamanha maldade aconteça numa sociedade que, em parte, acolheu uma das ditaduras mais sangrentas da América Latina? Memoráveis as cenas em que "Afternoon Tea", da Kinks, rola enquanto o circo de horrores acontece e, como de praxe quando se trata deste cineasta, o plano-sequência. Vencedor do Urso de Prata de Melhor Diretor em Veneza, Trapero faz seu melhor filme - e isso significa bastante considerando sua filmografia quase irretocável. (Star Plus)


“Relatos Selvagens”, Damián Szifron (2014)

A tradição dos filmes de episódios dos europeus e mesmo do Brasil nos anos 60 e 70 é inteligentemente recuperado, claro, pelos argentinos. E que filme! Potente, ferino, mordaz, grotesco. "Relatos Selvagens" reúne seis histórias distintas, que se complementam entre si por um fio condutor subjetivo mas evidente: o conflito entre barbárie e civilização. E pior: a primeira, fatalmente, sempre vence de algum jeito, seja nas vias de fato após, seja com uma bomba que exploda tudo. Darín, igualmente, não poderia estar de fora, estrelando o episódio em que um engenheiro de minas que se revolta contra o sistema e resolve se vingar com aquilo que ele melhor sabe fazer: explodir bombas. Embora não tenha levado, foi selecionado para os dois maiores prêmios do cinema mundial: a Palma de Ouro de Cannes e o Oscar de melhor filme estrangeiro. (HBO Max e Amazon Prime)


"O Pântano”, Lucrécia Martel (2001)

Além do já mencionado Trapero, o cinema argentino conta com vários outros cineastas talentosos. Porém, nenhum deles possui um estilo tão pessoal como Lucrécia Martel. Dona de um cinema de linhagem moderna carregado e perspicaz, ela vale-se da dificultação do olhar e da fragmentação narrativa para expressar sentimentos e angústias da sociedade contemporânea, adentrando nas profundezas de seus personagens. Texturas, sensorialidades e densidade se homogeizam para expor tensões interpessoais, que se encaminham fatalmente para o pior. Uma reflexão visceral sobre classe, natureza, sexualidade e política, e uma das mais aclamadas estreias de realização contemporâneas. Prémio para Melhor Primeira Obra no Festival de Cinema de Berlim.


“Um Conto Chinês”, Sebastián Borensztein (2011)

O típico filme do novo cinema da Argentina: comédia dramática, com roteiro envolvente, referência a traumas nacionais (Guerra das Malvinas), um toque de romance e, claro, a estrela de Ricardo Darín. A trama é relativamente simples, mas convidativa: o ranzinza Roberto (Darín) trabalha numa loja de ferragens e vive de maneira metódica, mas sua rotina muda quando um chinês que não fala uma palavra de espanhol aparece em seu caminho, e ele decide ajudar o adorável forasteiro. Longe de se resumir a uma fórmula como no tradicional cinema comercial, “Um Conto...” faz uso desses elementos narrativos para compor um filme divertido e delicioso de se assistir, sem deixar de propor reflexão. Diversão com cérebro. Prêmio Goya de Melhor Filme Ibero-Americano. (Star Plus)


“Vermelho Sol”, Benjamín Naishtat (2019)

Esqueça o formato "diversão inteligente" de “Relatos...”, o toque romântico de “O Silêncio...” a comicidade de “Um Conto...”. “Vermelho Sol” é pura tensão e embrulho no estômago. Contando a história de um advogado arrogante, que vê sua vida perfeita desmoronar quando um detetive particular chega na sua pacata cidade para investigar um desaparecimento, o longa de Naishtat se assemelha a filmes marcantes do cinema que souberam narrar, com acuidade, o "começo do fim", como “A Fita Branca”, de Michael Haneke, para com a Primeira Guerra, ou “O Ovo da Serpente”, de Ingmar Bergman, que previa o que levou ao Holocausto. Duro, forte e absolutamente real. Afinal, por trás dos segredos dos personagens de “Vermelho...” havia uma ditadura militar se anunciando. Premiado em diversos festivais, como Toronto, Havana, San Sebastian, Rio de Janeiro e Recife.


