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terça-feira, 7 de junho de 2011

Antônio Carlos Jobim - "Urubu" (1976)



" Jereba é urubu importante como, aliás, todo urubu. Mas entre eles, urubus, observam-se prioridades. E esse um é o que chega primeiro no olho da rês. Sem privilégios. Provador de venenos, sua prioridade é o risco(...)"
Tom Jobim (trecho do texto da contracapa do disco)


Já consagrado, o maestro Antônio Carlos Jobim, embrenhava-se a partir do disco “Matita Perê” de 1973, por caminhos pouco explorados por sua obra, colorindo-a mais ainda de verde e amarelo. Não que seu trabalho, mesmo embasado no erudito e recheado de jazz não fosse legitimamente brasileiro; suas influências, suas cadências e sua levada indesmentivelemente sambista não deixam margem de dúvida, mas a partir daquele momento e especialmente com “Urubu” de 1976, Tom agregava à sua música elementos da natureza, da fauna e flora brasileiras, paisagens, tradições, cânticos regionais e instrumentos típicos. Provas disso são a gostosa “Correnteza” com seu jorro de frescor; a sutil sugestão de integração homem-natureza de “Arquitetura de Morar”; a evocação (meramente sonora) de paisagens em "Saudades do Brazil"; e sobremaneira a espetacular “O Boto” com sua introdução de berimbau que dá sequencia a um arranjo que imita natureza, incrementado por inserções de apitos e sons de pássaros, e versando sobre lendas e contos brasileiros.
Mas o disco não se resume a estas recentes brasilidades de Tom e traz canções mais tradicionais dentro de seu estilo e discografia como a romântica “Lígia”, a tristonha “Ângela”, o valseado forte de ”Valse” do filho Paulo Jobim e a intensa e dramática “O Homem” que encerra a obra.
Com arranjos de Claus Ogerman e acompanhamentos de sua orquestra, escolhidos pelo próprio Tom, “Urubu” mostra um compositor maduro e completamente senhor de si, brincando livremente com todo seu talento e técnica produzindo uma obra única e admirável.
Álbum para se ter me LP. Disco com lado A e lado B: o primeiro todo com os vocais roucos e característicos do mestre Tom, incluindo uma participação de Miúcha em "O Boto"; e o lado 2 somente com temas orquestrados instrumentais extemamente refinados e sofisticados.
Obra de arte!
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FAIXAS:

1- Bôto (Porpoise)
Antonio Carlos Jobim / Jararaca
2- Lígia
Antonio Carlos Jobim
3- Correnteza (The Stream)
Antonio Carlos Jobim / Luiz Bonfá
4- Ângela
Antonio Carlos Jobim
5- Saudade do Brazil
Antonio Carlos Jobim
6- Valse
Paulo Jobim
7- Arquitetura de morar (Architecture to live)
Antonio Carlos Jobim
8- O Homem (Man)
Antonio Carlos Jobim
 
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Ouça:
Tom Jobim Urubu




Cly Reis

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Stan Getz e João Gilberto - "Getz/Gilberto" (1964)


"...isto é bossa-nova,
isto é muito natural"
da letra de 'Desafinado'




A Bossa-Nova já era uma sensação nacional e João Gilberto já era seu representante mais significativo quando o estilo cameçou a despertar interesse também fora do Brasil. A sofisticação do ritmo, a singularidade da batida, a modernidade do conceito era algo que impressionava os americanos naquele final de década de 50 e no rastro desta descoberta internacional, seguiram-se diversas releituras, interpretações e parceiras. Provavelmente a mais marcante delas tenha sido a que envolveu o saxofonista norte-americano Stan Getz e o gênio brasileiro, do violão de voz maviosa, João Gilberto. Executando, na maioria, músicas de Tom Jobim, um dos mestres do gênero, com o próprio Tom ao piano, a dupla produziu algumas das melhores versões de clássicos da música brasileira no álbum "Getz/Gilberto" de 1964, combinando o violão notável de João e seu vocal ímpar, ao sax tenor grave e sedutor de Getz, conduzidos por vezes pela voz sensual, rouca, quase infantil de Astrud Gilberto, então esposa do cantor.
A propósito dela, sua interpretação para "Corcovado" é absolutamente fantástica! Não que em "The Girl from Ipanema", a outra cantada por ela no álbum, não seja ótima, mas aquele início ( "quiet night of quiet stars" ) é simplesmente de amolecer as pernas. Mas não só ela brilha em "Corcovado". João canta  de uma maneira emocionante e a entrada para o sax de Getz e , ah..., de tirar o fôlego.
Getz e João em 1963
Já a citada "Garota de Ipanema", mesmo no seu trecho em inglês, permanece graciosa como uma moça passeando pelo calçadão, com destaque especial nesta para o piano do mestre Antônio Brasileiro; em "Doralice" o vocal de João, fazendo as vezes de trumpete, conversa com o sax de Getz; "Pra Machucar Meu Coração" como propõe o título, é pra machucar mesmo, apaixonada e com um vocal sentido de João.
"Só Danço Samba" é bem ritmada e gostosa; em "O Grande Amor", ao contrário das demais, o sax de Stan Getz é que abre a canção se extendendo com um longo solo até dar espeço, primeiramente para a voz de João e depois para o piano de Tom, até voltar em um solo final arrebatador; a tristonha "Vivo Sonhado" tem um daqueles trabalhos vocais admiráveis de João nesta que é a canção de encerramento do disco; e "Desafinado", outro dos grandes clássicos da MPB, é mais um dos pontos altos do álbum com shows particulares de cada um: João com sua voz instrumental e sua batida perfeita de vioão, Getz com aquelas entradas extasiantes de seu poderoso saxofone e o maestro Tom Jobim derramando as notas de seu piano como um bálsamo sobre a canção.
Disco apaixonante. Um dos meus preferidos da discoteca. Obra prima do samba, da bossa e do jazz, ou de tudo isso junto. Daqueles que não apenas se ouve mas se saboreia. Ouvir a voz doce de Astrud, a leveza da de João e o sax envolvente de Getz é uma das melhores coisas que se pode querer num final de tarde de preferência com o sol desaparecendo atrás do Corcovado.
Sem dúvida o disco que fez definitivamente a música brasileira romper fronteiras com o ritmo/estilo/gênero que, com certeza, foi e é até hoje a maior contribuição brasileira para a música mundial.

