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segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

João Donato - "Quem é Quem" (1972)


“Senão ninguém cantava,
ninguém gravava.”
João Donato
sobre gravar pela primeira vez
músicas com cantadas por ele



Depois de ter atravessado os anos 60 vivendo na Califórnia, João Donato estava com saudades do Brasil. O cachê conseguido com os discos “A Bad Donato” e “Donato/Deodato“ (parceria com o também compositor e arranjador brasileiro Eumir Deodato e com participações de Airto Moreira, Randy Brecker e Ray Barreto) seria usado para pagar a passagem de volta. Chegou ao país como um nome das “internas” da bossa nova. Era um músico dos músicos, respeitado pelos seus pares mas pouco conhecido pelo público. Da convivência com o cantor Agostinho dos Santos, um grande incentivador de seu trabalho, nasceu a ideia de colocar letras nas suas músicas.

Assim, em 1972, surgiu “Quem é Quem”, disco que trazia a novidade de ter no repertório músicas com letras cantadas pelo próprio compositor, com destaque para “Até Quem Sabe”, “Mentiras” (as duas feitas em parceria com o irmão, Lysias Ênio) e “Chorou, Chorou” (com Paulo César Pinheiro).

Revigorado pela temporada americana, João Donato se sentia também mais seguro para dar às inspiradas melodias e letras os arranjos que, pela primeira vez, eram todos assinados por ele. Donato confessa que, na época, lembrava muito do seu amigo, o maestro Laércio de Freitas, um de seus principais incentivadores. “Ficava na dúvida sobre uma frase musical e perguntava: Laércio, é melhor isso ou isso? Ele respondia simplesmente: ‘Acredita!’”.

por Márcio Pinheiro

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FAIXAS:
1. Chorou, Chorou (Paulo César Pinheiro, João Donato) (2:40)
2. Terremoto (Paulo César Pinheiro, João Donato) (2:28)
3. Amazonas (Keep Talking) (João Donato) (2:10)
4. Fim De Sonho (João Carlos Pádua, João Donato) (3:39)
5. A Rã (João Donato) (2:31)
6. Ahiê (Paulo César Pinheiro, João Donato) (2:52)
7. Cala Boca Menino (Dorival Caymmi) (2:23)
8. Nãna Das Águas (Geraldo Carneiro, João Donato) (2:20)
9. Me Deixa (Geraldo Carneiro, João Donato) (2:18)
10. Até Quem Sabe? (Lysias Ênio, João Donato) (2:11)
11. Mentiras - com Nana Caymmi – (João Donato, Lysias Ênio) (4:15)
12. Cadê Jodel? (Marcos Valle, João Donato) (2:01)
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Ouça:
João Donato Quem é Quem



Jornalista gaúcho, Márcio Pinheiro é especialista na área de jornalismo cultural, principalmente literatura, história, televisão e música. Em duas décadas de profissão, passou pelas redações de Zero Hora, Jornal do Brasil, Jornal da Tarde, Gazeta Mercantil, RBS TV e TVCOM, além de ter colaborado com sites, jornais e revistas como Usina do Som, Jornal Musical, O Estado de S. Paulo, Showbizz, Placar e Revista Imprensa. Realiza trabalhos de redação e edição de textos para diferentes publicações e projetos em TV e cinema, tendo escrito o roteiro dos documentários “Mais uma Canção", sobre o cantor e compositor gaúcho Bebeto Alves, de 2013, e o premiado “Renato Borghetti - Quarteto Europa”, de 2010. Ocupa há cerca de 3 anos e meio o cargo de coordenador do Livro e da Literatura da Secretaria de Cultura de Porto Alegre.


segunda-feira, 24 de julho de 2023

Emílio Santiago & João Donato - “Emílio Santiago Encontra João Donato” (2003)

 

“João Donato é o maior músico do Brasil”
Tom Jobim

"Emílio Santiago é a voz do Brasil"
Roberto Menescal 


Não é errado dizer que “Emílio Santiago Encontra João Donato” reúne os dois maiores músicos brasileiros de todos os tempos. Foi Tom Jobim quem, do alto de sua autoridade de Maestro Soberano, disse isso de João Donato. Já sobre Emílio Santiago, não apenas amigos e parceiros do calibre de Roberto Menescal como até a ciência comprovam tal teoria. Conforme análises técnicas de sua voz por fonoaudiólogos, o cantor, por razões anatômicas e físicas, tinha a voz mais "perfeita" do Brasil. Se existem controvérsias ou subjetividades para ambas as avaliações, há de se considerar também que são muito respeitáveis. Independentemente se são realmente os melhores, o fato é que Donato, compositor, arranjador e multi-instrumentista, junto com Emílio, o intérprete favorito dos colegas, só podia resultar em um primor.

Realizado em 2003, 10 anos antes da morte prematura de Emílio, aos 67, e 20 da do mais longevo Donato, recém-falecido aos 88, o disco que reúne estes dois talentos incontestes é um presente deixado por ambos para a posteridade. A modernidade das melodias e harmonias de Donato, que hibridizou a essência da bossa-nova ao jazz latino através do toque sincopado do piano, ganha, aqui, o revestimento ideal na voz de Emílio. A sintonia, aliás, vem de muito tempo. No primeiro disco do cantor carioca, de 1975, é Donato que arranja e toca piano em boa parte, fora a autoria de “Bananeira”, esta última, inclusive, o tema que abre aquele álbum. Ou seja: Donato está na trajetória musical de Emílio desde o começo. Depois disso, nunca se perderam de vista. Emílio gravou o amigo acreano várias vezes, entre elas em 1977, no disco “Comigo É Assim”, chamando-o para arranjar e tocar “Nega”, ou para participações especiais no DVD “De um Jeito Diferente”, de 2007. 

O esmero de “Emílio Santiago Encontra João Donato” já começa pelo repertório: 14 temas de autoria de Donato. Sejam somente dele ou com parceiros da mais alta classe da MPB, de certa forma funcionam como uma amostra da trajetória compositiva de Donato ao longo daqueles então 54 anos de carreira. Caso de “Vento No Canavial”, que abre o álbum entregando já de pronto tudo aquilo que este se propõe. Dando a largada, um rico arranjo de metais característico de Donato, tomado de bom gosto na escolha das notas e alternâncias entre os sopros. A fineza sem igual da voz de Emílio, na sequência, entra para cantar os versos do irmão e corrente parceiro musical de Donato, Lysias Ênio: “Vento no canavial/ Sopra uma saudade assim/ Vento que vem me contar/ Que você não gosta mais de mim”. O toque do piano de Donato, algo sambado e caribenho ao mesmo tempo, também é uma marca inconfundível.