“Nascido e Criado”, Pablo Trapero (2006)

Antes de “Leonera”, de “Abutres” e de “O Clã”, Trapero realizou está pequena obra-prima tocante e profunda sobre os limites da existência, confrontando o inato e a superfície, a natureza e a convenção social. Conta a história da família de Santiago, um jovem dedicado à decoração e à restauração de antigos objetos, que vive um repentino acidente na estrada, o qual desencadeia uma tragédia familiar e um violento giro em sua vida. Numa paisagem gelada do extremo-sul argentino, Santiago, irreconhecível, reaparece empregado num aeroporto perdido no fim de mundo. O cineasta volta sua lente para dois interiores: o humano e o das paisagens rústicas do pampa, para onde o personagem principal se refugia de si próprio. Na mesma medida, Trapero, dado a este olhar penetrante, atinge outro interior: o do espectador. (Prime Vídeo)


“Argentina, 1985”, Santiago Mitre (2022)

Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro (não levou o Oscar por pouco, pois merecia muito mais do que o badalado “Sem Novidades no Front”), "Argentina, 1985" narra a história verídica dos promotores públicos Julio Strassera e Luis Moreno Ocampo, que ousaram investigar e processar a ditadura militar mais sangrenta da Argentina. Sob forte pressão política, pública e militar, a dupla, amparada por uma jovem equipe de universitários engajados, encabeçou uma longa pesquisa antes de começar a julgar os cabeças do regime argentino naquele que é conhecido como Julgamento das Juntas. Não apenas Darín, que faz Strassera, mas Juan Pedro Lanzani, no papel de Ocampo, estão fenomenais. Igualmente, magnífica a cena da leitura da acusação no tribunal, um dos textos mais pungentes que o cinema latino-americano já viu. (Prime Video)




Daniel Rodrigues

quinta-feira, 24 de agosto de 2023

CLAQUETE ESPECIAL 15 ANOS DO CLYBLOG - Cinema Brasileiro: 110 anos, 110 filmes (parte 4)

 

Os clássicos absolutos chegaram, entre eles,
"O Beijo da Mulher Aranha", primeiro filme
brasileiro a vencer um Oscar
Demorou um pouco além do normal, mas voltamos com mais uma parte da nossa série especial “Cinema Brasileiro: 110 anos, 110 filmes”. E tem justificativa para esta demora. Isso porque reservamos este quarto e penúltimo recorte da lista para o mês de agosto, o de aniversário do Clyblog, uma vez que este Claquete Especial, iniciado em abril, é justamente em celebração dos 15 anos do blog.

Talvez somente esta justificativa não baste, entendemos. Então, já que vínhamos mês a mês postando uma nova listagem com 20 títulos cada, propositalmente falhamos em julho para que agora, no mês do aniversário, fizéssemos uma sequência não apenas de 20 filmes, mas de 40 de uma vez. E não se tratam de quaisquer quatro dezenas! Afinal, a seleção inteira é tão rica, que igualável em qualidade a qualquer cinematografia mundial. Mas, especialmente, porque estes novos compreendem as posições do 50º ao 11º. Ou seja: aqueles “top top” mesmo, quase chegando nos “finalmentes”.

Waltinho, um dos 6 com 2 filmes entre
os 40 melhores
E se o adensamento já vinha acontecendo fortemente, com a presença de grandes realizadores, títulos clássicos e premiados e escolas reconhecidas somadas às novas produções do furtivo século XXI, agora, então, esta confluência se faz ainda mais presente. Dá para se ter ideia pelos nomes de cineastas de primeira linha como Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Walter Salles Jr., Luis Sergio Person, Hector Babenco e Eduardo Coutinho, que já deram as caras com obras anteriormente e, desta feita, emplacam dois filmes cada entre os selecionados, até então os mais bem colocados. Somam-se a eles os altamente competentes João Moreira Salles, Jorge Furtado e Bruno Barreto, também com dois entre os 40.