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FAIXAS:
1."The Girl from Ipanema" (Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Norman Gimbel - versão) – 5:24
2."Doralice" (Dorival Caymmi, Antonio Almeida) – 2:46
3."Para Machucar Meu Coração" (Ary Barroso) – 5:05
4."Desafinado" (Tom Jobim, Newton Mendonça) – 4:15
5."Corcovado" (Tom Jobim, Gene Lees - versão) – 4:16
6."Só Danço Samba" (Tom Jobim, Vinícius de Moraes) – 3:45
7."O Grande Amor" (Tom Jobim, Vinícius de Moraes) – 5:27
8."Vivo Sonhando" (Tom Jobim) – 3:04
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Ouça:
Stan Getz e João Gilberto - "Getz / Gilberto (1964)


Cly Reis

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Antonio Carlos Jobim - "Wave" (1967)


Acima, a capa original
seguida da capa da reedição.
“O essencial é invisível aos olhos
 e só pode ser percebido
com o coração.”
Antoine de Saint-Exupéry


O ano de 1967 carrega uma aura mítica para a música moderna, pois marcou incisivamente a vida e a obra de artistas importantes e, consequentemente, da música em geral. Na Inglaterra, os Beatles mandam às favas o Iê-Iê-Iê e ousam dar um passo adiante com o lançamento de "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band", mudando para sempre a rota da música pop. Com semelhante peso, mas nos Estados Unidos, o The Velvet Underground, sob a batuta de Andy Warhol, surpreenderia o mundo com um LP de estreia onde casam rock, poesia, psicodelia, contracultura e vanguarda. Aqui no Brasil, também ventos de revolução: Gilberto GilCaetano VelosoMutantes e cia. lançam “Tropicália”, disco-manifesto do movimento tropicalista, que influenciaria todas as gerações seguintes de “emepebistas” e roqueiros brazucas e estrangeiros. Isso para ficar em apenas três exemplos.

Porém, 1967 também selaria a carreira de outro artista, experiente e já consolidado desde os anos 50: o maestro e compositor Antonio Carlos Jobim. Depois da exitosa estreia solo no mercado fonográfico norte-americano quatro anos antes, Tom havia antes disso ajudado a difundir para o mundo a já consagrada bossa nova. Para completar, ainda realiza, no início daquele mesmo ano, um feito jamais alcançado por um músico latino até então: gravar com o maior cantor popular de todos os tempos, Frank Sinatra. O disco “Francis Albert Sinatra and Antonio Carlos Jobim”, um sucesso de vendas, é tão definitivo que decreta, aliado ao desencanto de uma Rio de Janeiro que passou de paradisíaca a ditatorial com o Golpe de 64, além da força dos festivais, popularescos demais para a sofisticação da bossa nova, o fim da chamada primeira fase deste estilo. Então, para que caminho ir agora? Render-se ao poderio yankee e seguir produzindo uma música “made in USA” ou voltar para um Brasil linha-dura e atrasado tecnicamente simplesmente para não fugir às raízes?

O que para alguém menos preparado seria uma encruzilhada, para o “maestro soberano” foi resolvido de forma leve como uma onda que quebra mansa na praia. Ao invés de criar um paradoxo, Tom criou “Wave”, álbum gravado em apenas três dias do mês de julho daquele fatídico 1967 no célebre estúdio Rudy Van Gelder, em Nova York (uma antiga igreja adaptada cuja elogiada acústica presenciou sessões memoráveis do jazz, como "Night Dreamer"  de Wayne Shorter  e “Maiden Voyage”, de Herbie Hancock). Nele, se vê um artista inteiro e num momento de alta criatividade. Valendo-se de toda a técnica disponível somente naquele país até então, além de contar participações mais do que especiais – como a do mestre Ron Carter deixando sua assinatura faixa por faixa com seu baixo acústico, ou da fineza do spalla da Orquestra Filarmômica de Nova York, Bernard Eichen –, Tom apura ainda mais a sofisticação harmônica e melódica da bossa nova, seja nas composições inéditas ou nos novos arranjos para as antigas.

A começar pela faixa-título, que já nasce clássica. “Wave”, uma das mais conhecidas e celebradas canções brasileiras, abre o disco em seu primeiro e primoroso registro, dois anos antes de receber do próprio Tom a linda letra que a identificaria – e a qual, mesmo ouvindo somente os sons, é impossível não cantarolar ao escutá-la: “Vou te contar/ Os olhos já não podem ver/ Coisas que só o coração pode entender/ Fundamental é mesmo o amor/ É impossível ser feliz sozinho...”. Instrumental como praticamente todo o disco, mostra a beleza e o refinamento da orquestração do maestro alemão Claus Ogerman (que assina os arranjos), em sua terceira parceria com o colega brasileiro.

 Elegante, o disco resgata o legado da bossa nova, porém, sempre lhe trazendo algo a mais. Em “The Red Blouse” e “Mojave” (minha preferida), principalmente, nota-se a força da influência do primordial violão sincopado e dissonante de João Gilberto, tocado pelo próprio Tom – que ainda opera piano e cravo no disco. Vinicius, o outro protagonista da bossa nova, também se faz presente indiretamente na letra da única cantada do álbum: “Lamento”. Nova versão para “Lamento no Morro”, interpretada por Roberto Paiva na trilha da peça “Orfeu da Conceição”, que Tom compusera com Vinícius em 1956 –, é mais uma vez resultado do avanço proposto por Tom. Mesmo meses depois de gravar com a maior referência em voz da época, ele não se intimidou e pôs-se a fazer algo que não lhe era tão comum até então: cantar. Insatisfeito com sua primeira experiência vocal, no LP anterior, “The Wonderful World of Antonio Carlos Jobim” (1965), o maestro, ora veja!, voltou a estudar canto e respiração. O empenho resultou numa peça majestosa, que virou um marco da segunda fase da bossa nova. O lindo solo de trompete é um exemplo disso, uma vez que, pincelando-a com uma elegância toda jazzística, renova uma canção arranjada, em virtude do tema da peça original, como um samba de morro.