“E Vamos Lá”, de Donato e Joyce Moreno, sensualiza uma rumba que faz Emílio subir ao palco para gingar com a voz, brincando com modulações e tempos, o que fazia com maestria. Já em “E Muito Mais”, outro clássico de Donato e Ênio, vem novamente forte o latin jazz muito bem aprendido por Donato dos tempos de Estados Unidos e na convivência com músicos como Mongo Santamaría, Tito Puente e Bud Shank. O casamento harmonioso do toque do piano com o dos metais é pura classe, sem falar na adequação do vocal de Emílio, simplesmente perfeito.  

O bolero romântico “Nunca Mais” dá uma diminuída no ritmo da música, mas não do coração. Que beleza esta parceria de Donato com Arnaldo Antunes e Marisa Monte, top 5 entre as canções de autoria da carreira dos três. Feita para a voz de Marisa, que a gravou um ano antes em “Managarroba”, de Donato, aqui é Emílio, no entanto, que rouba para si a música. Mais duas da dupla Donato e Ênio: o irresistível cha-cha-cha “Então Que Tal”, rumbado e apaixonado; e o clássico “Até Quem Sabe”, faixa do célebre disco de Donato “Quem é Quem”, de 1972, quando se ouviu pela primeira vez a voz doce e pequena do autor numa gravação. Aqui, no entanto, não precisa, pois Emílio, senhor dos microfones, dá o devido tom a esta triste canção de despedida (“Até um dia, até talvez/ Até quem sabe/ Até você sem fantasia/ Sem mais saudade”).

Outro clássico do cancioneiro de Donato diversas vezes revisitado por ele é “Sambolero”, cuja original, somente instrumental, data de 1965. Noutro patamar, contudo, a letra de Carmen Costa, incluída nos anos 90, ganha o aveludado do vocal de Emílio, que desvela os versos no gogó: “Quero voltar/ A ver meu céu/ A ver meu sol, minhas estrelas a brilhar”. Já em “Everyday (A Little Love)”, num inglês perfeito, o cantor faz revelar um jazz ainda mais classudo e Broadway, desta vez acompanhando apenas o piano de Donato. 

Para “Os Caminhos” (com Abel Silva), Donato põe novamente os lindos arranjos de sopros atuando no ponto médio da arquitetura sonora, a qual é tão sofisticada e equilibrada formalmente, que dá liberdade para os músicos efetuarem sutis variações sem saírem da escala. Mesma observação para outras duas com Ênio: a animada “Pelo Avesso”, misto de Havana e Zona rural do Rio de Janeiro, e “Mentiras”, mais uma de “Quem é Quem”. Porém, se naquela ocasião quem a canta é Nana Caymmi num samba-canção melancólico, nesta nova versão Donato põe Emílio para deslizar sua vocalidade sobre um suingue funkeado semelhante aos do colega Arthur Verocai, outro craque dos arranjos na música brasileira.

Igual ao que Caetano Veloso fez quando escreveu e tocou “Surpresa” com Donato para seu “Cores Nomes”, em 1982, Emílio canta-a também somente sobre as notas salpicadas do teclado. A letra, pequena e sensual, diz assim: “Que surpresa/ Beleza/ Luz acesa/ Certeza/ Que saudade/ Verdade/ Já chegou/ Então/ Vem cá”. Se na primeira havia o timbre límpido do baiano, agora ganha-se na carga interpretativa de Emílio. 

Quase fechando, outros duas de Donato com parceiros. Primeiro, noutra com Arnaldo na não menos malemolente e a mais recente do repertório “Clorofila Do Sol (Planta)”. Mas claro, não podia faltar ele, que ficou para o gran finale: Gilberto Gil, aquele com quem Donato escreveu algumas de suas mais célebres canções, como “Emoriô”, “Ê Menina” e a própria “Bananeira”, o pontapé inicial da carreira de Emílio nos anos 70. Neste disco, porém, a escolhida foi outra clássica, e que não podia ser escolha melhor: “A Paz”. Emílio, que já havia capturado para si “Nunca Mais”, impõe novamente a mesma autoridade, dando à “Leila IV” – título da original da música, de 1986, quando ainda não havia ganhado letra de Gil e mudado de nome – a dimensão exata do intérprete: emocional, técnica, sensível. Perfeita. 

Que se trata do melhor disco brasileiro de todos os tempos, talvez seria exagero dizer. Mas que este trabalho marca o encontro de dois ases raros e irrecuperáveis, não o que negar. Completando 20 anos deste lançamento e 10 da morte de Emílio, a recente despedida de Donato faz evidenciar o quanto a música brasileira perdeu em riqueza nestas últimas duas décadas, seja na composição e instrumentalização, no seu caso, quanto na interpretação em relação ao colega. “Emílio Santiago Encontra João Donato” é, acima de tudo, um exemplar lapidado de onde a MPB chegou em termos de sonoridade, estética e inspiração. Como dizem os versos da canção, sem semear fantasia ou melancolia, o fato é que “nunca mais” haverá uma comunhão assim, de tamanho talento e representatividade. Nunca mais, nunca mais, nunca mais.

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FAIXAS:
1. “Vento No Canavial” (João Donato, Lysias Ênio) - 2:41
2. “E Vamos Lá” (Joyce, Donato) - 2:57
3. “E Muito Mais” (Donato, Ênio) - 2:52
4. “Nunca Mais” (Arnaldo Antunes, Marisa Monte, Donato) - 3:53
5. “Então Que Tal” (Donato, Ênio) - 4:03
6. “Até Quem Sabe” (Donato, Ênio) - 3:09
7. “Sambolero” (Carmen Costa, Donato) - 3:15
8. “Everyday” (Donato, Norman Gimbel) - 3:04
9. “Os Caminhos” (Abel Silva, Donato) - 3:42
10. “Pelo Avesso” (Donato, Ênio) - 2:53
11. “Mentiras” (Donato, Ênio) - 4:00
12. “Surpresa” (Caetano Veloso, Donato) - 2:14
13. “Clorofila Do Sol (Planta)” (Antunes, Donato) - 3:10
14. “A Paz” (Gilberto Gil, Donato) - 4:11



Daniel Rodrigues

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

João Donato - 1º Porto Alegre Jazz Festival – Parque da Redenção – Porto Alegre/RS (12/10/2014)



Água!

Chuva só se foi de musicalidade com o versátil e eclético João Donato no palco.
O temor era de que caísse um toró como ocorrera na manhã daquele domingo. O espetáculo estava marcado para as 11h, porém, ali pelas 9h, o tempo mostrava-se nublado mas estável, sem nenhuma chuva. Com a programação confirmada pelas redes sociais, fomos, Leocádia e eu, assistir ao principal e derradeiro dos shows gratuitos do 1º Porto Alegre Jazz Festival. E, ao contrário do que pudesse se esperar, não foram pingos que caíram sobre nós, mas um sol forte de mormaço que assolou o Parque da Redenção. O clima abafado, entretanto, não tirou o prazer de assistir a uma das lendas vivas da MPB e da música mundial: o pianista, acordeonista, arranjador, compositor e cantor acreano João Donato.