Pode-se dizer que, agora, é quando de fato entram os clássicos incontestes, aqueles “divisores de águas” do cinema nacional (e, por que não, mundial), como “Ganga Bruta”, de Humberto Mauro, "O Beijo da Mulher Aranha", de Babenco, “São Paulo S/A”, de Person, e “Tropa de Elite”, de José Padilha. Mas também pedem passagem “novos clássicos”, tal o perturbador documentário “Estamira” e o premiado “Bacurau”, de 2019, quarto mais recente entre os 110 atrás apenas de “Três Verões” (63º), “Marte Um” (79º) e “Marighella” (106º).

Elas, as cineastas mulheres, se ainda em desigualdade na contagem geral, marcam forte presença nesta fatia mais qualificada até aqui. Estão entre elas Kátia Lund, Daniela Thomas e Anna Muylaert, esta última, responsável por um dos filmes mais tocantes e críticos do cinema brasileiro, “Que Horas Ela Volta?”. Então, pegando carona na expressão, para quem estava nos perguntando "que horas eles voltariam?”: voltamos. E voltamos abalando com 40 filmes imperdíveis, que dignificam o cinema brasileiro e latino-americano. Pensa bem: apenas 10 títulos os separam do melhor cinema do Brasil. Isso diz muito.

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50. "Estamira”, Marcos Prado (2004)

Dentre as dezenas de documentários realizados na década 00, um merece especial destaque por sua força expressiva incomum: "Estamira". Certamente o que colabora para esta pungência do filme do até então apenas produtor Marcos Prado, sócio de José Padilha à época, é a abordagem sem filtro e nem concessões da personagem central, uma mulher catadora de lixo com sério desequilíbrio mental, capaz de extravasar o mais colérico impulso e a mais profunda sabedoria filosófica. A própria presença da câmera, aliás, é bastantemente honesta, visto que por vezes perturba Estamira. Obra bela e inquietante. Melhor doc do FestRio, Mostra de SP, Karlovy Vary e Marselha, além de prêmios em Belém, Miami e Nuremberg.




49. “Tropa de Elite”, de José Padilha (2007)
48. “Batismo de Sangue”, de Helvécio Ratón (2007)
47. “Terra Estrangeira”, Walter Salles Jr. e Daniela Thomas (1996) 
46. “O Dia em que Dorival Encarou a Guarda”, Jorge Furtado e José Pedro Goulart (1986)
45. “Amarelo Manga”, de Cláudio Assis (2002)



44. “Nunca Fomos Tão Felizes”, Murilo Salles (1984) 
43. “Edifício Master”, de Eduardo Coutinho (2002)
42. “O Homem da Capa Preta”, Sérgio Rezende (1986)
41. “O Beijo da Mulher Aranha”, Hector Babenco (1985)


40. 
“São Bernardo”, Leon Hirszman (1971) 

Adaptação do livro do Graciliano Ramos, que transporta para a tela não só a história, mas a secura das relações e a incomunicabilidade numa grande fazenda do início do século XX, escorada na desigualdade dos latifúndios. Não há diálogo: a vida é assim e pronto. Daqueles filmes impecáveis em narrativa e concepção. E Leon, comunista como era, não deixa de, num deslocamento temporal, dar seu recado quanto à reforma agrária. A trilha, vanguarda e folk, algo varèsiana e smetakiana, é de Caetano Veloso, que acompanha a secura da narrativa e cria uma "música" totalmente vocal em cima de melismas lamentosos e desconcertados. Recebeu vários prêmios em festivais, entre eles o de melhor ator para Othon Bastos no Festival de Gramado, o Prêmio Air France de melhor filme, diretor, ator e atriz (Isabel Ribeiro), além do Coruja de Ouro de melhor diretor e atriz coadjuvante (Vanda Lacerda). 



39. “Carandiru”, de Hector Babenco (2002)
38. “O Som do Redor”, Kleber Mendonça Filho (2012)
37. “Que Horas Ela Volta?”, Anna Muylaert (2015) 
36. “Notícias de uma Guerra Particular”, Kátia Lund e João Moreira Salles (1999)
35. “Ganga Bruta”, Humberto Mauro (1933)



34. “Lavoura Arcaica”, Luiz Fernando Carvalho (2001)
33. “Bar Esperança, O Último que Fecha”, Hugo Carvana (1982) 
32. “Couro de Gato”, Joaquim Pedro de Andrade (1962)
31. “Os Fuzis”, Ruy Guerra (1964)


30. “O Bandido da Luz Vermelha”, Rogério Sganzerla (1968) 

Se existe cinema marginal, esta classificação se deve a “O Bandido...”. Transgressor, louco, efervescente, non-sense, crítico, revolucionário. Adjetivos são pouco pra definir a obra inaugural de Sganzerla, que trilharia pela "marginalidade" até o final da coerente carreira. Um filme de manifesto, questionamento de ordem política, de uma estética diferente e bela (apesar do baixo orçamento) e a vontade de avacalhar com tudo. "Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha e se esculhamba". Grande vencedor do Festival de Brasília de 1968. O filme que fez o “terceiro mundo explodir” de criatividade.


29. "Santiago", de João Moreira Salles (2007)
28. “Jogo de Cena”, Eduardo Coutinho (2007)
27. “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”, Glauber Rocha (1968)
26. “Noite Vazia”, Walter Hugo Khouri (1964)
25. “São Paulo S/A”, Luis Sérgio Person (1965) 



24. "Terra em Transe", Glauber Rocha (1967) 
23. "Sargento Getúlio”, Hermano Penna (1981) 
22. “O Caso dos Irmãos Naves”, Luis Sergio Person (1967) 
21. “Memórias do Cárcere”, Nelson Pereira dos Santos (1984) 

20. 
 “Ilha das Flores”, Jorge Furtado (1989)

É incontestável a importância de "Ilha das Flores" para a cinematografia gaúcha e nacional. O filme que, em plenos anos 80 ainda de fim do período de Ditadura, expôs ao mundo uma realidade muito pouco enxergada, o fez de forma absolutamente criativa e impactante. Ao acompanhar o percurso de um mero tomate da horta até o lixão a céu aberto onde vive uma fatia da população em total miséria e descaso social, Furtado virou de cabeça para baixo a narrativa do audiovisual brasileiro, influenciado diretamente as produções de TV dos anos 80 e 90 e o cinema pós-retomada nos anos 2000. Urso de Prata para curta-metragem no 40° Festival de Berlim, Prêmio Especial do Júri e Melhor Filme do Júri Popular no 3° Festival de Clermont-Ferrand, França, entre outras premiações na Alemanha, Estados Unidos e Brasil. Um clássico ainda hoje perturbador.



19. “O Beijo no Asfalto”, Bruno Barreto (1980) 
18. “Central do Brasil”, de Walter Salles Jr. (1998) 
17. “Dnª Flor e seus Dois Maridos”, Bruno Barreto (1976)
16. “Garrincha, A Alegria do Povo”, Joaquim Pedro de Andrade (1962)
15. “Barravento”, Glauber Rocha (1962)


14. “Rio 40 Graus”, Nelson Pereira dos Santos (1955)
13. “Bacurau”, Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles (2019)
12. “Assalto ao Trem Pagador”, Roberto Faria (1962) 
11. “Bye Bye Brasil”, Cacá Diegues (1979) 



Daniel Rodrigues