Há ainda “Dialogo”, um belo samba-canção em que o trompete e a trompa dizem notas sofridas um para o outro; “Look at the Sly” (regravação para “Olhe o Céu”), de perfeita harmonização entre orquestra e instrumentos solo; “Triste”, que, assim como a faixa-título, estreia aqui e viraria um clássico posteriormente – ainda mais na gravação de Elis Regina com o próprio compositor, sete anos depois; e “Batidinha”, um samba com os ares da Copacabana dos anos 50 fortes o suficiente para soprarem e serem sentidos na cosmopolita Big Apple. O disco termina alegre com a colorida “Captain Bacardi”, onde Tom aproxima Brasil, Cuba e Estados Unidos com leveza e sabedoria.

“Wave” é, por várias razões, um trabalho de homenagem à bossa nova mas, acima de tudo, um passo adiante na trajetória de seu autor e da música brasileira. Um disco que soube manter nova a bossa. Se Tom Jobim ainda sofria com a crítica dos detratores por fazer um samba sem personalidade e para estrangeiro ver, “Wave” se impõe com seu altíssimo refinamento e apuro, forjando uma obra tão homogênea que é impossível classifica-lo só como bossa nova, samba, jazz ou (termo que seria inventado tempo depois) world music. É, simplesmente, música, música sem fronteiras, daquelas que não perdem a validade e que poderia, se Tom estivesse vivo, ter sido gravada ontem sem se sentir a diferença de épocas. Ao mesmo tempo universal e fincada em suas raízes. Algo que só mesmo quem carrega “brasileiro” no nome poderia realizar, fosse no Brasil ou em qualquer parte do mundo.
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Os versos iniciais de “Wave”, contou Tom Jobim certa vez, surgiram de duas fontes: a primeira frase é de autoria de ninguém menos que Chico Buarque, a quem Tom entregara a música para que o amigo inventasse a letra. Porém, bloqueado, Chico não consegui passar do verso: “Vou te contar”. Cansado de esperar pelo parceiro, sobrou, então, o restante ao próprio Tom escrever, o qual se inspirou num texto do escritor infanto-juvenil francês Antoine de Saint-Exupéry extraído do clássico “O Pequeno Príncipe”, obra a qual Tom havia musicado em 1957 para a interpretação do ator e diretor teatral Paulo Autran.
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FAIXAS:
1. "Wave" - 2:51
2. "The Red Blouse" - 5:03
3. "Look To The Sky" - 2:17
4. "Batidinha" - 3:13
5. "Triste" - 2:04
6. "Mojave" - 2:21
7. "Diálogo" - 2:50
8. "Lamento" (Vinicius de Moraes/Tom Jobim) - 2:42
9. "Antígua" - 3:07
10. "Captain Bacardi" - 4:29

todas de Tom Jobim, exceto indicada
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Ouça:





segunda-feira, 13 de junho de 2016

Edu Lobo e Antonio Carlos Jobim - “Edu & Tom/Tom & Edu” (1981)




“Edu sabe música, orquestra,
arranja, escreve, rege,
 canta e toca violão e piano.
O Edu é um compositor fabuloso, formidável.”
Tom Jobim, sobre Edu Lobo


“Mais do que a alegria e o prazer deste trabalho,
 fica o orgulho de dividir alguns momentos da música
com o Brasileiro Antonio das águas de março,
do matita, do porto das caixas, do amparo, das luísas,
da sinfonia de Brasília, das saudades do Brasil.
O maior compositor da música popular
de todos os países.”
Edu Lobo, sobre Tom Jobim



Há momentos em que uma obra-prima surge do acaso. Não foi assim com o sonho em comum tido por Salvador Dali e Luís Buñuel na mesma noite e que os motivou a filmar “Um Cão Andaluz”? Ou o processo intuitivo de Jackson Pollock, que formava seus quadros com tintas de pura aleatoriedade? Pois em música acasos como estes também acontecem. Em 1981, Edu Lobo, cantor, compositor e arranjador, um dos mais criativos e respeitados artistas da música brasileira pós-Bossa Nova, estava de saída de sua então gravadora, a PolyGram. Como era de praxe, haveria de realizar um disco com a participação de vários artistas, como uma despedida festiva pelos anos de casa. Em cumplicidade com o produtor Aloysio de Oliveira, o primeiro a ser convidado sem pestanejarem foi Tom Jobim.

Num clima de admiração mútua, auxiliados pela direção não menos afetuosa e sábia de Aloysio, chamaram Tom para tocar piano em “Pra dizer adeus”, faixa de um dos primeiros discos de Edu, logo após esse ser descoberto por Vinícius de Moraes, no início dos anos 60. Tom o fez, mas não sem lançar contracantos, cantar alguns versos e ainda adicionar-lhe acordes, os quais passariam a partir dali a integrar a partitura da canção. Ou seja: chegou para uma participação e mudou a música para sempre. Ao final da gravação, visto que todos estavam felizes com o resultado e com a egrégora formada no estúdio, Tom pergunta: “Era só isso?”. Aloysio propôs, então, de modo a não desapontar o maestro, que se gravasse outra de Edu, desta vez, uma parceria com aquele que representava o elo entre os dois: Vinicius. Edu, claro, gostou da ideia.

Mandaram ver, então, “Canção do Amanhecer”, esta, do primeiro álbum de Edu, de 1965, dando à precoce parceria daquele jovem músico de 22 anos com o tarimbado e mítico poetinha uma versão amadurecida. A presença de Vinicius, como ele gostava de fazer com os amigos, mesmo que imaterial nesta ocasião só vinha a reforçar a afinidade entre Edu e Tom. Como no primeiro take, o resultado foi incrível novamente: sintonia pura, descontração e musicalidade aflorando. Quando termina, Tom capciosamente solta de novo a pergunta: “Era só isso?”. Aloysio, que conhecia bem o parceiro desde os anos 50 – época em que já compunham juntos clássicos como “Dindi” e “Inútil Paisagem” –, entendeu o recado e ligou para o executivo da gravadora. Estava claro que o “canto do cisne” de Edu Lobo na PolyGram não teria vários músicos convidados, mas apenas um: Antonio Carlos Jobim. O maior deles.