Com sua simpatia peculiar, Donato, um dos principais músicos brasileiros de todos os tempos, veio à cidade comemorando seus 80 anos de vida. Acompanhado de uma maravilhosa banda – Robertinho Silva, craque da bateria; Luiz Alves, baixo acústico; Ricardo Pontes, sax alto e flauta; e José Arimatéa, flughorn e sax tenor –, ele nos inundou com o que há de mais cristalino na música brasileira sintonizada com o mundo. Tudo compartilhado com o público com a sabedoria e a doce malandragem que sempre lhe foram características. Não à toa, o tema inicial do show foi “Amazonas (Keep Talking)”, clássico do álbum "Quem é Quem", de 1972, resenhado aqui no blog por Márcio Pinheiro. Sente-se nela o mambo cubano, o jazz fusion, a Bossa Nova, a soul music, tudo enredado num riff de piano inconfundível e solos magníficos de Donato, de Alves e dos dois sopros. Grandiosa como o rio que leva seu nome.

A sensação mágica de estar vendo João Donato ao vivo logo se ressalta. É assombroso perceber que justo aquele senhor animado e tomado de genialidade no palco é o ÚNICO compositor pré-Bossa Nova vivo. O único! Todos já se foram: Dolores Duran, Antonio Maria, Billy Blanco, Johnny Alf, Paulo Moura, Moacir Santos – e, claro, o próprio Tom Jobim, que foi pré, durante e pós-Bossa. Donato, este músico de formação tão erudita quanto popular, que viveu o boom da Bossa Nova mas logo se bandeou para os Estados Unidos para realizar obras referenciais como “A Bad Donato” (1970) e “Donato/Deodato” (em parceria com Eumir Deodato, de 1973), não só seguiu produzindo espantosamente nos anos 70, 80 e 90 afora como, está aí até hoje, desbravando oceanos.

Sensação mágica de estar vendo ao vivo
um dos maiores gênios da música brasileira.
Mas se o assunto era água, em seguida Donato chamou a todos para caírem na lagoa com “O Sapo”, outro marco de seu repertório que, na versão do show, não veio com a letra de Caetano Veloso (que a reintitula de “A Rã”), mas com o vocalise clássico – algo como: “Pã-rã-rã-rã/ Pã-rã-rã-rã-rá daza-inguê/ Daza-inguê-inguê guin-rin-gui-din/ Guin-rin-gui-din gui-din gon-ron-gon-don/ Gon-ron-gon-don pã-rã-rã-rã...” – que, até onde vai meu conhecimento, teve sua “letra” inventada por João Gilberto quando este a gravou em 1971 no disco “João Gilberto en Mexico”.

Vieram outras belezas de total musicalidade: “Rio Branco” (referência à cidade-natal do compositor mas não menos aquífera em conceito); a gostosa “Nasci para Bailar”, que trouxe novamente os ritmos caribenhos; a romântica “Até quem sabe”; o bop “Song of my Father”, do pianista norte-americano Horace Silver; e o samba cool “Café com Pão”.

Das celebradas parcerias com Gilberto Gil tivemos o privilégio de ouvir algumas das melhores. Primeiro, “Bananeira” (“Bananeira, não sei/ bananeira, sei lá/ a bananeira, sei não/ a maneira de ver...”), animada e cantada pela plateia. “Lugar Comum”, das mais belas do cancioneiro de ambos os músicos, veio em ritmo de bossa nova, como a água do mar batendo, como um “começo do caminhar pra dentro do fundo azul”. A sabedoria oriental desta (“Tudo isso vem, tudo isso vai/ Pro mesmo lugar de onde tudo sai...”) se reflete em outra parceria da dupla, “A Paz”, das preferidas do público. Esta, porém, quase foi estragada por uma participação (nada) especial do músico gaúcho Totonho Villeroy (ah, não pode mais chamar de “Totonho”? Tem que ser Antonio agora, pra dar o ar de “artista sério”? Puxa, desculpe, mas até João Donato o anunciou assim). Não fosse o espetacular riff, a melancólica e profunda letra de Gil (que remonta ao cinema de Ozu à "Rosa de Hiroshima" de Vinícius) e o primor da execução da banda, Villeroy, desatento e sem brilho, quase direcionou a bomba atômica que cairia sobre o Japão para Porto Alegre. Ele conseguiu, apenas cantando e no único momento em que esteve no show, errar a letra! E duas vezes! O público e Donato (este, com oito décadas nas costas) tiveram que lembrá-lo, como num karaokê. Ridiculamente desnecessário.

Ainda rolaram duas de autoria de Donato com Martinho da Vila, mostrando o quanto a natureza africana e rural do segundo se reflete na universalidade estilística do colega. Uma delas, “Suco de Maracujá”, um samba maxixado cuja engraçada letra, de estilo literário típico do compositor carioca, relata a preocupação de um homem prestes a se casar com uma mulher muito fogosa (“Pra me casar com você/ Eu vou ter que me cuidar/ Contratar um personal/ Treiner pra me acelerar”). E, dependendo das situações do cotidiano do casal, a dieta dele vai se alterando: “Quando a gente for deitar/ Um bom pó de guaraná/ Se a quentura tiver morna/ Come um ovo de codorna/ E se a noite for infinda/ Aí só Pau de Cabinda/ Se ela quiser bis no fim/ Pimenta no amendoim/ E depois pra me acalmar/ Suco de maracujá.” O outro samba, “Daquele amor nem me fale”, também chistosa, dá uma cutucada no Governo: “Posso até discutir religião/ Ou falar num domingo de sol/ Criticar a terrível inflação/ O machismo, o racismo a tortura/ Mas daquele amor, Nem me fale...”.

O show terminou com João agradecendo aos gaúchos por terem trazido o sol, mas não sem antes gritar seu tradicional jargão para que a banda finalize os números: “Água!”. Coincidência ou não com a chuva que se prenunciava e não precipitou, ouvimos isso duas vezes, uma delas, inclusive, na faixa que encerrou a apresentação abaixo de muito sol, a marchinha “O bicho tá pegando” (“O coro tá comendo/ O bicho tá pegando”), que instaurou um clima de dança de salão no parque.

Assistir João Donato, ainda mais já numa idade assim tão avançada (e que, pelo contrário, ele não parece ter), é realmente muito especial, pois fica ainda mais evidente nessas horas a grandiosidade da música brasileira, que, naturalmente, se posiciona entre todos os chamados “estilos” musicais. Donato é genuinamente jazz? É. E é genuinamente MPB? É também. É tudo – e mais um pouco. Tanto faz o rótulo. O fato é que saímos, com perdão do trocadilho, encharcados de boa música, de música pura, límpida. Tu és água, João Donato.







terça-feira, 9 de julho de 2019

É só isso, meu João (ou O Brado e o Silêncio ou A Rara Beleza)


Falar sobre João Gilberto é falar sobre o nada. O que equivale – rebuscando na filosofia clássica, oriental ou nagô – a falar sobre tudo. Pois impossível de se abarcar João em toda sua completude. Seu tamanho é gigante, por isso, incomensurável. Próximo ao nada. Afinal, não tem como medir a importância do legado que João nos deixa, como músico, como artista, como referência, como ícone.

