sexta-feira, 15 de janeiro de 2016
“BOULEZBOWIE”: Esse (esquizo)frênico mundo que une (ou separa) a vanguarda do pop
quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
Gal Costa - "Recanto" (2012)
As semelhanças vão além do formato, uma vez que, a princípio, o colorido e tropical “Cantar” – cujo repertório inclui, entre outros compositores, quatro canções de Caetano –, parece não ter nada a ver com o obscuro e ruidoso “Recanto”, totalmente construído com novas composições do “mano Caetano”. “Recanto Escuro” (assista ao vídeo abaixo), sua mais nova obra-prima – que entra para o time de “Sampa”, “Gema” e “Trilhos Urbanos” – abre o disco dando o tom soturno e introspectivo que perfará boa parte do restante do disco. Uma melodia quase invariável, bela e triste, sem refrão. Seca. Letra de reflexão, de lamento, como que ecoada de um recanto escuro de onde saem confissões vasculhadas na alma tanto dele quanto dela. Mas o que poderia ser feito só ao violão e voz, ganha, no arranjo eletrônico texturado de Kassin, uma cara de peça da vanguarda erudita, um Stockhausen, um Xenakis, um Varèse. Absolutamente genial!
O tom de vanguarda, ora com ares de Velvet Underground, ora Brian Eno, ora Silver Apples, perpassa todo o disco, dando-lhe um caráter moderno e duro, que responde ao estilo introspectivo da maioria de suas faixas, como o rock “Cara do Mundo”, a bossa-modernista “Autotune Auterótico” e a genial eletro-monofonia “Neguinho”, um 9 Inch Nails menos pesado mas tão corrosivo quanto que remete também ao krautrock de Neu! e Faust. Clima sujo que encaixa totalmente com a letra, mordaz e ferina. Caetano solta o verbo com sentenças como: “Neguinho compra 3 TVs de plasma, um carro GPS e acha que é feliz”, ou ainda: “Neguinho quer justiça e harmonia para se possível todo mundo. mas a neurose de neguinho vem e estraga tudo”. No rim.
Belas também a bossa com pitadas eletrônicas, “Mansidão”, a mais “Gal” de todas, e “Segunda”, um xote só ao cello e prato de cozinha, totalmente acústico. Mas outra surpreendente é “Miami Maculelê”, um funk carioca estilizado na qual o ouvido apurado de Caetano consegue extrair uma das coisas que sempre me chamaram atenção neste estilo dito vulgar e pobre musicalmente, que é a intenção de abrasileirar o ritmo estrangeiro. O funk carioca não é só a batida funkeada do rap, pois contém, no repique da batida, uma pitada de samba, o que, nessa salada toda, acaba por remeter aos sons e danças africanos e indígenas da raiz brasileira, uma embolada, um coco, um batuque, um... maculelê.
As referências ao período heróico da MPB não ficam só em Gal, mas em Caetano e na Tropicália como um todo. E é aí que se dão as semelhanças entre o histórico “Cantar” e o atual “Recanto”. Se antes Rogério Duprat ou Guilherme Araújo eram os maestros que davam corpo aos arranjos , agora é o jovem Kassim que destila seus computadores para cumprir esta função. Outra autoreferência está em “Tudo Dói”, que dialoga com “Lindoneia”, do Tropicália 1 (1967) ao transmitir o mesmo sentimento de depressão de uma mulher solitária (não sem querer, “Lindoneia” também tinha sido dada a uma intérprete cantar, Nara Leão).
Venho notando certo furor quanto a este Caetano rocker e tecnológico, que, desta vez, não se concretizaram em críticas, mas em elogios. Um pouco porque, com Gal interpretando tão bem, obviamente, os méritos são muito dela. Porém, novamente parece que Caetano nada de novo contra a corrente, pois os que elogiaram não parecem saber por que o fazem, uma vez que estranham algo que não é de hoje, basta ter um pouquinho de interesse – ou coragem. A parceria com Kassin, por exemplo, vem desde o pouco comentado “Eu não peço desculpa”, dele e de Jorge Mautner (2002). A veia experimental e vanguardista, igualmente, vem desde o concretista “Araçá Azul” (1972) e está claramente em músicas como a parafraseada “Doideca” (brincadeira com o termo “dodeca-fonia”), do CD “Livro” (1997), ou no “Rap Popcreto”, do Tropicália 2 (1993).