Com trabalhos solo recentemente lançados, ambos tinham poucas novidades em suas pautas. Uma das inéditas, entretanto, abre o lado A do LP: a graciosa “Ai quem me dera”, composição antiga de Tom em parceria com Marino Pinto até então guardada para uma ocasião especial. A ocasião surgiu. Sente-se o sabor dos primeiros temas da Bossa Nova, aquele mais carioca e gingado, com Tom e Edu cantando em uníssono com perfeição. É nítida a afinidade entre os dois. Outra de ânimo florescente é “Chovendo na Roseira”, composição instrumental de 1970 regravada por Elis Regina quatro anos depois com a participação de Tom e já com a letra lírico-ecológica do próprio autor. Aqui, esta valsa de cores tipicamente debussyanas (“Olha, que chuva boa, prazenteira/ Que vem molhar minha roseira/ Chuva boa, criadeira/ Que molha a terra, que enche o rio, que lava o céu/ Que traz o azul!”) recebe um tratamento harmônico de alto requinte. A voz de Edu se apropria de tal forma que parece um tema coescrito por ele.

Equilibrando as autorias – ora de um ora de outro com ou sem parceiros –, escolheram-se mais duas em que Tom assina letra e melodia. Uma delas é “Ângela”, das obras-primas do compositor. Tema da segunda fase da Bossa Nova presente no clássico disco “Matita Perê” (1973), a romântica e melancólica “Ângela” guarda traços da complexidade harmônica da música de Chopin. Ivan Lins, um dos ilustres aprendizes do “maestro soberano”, contou certa vez que esta é canção que ele gostaria de ter escrito – precisa dizer mais? A outra, igualmente lírica e impressionista, é “Luíza”, a segunda e última inédita do disco, das mais queridas do cancioneiro jobiniano e que abre o lado B do vinil. Composta recentemente por Tom para o tema de uma novela da Globo, de tão vigorosa, saiu neste álbum e ainda na trilha sonora da novela, ficando meses nos ouvidos dos brasileiros todos os dias sem que jamais tenha se desgastado. E que letra! “Rua/ Espada nua/ Boia no céu imensa e amarela/ Tão redonda a lua/ Como flutua/ Vem navegando o azul do firmamento/ E no silêncio lento/ Um trovador, cheio de estrelas/ Escuta agora a canção que eu fiz/ Pra te esquecer, Luiza...”.

Os parceiros de Tom e de Edu são de extrema importância no repertório afetivo escolhido pela dupla para este projeto quase acidental. É o caso de Chico Buarque. Assim como Vinicius, o autor de “Olhos nos Olhos” é outro que os liga musical e afetuosamente. Parceiro de Tom desde os anos 60, tivera a mão de Edu nos arranjos da trilha de sua peça/disco “Calabar/ChicoCanta”, em 1973. Mas, por incrível que pareça, toda a grande obra da parceria Chico-Edu, que hoje faz parte do inconsciente coletivo da música brasileira, veio somente depois de “Moto-contínuo”, esta, sim, a primeira dos dois, escrita naquele ano e lançada praticamente junto com a versão do álbum “Almanaque”, de Chico. Já na estreia da parceria, Chico se esmerava na letra, uma de suas melhores. Ao expressar em hipérboles a admiração intrínseca do homem pela figura feminina, lança, através de anáforas e epíforas (“Um homem pode...” e “se for por você”), versos da mais alta beleza poética: “Juntar o suco dos sonhos e encher um açude/ se for por você (...) Homem constrói sete usinas usando a energia/ que vem de você”. Ainda, Tom faz-se presente categoricamente, introduzindo neste samba cadenciado e denso ricos contracantos de seu piano e a voz em uníssono com Edu – com timbres muito parecidos, aliás.

Outros dois sambas melancólicos: “É Preciso Dizer Adeus”, de Tom e Vinicius (“É inútil fingir/ Não te quero enganar/ É preciso dizer adeus/ É melhor esquecer/ Sei que devo partir/ Só nos resta dizer adeus”), representando a reverência à parceria gênese de toda a geração da qual Edu pertence; e “Canto Triste”, mais uma dele com Vinicius, esta imortalizada, assim como “Chovendo...”, por Elis (“E nada existe mais em minha vida/ Como um carinho teu/ Como um silêncio teu/ Lembro um sorriso teu/ Tão triste”), fechando o disco de forma altamente melodiosa: só ao violão e a voz de seu autor.

Não sem antes, entretanto, registrarem a talvez melhor do disco: “Vento Bravo”. Faixa do obscuro e hoje cult “Missa Breve”, gravado por Edu em 1972, trata-se de uma composição feita com outro parceiro e amigo em comum com Tom: Paulo César Pinheiro. Em entrevista para o programa O Som do Vinil, do Canal Brasil, Edu comenta que não entendera bem porque Tom, que pedira para incluí-la no set-list, gostava tanto desta música. Parece, porém, evidente. A letra, com marcas da literatura regionalista – remetendo à prosa de Guimarães Rosa de “Sagarana” e a de Monteiro Lobato de “Urupês” –, confere estilisticamente com o que o próprio Pinheiro escrevera para Tom anos antes para a música "Matita Perê". As leis dos homens e da natureza, com emboscadas e perseguições, bem como a implacável ação do tempo, são marcas de ambas as obras. “Vento virador no clarão do mar/ Vem sem raça e cor, quem viver verá/ Vindo a viração vai se anunciar/ Na sua voragem, quem vai ficar/ Quando a palma verde se avermelhar/ É o vento bravo/ O vento bravo”, diz a letra, que narra a fuga de um escravo mata adentro. O refrão, melodicamente intrincado e encantador, ainda diz: “Como um sangue novo/ Como um grito no ar/ Correnteza de rio/ Que não vai se acalmar...”. Ao contrário da sinfônica peça de Tom, porém, traz uma melodia intensa baseada no som dos violeiros folclóricos do sertão. Remete ainda, no trítono do piano que lhe faz base, às trilhas de filmes e séries policiais norte-americanas dos anos 50/60, as quais Edu sempre soube adicionar à sua música com brilhantismo.