Do tudo, denota-se o que nenhum artista foi capaz na música brasileira, nem Pixinguinha, nem Noel, nem Ary, nem Villa-Lobos, nem Chiquinha e nem o próprio companheiro de revolução bossa novística Tom. Sua importância é a de um sacerdote. Uma geração inteira de séquitos o seguiu, de Edu a Gal, de Chico a Macalé, de Donato a Paulinho, de Nara a Moraes. O seguiram e só existiram por causa dele. Além disso, em João há a força sintética de seu violão, que integra a modinha, o batuque, o terreiro, o jazz, o jongo, a valsa, o breque, o malandro, a África, o barroco, o sertão. O samba. O samba desde que é ele mesmo. Articulou chamar-se de João Gilberto o samba.

Ao mesmo tempo em que João é o tudo, também simboliza o nada. João é a ode ao silêncio. Como poucos, soube representar essencialmente o vazio. Como na pintura Rothko, no cinema de Antonioni, na pedagogia de Steiner, na arquitetura de Niemeyer. Sua ideia de silêncio difere em conceito da de Cage, cuja assimilação do nada é parte essencial para a desconstrução das mitologias. Em João, não. O silêncio, mais do que o “ma” oriental, que o yin do I Ching, é a oposição indissociável da matéria som. O silêncio (e o “não silêncio”, a nota, a cor) é o mito. Seu violão, assim, materializa a história da tradição arábica e grega, dos bardos medievais, dos trovadores galegos, dos cantadores lusos.

O calar e a fala do sambista do morro, do mar, do asfalto.

Limpa, baixa, sem sotaque, afinada nas minúcias e dona do tempo e do espaço a voz de João. Enganam-se sempre os que a ele atribuem “voz pequena”. Não entendem. A voz de João é um trovão domesticado de quem encerra o bel canto de Orlando Silva, a pronúncia miúda de Mário Reis, o sussurro cool de Chet Baker, a afinação Elizeth Cardoso, as orquestras da Rádio Nacional. O gogó de João vale por uma escola de samba. E por um suspiro.

A bossa nova salvou o Brasil nos anos 50. O Brasil de terceiro mundo substancialmente exportador de matéria-prima; o Brasil reconhecido pela habilidade com as pernas de um esporte popular mas “não nobre”; o Brasil de uma então recente e duradora escravatura; o Brasil continental isolado nas Américas pelo idioma. A bossa nova salvou o Brasil, e o salvou com aquilo que há de mais alto e expressivo na criação humana desde as cavernas: a arte. Depois dos acordes dissonantes de João, catalisadora das harmonias de Tom e da poesia de Vinícius, entramos, definitivamente, no mapa. Essa tal de bossa nova é foda, mesmo, Caetano!

Pouco se comparará em música à equação a que João chegou com a unidade voz-violão/violão-voz. Um bruxo – de Juazeiro. “Chega de Saudade” tem três ou quatro similares em importância e transformação na segunda metade do século XX – uma “Gesang der Junglinge”, de Stockhausen, uma “A Day in the Life”, dos Beatles; um “A Love Supreme”, de Coltrane. Poucos.

A rara beleza. Como um falsete de Milton, um acorde de Hendrix, uma pronúncia de Ella, uma harmonia de Stravisnky, um gracejo de Gil. Pouco, pouco mesmo se compara, talvez nem esses. De novo, enxergar o nada, como uma miragem às avessas, nos prejudica as avaliações. João é tudo isso, e é só isso. E não tem mais nada, não. E melhor do que isso, só mesmo o silêncio.


JOÃO GILBERTO PRADO PEREIRA DE OLIVEIRA
(1931-2019)



Daniel Rodriggues

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Emílio Santiago - "Emílio Santiago" (1975)

 

As duas versões da capa do disco
lançado pela CID em 1975

“Emílio Santiago, como o Rio de Janeiro, começou pronto. Pronto e total. O que é muito importante. Você não conta nos dedos cantores totais nascidos nesse hemisfério. Total, vocês já estão sabendo, é o que na gíria esportiva a gente diz ‘bate com todas’. Emílio Santiago canta qualquer gênero com um mesmo e espantoso desembaraço. Em Emílio Santiago cabem pontes equilibradas no espaço, como lhe fica muito bem as palmeiras imperiais do Jardim Botânico. Tudo se coloca em torno de Santiago, ele absorve e vira ele.”
Ronaldo Bôscoli, no texto original da contracapa

Em meados dos anos 70, todo mundo sabia que a chegada de Emílio Santiago ao cenário musical significava o ápice da arte do canto na música brasileira. Menos o próprio Emílio Santiago. Havia décadas que os tronos restavam devidamente ocupados: Roberto Carlos reinando para as massas; Orlando Silva, uma lenda vida; Cauby Peixoto emocionando plateias; Nelson Gonçalves mantendo a tradição da Rádio Nacional; Agnaldo Timóteo caprichando no “dó de peito”. Até que surgiu um cantor que não só reunia todas as qualidades de seus colegas quanto, ainda, era capaz de superá-los. Dono de uma voz de barítono que conectava num tempo potência, leveza e perfeição técnica, além de um timbre aveludado inconfundível, Emílio há muito impressionava. Embora sua fama já corresse havia um tempo, aquilo que todos desconfiavam aconteceu de fato somente em 1975, quando lança, pela Companhia Industrial de Discos (CID), seu álbum de estreia e se confirma como o mais completo talento masculino da arte de interpretar canções no Brasil.

Precisou, no entanto, que muita água passeasse debaixo da ponte para que o próprio Emílio se convencesse disso. Desde os anos 60, quando ainda estudante de Direito na Faculdade Nacional do Rio de Janeiro, sua cidade-natal, ele ansiava pela emancipação que seus antepassados não tiveram. Sabia que pertencia à primeira leva de negros brasileiros de uma recente classe média que chegava à universidade após séculos de escravidão e poucas décadas de liberdade. Não queria perder, portanto, a oportunidade de se tornar alguém reconhecido e, por isso, pensava em formar-se advogado ou até, quem sabe, diplomata. Porém, nem desconfiava que seria por outro caminho que este reconhecimento viria. Na faculdade, quando não estava em sala de aula estudando as leis, Emílio cantava nos bares em roda de amigos. Mas como o seu talento era evidente para os outros, mas não para o próprio Emílio, que relutava em se tornar um cantor profissional, por obra divina, quando as inscrições do festival de música da faculdade foram abertas, os amigos o inscreveram sem que ele soubesse. Resultado? Emílio participou e venceu o concurso, chamando a atenção dos jurados, entre eles, Beth Carvalho. 

A partir daí, a música já falava mais alto na vida de Emílio. Sua presença em festivais estudantis passou a ser frequente, ganhando todos os concursos dos quais participava. Formou-se em Direito, mas abandonou a toga para dedicar-se àquilo que agora ficava-lhe claro que havia ganho de sobra dos céus: a voz. Participou do programa de auditório de Flávio Cavalcanti, trabalhou como crooner da orquestra de Ed Lincoln e substituiu Tony Tornado quando este saiu para disputar o V Festival Internacional da Canção, no Rio de Janeiro. Já famoso no meio musical foi, então, que Emílio gravou, enfim, seu primeiro e aguardado disco. O prestígio era tamanho que ninguém quis ficar de fora daquele projeto, o qual reuniu músicos do mais alto gabarito como João Donato, Azymuth, Ivan Lins, Tita e Dori Caymmi, que fizeram questão de montar a cama para que sua voz de ouro brilhasse soberana.

O repertório, inteligentemente bem montado, trazia canções de compositores consagrados e de várias épocas e vertentes, mas não óbvias escolhas. Começava ali a se configurar um estilo de repertório que marcaria sua carreira. De Gilberto Gil, nada de consagradas como “Aquele Abraço” ou “Procissão”, e, sim, “Bananeira”, coautoria com Donato que, inclusive, conta com este ao piano elétrico e na assinatura do arranjo, de ares jazzísticos e certamente um dos mais brilhantes de toda a música brasileira. Emílio, depois de muito relutar, agora tinha plena noção de que seu debut devia ser à altura do tamanho que já alcançara. Por isso, “Bananeira” é mais do que somente a faixa de abertura do álbum, e, sim, um “cartão de visitas”. Samba-funk com cores da soul como é típico dos sopros em tons médios de Donato, tem, no entanto, na voz elástica de Emílio uma prova de que estava ali o cantor mais versátil que a MPB via até então. E que “cozinha”: Ariovaldo e Orlandivo na percussão; Vitor Assis Brasil, Zé Bodega e Aurino Ferreira no sax; Carlos Roberto Rocha e Durval Ferreira na guitarra; Edson Maciel, no trombone; e Marcio Montarroyos no trompete!

Muita classe para interpretar o samba-dark de Nelson Cavaquinho “Quero alegria”, dando ao partido-alto um tom de bossa-jazz, o qual conta novamente com Donato no arranjo e electric piano, mais o arranjo de cordas de Dori. Ainda, o baixo magistral do “Clube da Esquina” Novelli e a bateria igualmente classuda de Wilson das Neves marcando o ritmo. A melodiosa “Porque Somos Iguais”, com a participação de outros craques – a guitarra de Helio Delmiro, a bateria de Ivan Conti "Mamão" e a flauta de Danilo Caymmi, além do arranjo do irmão Dori – é mais uma prova da capacidade interpretativa de Emílio, bem como ”Batendo a porta”, outro samba que vem na sequência. De autoria da certeira dupla Paulo César Pinheiro e João Nogueira, aqui, é à malandragem que o ex-office boy morador do subúrbio recorre para cantar com a malemolência que o carioca tem. O célebre refrão (“Pode tentar, pode me olhar, pode odiar/ E pode até sair batendo a porta/ Que a Inês já é morta do lado de cá”), conhecido na voz potente de Nogueira, ganha na versão de Emílio uma elegância insuperável. Novamente, que arranjo de Donato! E ainda conta com os serviços de Copinha, lenda da flauta.

O primeiro lado do LP ainda traz Emílio cantando uma das duas de Ivan Lins no disco, “Depois”, com arranjo e piano do próprio e o acompanhamento do grupo Modo Livre. Fortemente combativo à Ditadura Militar em suas canções à época, Ivan não amolecia nesta. O que os milicos achavam tratar-se de uma lamúria romântica, era, na verdade, um recado de resistência: “Não vou no teu segredo eu já sei/ Vou aumentar teu medo eu bem sei/ Não me arrependo e fico na lei/ A culpa só se pune uma vez”.

Depois de virar o vinil num samba-canção “barra pesada”, mais uma surpresa, que demonstrava toda a versatilidade e inteligência de repertório de Emílio. Assim como iniciou o disco, com uma autoria de Gil e Donato menos óbvia, na segunda metade ele faz o mesmo, porém com outro consagrado compositor da música brasileira: Jorge Ben. “Taj Majal”? “Fio Maravilha”? “Chove Chuva”? Como diria o próprio Ben, “mas que nada”! Emílio simplesmente regrava a improvável “Brother”, do cultuado disco “A Tábua de Esmeraldas”, gravado por Ben um ano antes mas que, até então, ninguém havia sondado em explorá-la. E o faz resgatando a tarimba de crooner ao desenvolver num belo inglês a letra original deste gospel transformado em samba-rock. As ajudas, também, são à altura: a lendária Azymuth na base, Assis Brasil no sax alto; Delmiro na guitarra; Zé Bodega no sax barítono; percussão de Orlandivo e Ariovaldo mais Chacal; e um coro que conta, entre as vozes, com as de Lucinha Lins e as irmãs Jurema e Nair. Pouco mais de 2 min de puro suingue e maestria.

A rumba “La Mulata”, dos irmãos Valle, quebra mais uma vez a linearidade e transporta o ouvinte para um novo universo. E quando se fala em ritmo latino, claro que Donato estaria presente. É ele quem, novamente, assina o arranjo e ataca nos teclados, enquanto os sopros conversam entre si e a sessão rítmica, composta pelo trio da percussão Wilson, Ariovaldo e Orlandivo, garante o sacolejar dos quadris. Noutro samba de morro, a clássica “Nega Dina”, de Zé Keti, repete-se o primor de Emílio para este tipo de tema. Aqui, no entanto, Donato com ginga nos teclados (mais a graciosa flauta de Copinha) garante um arranjo orgânico, com breques insuspeitos e compasso propício para Emílio desfilar seu barítono invejável.

Ivan Lins, que havia concluído o lado A, volta agora a ser interpretado noutro samba ainda mais mordaz: “Doa a quem doer”. “Eu não sei ganhar/ Que eu só sei perder/ Que eu não sei matar Eu só sei morrer (...)/ Nessa escuridão/ Quero me acender/ Quero me atiçar/ Doa a quem doer”. Precisa dizer mais? Arranjo magistral de Gilson Peranzzetta, que trabalhava à época com Ivan em seus discos, e a Modo Livre de Joãozinho, Luiz Carlos, Wagner Santos e cia. se despede do disco, que já vai chegando ao final. E que final! O que começa como uma balada somente ao violão, “Sessão das Dez”, vai aos poucos evoluindo para um blues pra lá de sensual. O vozeirão de Emílio, quase sussurrado na primeira parte, faz arrepiar. Arrepia também o sax intenso do genial Assis Brasil, o violão da autora Tita e o electric piano de Laércio de Freitas, que assume somente para esta faixa o arranjo, inclusive das cordas, comandadas pelo germânico-brasileiro Peter Dauelsberg. Cazuza certamente se inspiraria muito neste tema anos mais tarde.