O fato é que gostei por demais de “Recanto”. Outro dia, em conversa com outro colaborador deste blog, meu primo Lúcio Agacê, ele me ponderou algo com certa razão. Para ele, o fato de a “finada” Gal voltar dando um salto tão grande diante daquilo que vinha conseguindo produzir se deve exclusivamente a Caetano, alguém que, além de um amigo generoso, é um cara que está sempre se renovando. Concordo se comparado com a fraca Gal que veio degringolado nos anos 80 e se instaurou na mediocridade nos 90. Mas tropicalista é tropicalista. Se compararmos àqueles primeiros idos dela, “Gal” (1969), “Fa-Tal” (1971), “Índia” (1973) e, principalmente, “Cantar”, seu ápice, a musicalidade não está muito diferente. Mais avançada em certos aspectos, menos explosiva do que antes, mais high-tech em texturas; porém a Gal de “Recanto” recupera a Gal daquela época - mesmo com 40 anos de atraso.
Num ano de um ótimo Chico Buarque novo, de um surpreendente Criolo e de um elogiado Lenine, 2012 começa também com uma nova Gal recantando-se. Antes tarde do que nunca.
vídeo de "Recanto Escuro", Gal Costa
Ouça o disco:
Gal Costa Recanto
sexta-feira, 30 de agosto de 2013
“Imprensa Cantada Segunda Edição: Tribunal do Feicebuqui” – Tom Zé (2013) e “Abraçaço” – Caetano Veloso (2012)
Ao longo dos anos seus três principais compositores, os baianos Gilberto Gil, Caetano Veloso e Tom Zé,vêm provando isso através de suas obras, sempre um passo à frente do resto de todas as tendências, sejam cults ou populares. Os dois últimos mostram isso novamente em seus mais recentes trabalhos: o CD “Abraçaço” (2012) e o EP “Tribunal do Feicebuqui” (2013), respectivamente. A começar pela semelhança conceitual das capas (adoração ou achincalhamento?), cada um a seu jeito e com pontos em comum, ambos os trabalhos trazem a inovação estilística e a liberdade criativa que não se nota em nenhum outro lugar do planeta com a mesma integridade de proposição.
Começando pelo de Tom Zé: surgido por um incidente em que o artista, ao autorizar que uma música sua fosse usada para um comercial da Coca-Cola, sofreu, por conta disso, críticas severas pelo Facebook de ditos “fãs“ acusando-o de “vendido ao sistema”, “Tribunal do Feicebuqui”, além do evidente sarcasmo do título, já nasce impregnado com essa tensão. Tensão, porém, que parece ter feito bem a Tom Zé como autor, pois o motivou a se reencontrar com a agudez de sua obra popular, e não uma obra popular marcada pela agudez. Estudado em música erudita pela linha da vanguarda, Tom Zé é, antes de tudo, um filho dos sons populares, das cantigas de cortejo, do samba urbano de Adoniran Barbosa, do canto das lavadeiras, dos trovadores nordestinos e, principalmente, da bossa nova. Porém, como todo músico ligado a avant-garde, vinha, nos últimos tempos, progressivamente, evoluindo para uma música excessivamente hermética em que o percentual de erudito se sobrepunha ao de popular – basta ouvir os dificílimos e chatos “Estudando o Pagode” (2005) e “Danc-Êh-Sá” (2006), excessivamente rebuscados e distantes do ouvinte. Processo igual ao que invariavelmente acontece com músicos desta linhagem, basta ver a obra de Pierre Boulez (do dodecafonismo ao serialismo ao estrtuturalismo figurativo) ou Stockhausen (do atonalismo à eletroacústica à música de influência “esotérica”).
O trabalho atual de Tom Zé, entretanto, parece, por causa da provocação gerada, tê-lo movido a buscar uma resposta inteligível (ou seja, popular) para que sua mensagem fosse compreendida e, bingo: de volta o Tom Zé inovador e ferino da MPB. E, claro, valendo-se da carga erudita e de seu vasto intelecto, que sempre foram muito bem vindos quando não usados para que só meia dúzia de intelectuais entendessem. É o caso de “Zé a Zero”, parceria com Tim Bernardes (“Mas será revolução?/ Pocalipse se pá?/ Quando ligo na TV/ Caio duro no sofá/ Ô rapá, qualé que é?/ A copa aqui co qui calé?/ É coco colá/ Aqui copa coca acolá/ Fazendo propaganda do Tom Zé”), e a brilhante faixa-título, em que se vale das contribuições do rapper Emicida mais Marcelo Segreto, Gustavo Galo e Tatá Aeroplano para compor um arranjo bastante moderno que alia hip-hop, rock, samba, atonalismo e xote com recortes e ferramentas eletrônicas. Nela, a resposta aos críticos vem em forma de puro sarcasmo: “Não ouço mais, eu não gostei do papo/ Pra mim é o príncipe que virou sapo/ Onde já se viu? Refrigerante!/ E agora é a Madalena arrependida com conservantes”. E, então, completa: “Bruxo, descobrimos seu truque/ Defenda-se já/ No tribunal do Feicebuqui/ A súplica:/ Que é que custava morrer de fome só pra fazer música?”
A briga com os internautas parece ter trazido de volta a Tom Zé, inclusive, a coerência com sua própria obra e não apenas uma reapropriação da mesma como um mero arremedo disfarçado de metalinguagem, caso dos últimos CD’s. Isso porque “Tribunal...” é a continuação de outro EP lançado pelo artista em 1999, o “Imprensa Cantada”. Na ocasião, Tom Zé sentiu-se na obrigação cívica de fazer um registro musical para outro incidente: o da inconcebível vaia proferida ao mestre João Gilberto durante um show em São Paulo em que este, indignado, discutiu com a plateia e encerrou a apresentação. A canção era "Vaia de Bêbado Não Vale", e nela está um dos pontos de ligação de todos os tropicalistas e que, inclusive, tem eco no novo CD de Caetano: a devoção à bossa nova: “no dia que a bossa nova inventou o Brasil/ No dia que a bossa nova pariu o Brasil/ Teve que fazer direito/ Teve que fazer Brasil...”. “Tribunal...” é coerente com este primeiro volume por colocar novamente em questão um assunto do momento em forma de crônica, ligeira e fugaz como a elaboração dada pela própria imprensa. Porém, desta vez, numa plataforma mais moderna da mídia, a internet, mais precisamente, o Facebook, este tribunal e palanque aberto e incontrolável, lembrando, até mesmo, uma outra antiga obra sua: a psicopatológica “Todos os Olhos”, de 1973.
Mas a melhor faixa do novo trabalho de Tom Zé é, justamente, a que melhor responde às descabidas críticas dos detratores, pois a pergunta a que a canção rebate indiretamente é: como Tom Zé teria se tornado “vendido” a uma multinacional se ele mesmo já a tinha, como bom tropicalista (ou seja, coerente com sua ideologia), se apropriado dela? Para além dos engajamentos xiitas, em 1979 (para esclarecimento daqueles que não têm memória ou não se preocupam em tê-la), quando trabalhava para a agência DPZ, de Washington Olivetto, como publicitário, Tom Zé criara para a marca de guaraná Taí, da “bendita” Coca-Cola, um jingle em que, muito “tropicalistamente”, reelabora o clássico cantado por Carmen Miranda (ela, a própria pré-história da Tropicália) para vender o produto. Se falta memória e conhecimento aos críticos, pelo menos pesquisem um pouco antes de achincalhar! Será que esses que criticam sempre acharam que a estocada de “Parque Industrial” era apenas para a direita? A ver por este caso, ingenuamente, talvez sim. A atual versão de "Taí" , além de resgatada com muita pertinência – dando uma resposta melhor do que a própria carta de justificativa publicada por Tom Zé no Facebook explicando que o cachê seria doado à banda de sua cidade-natal, Irará, num ato um tanto descabido de autoculpabilidade, uma vez que não há culpa a se admitir –, traz cores novas ao arranjo que ele mesmo, metalinguisticamente, elaborou em 1992 em “The Hips of Tradition”, mantendo a base da melodia original e os ares de cantiga-de-roda que lhe atribiuíra naquela ocasião, porém, agora, aglutinando outros elementos pop, como rap e rock. Um destes elementos é outro ponto de convergência com “Abraçaço”, de Caetano: a apropriação do funk carioca. Sob uma base vocal que repete o tradicional: “tchum tshack tchum tchum tchum tchum tshack” do ritmo popularesco, Tom Zé reinventa a própria música de forma crítica e tropicalista na melhor acepção do gênero.
O mesmo funk carioca serve de tema para "Funk Melódico" de Caetano em seu “Abraçaço”. A música, de abertura quase idêntica a “Taí”, se desenvolve não para uma reelaboração modernista de uma marchinha, como na de Tom Zé, mas, sim, para uma textura eletrificada e até pesada. O expediente, que já havia sido utilizado por Caetano em outra obra recente, a faixa “Miami Maculelê”, a qual escrevera para Gal Costa em seu CD "Recanto" (2011), novamente estreita fronteiras com os ritmos africanos, mas agora de uma forma mais áspera. Se antes eram as danças afro-brasileiras que se aproximavam do repique e da cadência do funk carioca, agora é outro estilo provindo dos negros que ele estabelece paralelo: o rock ‘n’ roll. Sob um riff de guitarra arábico, efeitos de sintetizador e bateria pulsante, “Funk Melódico” é das melhores do disco, terceiro do músico com o grupo Cê, formado por Marcelo Callado, na bateria, Pedro Sá, guitarra, e Ricardo Dias Gomes, baixo. Se não o melhor da trilogia (gosto muito do homônimo à banda, de 2006, e menos do apenas regular “Zii et Ziê”, 2009), é, certamente, o mais coeso para a roupagem roqueira que esta formação imprimiu a suas composições. A guitarra de Sá dá um show, pesada e, num solo técnico e bem sacado, faz as vezes de cuíca. Esta referência não é à toa, pois Caetano constitui na letra uma interessante analogia com o samba de Noel Rosa, “Mulher Indigesta” (“Mulher indigesta você só merece mesmo o céu/ Como está no samba de Noel”), aproximando de uma forma bem original os dois ritmos pop vindos do morro do Rio: o de outrora, o batuque, e o de hoje, o funk.
O CD traz ainda outras joias, como “Um Abraçaço”, reggae-rock de linda letra, ao modo lírico-modernista de Caetano, e onde Sá, exuberante mais uma vez, nos presenteia com um solo rasgado e ruidoso ao estilo de Neil Young ou Kurt Cobain. Outra de destaque é “O Império da Lei”, samba com toque nordestino, que lembra em sua letra a atmosfera dos contos sertanejos de Guimarães Rosa e as canções-estórias de João do Valle, e que também impressiona pela sonoridade forte dos instrumentos de rock executando uma música que, normalmente, seria arranjada para um grupo de pagode, principalmente na combinação do metal da guitarra com o som cheio do tambor da bateria. Ainda, o alegre samba-reggae “Parabéns”, de refrão delicioso e pegajoso (“Tudo mega bom, giga bom, tera bom...”) e a biográfica “Um Comunista”, que relata de forma sensível e épica, num andamento lento e marcial, a história do revolucionário brasileiro Carlos Marighella. Nela, novamente Caetano e Tom Zé se reaproximam. Caetano, ao dizer, com o verbo no passado, que os “os comunistas guardavam um sonho”, conversa com “Papa Francisco Perdoa Tom Zé”, canção em que este último usa sarcasticamente a figura icônica do Papa, novo dentro do circo capitalista da sociedade moderna, para clamar por aquele que pode ser a única salvação em um mundo em que “a diferença entre esquerda e direita/ Já foi muito clara, hoje não é mais”. Numa marchinha que se transforma em rock ao final, Tom Zé ainda punge inteligentemente: “Papa Francisco vem perdoar/ O tipo de pecado que acabaram de inventar/ O povo, querida, com pedras na mão/ voltadas contra o imperialismo pagão”. Ou seja, tanto Caetano quanto Tom Zé expressam em figuras de estilo diferentes (um, pela metáfora; o outro, pela ironia) a mesma percepção desacreditada da atuação ideológica das esquerdas. (Não é difícil remontar a figura de Caetano contra a plateia no festival de 1968 ao lado dos Mutantes bradando: “Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder?”...)
Mas é quando o assunto volta a ser bossa nova que as parecenças conceituais entre os dois se tornam ainda mais visíveis. “A Bossa Nova é Foda”, disparado melhor música do álbum e talvez a melhor do ano no Brasil, é não um samba cadenciado, como fielmente Tom Zé o fez em “Vaia...”, mas, sim, um rock com riff minimalista e criativo em que o efeito do pedal wah-wah ressoa dois acordes em alturas diferentes, dando a sensação de movimento. Só mesmo um rock ‘n’ roll para dizer um elogio desta forma! A letra, além do costumeiro desbunde poético e filosófico típicos do Caetano inspirado de uma "O Estrangeiro", “Vaca Profana” ou “Uns”, traz a mesma ideia de Tom Zé de valorização da bossa nova e da pungência de sua assimilação no Brasil e no mundo, em que, como afirma, “lá fora o mundo ainda se torce para encarar a equação”, referindo-se à capacidade de unir diferentes referências musicais e socioantropológicas em um estilo tão sucinto e denso como o fez com maestria de alquimista “o bruxo de Juazeiro”, ou seja, João Gilberto. A semelhança com os versos da primeira “Imprensa Cantada” é direta: “E a Europa, assombrada:/ ‘Que povinho audacioso’/ ‘Que povo civilizado’”.
Em “A Bossa Nova é Foda” Caetano ainda expõe outra ideia interessante em que é possível notar-se concordância com Tom Zé, que é o exemplo popular que a bossa nova legou. Quando diz que a velha bossa nova foi capaz de transformar o “mito das raças tristes” em “produtos” pop como os lutadores de MMA, os deuses olimpianos da era contemporânea, está apontando o mesmo que Tom Zé diz em “Vaia...”, de que, então apenas exportador de matéria-prima, “o grau mais baixo da capacidade humana”, “criando a bossa nova em 58/ O Brasil foi protagonista/ De coisa que jamais aconteceu/ Pra toda a humanidade/ Seja na moderna história/ Seja na história da antiguidade.” Tom Zé ratificava a importância social, histórica e antropológica da bossa nova para um país que passava, naquele ano, a exportar, como diz depois a letra, “o grau mais alto da capacidade humana”: a arte. O mesmo entendimento de Caetano.
Tanto “Tribunal...” quanto “Abraçaço” são dois grandes discos que valem a pena ao menos serem ouvidos com atenção e repetição, pois contêm muitas mensagens e percepções de dois artistas que nunca perderam a verve crítica e pensadora das coisas que os rodeiam. Concorde-se com eles ou não, goste-se deles ou não, o fato é que eles são, sim, muito coerentes com suas próprias obras e posturas, e isso é o que, visivelmente, mais indigna os críticos, pois não é por aí que eles podem ser criticados. Eu abertamente os admiro e não brigo com isso. Apenas discordo de Caetano em uma coisa: não é só a bossa nova: também ‘a Tropicália é foda’!
FAIXAS “Tribunal do Feicebuqui":
1. Tribunal Do Feicebuqui (Marcelo Segreto/Gustavo Galo/Tatá Aeroplano/Emicida)
2. Zé A Zero(Tom Zé/Marcelo Segreto/Tim Bernardes)
3. Taí (Joubert De Carvalho/Tom Zé/Marcelo Segreto)
4. Papa Francisco Perdoa Tom Zé (Tim Bernardes/Tom Zé)
5. Irará Iralá (Tom Zé)
FAIXAS “Abraçaco”:
1. A Bossa Nova é Foda
2. Um Abraçaço
3. Estou Triste
4. Império da Lei
5. Quero ser Justo
6. Um Comunista
7. Funk Melódico
8. Vinco
9. Quando o Galo Cantou
10. Parabéns
11. Gayana
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segunda-feira, 13 de setembro de 2021
Philip Glass - "Glassworks" (1981)
O início dos anos 80 foi ao mesmo tempo desafiador e marcante para o compositor, pianista e maestro norte-americano Philip Glass. Reconhecido como um dos principais autores da esfíngica música contemporânea, o cara já tinha composto de um tudo àquelas alturas e nos mais variados formatos: ópera, concerto, sinfonia, madrigal, trilha sonora, sonata e estudos, de instrumentos solo à grande orquestra. Entretanto, quanto mais produzia, mais parecia afastar-se do gosto comum. Na mesma proporção que quebrava barreiras da música tonal secular, mais seu trabalho se tornava complexo e intelectualizado. Duas de suas mais celebradas obras, “Music in 14 Parts“ (1971-74) e “Einstein on the Beach” (1976), por mais revolucionárias e arrojadas que sejam até hoje – não raro, servindo de influência para grupos de rock –, eram impossíveis de serem executadas no rádio, visto que têm, respectivamente, 4h e 3h20min de duração cada. Como sorver, então, ideias que às vezes soavam demasiado complexas ou até inaudíveis aos ouvidos populares? A resposta veio com “Glassworks”, de 1981.
Havia, entretanto, um bom caminho pelo qual Glass precisaria percorrer para desfazer a imagem de “cabeção”. Nascido em Baltimore, em 1937, estudou, nos anos 60, na Universidade de Chicago, na Juilliard School e em Aspen com Darius Milhaud. Tudo que qualquer músico adolescente e em formação gostaria, certo? Não para o subversivo Glass. Aspirando outras dimensões sonoras, como seus contemporâneos Terry Riley e Steve Reich, as vias tradicionais não lhe bastavam. Insatisfeito com grande parte do que então se passava na música moderna, não via em nada daquilo algo que compreendesse as referências a Stockhausen, Boulez, Cage e Lou Harrison, mas também ao rock, ao jazz e à música do Oriente. Mudou-se, então, para a Europa, onde estudou com a lendária pedagoga Nadia Boulanger (que também ensinou Aaron Copland, Virgil Thomson e Quincy Jones) e trabalhou em estreita colaboração com Ravi Shankar. Retorna a Nova York em 1967, aí sim sabendo o que queria: formou a famosa Philip Glass Ensemble – formada por sete músicos, ele aos teclados, e uma variedade de instrumentos de sopro, amplificados e alimentados por um mixer – e mudou para sempre a forma como se percebe música no Ocidente.
O novo estilo musical que Glass forjou acabou sendo apelidado de "minimalismo", termo ao qual o próprio nunca gostou. Ele prefere chamar-se de um compositor de “música com estruturas repetitivas”. Baseado na reiteração extensa de fragmentos melódicos breves e elegantes que se entrelaçam e saem de uma tapeçaria auditiva, sua música imerge o ouvinte em uma espécie de clima sônico que torce, gira, circunda e se desenvolve. Sua técnica composicional própria de variações engendra uma mudança rítmica constante, somando ou substituindo notas, e fazendo com que segmentos de uma frase se repitam para criar múltiplas dela mesma – duas, três, quatro, cinco, seis vezes – antes de se contrair a dimensões novamente administráveis, o que estabelece, igualmente, relações harmônicas muito peculiares.
Porém, passadas quase duas décadas desde que se tornara um dos principais nomes de sua geração, Glass permanecia admirado pela crítica, mas um ilustre desconhecido. Até na música pop ele havia se ensaiado. Próximo do músico e produtor Kurt Monkacsi, Glass “apadrinhou” junto com este a new wave Polyrock, a quem produziu e fez participações. Dizem nos bastidores que o cérebro da banda era ele e não os irmãos Billy e Tommy Robertson tamanha é a identificação do art rock da Polyrock com a sua música, quase uma versão baixo-guitarra-bateria-teclados do minimalismo glassiano. Porém, seja por grandeza, timidez ou algum problema legal, o fato é que isso não consta nos créditos. Glass continuava, assim, na mesma encruzilhada – mas queria sair dela.
Foi então que Glass matutou, matutou e percebeu que o negócio era recorrer, exatamente, ao conceito daquilo que sua própria música continha em abissal quantidade: a síntese. Primeiro compositor desde Copland a ingressar no selo CBS Masterworks devido a seu prestígio, Glass não quis deixar essa oportunidade escapar para, enfim, se comunicar com um maior número de pessoas. A sacada foi condensar suas ideias em pequenos temas, como “peças performáticas” curtas em que conseguisse resumir suas intenções estético-filosóficas e preservasse a qualidade emocional proposta. Nasceu, assim, “Glassworks”, um sucesso de vendas para os padrões da música erudita, que celebra 40 de seu lançamento em 2021.
Capa da caixa "Glass Box", de 2008, que conta com toda a obra de Glass até então, incluindo "Glassworks", em foto clássica de Chuck Close |
Já “Floe” é uma das mais utilizadas pelo próprio Glass em obras subsequentes suas. Impossível não lembrar de “Something She Has to Do”, da trilha de “As Horas” (2003), da trilha sonora de “A Fotografia” (2000) ou da ópera ‘Akhnaten” (1983). Sua estrutura rítmica hipnótica parece colocar quem escuta numa corrida em alta velocidade em que as imagens vão se passando em frente aos olhos rápida e repetidamente. Como lhe é característico, porém, Glass vai construindo seus elementos sonoro-sensitivos aos poucos, e quando se percebe já se está distinguindo da massa sonora (composta por 2 flautas, 2 sax soprano, 2 sax tenor, 2 trompas e sintetizador) um saxofone, que emite notas em clara dissonância com o restante, como se, depois da vertigem, percebesse que podia admirar aquela transformadora viagem. A noção de tempo, característica central da música de Glass tanto no sentido formal quanto cronológico e, por conseguinte, estético-filosófico (além de ser um dos motivos que o aproximam do cinema, cuja linguagem lida com a passagem temporal permanentemente), se estabelece de uma maneira muito peculiar em temas como “Floe”. Em contrapartida, porém, são capazes de gerar uma série de subjetividades. É através da noção de rapidez que se percebe o quanto o tempo depende da perspectiva – material ou imaterial – de quem observa.
“Islands” é outra largamente usada por Glass em outros projetos, haja vista temas como “Tearing Herself Away” ou “Sheba & Steven”, das trilhas sonoras de “As Horas” e “Notas Sobre um Escândalo” (2006), respectivamente. Ambas iguais à sua melodia, só que com leves diferenças em andamentos, tempos e notas, que muito lembram o tema de outra trilha clássica do cinema, “Vertigo”, composta por Bernard Hermann, com sua construção cíclica que provoca uma sensação de espiral, muito propícia, não à toa, a trillers de cinema como os vários para os quais Glass escreve trilhas.
Com um conjunto de madeiras, metais e sintetizador, “Rubric” formula um jorro sonoro motorizado difícil de apreender – mas extasiante de se ouvir. Próprio da música de Glass, seu sistema de ostinatos rítmicos (motivos ou frases musicais sempre repetidos) funciona de modo a provocar uma sensação instintiva de aflição, o que explica ter usado tal expediente nos terceiros e quartos movimentos de sua “DancePieces” (1987) ou para uma das sequências de “Koyaanisqatsi” (1982) que mostram as vertiginosas cenas das multidões das metrópoles em velocidade mais acelerada que a realidade, mas metaforicamente próxima da vida frenética da sociedade capitalista. Novamente, a questão do tempo. Alex Ross, em seu essencial livro “O Resto é Ruído - Escutando o Século XX”, ao descrever essa característica fundamental dos minimalistas, diz saborosamente o seguinte: “Evocam a experiência de dirigir um automóvel por um deserto vazio, as repetições em camadas da música refletindo repetindo as mudanças que o olho percebe – sinais da estrada, uma cadeia de montanhas no horizonte, o som grave e contínuo do asfalto sob os pneus”.
Encaminhando-se para o fim, “Façades” reduz o ritmo de modo a facilitar a captação do ouvido. E se na anterior, assim como em “Floe”, o som eletrônico prevalece, aqui, tal “Opening”, a matriz sonora é basicamente orgânica através das violas e cellos. O andamento adagio carrega um ar de suspense, suave e imponente. Entra um solo pronunciado e de registro estendido de um sax, elegante em suas plasticidade e severidade. Sem pressa, aproveitando cada segundo de desenvolvimento, cada som emitido. Junta-se outro sax ao primeiro, que, em jogos de volumes e tempos, articula um duo. Coisa da cabeça de um gênio. Estrutura vista posteriormente em várias de suas trilhas sonoras cinematográficas, como para os filmes “Janela Secreta” (2004) e “O Ilusionista” (2006), mas também em peças como “Songs from Liquid Days” (1986) e a “Sinfonia nº 7” (2005).
Delicada e rigorosa, “Façades” abre caminho para, mais uma vez metalinguisticamente, Glass fechar, exatamente, com “Closing”. Trata-se da versão forjada para cordas e madeiras para a inicial “Opening”, mas que muito bem se adapta a conjuntos sinfônicos, fazendo com que até nisso “Glassworks” tenha servido de célula-base para outros projetos que o músico viria desenvolver, a exemplo das orquestrações das sinfonias “Low” e “Horoes” (1996) – criadas sobre a obra de David Bowie e Brian Eno –, temas como o do filme “Hambuerger Hill” (1987) ou óperas como “Galileo Galilei” (2001).
De uma obra gigantesca em quantidade e importância, Glass tornou-se, principalmente após “Glassworks”, um raro pop star da música clássica. O que talvez explique o agrado a gregos e troianos é o fato de, mais do que comunicar-se com outras formas artísticas - principalmente o cinema, que tanto lida com as emoções das pessoas -, a sua arte tem uma profunda relação com a essência da natureza. Os átomos, as células, a vida interna dos seres e das coisas emana dos sons que produz, quase numa leitura hinduísta de vida e morte, de nascer e renascer, de comunhão entre opostos. Talvez por isso sua música tenha tamanha identificação com elementos elementares da existência, como o tempo e o espaço. Na prática, a penetração do estilo glassiano está em qualquer propaganda de automóvel minimamente premium ou comerciais institucionais dos mais diversos tipos de produto. O mais impressionante é que Glass conseguiu isso fazendo o inverso do que geralmente é comum aos estetas: ao invés de desvelar uma obra mais ampla em excertos para outras menores, foi, justamente, da mais enxuta (as “Glassworks”, somadas, não passam de 41 min), que melhor destrinchou elementos essenciais para toda uma musicografia – viva, pulsante e profícua. Mais do que um gênio da música, Glass é um sabedor da arte da abreviação.
FAIXAS:
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OUÇA O DISCO
sábado, 30 de março de 2013
The Velvet Underground - "White Light / White Heat" (1968)
1. "White Light/White Heat" (Reed) - 2:47
2. "The Gift" (Reed, Morrison, Cale, Tucker) - 8:18
3. "Lady Godiva's Operation" (Reed) - 4:56
4. "Here She Comes Now" (Reed, Morrison, Cale) - 2:04
5. "I Heard Her Call My Name" (Reed) - 4:38
6. "Sister Ray" (Reed, Morrison, Cale, Tucker) - 17:28
sábado, 24 de setembro de 2011
Exposição 'Queremos Miles!' - CCBB- Rio de Janeiro (18/09/2011)
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capa de "Tutu", álbum da popularização definitivada obra de Miles |
Miles ainda menino |
Os instrumentos da banda dos anos 70 |
Painel com o estilo Miles dos anos 80 |
A única falha, por assim dizer, é a não inclusão do seu último disco, o póstumo “Doo-Bop”, de 1991. Sei que os puristas torcem a cara para este trabalho por sua mistura de hip-hop com jazz, o que aparentemente motivou a organização da mostra a não referi-lo – evidenciando a menor importância a que geralmente lhe atribuem. Eu, particularmente, gosto bastante deste disco não só por sua qualidade musical como por sua importância dentro da música pop diante do que se faria a partir de então no mundo do entretenimento. Quando os norte-americanos do Us3 surgiram com aquele seu jazz-rap em 1993, embora tenha gostado da banda, não segui o estardalhaço em torno do grupo como sendo algo revolucionário justamente por já ter escutado tudo aquilo em “Doo-Bop”. A justificativa dos críticos é a de que os produtores que finalizaram “Doo-Bop” o teriam feito sem a qualidade que Miles imprimiria se estivesse vivo. Sinceramente, acredito que, se o músico tivesse morrido depois da feitura do álbum, o conteúdo seria praticamente o mesmo e muitos dos detratores certamente o louvariam hoje (talvez até mais do que o disco merecesse). Preconceito ou não, falta de critério ou não, o fato é que, até por seu caráter póstumo, considero este momento importante na biografia do artista, por isso a falta dentro da exposição. Mas, entre tantos acertos que “Queremos Miles” traz, isso é o de menos. Mais fácil eu pegar meu “Doo-Bop” e me deliciar sozinho em casa.
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Queremos Miles
Até 28 de Setembro
Local: Térreo e 1º andar | CCBB RJ
Horário: Terça a domingo, das 9h às 21h
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terça-feira, 31 de março de 2015
Exposição “Plásticas Sonoras”, de Walter Smetak – Galeria Solar Ferrão – Salvador/BA (3/3/2015)
"Música dos Mendigos"- Walter Smetak
Anjo-soprador |
Bicéfalo |
Biflauta |
Bimono |
Caossonância |
Chori-viola |
Metástase |
Mulher faladora movida pelo vento |
O Peixe |
Pindorama |
Piston cretino |
Reta na curva |
São Jorge Tibetano |
Vidas I, II e III |