E como conjugar tanto talento, tanta sabedoria musical e sensibilidade artística e de tão vastos cancioneiros? Por incrível que pareça, nem sempre juntar isso resulta em boa coisa, pois se pode pecar para mais ou para menos. Em “Tom & Edu”, primeiro, a opção foi por uma estética limpa, enxuta. Nada de grandes bandas ou orquestra. Pretendeu-se, já que “só tinha de ser com você”, reproduzir o clima de admiração mútua. A ausência das cordas, que chegou a ser motivo de crítica à época do lançamento na “vira-latas” imprensa brasileira – que achava um desperdício dois regentes dispensarem a orquestração – é de um acerto categórico. Basicamente, ouve-se o piano de Tom e/ou de Edu, o violão de Paulo Jobim e Luiz Cláudio Ramos, o baixo dividido por Sérgio Barroso e Luiz Alves e apenas a bateria como percussão, tocada por Paulo Braga. Quando muito, o flugehorn impecável de Marcio Motarroyos, como em “Chovendo...” e “Vento...”. E, claro, o canto dos dois experientes artistas. A essência clássica de ambos, cujas musicalidades não à toa são parecidas, retraz naturalmente harmonias ao estilo de DebussyRavel, Bach e Villa-Lobos. Menos, para quem tem conteúdo, é sempre mais.

O segundo motivo de acerto do projeto é a presença de Aloysio como produtor. Parceiro dos dois de longa data, o ex-dono do selo mítico selo Elenco (pelo qual gravara e lançara inúmeros artistas fundamentais à MPB nos anos 60, entre os quais o próprio Edu Lobo) tinha a mão apurada nas mesas de som, conhecia com profundidade harmonia e composição, compartilhava-lhes do mesmo carinho e, principalmente, tinha maturidade para saber influir apenas no que devia. Afinal, quem ousaria mandar em Edu Lobo e Tom Jobim dentro de um estúdio? Tendo recentemente coordenado dois projetos de Tom semelhantes àquele (os discos com Miúcha de 1977 e 1981), Aloysio soube dar a arquitetura sonora certa às faixas.

Já mais satisfeito ao final das 10 gravações que acabava de ajudar a deixar para a história, Tom enaltece o pupilo: “Eu vos saúdo em nome de Heitor Villa-Lobos, teu avô e meu pai”. Edu, por sua vez, contou em entrevista que tem a felicidade de ter dito em vida a Tom de que este era o maior nome da música brasileira de todos os tempos, palavras que, segundo ele, emocionaram Tom. “De todos os arquitetos da música da música que conheço, Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim é, sem dúvida, o de traço mais amplo e perfeito”, pontuou o seguidor inconteste do maestro. Tanta identificação, tanta confluência entre os artistas, que somente o próprio Aloysio de Oliveira, no alto de sua sapiência, para saber definir: “Edu e Tom, Tom e Edu. E até, se você quiser, Tu e Edom”. Definitivamente, não foi por acidente que eles se juntaram para esse encontro, pois eram almas irmãs.

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FAIXAS:
1. Ai Quem Me Dera (Tom Jobim/Marino Pinto) - 2:13
2. Prá Dizer Adeus (Edu Lobo/Torquato Neto) - 4:41
3. Chovendo Na Roseira (Tom) - 3:24
4. Moto-contínuo (Chico Buarque/Edu) - 3:30
5. Ângela (Tom) - 3:10
6. Luíza (Tom) - 2:59
7. Canção Do Amanhecer (Edu/Vinicius De Moraes) - 3:30
8. Vento Bravo (Edu/Paulo César Pinheiro) - 4:16
9. É Preciso Dizer Adeus (Tom/Vinicius) - 4:18
10. Canto Triste (Edu/Vinicius) - 3:44

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OUÇA O DISCO





quinta-feira, 10 de agosto de 2023

João Gilberto - “Amoroso” (1977)

 

"Esse disco tem um pouco esses negócios que a gente precisava. Tem a música da orquestra, eu tinha tanta vontade de ouvir um samba tocado por orquestra. A coisa é por todos os lados, música por todos os lados, enquanto estou cantando. Toda vestida, toda redonda. Tinha tanta vontade de ver a música do Brasil mais diretamente, o samba daquele jeito, que não fosse só o delicado, que fosse redondo, ligado, assim como o Claus [Ogerman] fez." 
João Gilberto, em telefonema a Zuza Homem de Mello, em 1977


Poucas coisas em música são mais sofisticadas que a bossa-nova. Na segunda metade do século 20, nada supera. A sintaxe harmônica, fruto de séculos de assimilação histórico-sociológica que forjam o ser brasileiro, deram à bossa-nova o status de estilo musical mais arrojado depois da invenção do jazz. Exemplos desta sublimação não faltam. O encontro de perfeições entre Tom Jobim e Frank Sinatra; a insuspeita ponte entre clássico e moderno de Elizeth Cardoso em “Canção do Amor Demais”; a junção direta de cool jazz e samba de “Getz-Gilberto”; a brandura potente de Nara Leão em sua estreia no acetato.

Mas talvez todos estes exemplos tenham servido de embasamento para um produto ainda mais bem acabado: “Amoroso”, de João Gilberto. O disco, lançado pelo mestre baiano em 1977 e considerado por muitos sua obra-prima, consegue aglutinar os melhores elementos legados por todos os artistas da bossa-nova – inclusive o próprio João – tanto em arranjo, repertório quanto em, claro, execução. A começar pela química improvável cunhada e aperfeiçoada por ele próprio desde que “inventou” a bossa-nova. A genial síntese harmônica e rítmica, a simbiose entre violão e voz, a emissão do canto sutil e sem vibratos, a exatidão da dicção e dos timbres, a redefinição da métrica musical. João foi, num tempo, arquiteto e bruxo. 