A admiração da crítica e do meio artístico Emílio já tinha antes de lançar sua marcante estreia fonográfica. Outros belos discos vieram na sequência, porém, o sucesso comercial demorou. Voz e qualidade musical tinha de sobra; precisava era acertar o conceito. Foi, então, somente na segunda metade dos anos 80, que Emílio obteve o verdadeiro reconhecimento das massas com a série “Aquarela Brasileira”, lançada pela Som Livre e produzida por Roberto Menescau. Os pout-pourri de sambas-enredo e o repertório pop com músicas como “Você é Linda”, “Bem que se Quis” e os megahits “Saigon” e “Verdade Chinesa” caíram nas graças do público e Emílio vendeu como jamais havia conseguido. No entanto, os admiradores de antes torceram o nariz para a “plastificação” da sua sonoridade, bastante pobre na comparação com trabalhos antigos. 

Independentemente dessa discussão, Emílio forçou que se providenciasse um novo trono no panteão dos grandes cantores da MPB. Gay, preferiu em toda a carreira a discrição como fizeram Johnny Alf e Assis Valente, artistas negros como ele igualmente sabedores do preconceito que sofreriam. Ainda ganharia um Grammy Latino como melhor álbum de Samba-Pagode por “Só Danço Samba Ao Vivo”, de 2011, até sofrer um AVC dois anos mais tarde, que tirou sua vida prematuramente aos 66 anos. Como se vê, não fosse o abreviamento do destino, Emílio Santiago estaria produzindo e logrando reconhecimentos como fez desde que entendeu que o mundo inteiro cabia em sua voz.

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FAIXAS:
1. Bananeira (Gilberto Gil, João Donato)
2. Quero Alegria (Guilherme de Brito, Nelson Cavaquinho)
3. Porque Somos Iguais (Pedro Camargo, Durval Ferreira)
4. Batendo a Porta (Paulo César Pinheiro, João Nogueira)
5. Depois (Otávio Daher, Ivan Lins)
6. Brother (Jorge Ben)
7. La Mulata (Paulo Sergio Valle, Marcos Valle)
8. Nega Dina (Zé Keti)
9. Doa a Quem Doer (Ivan Lins)
10. Sessão Das Dez (Édson Lobo, Tita, Renato Rocha)

Daniel Rodrigues

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

ClyBlog 5+ Artista/Banda


Qual a sua banda do coração?
Qual seu cantor predileto?
Qual a maior cantora, na sua opinião?
E aquele que não canta nada mas você curte assim mesmo?
E banda? Qual a maior banda de todos os tempos? Beatles ou Stones? (ou nenhum dos dois?)
Todo mundo tem os seus favoritos, não é? Por isso, na sequência dos especiais de 5 anos do clyblog  perguntamos a 5 amigos quais seus artistas de música prediletos, sejam eles cantores, cantoras, performers, bandas, instrumentistas, DJ's, etc. O que saiu disso foram mais algumas interessante listinhas dos nossos convidados.
Saquem só aí: clyblog 5+ artista/banda.



1. Renata Seabra
fotógrafa
(Rio de Janeiro/RJ)


"Nem preciso pensar. Sei bem minhas preferências
A lista é extensa mas meu 'top 5'' ta aí."

A Legião, banda de devoção 
quase religiosa dos fãs



1 - The Cure
2 - The Smiths
3 - Legião Urbana
4 - Metallica
5 - Chico Buarque







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2. Marcello Campos
jornalista e
escritor
(Porto Alegre/RS)


"Chico é o casamento perfeito de letra e música. 
Letra é sempre o menos importante, mas gênios como Chico me fazem prestar atenção no "conteúdo". 
Até porque são letras em que as palavras e a narrativa não são apenas legendas para a obra de arte abstrata, 
mas parte da própria construção formal.
Ed Motta, tal como um Hitchchcok da música brasileira,
é um exemplo de que se pode ser popular e sofisticado ao mesmo tempo, tal como um xis-burguer de cordeiro.
Parliament/Funkadelic, além dos grooves, me ensinaram que boa música dispensa a necessidade de boas letras e temas lógicos.
Ou seja, a boa e velha lição de que nem sempre se precisa levar as coisas a sério!
Rachmaninoff, o russo me despertou para a música clássica,
com um trabalho que influenciaria dois de meus ídolos supremos, Astor Piazzolla e Tom Jobim.
João Gilberto. A síntese. A beleza e o estranhamento que me fizeram ouvir um "clic", em 1980,
quando eu assistia distraidamente a novela "Água Viva" na Rede Globo.
Assim que ouvi "Wave", corri pra perguntar aos adultos quem era aquele cantor."



Chico Buarque



1 - Chico Buarque
2 - Ed Motta
3 - Parliament/Funkadelic
4 - Sergei Rachmaninoff
5 - João Gilberto






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3. Michele Santos
estudante de engenharia,
música e 
colaboradora do ClyBlog
(Viamão/RS)


"Ai que difícil!
Não pode ser duas listas de 5?
Listo mais 5 sem problemas."

1 - Pink Floyd
2 - The Rolling Stones
3 - The Allman Brothers
4 - Iron Maiden
5 - Guns'n Roses




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4. Márcio Pinheiro
jornalista e
crítico musical
(Porto Alegre/RS)
João Donato, destacado pelo
crítico Márcio Pinheiro


"Nem sei se o Chico é top.
Falei os cinco que mais ouço.
E por ouvir, ao longo da vida, diria que o top talvez fosse o Jorge Ben.
Jobim e Donato foram paixões velhas.
Já tinha 20 anos quando os descobri."

1 - Chico Buarque
2 - Tom Jobim
3 - João Donato
4 - Jorge Ben
5 - Caetano Veloso




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5. Paulo Roberto Guazzi
publicitário,
coordenador de eventos
e músico
(Rio de Janeiro/RJ)


"Eu tenho um gosto bastante eclético, mas acho que meus cinco principais são esses.
Beatles não poderia faltar. "



Não poderiam faltar os quatro rapazes de Liverpool
















1 - The Beatles
2 - The Rolling Stones
3 - Emerson, Lake and Palmer
4 - Black Sabbath
5 - Led Zeppelin






terça-feira, 22 de abril de 2014

Os 15 Melhores Discos Brasileiros de Música Instrumental

Hermeto Paschoal, presente em 3 discos da lista,
"Em Som Maior", "tide" e o seu, "Hermeto".
Nessas brincadeiras diletantes de criar listas sobre os mais diferentes temas musicais nas redes sociais (10 melhores show assistido no Teatro da Ospa, 10 melhores discos de jazz da ECM, 10 melhores músicas contra a ditadura militar, 10 músicas chatas do Chico Buarque, 10 melhores discos de soul music, e por aí vai) fui instigado a montar uma que, num primeiro momento, titubeei. “Será que eu saberia compor uma com esse tema?”, pensei. Tratava-se do “Melhor Disco Instrumental de Música Brasileira”. Mesmo com meu conhecimento musical, que não é pouco, teria eu embasamento suficiente para criar uma lista interessante e, além disso, suficientemente informada a esse respeito? Pois, para minha própria surpresa, a lista saiu, e bem simpática, diga-se de passagem. Além de não se prender a um estilo musical específico (o que se chamaria burramente de “música instrumental brasileira” pura), típico de minha forma de enxergar a música e a arte, acredito que minha listagem não ficou pra trás em comparação a de outros que se empolgaram e publicaram as suas também.
Claro que tem muita coisa que não consta na minha lista que vi na de outros, pois certamente ainda tem muito o que se conhecer dentro do mar de maravilhas sonoras que existe. Raul de Souza, Barrosinho, Os Cobras, Victor Assis Brasil, Djalma Correa e Edison Machado, por exemplo, nem cito, pois não tive o prazer ainda de conhecer seus trabalhos a fundo ou ponto de saber selecionar-lhes um disco representativo. Mas acho que, afora o gostoso dessa prática quase infantil de elencar preferências, tais lacunas são justamente o papel dessas listas: abrir novos paradigmas para que novas revelações se deem e se passe a conhecer aquele artista ou banda que, quando se ouve pela primeira vez, se pensa com surpresa e excitação: “Cara, como que eu nunca tinha ouvido isso?!” Se algum dos títulos que enumero causar essa sensação nos leitores, já cumpri meu papel.

Aí vão, então os meus 15 discos preferidos da música brasileira instrumental, mais ou menos em ordem:


1 – “Maria Fumaça”, da Banda Black Rio (1977)


2 – “Coisas“, do Moacir Santos (1965)
3 – “A Bed Donato”, do João Donato (1970)
4 – “Wave”, do Tom Jobim (1967)
5 – “Em Som Maior”, da Sambrasa Trio (1965)


6 – “Revivendo”, do Pixinguinha e os Oito Batutas (1919-1923 – coletânea de 1895)
7 – “O Som”, da Meirelles e os Copa 5 (1964)
8 – “Donato/Deodato”, do João Donato e Eumir Deodato (1973)
9 – “Sanfona”, do Egberto Gismonti (1981)
10 – “Light as a Feather”, da Azymuth (1979)
11 – “Jogos de Dança”, do Edu Lobo (1982)
12 – “Opus 3 No. 1”, do Moacir Santos (1968)
14 – “Tide”, do Tom Jobim (1970)


15 – “Hermeto”, de Hermeto Paschoal (1971)






quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Gal Costa - "Cantar" (1974)


Canto, Recanto

"Gal é uma das grandes
personalidades da nossa história.
As Dunas da Gal, o Vapor Barato, ‘a mulher mais elegante do Brasil’
(no dizer de Danuza Leão na época),
Baby, Divino Maravilhoso, Índia:
todo um mundo brasileiro do qual
não podemos abrir mão
se quisermos ser o que devemos ser."
Caetano Veloso



Caetano Veloso é, como todos sabem, irmão de Maria Bethânia. Mas sua ligação e sinergia musicais com Gal Costa talvez sejam até maiores do que com a cosanguínea. Baiana como ele, poucos anos mais nova mas da mesma geração, foi com Gal que o cantor e compositor gravou seu primeiro disco, “Domingo”, de 1966 – embora o elo, inclusive familiar, já viesse de antes. Além disso, no entanto, foi Gal quem, embarcada com os dois pés no Tropicalismo liderado por ele e Gilberto Gil na segunda metade dos anos 60, manteve acesa a explosão transgressora e criativa aberta pelos tropicalistas quando do exílio da dupla em Londres de 1969 a 1972. Ao contrário de Bethânia – que sempre soube seguir o seu caminho fugindo ao máximo das rotulações e estereótipos –, Gal por escolha não só segurou a barra enquanto única remanescente da formação original da Tropicália durante os anos de chumbo da Ditadura como, mais ainda, avançou a MPB em todos os sentidos, da confluência de estilos e referências (objetivo-fim tropicalista) a, obviamente, sua própria arte maior: a técnica do canto.

Não se começou a falar em Caetano Veloso num texto sobre Gal Costa à toa. Como aconteceria no espetacular "Recanto" – disco de 2012 cujo diálogo estreito com este forma um díptico de 38 anos de ínterim –, é o quase-irmão Caetano quem dá o tom do “cantar” de Gal. Produzido por ele em parceria com outro mestre da retaguarda tropicalista, Perinho Albuquerque, é um disco totalmente maduro da talentosa cantora, já deixando a extravagante e raivosa Gal do início da Tropicália um pouco para trás. Aqui, ela está dona de si, de seu conceito como artista e do posto de maior cantora de seu tempo ao lado de Elis Regina, também no auge à época. E Caetano, dirigindo um projeto para ela pela primeira vez (até então haviam exercido tal função Wally Salomão, Jards MacaléRogério Duprat e Guilherme Araújo), é um pouco responsável por esse amadurecimento.

Desfilam pelo disco músicos de primeira linha, como o genial João Donato, o mestre da raça Gil, o “Clube da Esquina” Noveli, o baterista Tuty Moreno e, claro, os próprios Perinho e Caetano. O resultado é um álbum resplandecente, florido como sugere a belíssima arte forjada pelo artista visual Rogério Duarte. A contestação de “Divino, maravilhoso”, a fúria de “Eu sou terrível”, a psicodelia de “Dê um role” ou a estridência de “Meu nome é Gal”, agora, refazem-se, remolduram-se. Estão ali, porém sob outro olhar. Um sopro de pólen colorido no negror dos anos de chumbo.

O começo não é nem um desabroche: é a flor já em pleno estado de vida. “Barato Total”, hit do álbum, é das melhores músicas de Gilberto Gil cujo presente não se encerra somente no fato de este tê-la dado especialmente para a amiga. Gil também empunha o violão durante a faixa, e Gil ao violão sabe-se como é, né? Além de sua altíssima técnica que une a batida de João Gilberto ao ritmo frenético do rock – e mais o congado, o maxixe, o jazz e o baião –, o grande compositor simplesmente arrasa nas cordas, sustentando a melodia num toque swingado e cheio. É tão intenso que, na regravação feita por Gal com a Nação Zumbi, em 2004 (também produzida por Caetano), bastou à banda traduzir para os tambores pernambucanos a batida de violão de Gil. A letra traz, já na abertura do disco, a mesma ideia de ressaltar a beleza da vida para além de toda a situação política e moral do país: “Quando a gente tá contente/ Tanto faz o quente, tanto faz o frio, tanto faz”. E finaliza, numa exclamação: “Quando a gente tá contente/ Nem pensar que está contente a gente quer/ Nem pensar a gente quer, a gente quer/ A gente quer, a gente quer é viver”.

Como todo grande disco, “Cantar” larga com uma de encher os olhos. O que virá a seguir superará ou se equiparará? Pois o lirismo da cantora estava realmente germinado. Ela arrebenta na interpretação da clássica “A Rã”. É a primeira das quatro de autoria de Caetano no disco, e justo uma em parceria com outro personagem fundamental desta obra: João Donato. Ele, além desta, assina o arranjo da canção de ninar que finaliza o disco, “Chululu” (de autoria da mãe de Gal, Mariah Costa, que costumava cantá-la para a filha na infância), e de outras duas: “Até quem Sabe”, só piano e voz, lindíssima e altamente erudita; e “Flor de Maracujá”, um soul funkeado ao estilo de “A Bed Donato” (referencial álbum gravado pelo acreano nos Estados Unidos em 1970). Esta, última do lado A do vinil, dialoga maravilhosamente com a primeira da segunda face: “Flor do Cerrado”, que, assim como “Barato Total” é das melhores composições de Gil não gravadas por si próprio, também é das mais belas de Caetano nunca registradas por ele mesmo. Letra de poesia caetaneana, vocal cristalino de Gal e uma rica incursão do autor contracantando “Garota de Ipanema”, de Tom e Vinícius. No refrão, ainda, Gal, afinadíssima, executa um portamento de notas muito bonito e técnico, subindo gradualmente até finalizar lá em cima da escala na última palavra: “Mas da próxima vez que eu for a Brasília/ Eu trago uma flor do cerrado pra você”.

Antes, entretanto, o primeiro lado ainda guarda duas ótimas faixas. Lua, lua, lua, lua”, mais uma de Caê, que, junto com outra que vem mais adiante, “Joia” (um espetacular trabalho de percussões africanas e piano monotonal que antecipa trabalhos de Caetano de 1997 e 2000, “Livro” e “Noites do Norte”, respectivamente, quando ele aproxima a vanguarda erudita às raízes da África), foram gravadas por Gal um ano antes do próprio usá-las no seu disco – por sinal, intitulado “Joia”. E diferentemente da versão barroca que gravaria para si, “Lua...” traz um elemento interessantíssimo: sob a voz dela, Caetano exercita uma espécie de beat-box, expediente que o mesmo se valera na concepção da trilha sonora do filme “São Bernardo”, dois anos antes, encomendada pelo cineasta Leon Hirszman a ele quando ainda no exílio.

A outra maravilha que completa a primeira parte de “Cantar” é “Canção que morre no ar”, clássico da bossa-nova de Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli, somente com a voz e um apaixonante e ornado arranjo de cordas de Perinho e regência de Mário Tavares. Aqui, Gal encarna Billi Holliday acompanhada da orquestra de Ray Ellis em "Lady in Satin"; Ella Fitzgerald conduzida pela batuta de Nelson Riddle em “Sings the George and Ira Gershwin Songbook”; ou Dalva de Oliveira com o conjunto sinfônico de Roberto Inglez. Gal está jazzística e lírica em seu timbre de soprano. A letra faz uma fusão entre as atmosferas lunar e flórea do disco como um todo: “O mundo é sempre amor/ O pranto que desliza/ No seio de uma flor/ É a luz lá do céu”.

Também síntese do álbum é “O Céu e o Som”, do cantor, compositor e poeta Péricles Cavalcanti. Ritmada e gostosa, contrapõe cantos entre ela e um coro masculino (que desconfio seriamente serem Os Golden Boys, embora não haja crédito disso). “Cantar, cantar/ Há uma asa na alma no ar/ Me ensina a cantar, amor”. E, lá pelas tantas, perguntam retoricamente: “Quem foi que disse que a mulher não voa?” Voa, sim.

Tanto voa que, antes de terminar o disco, Gal faz o ouvinte levitar no sensualíssimo jazz “Lágrimas Negras”, composição de Jorge Mautner e Nelson Jacobina. Das melhores do álbum, sua cadência suave remete (e serve muito bem para isso, diga-se de passagem) ao momento de uma transa embalada ao ritmo da guitarra-ponto dedilhada por Perinho. E quando Gal, diz, num compasso hiper sexy: “E você, baby, vai, vem, vai...”, é de arrepiar até o tal “astronauta da saudade” mencionado na letra!

“Cantar” gerou um show que não foi bem recebido pelo público por ser taxado de “muito suave”, contrastando com a imagem forte que a cantora criara a partir do movimento tropicalista. À época, bom que se lembre, artistas de sucesso como ela eram exigidos pela opinião pública burra de permanente e abertamente lutarem contra a Ditadura na concepção de suas obras. Queriam canções de protesto, não arte. Uma bobagem tamanha, uma vez que a premissa do artista é exatamente a liberdade tão desejada por estes que os retalhavam. Afora isso, visto noutro enfoque, há formas distintas de se lutar e se engajar sem necessariamente bater de frente com a força bruta – e sair perdendo, como geralmente acontece. Foi o que Gil e Caetano, enquanto tropicalistas como ela, fizeram a seu modo. E venceram. Hoje, completando 40 anos de seu lançamento, “Cantar” é um trabalho de uma riqueza descomunal que tem ainda muito a se revelar e cuja participação destes protagonistas foi fundamental. Uma flor que não morreu e ainda colore o jardim de quem entende que “o caminho do céu” está “no caminho do som”. Gal nos ensina a cantar e voar.

"Barato Total" - Gal Costa



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FAIXAS:

1. Barato Total (Gilberto Gil) - 3:48
2. A Rã (Caetano Veloso, João Donato) - 3:52
3. Lua, Lua, Lua, Lua (Veloso) - 3:02
4. Canção que Morre no Ar (Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli) - 1:50
5. Flor de Maracujá (Veloso/Lysias Ênio) - 2:56
6. Flor do Cerrado (Veloso – música incidental: “Garota de Ipanema”, Tom/Vinicius) - 3:13
7. Joia (Veloso) - 3:24
8. Até Quem Sabe (Ênio/Donato) - 3:39
9. O Céu e o Som (Péricles Cavalcanti) - 3:00
10. Lágrimas Negras (Jorge Mautner/Nelson Jacobina) - 3:31
11. Chululu (Mariah Costa) - 0:56
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Ouça: