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sexta-feira, 20 de novembro de 2015

10ª Bienal do Mercosul – Memorial do Rio Grande do Sul








A genial instalação "Ocio", 
que te joga no fundo do poço.
Minha primeira parada da 10° Bienal do Mercosul foi o Memorial do Rio Grande do Sul. E já começamos bem! Com cuidado curatorial refinado, o espaço abriga as obras relativas ao subtema “Biografia da Vida Urbana”. Certeiro na abrangência do tema e na investigação que propõe, seja no que se refere ao espaço físico, psicológico e ideológico do ser urbano da América Latina. Criminalidade, direitos humanos, mídia, arquitetura, política, civilização. Aspectos que se depreendem naturalmente ao se apreciar e traduzir as obras expostas.
A crítica e a provocação, formas de expressão intrínsecas da arte, evidenciam-se de forma contundente quanto aos contrassensos do Estado de Direito numa trinca especial: díptico de quadros da goiana Shirley Paes Leme, compostos por fuligem de poluição sobre filtro de ar condicionado de carro; fotografia do colombiano Andres Ojuela de um homem sendo agredido pela polícia por ter tentado resgatar algo que lhe havia sido roubado; e a simbólica bandeira “parodiando” o “verde-louro” da flâmula brasileira, que ostenta não os ditos “Ordem e Progresso”, mas “Complexo do Alemão”, numa clara referência à controversa ocupação das favelas do Rio de Janeiro.
O sarcasmo de Cildo Meireles
com a icônica marca.
Na mesma linha, porém consideravelmente mais sarcástica, outro trio de obras critica um dos símbolos do capitalismo e da midiatização: a Coca-Cola. O craque Cildo Meireles é um deles, compondo em três garrafas contour de vidro elementos de sua percepção – numa delas, explica didaticamente como fazer um coquetel Molotóv. Junto, uma impactante impressão sobre lâmina do colombiano Antonio Caro, igualmente parafraseando, ao reescrever-lhe sobre a logotipia icônica da marca o nome de seu país. Completando, um pequeno mas altamente expressivo quadro de outra mente privilegiada da arte moderna brasileira, Paulo Bruscky: “Fax Performance”, autorretrato de 1985 em que se coloca na pele de um super-herói urbano meio homem-bomba (atualíssimo, infelizmente).
A ótima “Multidão”, do paulista Cláudio Tozzi (acrílica sobre compensado, de 1968), traz o frescor da arte pop com o uso discursivo da publicidade e do cinema. Igualmente impressionante, principalmente em termos de concepção/concisão, é a instalação-quadro de Waldemar Cordeiro “Subdesenvolvido”, de 1964, em que uma constituição em madeira aglutina em si todos os móveis de um imaginário cômodo, como uma versão 3D mas subdesenvolvida e reprimida (não esqueçamos que, naquele ano, se marcava a entrada da Ditadura Militar no Brasil) de “Quarto em Arles”, de Van Gogh – sem prescindir, claro, da expressiva distorção das formas.
Arte-pop e denúncia
na obra de Cláudio Tozzi.
Também incisiva e denunciadora é a instalação “Stelar”, do peruano Giancarlo Scaglia, a qual cumpre aquele que é um dos fundamentos da arte: a ressignificação. Isso porque resgata um dos momentos mais tristes e sangrentos da história peruana recente ao perscrutar as ruínas da de uma antiga cadeia de presos políticos, palco de sangrentos massacres de presos do grupo separatista Sendero Luminoso pela força militar do governo, hoje desativada. O artista apronta enormes telas feitas a partir dos furos das balas dos fuzilamentos nas paredes de concreto do presídio (somando a isso os próprios resquícios de pedras do complexo) e, como um simbólico negativo, pinta de preto ao redor, formando uma imagem que remete a uma constelação, mas também apontando para o vazio da memória e dos desaparecidos políticos. Em texto, os curadores anotam: ”Frente ao trauma, o artista articula um potente registro visual das ruínas da tragédia que une representação, presença e ausência”. Pungente pra caramba.
"Declaration" do norte-americano
naturalizado hondurenho, Jonas.
Há uma sequência relativa ao espaço urbano, apontando para várias ideias e leituras no que se refere à sociabilidade, controle e emancipação. Primeiro, uma série de fotos P&B exaltando a arquitetura modernista de várias cidades como a São Paulo e Montevidéu dos anos 70, as quais dialogam com e estética da cidade-sede da Bienal, gerando uma identidade urbana através de um do legado artístico-funcional da Arquitetura. Noutra, a que abre o nicho, o deboche de “Declaration”, do norte-americano residente de Honduras Paul Ramirez Jonas, feito com trompete e bandeira de algodão escrito “Open”. Também, o interessante paralelo entre o que se conquista enquanto território, no óleo do catarinense Victor Meirelles “Visão de Desterro – atual Florianópolis”, de 1851 (e mais antiga obra dali) e aquilo que configura – ou se perde – como espaço concreto na tela de Eduardo Haesbert (pastel seco sobre tela e papel): fria, tecnicamente arquitetônica e quase apenas um esboço.
Traz também uma das obras em metal de Lygia Clark, das artistas plásticas celebradas dessa Bienal. Mas impressionante mesmo (não só a mim: a maioria dos que veem saem com tal impressão) pela criatividade, originalidade e expressividade, a instalação “Ocio”, do chileno Ivan Navarro. Composta de tijolos, espelho, energia elétrica e a palavra-título escrita em neon, a qual se reproduz ao infinito para baixo, como num poço sem fim. Genial.
Faltou apenas um pedacinho do Memorial para visitar, o que rapidamente complemento depois. Enfim, um começo de visitas à Bienal bem positivo. Expectativas pelas próximas exposições.

Díptico de Shirley Paes Leme usa poluição da cidade
como instrumento de discurso.

Composição que evidencia os contrassensos da sociedade.

Coca-Cola no âmago da crítica ao capitalismo.

A arte via aérea de Paulo Brusky.

O Van Gogh subdesenvolvido de Cordeiro.

A arquitetura como meio de identidade.

A cidade conquistada e acidade possível.

"Bicho", uma das peças de Lygia Clark na Bienal


À esquerda, a impressionante instalação de Scaglia que remonta a guerra civil no Peru
e à direita o detalhe da obra mostrando os furos de bala.




sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

10ª Bienal do Mercosul – Usina do Gasômetro (1ª parte)









A, inacessível ao público, "Tropicália", de Oiticica
Consegui visitar um dos espaços que mais tinha curiosidade da Bienal: a Usina do Gasômetro. Os compromissos me empurraram para o último final de semana desta curta Bienal do Mercosul. Motivado pelos recortes temáticos que se encontravam lá, principalmente “Marginália da Forma” – conceito de entendimento do Brasil com o qual me identifico ideologicamente –, e talvez até motivado pela memória emocional que tenho para com o lugar no que se refere ao evento (é-me marcante a exposição que lá vi do uruguaio Julio Le Parc, na 2ª Bienal), fui com boa expectativa. No entanto, frustrei-me, principal e justamente com esta mostra, a qual dividia o espaço com outros três subtemas: ”Olfatória: O Cheiro na Arte”, “A Poeira e o Mundo dos Objetos” e “Aparatos do Corpo”. Quiçá pela maior intercomunicabilidade entre três últimos, “Marginália”, que a mim deveria trazer com fervor o tropicalismo e a diversidade de questões culturais, sociais e antropológicas que dele suscitam-se, ficou não apenas deslocado quanto não se justificou na sua capacidade.

A frustração, igualmente, se deve a outro fator, somente mais perceptível ao se visitar mais espaços da Bienal, que não apenas dois como tinha ido até então, que são algumas inconsistências. Sabe-se que a realização do evento teve problemas financeiros e estruturais, o que dificilmente seria diferente em tempos de crise em que empresariado e governos tendem a achar arte ainda mais boba e supérflua. Isso certamente ocasionou à curadoria uma dificuldade de agregar mais nomes representativos, bem como trazer mais obras significativas de artistas referenciais. Até aí, entende-se. O que se critica é, por exemplo, as repetições não apenas de artistas (MUITAS obras de Dudi Maia Rosa, por exemplo, tanto no Memorial, ali e no Santander Cultural, que comentarei noutro post) como, principalmente, de conceitos. Uma coisa é haver uma sincronia entre os espaços expositivos em que haja obras que dialoguem aqui e lá. Outra é, como no claro caso de Shirley Paes Leme (não vai aqui nenhuma crítica ao trabalho dela), em que se veem obras da mesma série e em grande número em mais de um lugar. Aí, é assumir uma pobreza que se podia resolver selecionando-se ou variando-se mais.

Porém, ressaltando o que teve de legal no Gasômetro, começo, agora terminada a Bienal, uma retrospectiva. Em “Marginália da Forma”, obviamente, interessava-me a instalação “Tropicália”, de Hélio Oiticica (1969), ícone da arte pop brasileira. Fora o fato de conhecê-la, agrega-se a ela outra frustração: por causa dessa mentalidade expositiva de total não-interação do público com as obras (o que não é exclusividade de Porto Alegre nem da Bienal), não é possível se embrenhar na instalação como originalmente pensou o artista. Como numa cena de crime, fica-se atrás de um cordão de isolamento admirando e comentando-se de longe aquilo que não se sabe por inteiro. Lembrei-me de uma grande mostra em que estive no Rio de Janeiro em 2014, a ArteVida (que, a rigor, valia por esta Bienal, em diversidade e tamanho), em que vi um dos famosos trapos dos “Parangolés” de Oiticica. Uma criança, corretíssima em sua mentalidade lúdica, vestiu-a e saiu “usando” a arte. Claro que foi repreendida. Pena.

Dali também ressalto poucas outras coisas realmente boas. Uma delas, “O Impossível”, a expressiva escultura em bronze de Maria Martins (1940); “O Dragão”, da porto-alegrense Karin Lambrecht, cuja técnica vale-se sempre de materiais orgânicos (neste caso, têmpera e ovo); “Plegabes”, do uruguaio Osvaldo Salerno (impressão sobre papel dobrado, 1982), inteligente em sua simplicidade; e a mesmo que evidente série “Fotomódulos” do paranaense Tony Camargo referenciando à (óbvia) interação corpo-arte dos “Parangolés” de Oiticica.
Nada espetacular, nada de cair o queixo. Do Gasômetro, as outras três mostras, que comentarei adiante, apresentaram, ao menos, mais ousadia. Quem sabe, até mais marginalia.

Detalhe de "Topicália".
Recado dado.

O bronze de "O Impossível".

"O Dragão" de Karen Lambrecht.

"Plegables", impreessão sobre papel dobrado.

Série de Tony Camargo inspirada nos icônicos Parangolés.