Porém, “Amoroso” guarda peculiaridades que justificam ainda mais estas características joãogilbertianas que por si já seriam (eram, são) suficientes. Gravado no aparelhado Rosebud Recording Studio, no bairro do Brooklyn, em Nova Iorque, o disco tem participações que o engrandecem e favorecem o produto final. A começar pela produção de Helen Keane e Tommy LiPuma, este último, o premiado e lendário produtor de artistas como George Benson, Al Jarreau, Paul McCartney, Barbra Streisand e outros. Na banda de apoio, três gringos: Jim Hughart, no baixo; Joe Correro, bateria; e Ralph Grierson, teclados. O mínimo e o suficiente para João desfilar seu violão. Mas isso se junta a outro fator importantíssimo: a orquestra, arranjada e conduzida pelo brilhante alemão Claus Ogerman. Compositor de mão cheia, requintado e arrojado, Ogerman foi o responsável, dentre outros feitos, pelos arranjos dos memoráveis discos de Tom Jobim pela A&M Records, “Wave” e “Tide”, outros dois marcos da saga de sofisticação da bossa-nova na música mundial. Até a capa de “Amoroso”, algo externo às gravações, acompanha tal elegância: uma pintura de uma figura feminina em tons modernistas do artista trinitino Geoffrey Holder.

Cenário montado para João entrar com sua arte. No repertório, sagazmente escolhido a dedo por ele, de standarts do folclore norte-americano, passando por canções em italiano e espanhol até samba antigo e, claro, o cancioneiro bossanovista. Uma releitura de Gershwin abre o disco. Dois acordes dissonantes da orquestra: é “'S Wonderful”, escrita em 1927 para o musical “Funny Face”, que aqui ganha a pronúncia do inglês deliberadamente abrasileirada, que dá a este cartão-de-visitas um toque ainda mais próprio. É como se a letra funcionasse e suas palavras para a intrincada construção harmônica proposta ao se verter o popular song para o gingado do samba. Quanta sabedoria de João ao estender o corpo do perfil sonoro desde seu ataque até sua queda justa e sem ondulações. É a Broodway subindo o morro. 

A orquestra de Ogerman vem intensa e abre caminho para a voz e violão de João em “Estate”, num lindo arranjo que conta, além das cordas, madeiras e metais, com frases do teclado de Grierson. Levantando o astral – afinal, para ser “amoroso”, não precisa sempre sofrer chorando –, João resgata o saboroso samba da década de 40 do multiartista carioca Haroldo Barbosa, autor invariavelmente valorizado pelo criador da bossa-nova. “Tin Tin Por Tin Tin”, com seus marotos versos iniciais, fala de um rompimento de relação (“Você tem que dar, tem que dar/ O que prometeu meu bem/ Mande o meu anel que de volta/ Eu lhe mando o seu também”), mas de uma forma tão graciosa (e malemolente), que até dá a impressão de tratar-se de um amor feliz. O canto de João, que agrega sutis síncopes e vocalises, integra-se de tal forma ao toque do pinho, que parecem provir da mesma natureza. E quem há de dizer que não?

João Gilberto tocando "Tin Tin por Tin Tin", em vídeo do "Fantástico", à época do lançamento do "Amoroso"

Melancólico, o popular bolero “Besame Mucho”, de 1940, remonta ao México sentimental e apaixonado onde João viveu anos antes – país onde, inclusive, ele gravou o excelente disco “João Gilberto en Mexico” ou “Farolito”, de 1970. Mais uma vez, a orquestra carrega na intensidade mas, na sequência, engendra uma delicada transição para Joãozinho brilhar. Isso sem contar com a parte da orquestra no meio da música, nada menos do que deslumbrante. Não é exagero dizer que, a se considerar a inteligência melódica de João neste número, está-se diante de uma das cinco melhores interpretações deste tema incontáveis vezes regravado em todo o mundo.

Para finalizar a segunda parte ou o correspondente ao lado B do vinil original, João escolhe reverenciar aquele que é indiscutivelmente o mais importante compositor da bossa-nova: o amigo Tom Jobim. São de autoria dele as últimas quatro faixas, a metade do álbum, como a marcante versão do clássico “Wave” e a igualmente classuda “Triste”. Em ambas nada está fora do lugar. Tudo é perfeitamente exato. A voz calma, quase silenciosa, mas firme e inteira, se entrelaça às cordas e a banda numa combinação cristalina.

Além destas, outras duas parcerias do Maestro Soberano em que João destila sua personalidade ao mesmo tempo forte e sutil. Primeiro, uma emocionante “Caminhos Cruzados”, coescrita com Newton Mendonça, em que João arrasta o compasso, dando alto grau de sensibilidade para o romântico tema que fala de encontros e desencontros da vida amorosa. O filho musical Caetano Veloso, em seu “Verdade Tropical’, considera esta música uma das mais emblemáticas da bossa-nova, dizendo que “é uma aula de como o samba pode estar inteiro mesmo nas suas formas mais aparentemente descaracterizada; um modo de, radicalizando o refinamento, reencontrar a mão do primeiro preto batendo no couro do primeiro atabaque no nascedouro do samba”.  

A outra, que fecha o disco, é “Zingaro”, escrita em 1965 originalmente instrumental e que ganhou letra de Chico Buarque anos depois para virar “Retrato em Branco e Preto”. Nesta, João empresta dramaticidade à dolorida carta de despedida de um relacionamento: “Novos dias tristes, noites claras/ Versos, cartas, minha cara/ Ainda volto a lhe escrever/ Pra lhe dizer que isso é pecado/ Eu trago o peito tão marcado/ De lembranças do passado e você sabe a razão”. E desfecha: “Vou colecionar mais um soneto/ Outro retrato em branco e preto/ A maltratar meu coração”.

Compêndio de canções românticas de diversas vertentes, “Amoroso” é, acima de tudo, o refinamento daquilo que já era refinado. O “crème de la crème” da bossa-nova, esta corruptela do samba que já nasceu apurada. João, autor da batida-motriz do gênero, algo mecanicamente simples, mas musicalmente complexo visto que capaz de sugerir uma infinidade de fruições melódicas e harmônicas, avançou ainda mais com este disco. Se seu violão já era capaz de condensar o novo e o antigo, com a adição da orquestra esse poder simbólico da bossa-nova se redimensionou. Não se trata do pastiche americanizante do arranjo dos “samboleros” dos tempos da Rádio Nacional, descaracterizadores muitas vezes da raiz africana da cultura brasileira pela vergonha de si próprio, mas, sim, a modernidade em prol do estilo musical que abraçou a essência nacional e a propagou mundo afora. Consciente de seu papel policarpiano, João devolve ao samba a dimensão eloquente (aventada por Francisco Alves e Pixinguinha) que lhe foi negada. Assim como a bossa-nova, símbolo de um Brasil possível, João, como um Robin Hood, resgata o que é de direito desde que o samba é samba. Quem mais poderia supor a ligação de uma ponte assim, tão mágica e intrincada de se realizar? Somente um arquiteto ou um bruxo. João era os dois.

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“Amoroso” saiu conjuntamente com o disco “Brasil”, de 1981, já resenhado nos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS. em edição em CD em 1993, porém, mantendo-se como capa a sua arte e alterando-se apenas o enunciado do título para “Amoroso/Brasil”. As mesmas gravações de "Amoroso" aparecem também na íntegra, porém em ordem diferente e intercaladas com parte das faixas de "Brasil", na coletânea da série "Mestres da MPB - João Gilberto", editada em 1992.

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FAIXAS:
1. “'S Wonderful” (George Gershwin/Ira Gershwin) - 4:07
2. “Estate” (Bruno Brighetti/Bruno Martino) - 6:30
3. “Tin Tin Por Tin Tin” (Geraldo Jaques/Haroldo Barbosa) - 3:37
4. “Besame Mucho” (Consuelo Velaquez) - 8:43
5. “Wave” (Antonio Carlos Jobim) - 4:35
6. “Caminhos Cruzados” (Jobim/Newton Mendonça) - 6:12
7. “Triste” (Jobim) - 3:35
8. “Zingaro (Retrato em Branco e Preto)” (Jobim/Chico Buarque) - 6:23


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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

ClyBlog 5+ Artista/Banda


Qual a sua banda do coração?
Qual seu cantor predileto?
Qual a maior cantora, na sua opinião?
E aquele que não canta nada mas você curte assim mesmo?
E banda? Qual a maior banda de todos os tempos? Beatles ou Stones? (ou nenhum dos dois?)
Todo mundo tem os seus favoritos, não é? Por isso, na sequência dos especiais de 5 anos do clyblog  perguntamos a 5 amigos quais seus artistas de música prediletos, sejam eles cantores, cantoras, performers, bandas, instrumentistas, DJ's, etc. O que saiu disso foram mais algumas interessante listinhas dos nossos convidados.
Saquem só aí: clyblog 5+ artista/banda.



1. Renata Seabra
fotógrafa
(Rio de Janeiro/RJ)


"Nem preciso pensar. Sei bem minhas preferências
A lista é extensa mas meu 'top 5'' ta aí."

A Legião, banda de devoção 
quase religiosa dos fãs



1 - The Cure
2 - The Smiths
3 - Legião Urbana
4 - Metallica
5 - Chico Buarque







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2. Marcello Campos
jornalista e
escritor
(Porto Alegre/RS)


"Chico é o casamento perfeito de letra e música. 
Letra é sempre o menos importante, mas gênios como Chico me fazem prestar atenção no "conteúdo". 
Até porque são letras em que as palavras e a narrativa não são apenas legendas para a obra de arte abstrata, 
mas parte da própria construção formal.
Ed Motta, tal como um Hitchchcok da música brasileira,
é um exemplo de que se pode ser popular e sofisticado ao mesmo tempo, tal como um xis-burguer de cordeiro.
Parliament/Funkadelic, além dos grooves, me ensinaram que boa música dispensa a necessidade de boas letras e temas lógicos.
Ou seja, a boa e velha lição de que nem sempre se precisa levar as coisas a sério!
Rachmaninoff, o russo me despertou para a música clássica,
com um trabalho que influenciaria dois de meus ídolos supremos, Astor Piazzolla e Tom Jobim.
João Gilberto. A síntese. A beleza e o estranhamento que me fizeram ouvir um "clic", em 1980,
quando eu assistia distraidamente a novela "Água Viva" na Rede Globo.
Assim que ouvi "Wave", corri pra perguntar aos adultos quem era aquele cantor."



Chico Buarque



1 - Chico Buarque
2 - Ed Motta
3 - Parliament/Funkadelic
4 - Sergei Rachmaninoff
5 - João Gilberto






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3. Michele Santos
estudante de engenharia,
música e 
colaboradora do ClyBlog
(Viamão/RS)


"Ai que difícil!
Não pode ser duas listas de 5?
Listo mais 5 sem problemas."

1 - Pink Floyd
2 - The Rolling Stones
3 - The Allman Brothers
4 - Iron Maiden
5 - Guns'n Roses




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4. Márcio Pinheiro
jornalista e
crítico musical
(Porto Alegre/RS)
João Donato, destacado pelo
crítico Márcio Pinheiro


"Nem sei se o Chico é top.
Falei os cinco que mais ouço.
E por ouvir, ao longo da vida, diria que o top talvez fosse o Jorge Ben.
Jobim e Donato foram paixões velhas.
Já tinha 20 anos quando os descobri."

1 - Chico Buarque
2 - Tom Jobim
3 - João Donato
4 - Jorge Ben
5 - Caetano Veloso




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5. Paulo Roberto Guazzi
publicitário,
coordenador de eventos
e músico
(Rio de Janeiro/RJ)


"Eu tenho um gosto bastante eclético, mas acho que meus cinco principais são esses.
Beatles não poderia faltar. "



Não poderiam faltar os quatro rapazes de Liverpool
















1 - The Beatles
2 - The Rolling Stones
3 - Emerson, Lake and Palmer
4 - Black Sabbath
5 - Led Zeppelin






segunda-feira, 7 de junho de 2021

Ron Carter - "Third Plane" (1977)

 

"A frase 'The Sound of Jazz' é cogitada às vezes. Bem, para mim, 'The Sound of Jazz' é Ron Carter tocando quatro compassos em sequência."
Ethan Iverson, pianista de jazz

É inegável a magia dos trios de jazz. The Lester Young & Buddy Rich Trio, The Oscar Peterson Trio e Keith Jarrett Trio fizeram história ao longo das décadas, destacando-se invariavelmente pela união de três músicos afiados e entrosados entre si. Casando a proximidade pessoal e artística com a habilidade instrumental, outro estelar trio juntou-se, em 1977, para um célebre (re)encontro. Ron Carter, um dos baixistas mais aclamados e requisitados tanto do jazz quanto da música moderna – tendo gravado com centenas de músicos de primeira linha, como Miles Davis, Tom Jobim, Thelonius Monk, Gil Scott-Heron e Alice Coltrane – projetava seu nono álbum como band leader. Para tanto, convidou dois velhos conhecidos, ambos lendas da música assim como ele próprio: Herbie Hancock, piano, e Tony Williams, bateria. Acostumado com todos os tipos de formação, Carter havia experimentado de grandes bandas a duo em seus álbuns solo anteriores, mas, por incrível que pareça, ainda não com apenas outros dois acompanhando-o. Não deu outra: a mística do power trio se fez presente e o resultado é um dos mais emblemáticos discos de sua carreira: “Third Plane”.

A influência do Brasil mostra-se tão inegável quanto legítima para quem gravara discos históricos da MPB como “Wave”, de Tom (1967), “Hermeto” (1972), com Hermeto Pascoal, e “Seeds of the Ground”, de Airto Moreira (1971), dentre outros. Hancock e Williams, entretanto, não ficam para trás, haja vista a versatilidade de ambos e, principalmente, a proximidade de Hancock com a música brasileira. Desde 1968, ele já convivia de perto com Milton Nascimento, com quem, um ano antes de "Third...", inclusive, gravara o clássico “Raça”. Com essas influências, a faixa-título inicia o disco, que tem o contrabaixo de Carter comandando as ações. Williams engendra um ritmo sambado elegante, bossa novístico e bluesy ao mesmo tempo. De seu lado, Hancock é capaz de realçar linhas harmônicas que se põem no limite do erudito e da tradição pianística do jazz. Genial. Carter, por sua vez, justifica toda a herança do samba que tão bem aprendeu a carregar. Seu estilo único e expressivo de tocar enche a música de personalidade, o que, para ouvidos minimamente atentos, é impossível não perceber que é o baixista quem está tocando aquele que pode ser considerado um dos sons mais característicos do jazz mundial. 

A classe permanece, mas agora para uma balada romântica vaporosa e, literalmente, aquietadora. A atmosfera sensual de “Quiet Times”, um convite a uma noite de amor ao som de um jazz que parece bater ao ritmo dos corações, ganha ainda mais intensidade no dedilhado ondulante de Carter, que faz o ouvinte sentir cada nota, cada deslizar dos dedos pelo corpo do instrumento. O piano, inebriado, pontua notas e acordes ora dissonantes, ora extremamente oníricos. Tudo isso, enquanto Williams se esmera no acompanhamento das escovinhas sobre a caixa e os pratos.

O entrosamento entre Carter e sua pequena banda é visível e vinha de muito tempo. Eles já haviam se topado quase 15 anos antes, em 1963, quando integraram a banda de Miles Davis que excursionou com o trompetista e o saxofonista George Coleman pelos Estados Unidos e pela Europa. Com Miles, aliás, formariam, com a adição de Wayne Shorter ao sax, aquele que é considerado o melhor grupo de quatro músicos de jazz depois do "quarteto clássico" de Coltrane, responsável por obras memoráveis da segunda metade dos anos 60 como “Smiles”, “E.S.P.” e “Miles in the Sky”. Mais ou menos nesta época protagonizariam, ao lado de mais um craque, Freddie Hubbard, à corneta, outro ícone do jazz: “Empyrean Isles”, de Hancock. Tal química é o que se vê muito bem resolvida no bop moderno “Lawra” e em "United Blues", quando os três aproveitam o tema para lançar sua verve groove.

Novamente a alma brasileira de Carter surge, agora numa bossa nova romântica e classuda no melhor estilo Tom Jobim. É uma original versão para o standart “Stella by Starlight”. Não à toa, o piano de Hancock é que se destaca, reverenciando o "maestro soberano" como ele e Carter fariam em solo brasileiro juntamente com outros vários músicos no show “Tribute to Jobim” do Free Jazz Festival de 1993. Notam-se reminiscências das melodias de “Lígia” e “Ana Luiza”, emblemas da bossa nova jobiniana, mas agora para tematizar outra musa: tom melancólico e lírico e harmonia complexa num tema de paixão desenfreada. Areias de Copacabana na baía de San Francisco. 

O final é tão assertivo quanto juntar em um trio Carter, Hancock e Williams: “Dolphin Dance”, clássico do repertório de Hancock em que repetem o feito de “Maiden Voyage”, de 1965, quando a tocaram acompanhados de Coleman e Hubbard. A escolha do tema passa longe de soar como uma garantia de um bom encerramento, visto que se dedicam a interpretá-la com uma energia e paixão tão tocantes, que a diferenciam da original ou de qualquer outra versão que o tema tenha recebido. Blues, modal, cool, hard. Transformações rítmicas, conjunções harmônicas criativas... tudo se escuta na faixa derradeira de “Third...”, o qual tem como último acorde o sinuoso toque do tão referencial baixo de Carter. Um final perfeito para um disco igualmente irretocável.

Uma das qualidades dos trios de jazz está na superação de uma suposta deficiência: a ausência de um solista. Sem pelo menos um quarto membro, que equilibraria a formação com as três bases mais comuns – piano, baixo e bateria – mais um solo, a banda, com somente três integrantes, geralmente restringe-se apenas a estes instrumentos-base. Quando muito, um sopro, o que implicará, necessariamente, na supressão de algum daqueles três. Ou seja: é mais difícil de se compor a arquitetura sonora. Dessa “dificuldade”, entretanto, sai o trunfo dos grandes trios, que é justamente aproveitar-se desta composição mínima, atribuindo a todos a liberdade de preenchimento do espaço harmônico e solístico. Carter e seus parceiros mostram o quanto isso é possível quando se tem talento e paixão. A seis mãos, o que se escuta é mais do que três músicos dividindo o estúdio: é o atingimento de algo maior, imaterial. Um terceiro plano.

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FAIXAS:
1. "Third Plane" – 5:53
2. "Quiet Times" – 7:52
3. "Lawra" (Tony Williams) - 6:08
4. "Stella By Starlight" (Victor Young/Ned Washington) – 8:26
5. "United Blues" – 3:01
6. "Dolphin Dance" (Herbie Hancock) – 8:20
Todas as composições de autoria de Ron Carter, exceto indicadas


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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues