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domingo, 7 de março de 2010

Oscar 2010



Rola hoje à noite em Los Angeles a cerimônia do Oscar. Fora alguma grande zebra, "Avatar" leva os prêmios principais e também os técnicos. Na verdade não vi o filme mas sabemos que a academia gosta desse tipo de suprprodução, grande apelo, grandes bilheterias e tal. O que impulsiona a indústria, mesmo.
De resto torço pelo máximo possível de estatuetas para Tarantino e sua turma, com o bom "Bastardos Inglórios", indicado em 8 catergorias, incluindo filme e diretor. Particularmente, como já havia dito, acharei merecidíssimo se Christoph Waltz levar o prêmio de coadjuvante pelo seu papel de Cel. Landa.
Também gostei demais da atuação de Carey Mulligham em "Educação" apesar de saber do brilhante papel que faz Gabourey Sidiba em "Preciosa", que pode ser surpresa também  em outras categorias.
Queria ter visto antes da premiação "O Segredo de Seus Olhos",mas da categoria Filme Estrangeiro, só vi mesmo "A Fita Branca" que me deixou ótima impressão, mas que acho que não leva a de filme, mas seria justíssimo se ganahasse fotografia.
Novidade também este ano é o fato de termos 10 indicados na categoria melhor filme. Acho que desqualifica um pouco - tem anos que mal se arranja 5 pra competir -, mas vá lá.
Veja abaixo as listas dos incdicados em todas as categorias:

Melhor Filme

Avatar
Um Sonho Possível
Distrito 9
Educação
Guerra ao Terror
Bastardos Inglórios
Preciosa - Uma História de Esperança 
Um Homem Sério 
Up - Altas Aventuras 
Amor Sem Escalas 

Melhor Diretor

James Cameron - Avatar 
Kathryn Bigelow - Guerra ao Terror 
Quentin Tarantino - Bastardos Inglórios
Lee Daniels - Preciosa - Uma História de Esperança
Jason Reitman - Amor Sem Escalas 

Melhor Ator

Jeff Bridges - Coração Louco 
George Clooney - Amor Sem Escalas 
Colin Firth - Direito de Amar 
Morgan Freeman - Invictus 
Jeremy Renner - Guerra ao Terror 

Ator Coadjuvante

Matt Damon - Invictus 
Woody Harrelson - O Mensageiro 
Christopher Plummer - The Last Station
Stanley Tucci - Um Olhar do Paraíso 
Christoph Waltz - Bastardos Inglórios

Melhor Atriz

Sandra Bullock - Um Sonho Possível 
Helen Mirren - The Last Station 
Carey Mulligan - Educação
Gabourey Sidibe - Preciosa - Uma História de Esperança 
Meryl Streep - Julie e Julia 

Melhor Atriz Coadjuvante

Penelope Cruz - Nine 
Vera Farmiga - Amor Sem Escalas 
Maggie Gyllenhaal - Coração Louco 
Anna Kendrick - Amor Sem Escalas
Mo'Nique - Preciosa - Uma História de Esperança

Melhor Roteiro Adaptado

Distrito 9 
Educação
In The Loop 
Preciosa - Uma História de Esperança 
Amor Sem Escalas

Melhor Roteiro Original

Guerra ao Terror
Bastardos Inglórios
O Mensageiro 
Um Homem Sério 
Up - Altas Aventuras 

Melhor Animação Longa-Metragem

Coraline 
O Fantástico Sr. Raposo 
A Princesa e o Sapo 
The Secret of Kells 
Up - Altas Aventuras 

Melhor Animação Curta-Metragem

French Roast 
Granny O´Grimn´s Sleeping Beauty 
The Lady and the Reaper (La Dama e la Muerte) 
Logorama 
A Matter of Loaf and Death 

Melhor Filme Estrangeiro

Ajami (Israel)
O Segredo dos Seus Olhos (Argentina )
O Leite da Amargura (Peru )
O Profeta (França )
A Fita Branca (Alemanha )

Melhor Documentário Longa-Metragem

Burma Vj 
The Cove 
Food Inc. 
The Most Dangerous Man In America: Daniel Ellsberg and the Pentagon Papers
Which Way Home 

Melhor Documentário Curta-Metragem

Province
The Last Campaign of Governos Booth Gardner 
The Last Truck: Closing of a GM Plant 
Music by Prudence
Rabbit à la Berlin 

Melhor Curta-Metragem

The Door 
Instead of Abracadabra 
Kavi 
Miracle Fish 
The New Tenants 

Melhor Direção de Arte

Avatar
O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus 
Nine 
Sherlock Holmes
The Young Victoria 

Melhor Fotografia

Avatar 
Harry Potter e o Enigma do Príncipe 
Guerra ao Terror 
Bastardos Inglórios
A Fita Branca

Melhor Figurino

Brilho de Uma Paixão 
Coco Antes de Chanel 
O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus 
Nine 
The Young Victoria 

Melhor Montagem

Avatar
Distrito 9 
Guerra ao Terror 
Bastardos Inglórios
Preciosa - Uma História de Esperança

Melhor Trilha Sonora Original

Avatar 
O Fantástico Sr. Raposo
Guerra ao Terror 
Sherlock Holmes 
Up - Altas Aventuras

Melhor Canção Original

"Almost There" - A Princesa e o Sapo 
"Down in New Orleans" - A Princesa e o Sapo 
"Loin De Paname" - Paris 36 
"Take it All" - Nine 
"The Weary Kind" - Coração Louco 

Melhor Edição de Som

Avatar
Guerra ao Terror 
Bastardos Inglórios
Star Trek 
Up - Altas Aventuras 

Melhor Mixagem de Som

Avatar 
Guerra ao Terror 
Bastardos Inglórios
Star Trek 
Transformers: A Vingança dos Derrotados 

Melhores Efeitos Especiais

Avatar
Distrito 9 
Star Trek 

Melhor Maquiagem

Il Divo
Star Trek
The Young Victoria


A cerimônia comandada por Steve Martin e Alec Baldwin, começa às 22h (horário de Brasília).
Globo e TNT transmitem para o Brasil.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Oscar 2010 - Premiados





E "Guerra ao Terror" levou o melhor filme.
E levou melhor direção! Pela primeira vez uma mulher. (será que não teve um pouco de média pelo fato da cerimônia ser na véspera do Dia Internacional da Mulher?)
A vitória do longa de Kethrin Bigelow não chegou a ser uma zebra mas me surpreendeu um pouco por causa do tamanho do investimento, repercussão e inovações técnicas de "Avatar". Achei que a Academia fosse exatamente premiar o que faz da indústria cinematográfica o grande negócio que é. Mas, isso é lá com eles.
No mais, sem grandes surpresas na minha opinião nas demais categorias.
Achei legal Sandra Bullock ter levado o sua primeira estatueta; lamentei um pouco por "A Fita Branca" não ter ganho filme estrangeiro mas acredito que tenha ficado em boas mãos com "O segredo dos seus olhos" (que deve ser meu próximo programa cinematográfico); e achei justíssimo o prêmio para Christoph Waltz como coadjuvante de "Bastardos Inglórios", filme que eu gostaria que tivesse ganho mais, mas que sabemos, não faz o tipo da Academia.


Veja abaixo a lista dos vencedores:



Melhor filme: "Guerra ao terror"



Melhor direção: Kathryn Bigelow, “Guerra ao terror”


Melhor atriz: Sandra Bullock, "Um sonho possível"


Melhor ator: Jeff Bridges, “Coração louco”


Melhor filme estrangeiro: “O segredo dos seus olhos” (Argentina)


Melhor edição (montagem): “Guerra ao terror”


Melhor documentário: “The cove”


Melhores efeitos visuais: “Avatar”


Melhor trilha sonora: “Up – Altas aventuras”


Melhor fotografia: “Avatar”


Melhor mixagem de som: “Guerra ao terror”


Melhor edição de som: “Guerra ao terror”


Melhor figurino: “The young Victoria”


Melhor direção de arte: “Avatar”


Melhor atriz coadjuvante: Mo’Nique, “Preciosa”


Melhor roteiro adaptado: “Preciosa”


Melhor maquiagem: “Star trek”


Melhor curta-metragem: “The new tenants”


Melhor documentário em curta-metragem: “Music by Prudence”


Melhor curta-metragem de animação: “Logorama”


Melhor roteiro original: “Guerra ao terror”


Melhor canção: “The weary kind”, de “Coração louco"


Melhor animação: “Up – Altas aventuras”


Melhor ator coadjuvante: Christoph Waltz, “Bastardos inglórios”

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

"Sniper Americano", de Clint Eastwood (2015)


O novo herói de Clint Eastwood
por Paulo Moreira




  Clint Eastwood tem baseado sua carreira como realizador na busca e identificação do herói americano. Ou do anti-herói. Desde o começo de sua carreira, no seriado “Rawhide” ou nos gloriosos spaghetti-westerns de Sérgio Leone, Clint se interessa pela figura mítica que, em tempos idos, salvava o mundo de suas mazelas.
 Assim aconteceu com “Dirty Harry”, o vigilante que fazia a justiça pelas próprias mãos. Só que poucos notaram que Harry Callahan era um policial. Portanto, autorizado pela sociedade para fazê-lo. Seus cowboys – o pistoleiro sem nome de “High Plains Drifter” ou “Josey Wales, o fora -da-lei” - reforçavam este mito, destruído depois pelo próprio Clint em “O Cavaleiro Solitário” onde interpretava um pregador e, especialmente em “Os Imperdoáveis”, onde o personagem Will Munny era um pistoleiro aposentado. Mesmo nos filmes em que não protagoniza, como “Um Mundo Perfeito”, “Sobre Meninos e Lobos” e “Invictus”, a figura do herói aparece, mesmo que combalida. Por outro lado, em filmes como “Bird”, “A Conquista da Honra” e “J.Edgar”, o herói é falho, humano, cheio de defeitos, como o Walt Kowalski de “Gran Torino”, um ex-combatente de guerra que odeia seus vizinhos descendentes de coreanos, mas que passa a vê-los com outros olhos, diante de uma ameaça maior. Se antigamente Eastwood acreditava no poder do herói, a partir de um determinado momento, começa a analisar as causas desta mitologia ufanista reforçada em inúmeros filmes vindos de Hollywood.
Bradley Cooper como um herói de guerra
cheio de conflitos internos
   Seu filme mais recente, “Sniper Americano” segue esta trilha. Chris Kyle, interpretado com sensibilidade por Bradley Cooper, é um jovem americano fixado no mito do cowboy e do culto às armas, além de uma postura masculina, incentivada por seu pai. Aos 30 anos, depois de ver o ataque às Torres Gêmeas, Kyle se alista e se transforma num sniper, atirador de elite, que consegue o status de “ter matado mais de 160 pessoas” no Iraque. Através de flashbacks, o diretor procura explicar as motivações de um jovem americano em servir à pátria, mesmo que isso seja prejudicial à sua vida civil e, especialmente, seu casamento. Os dramas de consciência de Chris Kyle são muito bem colocados na primeira missão que vemos. Uma criança carrega uma granada em direção às tropas americanas e o sniper tem de decidir se mata ou não o jovem. Este conflito irá se repetir durante todo o filme, mesmo que Kyle sempre tenha consigo a certeza de servir a pátria. O interessante é que este é o mesmo Clint Eastwood que fez “O Destemido Senhor da Guerra”, onde usava a ficção para defender a invasão americana em Granada no ano de 1983. Apesar de seu passado republicano, o diretor parece ter enxergado além da visão maniqueísta de mocinhos e bandidos. Ele conduz com habilidade as cenas de combate, alternando-as com a vida cotidiana de Kyle com sua esposa (Sienna Miller) e seus filhos.
   Depois de um grande tempo para se readaptar à vida em sociedade, espantando seus fantasmas, Kyle chega ao final do filme aparentemente pronto para enfrentar o dia-a-dia. Uma análise mais simplista poderia dizer que “Sniper Americano” é um filme ufanista. Clint Eastwood usa todo seu arsenal narrativo – aprendido certamente com o seu mestre Don Siegel – e impede o discurso final. Aos 85 anos a serem completados em maio, podemos exagerar e dizer que Clint Eastwood chegou em sua maturidade criativa. Grande e poderoso filme.


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Consigo Mesmo Sob a Mira

por Daniel Rodrigues




Bradley muito bem no papel do sniper Chris Kyle
   Há anos acompanho direto nas salas de cinema cada estreia de Clint Eastwood, um mestre por trás das câmeras que, como ator, foi dirigido por grandes cineastas (Leone, Siegel, De Sica, Cimino) e aprendeu muito bem com eles. Meu acompanhamento tão de perto de sua obra não é à toa, pois, mesmo já dirigindo desde os anos 70, foi desde os 80 que Eastwood se estabeleceu como um dos maiores de sua arte no cinema atual. Não só pela capacidade de contar bem uma história, com classe e sensibilidade, mas por sua abordagem invariavelmente consciente e pessoal dos temas, muitas vezes revelando mazelas de sua própria sociedade, a dos Estados Unidos.
   Pois mais uma vez o velho Eastwood, no auge de seus 84 anos, toca em feridas mal curadas de seu povo. E que ferida. O ótimo “Sniper Americano”, produção concorrente ao Oscar de Melhor Filme e mais 5 estatuetas (ator, roteiro adaptado, edição, edição de som e mixagem de som), não apenas traz um assunto espinhoso como, para além disso, atinge o talvez mais maléfico problema dos norte-americanos para com o mundo e consigo mesmos: a cultura bélica e armamentícia. Adaptação do livro “American Sniper: The Autobiography of the Most Lethal Sniper in U.S. Militar History”, conta a história real de Chris Kyle (Bradley Cooper, muito bem no papel), um atirador de elite das forças especiais da marinha americana que, durante cerca de dez anos de operação militar no Iraque, matou mais de 150 pessoas, tendo recebido diversas condecorações por sua atuação. Um sucesso tão funesto como este não poderia, entretanto, ter saído impune na forma de ver de Eastwood. As marcas são perceptíveis quando o soldado retoma a “vida normal” ao retornar da guerra. Ele não sai do front, nem quando não está fisicamente nele. A objetividade cega, pueril e insensível de Chris o mutila psicologicamente tanto quanto seus ex-colegas que perderem partes do corpo físico. Ele é incapaz de amar a esposa, de sensibilizar-se e nem de se considerar a “Lenda” como o chamam: sua sina é apenas “defender seu território” a qualquer preço.
    Até aí, outros filmes também mostraram os traumas de guerra e as dificuldades sociais de ex-combatentes das várias que os EUA já se enfiaram, de “Sob o Domínio do Mal”, de 1962 (Coréia) e “Taxi Driver”, de 1976 (Vietnã), a “A Volta dos Bravos”, de 2006, (Iraque) para ficar em apenas três guerras e três títulos. Ocorre que, desta vez, é Eastwood quem volta suas lentes para o problema, e isso é de uma dimensão muito maior no atual cinema de Hollywood. Com um olhar sem hipocrisia – embora ele não esconda seu patriotismo –, Eastwood vai mais fundo no entendimento psicológico da questão. Não é só a guerra e seus problemas posteriores: o nascedouro é essencial de ser compreendido. Ao contar a biografia de Chris até chegar ao exército, o cineasta deixa claro o quanto está incutida nas raízes do norte-americano o mito às armas e ao combate. Caubói fracassado que atirava em animais desde criança para brincar de mira, o personagem se transforma (após assistir pela TV sobre um atentado terrorista à Embaixada dos EUA no Iraque e, principalmente, os ataques do 11 de Setembro), em um militar combativo e sedento por justiça. Suas fragilidades e frustrações são, assim, camufladas pelo uniforme e até ganham status de qualidade, uma vez que se transfiguram em capacidade de combater com competência e assertividade.
    Com este substrato, Eastwood nos dá uma aula de condução narrativa. Além das construções psicológicas precisas das personagens, os flashbacks da infância de Chris, quando ele aprende em casa com o pai a lei de Talião, e o presente, antes de ir para a guerra ou entre uma operação e outra, se indistinguem. Igualmente, as cenas que intercalam rapidamente entre a brutal preparação na SEAL e início de sua relação com a esposa até o casamento dão bem a ideia de que este pensamento bélico faz para do dia a dia. Mais que isso: de que nada é superior a tal. Se Chris é elevado a herói por seus feitos, como cidadão ele é totalmente deslocado, sem capacidade de interagir e viver com felicidade. A visão de Eastwood transparece até na fotografia, que muda apenas quando a história se passa no Oriente Médio. Nos Estados Unidos, seja passado ou presente, a luz, a coloração e a textura são as mesmas, pois tudo faz parte de um único nefasto e contínuo ideário selvagem ao mesmo tempo assassino e suicida.
    Por falar em fotografia, a do craque Tom Stern (de clássicos como “Beleza Americana” e “Cão Branco” e das parcerias com Eastwood em vários filmes como “Dirty Harry na Lista Negra”, “Bird” e “Os Imperdoáveis”),  é brilhante. Principalmente nas excelentes cenas de batalha, as quais não se restringem somente ao PV do ângulo privilegiado do atirador, mas também de campo, com travellings, câmera na mão e panorâmicas muito bem executadas. O conceito fotográfico lembra bastante o de outras referenciais realizações sobre o tema das guerras promovidas pelos EUA contra países islâmicos: “Guerra ao Terror” (Bigelow, 2008), também Iraque, e “O Grande Herói” (Berg, 2014), no Afeganistão. Ponto alto e de total diferenciação em “Sniper”, no entanto, é a sequência da tempestade de areia, justo no momento em que se travava um tiroteio entre a tropa americana e os soldados de Bin Laden. Nesta, Stern consegue um resultado interessantíssimo, pois totalmente inteligível para o espectador mesmo numa fotografia em que se desenham apenas vultos escurecidos sobre uma textura granulada marrom esverdeada.
    Tudo isso é mérito de Clint Eastwood, certo? Os norte-americanos não acham bem assim. Como se sabe, a Academia do Oscar acompanha em muito o sistema, haja vista as preferências, vícios e injustiças históricas que já se promoveram na premiação. Neste caso, “Sniper Americano” concorre e é dos favoritos, mas não aquele que o fez chegar a esse patamar. Estranho, né? Nem tanto, pois talvez Eastwood, com sua clareza e olhar sem concessões (como já fizera muito bem em “Gran Torino”, “Sobre Meninos e Lobos”, principalmente), talvez tenha ido um pouco longe na densa análise do ser do norte-americano. A característica do belicismo e do mito ao caubói está no cerne da sociedade, e expô-la de maneira tão real – ou seja, não escondendo que há consequências para este tipo de atitude – é vexatório na mentalidade auto-heroica e competitiva daquele país. Afinal, isso justifica uma série de atos e políticas que sustentam o poderia dos EUA.
    Além do mais, o “gelo” que a Academia dá a Eastwood, como já fizera com os igualmente opiniáticos e figurões Spielberg, Copolla e Scorsese, também é uma maneira de dizer: “Velho, nós te exaltamos e nos orgulhamos do teu talento, mas tu já ganhaste duas estatuetas (“Os Imperdoáveis” e “Menina de Ouro”, 1992 e 2004, respectivamente), então: baixa a bola”.
    Espero sinceramente que pelo menos o Melhor Filme venha para “Sniper Americano”, o mais hollywoodiano dos postulantes junto com “Selma” e “A Teoria de Tudo”. Embora não tenha visto todos, parece-me que "Birdman""Whiplash""O Grande Hotel Budapeste" e "Boyhood" (que tem o agravante de já ter levado o também yankee Globo de Ouro), os outros concorrentes nesta categoria distanciam-se mais do “cinemão”, o que dá vantagem ao filme de Eastwood.  Ainda mais considerando que, depois de uma fase de necessária renovação em que, no início dos anos 2000, a Academia premiou como Melhor Filme produções de linha alternativa, como “Crash” e "Quem Quer Ser Um Milionário?", a mesma voltou a um julgamento mais tradicional nos últimos anos. Tenho certeza de que, se ganhar, Eastwood subirá ao palco do Dolby Theatre, em Los Angeles, com aquele sorriso simpático e sábio no rosto de quem se sentirá indiretamente vencedor também como diretor.

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

"Trono Manchado de Sangue", de Akira Kurosawa (1957) vs. "Macbeth", de Roman Polanski (1971)


Tá, agora acabou a palhaçada!

Se era jogo grande que vocês queriam, é jogo grande que vocês ganharam. O maior diretor japonês de todos os tempos, Akira Kurosawa, contra o melhor diretor polonês (nascido na França) Roman Polanski, adaptando uma das mais famosas peças do maior escritor inglês e um dos maiores da literatura mundial, William Shakespeare.

Japão e Polônia pode não ser grande clássico dentro dos gramados, mas no set de filmagem é duelo de gigantes. Aliás, nesse caso, é Japão versus Inglaterra, uma vez que a adaptação de Roman Polanski para "Macbeth", é uma produção britânica.

Na tragédia "Macbeth", o nobre que dá nome à peça, acompanhado por seu amigo Banquo, ao retornar com improvável êxito de uma batalha dificílima, tem previsto por três bruxas, ocultas na floresta a caminho do castelo, que, primeiramente, será promovido em suas funções militares e posteriormente, virá a tornar-se rei. No entanto, as mesmas feiticeiras preveem que o parceiro, Banquo, embora não venha a reinar, terá um soberano na sua linhagem. A predição desencadeia, além de uma enorme confusão mental em Macbeth, uma série de acontecimentos perversos como o assassinato do rei Duncan a fim de cumprir a profecia o quanto antes, e a morte do próprio amigo e de seu filho, de modo a evitar que a segunda parte da previsão se concretizasse, atos incitados por sua ambiciosa esposa, Lady Macbeth. Parte do plano dá errado uma vez que o filho de Banquo sobrevive ao ataque, fazendo com que Macbeth fique um tanto acuado e temeroso quanto à longevidade de seu reinado. Enquanto isso, no exílio, Malcolm, o filho do rei assassinado e que pretende retornar para retomar a coroa, sua por direito, planeja um ataque ao castelo e ganha cada vez mais força conquistando até mesmo os próprios súditos de Macbeth que começam a vê-lo enfraquecido e desequilibrado.

No entanto, Macbeth não teme ser derrotado pois, em nova consulta às feiticeiras, estas lhe revelam que ele só perderia seu trono caso a floresta andasse em direção ao castelo e que só seria subjugado por um homem que não tivesse vindo ao mundo por uma mulher. Nenhuma chance, não? Bom... não exatamente...


"Trono Manchado de Sangue" (1957) - trailer



"Macbeth" (1971) - trailer


O franco-polonês Roman Polanski, faz um filme pesado, duro, sujo, violento. Os personagens são frios, brutos, podres, a fotografia, se por um lado têm as belas paisagens escocesas em ângulos abertos, traz cenários realistas, enlameados, com porcos transitando, higienes duvidosas e vestes reais imundas. Mais fiel ao livro que Kurosawa, Polanski se utiliza de alguns pontos, de alguns detalhes, de certos elementos e cria praticamente um filme de terror: o covil das bruxas, a beberagem que oferecem para Macbeth e sua consequente alucinação, a aparição de Banquo no jantar, a brutalidade das mortes, o vermelho intenso do sangue, a aparência dos cadáveres, e a decapitação do tirano no final, tudo é próximo ao aterrorizante. Espetacular! Uma adaptação à altura da obra do grande dramaturgo inglês.

Bom, alguém diria, "Não tem como ganhar de um filme desse!".

Tem?

Tem!

O grande problema é que o Macbeth de Polanski pegou pela frente a adaptação de outro gênio.

O filme de Akira Kurosawa é uma obra de arte.

Eu disse OBRA DE ARTE!

"Trono Manchado de Sangue" é como um drible do Garrincha, o gol antológico do Maradona em 86, a magia da Laranja Mecânica, como a Seleção de 70...

O japonês dá o meio termo exato entre a agressividade que o tema exige e a leveza, com sua poesia estética.

Mesmo sem o privilégio do uso da cor, a fotografia de Kurosawa é fascinante e misteriosa; a transposição da história para o Império Japonês é conduzida com brilhantismo sem perda nenhuma à trama; os trajes militares, os castelos, as batalhas, as cerimônias, tudo funciona perfeitamente dentro da cultura e das tradições orientais. O fato de não vermos a morte do rei a torna, talvez, mais chocante tal o estado que Washizu, o Macbeth de Kurosawa, sai do quarto onde o soberano dormia; a interpretação do lendário Toshiro Mifune, no papel do protagonista é impecável; sua Lady Macbeth, Asaji, é impressionante com sua expressão impassível mesmo prestes à pior crueldade; a bruxa na floresta é um encanto visual ímpar; e a morte de Washizo é, à sua maneira, tão impressionante quanto à de Macbeth no filme inglês.

A versão japonesa tem algumas diferenças em relação aos originais de Shakespeare. Kurosawa, por exemplo, só se vale de uma feiticeira e não três como no livro, à qual ele prefere chamar de 'espírito' e não bruxa; faz também com que o filho de Banquo, no caso Miki, já seja um adolescente e não uma criança e, exilado, se junte ao filho do rei assassinado, em uma localidade vizinha, para tramar a reconquista do Castelo. Além disso, prefere omitir a questão do homem não nascido de mulher para a vulnerabilidade de Washizo (Macbeth) e, ao contrário de Polanski, não antecipa a intenção dos soldados marcharem camuflados com galhos, causando uma sensação de surpresa e fantasia no espectador ao ver se realizar a profecia da floresta andando em direção ao castelo.

A cena inicial da floresta, em Kurosawa é mágica com Washizu e Miki correndo labirinticamente em círculos pela Floresta da Teia de Aranha (1x0); o 'espírito', a entidade de Kurosawa é bela, poética; as bruxas de Polanski são assustadoras e repugnantes... Ninguém leva vantagem. A Lady Macbeth japonesa, Asaji, é assustadora com seu rosto de porcelana, impassível mesmo enquanto incita, ao manipulável marido, as mais frívolas ações. A da versão inglesa é boa, 'intriguenta', como não poderia deixar de ser, mas nem se compara à japonesa. 2x0, Kurosawa.

O Macbeth de Kurosawa também leva alguma vantagem. John Finch, no filme inglês está ótimo também, mas o perfil do personagem nipônico é mais interessante. Washizu é mais inseguro, hesitante, muito mais dependente dos conselhos e estímulos de sua esposa do que o da segunda versão, mais tiranicamente determinado. Sem falar que é interpretado, por ninguém menos que Toshiro Mifune. Só isso... Gol de "Trono Manchado de Sangue": 3x1!

A direção de arte do filme de 1957 funciona muito bem num Japão feudal mesmo pra uma história idealizada, originalmente para o ocidente, no entanto, o realismo imposto por Polanski, nos cenários enlameados, nos palácios toscos e nada glamurosos, ou nos figurinos finos, mas comprometidos pela lama, por lutas ou por sangue, dá um gol para o filme de 1971. "Macbeth" '71, diminui: 3x1, no placar.

Talvez seja spoiler para alguns mas nosso personagem principal que dá nome ao drama, morre no final (Ohhhh!!!) Só que de maneiras "levemente" diferentes de uma versão cinematográfica para a outra (e aí vai spoiler, mesmo): Se na versão japonesa, o tirano usurpador morre alvejado por flechas, com uma delas atravessando, por fim, fatalmente, seu pescoço; na inglesa, depois de descobrir a existência de alguém com a improvável qualificação de não  ter nascido de mulher, fica totalmente à  mercê do vingativo McDuff que o atravessa com a espada, decepa sua cabeça e a expõe no alto de uma lança no ponto mais alto do castelo recém retomado. A cena das flechas é linda, espetacular, mas a cabeça sendo levada ao alto da torre, por entre os soldados, como se estivesse ainda vendo toda a fanfarra à sua volta, e a exibição dela como troféu de guerra, é algo difícil de bater. Macbeth volta a se aproximar no placar: 3x2!

Ainda nesse ínterim, como já havia mencionado acima, Kurosawa prefere ignorar para sua adaptação, a particularidade que derrotaria o rei traidor, ao passo que Polanski faz disso ponto crucial em sua derrocada. Seria o empate do franco-polonês se Kurosawa não tivesse feito dessa supressão um contra-ataque, pois a sequência da floresta caminhando em direção ao castelo, compensa a ausência desse item, sendo o momento decisivo do filme do japonês. Lindo, hipnótico, surreal, o avanço ameaçador da floresta, em "Trono Manchado de Sangue" é uma das cenas mais incríveis do cinema. Os galhos semiocultos entre a névoa dão, inicialmente, uma sensação mágica quase convencendo o espectador que, por algum motivo, sobrenatural, uma alucinação do nobre ameaçado, uma reinterpretação do diretor, ela pudesse realmente estar avançando em direção ao cruel tirano. Golaaaaçoooo!!!

"Trono Manchado de Sangue" ganha no detalhe, na qualidade técnica, mas a sensação que fica é que o placar poderia ser um pouco mais tranquilo se Kurosawa tivesse o "reforço" do uso da cor. Veja-se o que ele fez em "Ran", adaptação de "King Lear", outra de Shakespeare, por exemplo... Dá pra dizer que ganhou desfalcado. 


Jogo de estratégia, dois times que atacam o tempo todo e querem a vitória custe o que custar.
O time de Polanski com um jogo mais bruto, mais violento, e o de Kurosawa com um futebol mais técnico e vistoso.
Os japoneses levam essa, mas quem ganha nessa batalha somos nós.


No alto, Washizu (à esq.) e Macbeth (dir.), com seus convivas, cada um em seu respectivo palácio;
na segunda linha as esposas, Asaji e Lady Macbeth, envenenando as mesntes de seus maridos;
na sequência, a entidade de Kurosawa, que faz as revelações a Washizu, na floresta, e, à direita, 
o covil de bruxas idealizado por Roman Polanski; e
por fim, Taketori Washizu crivado, com uma flecha atravessada no pescoço,
 e a cabeça de Macbeth, separada do corpo, nas escadas do próprio castelo.








Cly Reis



segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

"Nada de Novo no Front", de Edward Berger (2022)

 

VENCEDOR DO OSCAR
MELHOR FILME INTERNACIONAL
MELHOR ROTEIRO ADAPTADO
MELHOR FOTOGRAFIA
MELHOR TRILHA SONORA ORIGINAL


Nada de novo...

O título do filme já antecipa o que temos em pouco mais de duas horas. 

"Nada de novo no front", produção da Netflix, com nove indicações ao Oscar, incluindo melhor filme e melhor filme internacional, na minha opinião, é apenas mais um filme de Primeira Guerra Mundial. Bem feitinho, bem acabado, bem desenvolvido, ok, mas sinceramente, já vi coisas melhores acerca do assunto e muito mais impactantes visual e dramaticamente. "Lawrence da Arábia", de David Lean, e todo seu deslumbre cinematográfico; "Glória Feita de Sangue", de Kubrick, com toda sua questão ética e humana; o recente "1917", de Sam Mendes, com sua corajosa proposta de filmagem contínua. Todos, para mim, mais impactantes que o novo "Nada de Novo no Front", refilmagem do clássico de 1930, de Lewis Milestone. 

Não me entendam mal: o filme não é ruim. Boa direção, bela fotografia, tem toda a questão humana do "roubo" da juventude, do desperdício de vidas promissoras, enquanto velhos barrigudos com bigodes retorcidos decidem a vida desses jovens como se fossem peças de um joguinho de tabuleiro, mas parece que não tem nada muito além disso, e isso a gente vê em um monte de filmes de guerra.

Na história, um grupo de jovens idealistas, alista-se no exército alemão com a expectativa de heroísmos, glórias e honras à pátria mas, assim que pisam no campo de batalha percebem que a realidade não seria o jardim de infância que imaginaram. Expostos a inúteis e suicidas missões de ataque, tudo que os garotos encontram pelo caminho é, simplesmente, barbárie, crueldade, mutilações, fome, frio, dor e morte, em meio às trincheiras e os campos gelados no norte da França. Paralelamente aos combates, burocratas e militares, devidamente protegidos e abrigados em suas mansões ou instalações especiais, decidem, sem pressa e com indiferença sobre um possível cessar-fogo, ao redor de suas mesas fartas e bem servidas.

Retrato típico do que representa uma guerra, ainda nos dias de hoje, mas muito mais naquela época em que os combates se davam diretamente, no corpo a corpo e em campo aberto: velhos generais em gabinetes entregando jovens à morte, em nome de soberania, territórios, orgulho, religião, ou seja lá o que for. Enquanto via o filme, e ainda agora, lembro muito da letra de "A Canção do Senhor da Guerra", de Renato Russo muito precisa na descrição dessa situação: "Existe alguém que está contando com você/ pra lutar em seu lugar já que nessa guerra / não é ele quem vai morrer/ E quando longe de casa/ ferido e com frio o inimigo você espera/ ele estará com outros velhos/ inventando novos jogos de guerra". E não é isso mesmo?

"Nada de novo no front" pode sair da cerimônia do Oscar, no dia 12 de março, consagrado e com um caminhão de estatuetas, mas não vai mudar muito minha impressão sobre ele... Um bom filme, legal, terror da guerra, beleza, mas... para mim, deixa aquela impressão de "já vi esse filme antes". Sem nenhuma novidade no Oscar.

No alto, à esquerda, o jovem Paul, entusiasmado por ingressar no exército
 ao lado, a belíssima fotografia numa das cenas de combate;
abaixo, dois dos momentos mais intensos e chocantes do filme:
os tanques avançando sobre as trincheiras e os soldados franceses
usando lança-chamas contra o que os blindados não conseguiram amassar.



Cly Reis

domingo, 9 de agosto de 2020

Claquete Especial Dia dos Pais - 9 filmes sobre paternidade


Aproveitando a data comemorativa do Dia dos Pais, lembramos aqui de filmes que, sob enfoques distintos entre si, abordam o tema da paternidade. Produções de diferentes nacionalidades e épocas que, a seu modo, trazem, por conta das peculiaridades culturais e históricas, também diferentes formas de expressão daquilo que é ser pai. Porém, uma coisa fica evidente em todos estes títulos: o amor. Seja incondicional, conflituoso, arrependido, culpado ou manifesto, está lá sentimento que norteia a relação entre eles, pais, e seus filhos. 

Fazendo uma panorâmica, vê-se que há menos filmes significativos sobre pais do que de mães. Pelo menos, aqueles em que o pai é protagonista e não simplesmente uma figura acessória. Até por isso, torna-se interessante levantar uma listagem como esta no dia dedicado a eles. Escolhemos 9 títulos, afinal, estamos no dia 9. E detalhe: selecionamos apenas filmes premiados, desde Oscar até premiações estrangeiras ou nacionais. Indicações imperdíveis aos que ainda não viram, lembrança bem vinda aos que, como eu, terão a felicidade de revê-los - de preferência, com seus pais.


PAI PATRÃO, irmãos Taviani (Itália, 1977)

Baseado no romance autobiográfico de Gavino Ledda, conta a história da dura infância e adolescência do escritor quando, aos seis anos, é obrigado pelo pai a abandonar os estudos para trabalhar no campo. Todas as suas tentativas de mudar de vida são abortadas pela ignorância e violência do patriarca. Aos 20 anos, ainda analfabeto, Gavino acaba entrando para o exército, onde adquire, enfim, algum conhecimento. Renunciando à carreira militar, ele volta à sua terra para seguir estudando. No entanto, o choque com o pai é inevitável.

Explorando a linda paisagem e luz naturais da região da Sardenha, “Pai Patrão” é um tocante e contundente drama que põe a nu extremos da relação entre pais e filhos, fazendo-se psicanalítico mesmo naqueles confins da Itália. O pai (muito bem interpretado por Omero Antonutti) é uma representação do quanto os instintos do bicho homem falam mais alto quando a ignorância impera. O amor, existente – e contraditoriamente motor disso tudo –, submerge diante do medo e da insegurança de uma pessoa despreparada para aspectos da paternidade. A abordagem dos Taviani é crítica ao ressaltar o comportamento de vários personagens muito próximo ao de animais. Também, surpreendem ao desviar em alguns momentos o foco dos protagonistas, mostrando ações e pensamentos de outros que os rodeiam, evidenciando sentimentos muito parecidos com os de Gavino e de seu pai.

Gavino, já adulto, encara seu pai: amor e ódio
Palma de Ouro no Festival de Cannes, “Pai Patrão” foi a afirmação dos irmãos Vittorio e Paolo Taviani como importantes cineastas da cinematografia moderna italiana a partir dos anos 70, uma vez que tinham como herança a responsabilidade de fazer jus à obra de gênios já consolidados como Fellini, Antonioni e Pasolini. Os Taviani, no entanto, cunharam um estilo mais próximo ao dos neo-realistas, principalmente De Sica, no engenhoso jogo de grandes e médios com primeiros planos, adicionando a isso um modo sempre muito peculiar de contar as histórias, este, próprio do cinema moderno.


A FONTE DA DONZELA, de Ingmar Bergman (Suécia, 1960)

Na Suécia do século XIV, um simples casal cristão dono de uma propriedade rural incumbe a filha Karin (Birgitta Pettersson), uma adolescente pura e virgem, de levar velas para a igreja da região. No caminho, ela é estuprada e assassinada por dois pastores de cabras. Quando a noite chega, ironicamente os dois vão pedir comida e abrigo para os pais de Karin, onde são recebidos cordialmente. Porém, ao descobrirem a tragédia, os pais são tomados pelo sentimento de ódio.

Temas recorrentes na obra do sueco, a morte, a religiosidade e a compaixão servem de tripé para essa história magistralmente dirigida por Bergman. O contraste entre luz e sombra da fotografia em preto-e-branco do mestre Sven Nykvist realça, principalmente a partir da segunda metade da fita, a polaridade emocional da trama: bem e mal, Deus e Diabo, brutalidade e candura, vingança e perdão, vida e morte. O dilema recai sobre o pai, interpretado pelo lendário Max Von Sydow (recentemente morto, no último mês de março), que, com o coração dilacerado e pressionado pela mulher a matar os criminosos, perde a cabeça. E sua religiosidade? E a culpa em sujar-se de sangue? E a dor sua e da esposa? Isso aplacará a perda? Como administrar tudo isso?

filme "A Fonte da Donzela"

Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e do Globo de Ouro na mesma categoria, esta obra-prima de Bergman valoriza, como em “Pai Patrão”, os elementos da natureza (água, pedra, sol, terra) como representação dos desafios essenciais da vida, mas difere do filme dos Taviani no tratamento da relação pai-filho. Se no outro a questão centra-se na distância emocional entre os personagens, aqui, é a morte que se impõe como separação. Por este ângulo, mesmo num filme transcorrido na Idade Média, “A Fonte da Donzela” é atualíssimo, pois traz um dilema muito comum na sociedade urbana atual: o de como os pais se posicionam diante da perda de um filho vitimado pela violência. Afinal, trata-se de uma obra incrível e significativa a qualquer época.


STALKER, de Andrei Tarkowski (Rússia, 1979)

Em um país não nomeado, a suposta queda de um meteorito criou uma área com propriedades estranhas, onde as leis da física e da geografia não se aplicam, chamada de Zona. Dentro dela, segundo reza uma lenda local, existe um quarto onde todos os desejos são realizados por quem pisa seu chão. Com medo de uma invasão da população em busca do tal quarto, autoridades vigiam o local e proíbem a entrada de pessoas. Apenas alguns têm a habilidade de entrar e conseguir sobreviver lá dentro: os chamados "stalkers". É aí que um escritor, um cientista querem entrar e contratam um stalker para guiá-los lá dentro. No caminho até o quarto, vão passar por rotas misteriosas e muitas vezes, mutáveis, que simbolizam uma ida ao subconsciente e a verdades de suas próprias naturezas nem sempre afáveis. Acontece que este stalker (Alexandre Kaidanovski) quer salvar a sua filha mutante e desenganada alcançando o misterioso quarto.

Talvez o melhor filme de Tarkowski, “Stalker” é uma ficção-científica hermética e reflexiva sobre o homem e a sua existência, sendo a questão da paternidade a chave para tal reflexão. Trazendo a atmosfera onírica comum aos filmes do russo, vale-se do fantástico de “Solaris” (1971), porém burilando-lhe o cerebralismo existencial. A narrativa, transcorrida num clima de suspensão do tempo/espaço, tem como motor o amor de um pai desesperado em salvar sua filha. Ou seja: assim como em “Solaris”, a percepção difusa da realidade é totalmente explicável pelo estado de angústia vivido pelo protagonista. É como se, participante de sua busca, o espectador também adentre naquele mundo surreal. A sempre brilhante fotografia sombreada, o cenário apocalíptico e o recorrente uso de elementos sonoro-visual-narrativos como a água (símbolo da vida) unem-se ao ritmo muito peculiar, pois contemplativo e poético, de Tarkowski.

Os três homens adentram a Zona, mas é o pai que carrega a motivação mais genuína
Vencedor do Prêmio Especial do Júri do Festival de Cannes de 1980, este filme ímpar na história do cinema alinha-se, em verdade, com outros filmes de arte do gênero ficção científica produto do período de Guerra Fria, em que a noção temporal é imprecisa, a humanidade jaz desenganada, o estado comprometeu-se e os avanços tecnológicos, promessas de avanço no passado, não deram tão certo assim no presente. Haja vista “Alphaville” (Godard, 1965), “Laranja Mecânica” (Kubrick, 1972) e “Fahrenheit 451” (Truffaut, 1966).  Esse compromisso de crítica recai ainda mais sobre Tarkowski como cidadão da Rússia, um dos pilares da tensão planetária junto com os Estados Unidos.


KRAMER VS. KRAMER, de Robert Benton (EUA, 1979)

Se já falamos da questão paterna nos confins da Itália rural, na Idade Média e num lugar imaginário, aqui o tema é colocado na modernidade urbana norte-americana. No enredo, Ted Kramer (Dustin Hoffman), leva seu trabalho acima de tudo, tanto da família quanto de Joanna (Maryl Streep), sua mulher. Descontente com a situação, ela sai de casa, deixando Billy, o filho do casal, com o pai. Ted, então, tem que se deparar com a necessidade de cuidar de uma vida que não apenas a dele, dividindo-se entre o trabalho, o cuidado com o filho e as tarefas domésticas. Quando consegue ajustar a estas novas responsabilidades, Joanna reaparece exigindo a guarda da criança. Ted porém se recusa e os dois vão para o tribunal lutar pela custódia de Billy.

“Kramer vs. Kramer” é arrebatador. Começando pelas interpretações dos magníficos Hoffman e Maryl. No entanto, mesmo com o talento que os é inerente, não estariam tão bem não fosse o roteiro contundente, que aprofunda o drama familiar e social aos olhos do espectador. Os diálogos são tão reais e bem escritos, que naturalmente transportam o espectador para situações conflituosas da vida cotidiana, gerando identificação com os personagens. Quantos pais já não foram despedidos do emprego justo no momento em que estava tentando se erguer. E qual pai não ficaria desesperado e sentindo-se culpado por um acidente com seu filho, principalmente quando o acontecido pode ser usado pela mãe para justificar a perda da guarda?

Ted aprendendo e gostando de ser pai
Tamanho êxito como obra não passou despercebido. O filme foi o principal vencedor do Oscar de 1980, abocanhou os de Melhor Filme, Diretor, Ator, Atriz Coadjuvante e Roteiro Adaptado, além de vários Globo de Ouro e outros festivais. Exemplo de drama da cinematografia norte-americana, uma vez que o filme de Robert Benton consegue unir atuações muito bem dirigidas, um roteiro “europeizado”, visto que forte e realista – feito raro em Hollywood – e um enredo tocante, mas que facilmente poderia escorregar para o piegas ou uma enfadonha DR. Filmado no mesmo ano de “Stalker”, traz a figura do pai em um momento de autorreconhecimento desta condição, ao passo de que o filme russo, esta condição já foi compreendida. No entanto, em ambas as produções, a distância entre as culturas são movidas pela mesma busca de um pai pela sobrevivência do filho.


A BUSCA, de Luciano Moura (Brasil, 2012) 

Filme brasileiro relativamente recente, renova o olhar para o problema da distância entre pais e filhos (estado inicial e propulsor da narrativa de “Kramer...”) por questões sentimentais não resolvidas ou dialogadas. Theo Gadelha (Wagner Moura) e Branca (Mariana Lima) são casados e trabalham como médicos. O casal tem um filho, Pedro (Brás Antunes), que desaparece quando está perto de completar 15 anos. Para piorar a situação, Theo fica sabendo que Branca quer se separar dele e que seu mentor (Germano Haiut) está à beira da morte. Theo sai em busca do filho sumido, viagem que o impele a se redescobrir e a ressignificar a relação com o filho.

Road-movie muito bem realizado, “A Busca” tem na atuação de Moura, principalmente, a grande força da obra. Ele transmite ao espectador desde a irascibilidade e insensibilidade de um homem controlador e fechado em si próprio até, conforme o trama se desenrola nos lugares que percorre em busca do filho, passar pelo desespero, a frustração, a esperança e o encontro consigo mesmo. Todos estes momentos perfeitos por uma grande solidão emocional, estado ao qual o caminho lhe dá condições de repensar e transformar.

Wagner Moura em etapa do trajeto em busca de seu filho e de si mesmo
Vencedor do Prêmio do Público no Festival do Rio 2012, “A Busca” lembra o recorrente mote narrativo de filmes iranianos, a se citarem “Vida e Nada Mais”, “Gosto de Cereja”, “O Círculo” e “O Balão Branco”. Sempre há algo a se buscar, seja alguém ou algo que não se sabe exatamente ao certo. Metáfora da vida, essa busca simboliza a passagem do tempo e a (mesmo que não acontece durante o filme) inevitável morte, que um dia alcançará a todos independentemente da rota. Essa simbologia ganha ainda mais realce pelo fato de se tratar da genealogia sanguínea, ou seja: a única possibilidade de não-morte. O longa de Luciano Moura reafirma o entendimento de que, mais do que o final, o importante mesmo é o que se faz na jornada.


IRONWEED, de Hector Babenco (EUA, 1987)

Francis Phelan (Jack Nicholson) e Helen Archer (Maryl Streep, olha ela aí de novo!) são dois alcoólatras que vivem mendigando nas ruas tentando sobreviver às lembranças do passado: Ela, deprimida por ter sido uma cantora e pianista cheia de glórias e hoje estar na sarjeta. Já o caso dele é o que tem a ver com o tema em questão: o motivo por viver como um vagabundo é a não superação do trauma de ter sido o responsável pela morte do filho, ao deixá-lo cair no chão ainda bebê 22 anos antes. Ao mesmo tempo, Francis precisa voltar à realidade, e conseguir um emprego para dar um pouco de conforto à companheira Helen, já muito doente e enfraquecida. E o sentimento de pai do protagonista é, ao mesmo tempo, pena e salvação, uma vez que se configura como a única força capaz de tirá-lo da condição de mendicância.

Ainda mais do que “Kramer...”, “Ironweed” é um filme sui generis na cinematografia dos Estados Unidos, e isso se deve, certamente, ao olhar sensível do platino-brasileiro Hector Babenco. Com o aval dos estúdios para fazer uma produção própria em terras yankees após o grande sucesso do oscarizado “O Beijo da Mulher Aranha”, produção financiada com dinheiro norte-americano mas bastante brasileira em conteúdo e abordagem, o cineasta transpõe para as telas – com a habilidade de quem havia extraído poesia do abandono infantil – o romance de William Kennedy e dá de presente para dois dos maiores atores da história do cinema um roteiro redondo. Isso, ajudado pela fotografia perfeita do craque Lauro Escorel e edição de outra perita, Anne Goursaud, responsável pela montagem de filmes com “Drácula de Bram Stocker” e “O Fundo do Coração”, ambos de Francis Ford Coppola.

cenas de "Ironweed"

“Ironweed” levou o prêmio da New York Film Critics Circle Awards de Melhor Ator para Nicholson, embora tenha concorrido tanto a Oscar quanto Globo de Ouro. Babenco foi um cineasta tão diferenciado que, conforme contou certa vez, Nicholson, bastante sensibilizado com o filme que acabara de realizar, procurou-o um dia antes da estreia e pediu para ir à sua casa para o reverem juntos e que, durante aquela sessão particular, segurou bem firme na mão de Babenco e não a soltou até terminar.


À PROCURA DA FELICIDADE, de Gabriele Muccino (EUA, 2007)

Chris (Will Smith) enfrenta sérios problemas financeiros e Linda, sua esposa, decide partir e deixá-lo. Ele agora é pai solteiro e precisa cuidar de Christopher (Jaden Smith), seu filho de 5 anos. Chris tenta usar sua habilidade como vendedor de aparelhos de exames médicos para conseguir um emprego melhor, mas só consegue um estágio não remunerado numa grande empresa. Seus problemas financeiros, inadiáveis, não podem esperar uma promoção nesta empresa e eles acabam despejados. Chris e Christopher passam, então, a dormir em abrigos ou onde quer que consigam um refúgio, como o banheiro da estação de trem. Mas, apesar de todos os problemas, Chris continua a ser um pai afetuoso e dedicado, encarando o amor do filho como a força necessária para ultrapassar todos os obstáculos.

Se é difícil a vida de um pai solteiro na América urbana, como em “Kramer...”, imaginem um jovem-adulto negro e pobre 30 anos atrás? Baseado na história real do empresário Chris Gardner, este comovente filme tem alguns trunfos em sua realização. Primeiramente, o de trazer à luz a superação individual de um negro na sociedade norte-americana e no meio corporativo capitalista, ainda hoje majoritariamente dominado por brancos. Segundo, por revelar Jaden, filho de Will na vida real que, além de uma criança graciosa, é talentoso, vindo a lograr uma carreira de sucesso a partir de então a exemplo do pai, também um talento mirim no passado. Por fim, o êxito de consolidar Will como um dos mais importantes nomes de sua geração, daqueles Midas de Hollywood capazes de fazer brilhar onde quer que ponham a mão.

Will e Jaden: pai e filho no cinema e na vida real
Além de indicações ao Oscar e ao Globo de Ouro, “À Procura da Felicidade” faturou o NAACP Image Award de Melhor Filme mas, principalmente, premiou pai e filho por suas maravilhosas atuações. Will, o Phoenix Film Critics Society Awards. Já o pequeno Jaden levou não só este como o MTV Movie Award de Melhor Revelação. A sintonia entre pai e filho na frente e atrás das câmeras é captada com delicadeza pelo cineasta italiano Gabriele Muccino, que se valeu desta química para transpor para o cinema esta história inspiradora para qualquer pessoa, quanto mais, para um pai. 


UP: ALTAS AVENTURAS, de Pete Docter (EUA, 2009)

Carl Fredricksen é um solitário idoso vendedor de balões que está prestes a perder a casa em que sempre viveu com sua esposa, a falecida Ellie. Após um incidente, Carl é considerado uma ameaça pública e forçado a ser internado. Para evitar que isto aconteça, ele põe balões em sua casa, fazendo com que ela levante voo e vá em direção a Paradise Falls, na América do Sul, onde ele e Ellie sempre desejaram morar. Porém, Carl descobre que um “problema” embarcou junto: Russell, um menino de 8 anos.

A divertida e tocante animação, dirigida pelo assertivo Pete Docter (dos dois primeiros “Toy Story” e “Wall-E”), é das mais felizes realizações da Disney/Pixar. Acertos técnicos inquestionáveis como é de costume ao megaestúdio, mas principalmente, no enredo e nas metáforas que suscita. A simbologia do voo como elevação espiritual, da velhice e a proximidade com a morte é uma delas, bem como a casa como representação do corpo e daquilo que há no interior de cada um. Mas a trama toca também na questão da amizade, da lealdade e da paternidade, mas não necessariamente sanguínea. O ranzinza Carl, contrariado de princípio com a presença de Russell, vai se afeiçoando ao menino e compreendendo a importância do papel e da figura para este de um pai, o qual, ocupado com sua vida, pouco lhe dá atenção. As altas aventuras vividas por eles provam o quanto o pai também pode ser o que adota. Não no papel, mas no sentido mais emocional da palavra. Com o coração. O garoto, por sua vez, traz para o melancólico cotidiano de Carl, além de confusões – afinal, criança dá trabalho também – vida. Ah, e nisso inclui também a tiracolo um cãozinho, o simpático (e falante!) Dug.

O trio impagável de "Up": paternidade de quem adota com o coração
“Up” ganhou Oscar e Globo de Ouro de Melhor Filme de Animação e Melhor Trilha Sonora (Michael Giacchino), e chegou a concorrer a Oscar de Filme com títulos como “Guerra ao Terror” (vencedor), “Bastardos Inglórios”, “Avatar” e “Preciosa”, um feito para uma animação que seria igualado apenas por “Toy Story 3”, um ano depois. Uma qualidade do filme é que, devido à sua abordagem fantástica e resolução da trama, dificilmente terá uma continuidade, que, assim como acontece com várias outras animações, seguidamente entregam a primeira realização pela inconsistência e pela mera repetição caça-níquel. Vale muito também a pena assistir a versão brasileira dublada, que tem Chico Anysio impagável como Carl Fredricksen em um dos últimos trabalhos do humorista antes de morrer.


RAN, de Akira Kurosawa (Japão/França, 1985)

Adaptação de “Rei Lear”, de William Shakespeare, retrata de forma épica e brilhante o Japão feudal do século XVI, onde um velho senhor da guerra Hidetora, patriarca do clã Ichimonji (Tatsuya Nakadai), renuncia ao poder, entregando o seu império e conquistas aos três filhos: Taro, Jiro e Saburo. Tarô, o mais velho, seguindo a tradição do patriarcado japonês, torna-se o líder do clã e recebe o Primeiro Castelo, centro do poder, ficando Jiro e Saburo, respectivamente, com o Segundo e o Terceiro Castelo. Hidetora retém para si o título de “Grande Senhor” para permanecer com os privilégios Contudo, ele subestima como o poder recém-descoberto dos filhos irá corrompê-los e levá-los a virarem-se uns contra os outros. 

Obra-prima, “Ran” é mais uma adaptação de Shakspeare que Akira Kurosawa promoveu de forma pioneira no cinema japonês – assim como para com outros autores não-orientais como Dostoiévski, Gorky e Arsenyev. Porém, desta vez em cores, diferentemente do que fizera em 1957 adaptando “Macbeth” em “Trono Manchado de Sangue”, o que amplia a magnífica fotografia em grandes planos, o desenho de cena primoroso, os figurinos em que os tons simbolizam estados psicológicos e cenografia que remete ao milenar teatro japonês.

trailer de "Ran"

“Ran” levou o Oscar de Melhor Figurino e concorreu a Melhor Direção de Arte, Fotografia e Diretor, sendo a primeira e última vez que Kurosawa seria nomeado pela Academia. A tragédia teatral ganha uma dimensão ainda mais bela na tela grande, mais do que adaptações anteriores da mesma peça, ao retratar os desacertos internos dos Ichimonji, evidenciando um problema recorrente em famílias poderosas, que é a briga pelo poder e o desafio à autoridade e figura do pai. Numa produção digna do anseio de seu realizador, "Ran" revela conflitos e sentimentos muito genuínos como inveja, cobiça e orgulho e questionando a ancestralidade como formas de manutenção (ou não) do sangue.


Daniel Rodrigues
com colaborações de Leocádia Costa e Cly Reis


sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Duelo - com José Eugenio Guimarães






Nosso primeiro colaborador da série Duelo, de entrevistas sobre cinema western e clássicos da sétima arte, é o capixaba e morador de Niterói, José Eugenio Guimarães. Zootecnista, Cientista Social e professor universitário de profissão. Cinéfilo de coração, o cara é dono do ótimo Blog Eugenio em filmes. Além de escrever em sua page diversos textos sobre várias fases do cinema, ele é um assíduo colaborador de muitas páginas culturais e sobre o tema na internet. Eugenio, que veio de uma família de cinéfilos, assistiu seu primeiro filme bem precocemente, aos dois anos de idade e que depois não parou mais. Ele mantém aquele costume voraz dos aficionados por cinema de rever uma grande produção muitas e muitas vezes. Conta que assistiu “No Tempo das Diligências”, mais de 200! O western é só mais uma de suas grandes paixões. Nosso entrevistado é também um profundo conhecedor de cinema independente e um fã declarado do cineasta brasileiro Glauber Rocha. É com ele que vou ter o imenso prazer de bater um papo cinéfilo nestas linhas cheias de intensidade e paixão real pelo cinema.



BINO: José Eugenio, não posso deixar de fugir de uma pergunta meio clichê: qual foi o primeiro grande filme que te impactou, aquele que vem à tua memória sempre num flash rápido?
John Ford
JOSÉ EUGENIO: Impacto, mesmo, senti ao ver “No Tempo das Diligências” (“Stagecoach”, 1939), em 1963, aos sete anos. Meu pai, cinéfilo, era assumidamente fordiano. E, certamente, herdei dele essa paixão pelo cinema de John Ford. Muito antes eu já o ouvia, enquanto fazia a barba ou tomava banho, rememorar diálogos inteiros de “Como era verde o meu vale” (“How green was my valley”, 1941), o filme que ele mais preferia do diretor. Mas a experiência de ver “No tempo das diligências” em tela de cinema, ainda menino, foi algo que jamais esquecerei. Antes de irmos ao Cine Odeon de Viçosa/MG, no qual foi exibido, o velho, como bom pai, começou a preparar o meu espírito para o que eu iria ver. E tudo correspondeu às expectativas. Pareceu que eu estava sonhando. Durante muito tempo “No tempo das diligências” foi o meu filme preferido de John Ford. Só fui revê-lo no cinema, pela última vez, em Belo Horizonte, em 1977, quando entrei na sessão das 14h e só saí ao fim da sessão das 22h, quase à meia-noite. Então, também o vi nas sessões das 16, 18 e 20h. Cinco sessões ao todo, enfileiradas. Saí do cinema meio tonto, mas totalmente em paz comigo mesmo. Já vi “No tempo das diligências” mais de 200 vezes. Também já ultrapassei esse número com “Rastros de ódio” (“The searchers”, 1956) e “O homem que matou o facínora” (“The man who shot Liberty Valance”, 1962), ambos também de Ford. São filmes que sempre revejo, nos quais sempre descubro coisas novas.

B: O primeiro filme que a gente assiste no cinema é como a primeira transa, algo marcante. Que lembranças tens dessa época?
JE: Comigo até que não dá para fazer essa relação. Pois o primeiro filme que vi no cinema foi em 1958. Estava com dois anos. Minha mãe queria ver “Marcelino Pão e Vinho” (“Marcelino Pan y Vino”, 1955), de Ladislao Vajda, e não tinha com quem me deixar. Levou-me junto. Segundo ela, fiquei o tempo todo com os olhos arregalados colados na tela, do começo ao fim. Evidentemente, não guardo lembranças desse meu batismo no cinema. O que ficou dessa ocasião foram as canções do filme, usadas por minha mãe para embalar o meu sono enquanto fui criança de colo. “Marcelino Pão e Vinho” só fui rever em BH, em um relançamento, quando estava com 21 ou 22 anos. Valeu como experiência afetiva, afinal estava tendo a oportunidade de ver o filme que inaugurou a minha cinefilia e que me fez fazer incontáveis birras para voltar ao cinema. Mas o filme mesmo é decepcionante, muito carola e moralista, uma produção típica da Espanha franquista afundada num catolicismo tão retrógrado como medieval.

B: Sobre tuas preferências no cinema em geral, quais escolas tu mais admiras? Fale um pouco delas.
JE: Há muitas "escolas". Prefiro chamar de movimentos. Mas as que fizeram a minha cabeça ou ampliaram os meus horizontes na cinefilia são, principalmente, o Cinema Revolucionário Russo, a Avant Gard Francesa, o Realismo Poético Francês, o Free Cinema Inglês, o Expressionismo Alemão, o Neorrealismo Italiano, a Nouvelle Vague Francesa e o Cinema Novo Brasileiro.
Falar um pouco delas... Vamos lá. Tentarei ser breve.
O Cinema Revolucionário Russo, por ter sido uma experiência que, ao menos por curtíssimo tempo, uniu o cinema a um projeto de mudança política e social. Era o cinema no compasso da revolução, inserido na construção de novos homem e tempo. Infelizmente, Stálin acabou com tudo isso.
A famosa cena do olho de "Um Cão Andaluz",
de Buñuel e Dalí
A Avant Gard Francesa, por trazer a abstração, o universo da subjetividade para o cinema, contaminando-o de poesia, aproximando-o das outras esferas da criação. Poucas vezes o cinema esteve tão perto do sublime e da ousadia, do rompimento de convenções, como neste breve período circunscrito aos anos 20.
O Realismo Poético Francês por investir no lirismo, transitando do otimismo à tragédia em tão pouco tempo. Praticamente foi um movimento que antecipou a tragédia europeia instalada com o Nazismo, incorporando, principalmente em seu momento de auge, a desesperança e o fatalismo.
O Neorrealismo Italiano por mostrar o melhor do humanismo num momento cravado na destruição provocada pela Segunda Grande Guerra. Câmeras nas ruas e becos, sob a realidade do sol ou da noite, acompanhando gente praticamente real, vivenciando problemas comuns, cotidianos, principalmente os que dizem respeito à sobrevivência. Então, é um cinema aliado ao exercício da objetividade, mas sem se esquecer de expressar o que passa em cada particularidade dos seres em cena.
Já o Expressionismo Alemão apreende a realidade num momento de incerteza e dissolução. A Alemanha derrotada na Primeira Guerra entrou numa crise profunda, não apenas econômica como moral, política e social. A mistura de tudo isso gerou perplexidade. O fantástico, inclusive o terror, dominaram a cena. Personagens dementes ou próximas disso davam o tom às narrativas e ações. Não havia explicações plausíveis para os atos. Quase tudo encontrava motivação numa ordem transcendental, inatingível, etérea, inexplicável. A poesia, a psicanálise, a escultura, a pintura eram fortes aliadas da composição cênica. É como se o cinema se tornasse total, ao englobar todos os demais meios de expressão e sem esquecer os rumos incertos que a sociedade vinha tomando. Mas tudo prenunciava o pior, como sabemos.
A Nouvelle Vague, por sua vez, foi o cinema do NÃO. Não a qualquer convenção, a qualquer dependência do cinema à literatura e aos estúdios. A liberdade criativa, a juventude, o espírito de rebeldia dominaram o movimento, que falava principalmente ao ser e às questões da contemporaneidade. Havia uma autonomia autoral sem precedentes. As produções eram baratas, filmava-se onde era possível, o glamour pouco importava. Um espírito de espontaneidade dava a tônica, algo que Jean-Luc Godard ainda hoje preserva em seus ensaios fílmicos.

cena de "Acossado" de Jean-luc Godard

O Free Cinema Inglês é praticamente paralelo e parecido à Nouvelle Vague, mas era menos etéreo, mais centrado nas questões concretas e prementes da existência. Dava para sentir os personagens pulsando de forma mais vigorosa e intensa.
No Brasil, o Cinema Novo, tão radical, com tantos nomes importantes e a vontade de revelar o país além dos grandes centros, também de maneira independente dos esquemas industriais, sem muitas preocupações às fórmulas, mas criando outras. Glauber, maior nome do movimento, era praticamente um cineasta que se reinventava de filme para filme, até chegar na desconstrução plena da narrativa em seu esforço tão pouco compreendido de emancipar o olhar. É um provocador que faz falta à mesmice de agora.

B: Em relação ao western, qual foi a grande contribuição desse gênero para o cinema mundial?
Antônio das Mortes, personagem de Glauber
inspirado em Ford
JE: Ao cinema mundial, não sei. Mundial é muita coisa. O que se sabe de concreto é: o western, por mais que muitos lhe torçam o nariz, foi o gênero que apresentou um tipo de homem que podem ser caracterizado como o indivíduo em sua forma mais bem acabada, sociologicamente falando. O cowboy ou seus similares estavam apoiados única e exclusivamente em suas determinações, desejos e vontades. É algo específico de uma determinada cultura. Historicamente, não há precedentes ao tipo em nenhum outro local do mundo. Geralmente as pessoas estavam vinculadas a alguma estrutura, a uma ordem. O cowboy, não. Goza de uma margem de autonomia sem precedentes. Isso encantou principalmente as plateias fincadas em organizações sociais mais tradicionais. Nisso, de certa forma, o modelo inspirou cineastas japoneses, principalmente Kurosawa. No Brasil, Glauber Rocha, principalmente em “Deus e o Diabo na Terra do Sol” e "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro", tem no personagem Antonio das Mortes uma extensão. Aliás, sabe-se claramente que o desenho do personagem está inspirado em Ethan Edwards (John Wayne), de “Rastros de ódio”. Esses filmes de Glauber buscam inspiração nos westerns de Ford, mas sob a capa de um Eisenstein. E há a Itália, país que sempre valorizou o gênero, tanto que inventou uma variante. Outras formas de narrativa heroicas contaminadas pelo western pode ser encontradas no cinema popular chinês, por exemplo. No Brasil, também há os filmes de cangaço, há muito tempo em baixa, com suas estruturas narrativas também herdadas dos westerns, principalmente pelo uso do cavalo pelos cangaceiros, algo que não resiste à menor análise junto à realidade, pois cangaceiro se locomovia a pé. Mas o cowboy, mesmo, é uma experiência única, ímpar, puramente estadunidense. É o indivíduo moldado naquilo que Weber chamou de ética protestante – do puritanismo: alguém que apenas presta contas às suas determinações e vontades.

B: "O Portal do Paraíso" é considerado o filme que matou o western americano, tudo por seu grande desastre comercial. O western spaghetti também passou por seu período turbulento e, após os anos 70, também não teve mais o brilho da era do ouro dos Sergio's e companhia. Com todo esse hiato, raras produções western tiveram destaque no cinema. Um exemplo é “Dança Com Lobos” e "Os Imperdoáveis", que ganharam muitos Oscar e foram muito bem recebidos pela crítica. Poucos estúdios e diretores apostam nesse tipo de produção. Porque você acha que este gênero está tão em baixa nos últimos tempos?
JE: O western é vítima de vários fatores. Há primeiro a televisão, que o banalizou com um punhado de séries familiares e telefilmes de consumo imediato. Também há o politicamente correto. Além do fato de que os estadunidenses em geral têm certa dificuldade de confrontar um passado de conquista que não se afigura tão glorioso para a História, dados os custos humanos do empreendimento. Ainda é muito complicado, para eles, discutir o genocídio dos índios. É um tema praticamente encoberto de tabu. É uma pena, pois se há um gênero que pode ser chamado de genuinamente nacional em se tratando de Estados Unidos, é o western. Quer queira quer não, mostra como o país foi conquistado e unificado. À medida que os EUA foram se urbanizando e se industrializando, ficado mais cosmopolitas, o western foi se tornado um gênero ultrapassado, uma narrativa que não combina mais com a realidade, principalmente por revelar uma etapa que se quer esquecer.

B: Tarantino e os irmãos Ethan e Joel Coen parecem ter apostado no western, cada um a seu estilo. Como você vê a estética e os filmes destes diretores?
Francamente, em termos estéticos não saberia como responder. Sei que são recicladores, cada qual à sua moda. São cineastas que têm um modo próprio de expressão mas sem abrir mão das dívidas a pagar com a tradição. Tanto que seus filmes podem ser sérias releituras ou, dependendo do momento, também podem ser meros pastiches. O que me irrita, hoje, é o extremo valor que se dá a esses nomes. Não tanto os Irmãos Coen, que são brilhantes. Mas faço reservas a Tarantino, não tanto a ele, que é bom cineasta, mas por ser visto, principalmente pelos setores mais jovens, como um valor totalmente original. Não é, mesmo. Pode ser mais barulhento, mas estiloso, mais midiático, mas é também um manipulador em causa própria, um bom marqueteiro de si mesmo. Em todo caso, vamos ver. Não estou dizendo que o abomino, muito ao contrário. Apenas revelo o que para mim desponta como limitações.

B: Se tu tivesses que fazer uma lista de 10 grandes e definitivos westerns de todos os tempos, quais seriam?
Esse negócio de listar "grandes e definitivos" é problemático. Mas, vamos lá, com todo o meu perdão às injustiças que certamente cometerei:
1 - No tempo das diligências (Stagecoach), de John Ford (1939)

2 - Paixão dos fortes (My Darling Clementine), de John Ford (1946)
3 - Rio Vermelho (Red River), de Howard Hawks (1948)
4 - O preço de um homem (The Naked Spur), de Anthony Mann (1953)
5 - Os brutos também amam (Shane), de George Stevens (1953)
6 - Rastros de ódio (The Searchers), de John Ford (1956)
O Duke, John Wayne,
em cena de "Rastros de Ódio"










7 - Galante e sanguinário (3:10 to Yuma), de Delmer Daves (1957)
8 - Onde começa o inferno (Rio Bravo), de Howard Hawks (1959)
9 - O homem que matou o facínora (The Man Who Shot Liberty Valance), de John Ford (1962)
10 - Meu ódio será sua herança (The Wild Bunch), de Sam Peckinpah (1969)
Puxa, apenas 10 títulos! Acabei de excluir cerca de 16 outros, que considero essenciais, da lista. Parece que acabo de cometer pecado mortal.

B: Agora mudando o rumo da conversa. Quando Redford quando criou Sundance queria dar oportunidade ao cinema independente. Muitos diretores e produtores beberam nessa fonte que Cassavetes catapultou anos antes. Que tu acha desse tipo de cinema não tão mainstream? Algum filme ou diretor te chamou atenção nestes últimos anos?
JE: Esse tipo de cinema, à margem, é essencial. E aí que vamos encontrar os germes de renovação, as criatividades. Cinema é indústria e indústria é algo formatado, que pode ser reproduzido em grande escala. O cinema independente está à margem disso, pode se afastar das convenções, investir em pesquisas estéticas, formais, autorais; pode correr riscos com mais facilidade. Pode ousar. Pena que todo sopro de independência, de rebeldia, acaba, com o tempo — e são raras as exceções —se incorporando ao mainstream, ainda mais no cinema americano. Gosto de citar um caso extremo: John Waters, com seu cinema de guerrilha. Já significou mau gosto. Vide “Pink Flamingos”. Hoje, é encenado na Broadway. Seus exercícios autorais, fétidos, imorais e amorais já foram incorporados à industria e refilmados segundo os grandes esquemas. Vivemos tempos cada vez mais perigosos ao autoral e ao independente. O capitalismo incorpora tudo, até o que lhe é contrário. Basta ser domesticado, esquematizado e, claro, dar lucro.
Sobre quem está chamando a minha atenção nos últimos anos: Sophie Deraspe, Martin Laroche, XAvier Dolan, Stéphane Lafleur, Robert Morin, Denis Villeneuve, Alexandro Avranas, Rosario Garcia-Montero, Petra Costa, Peter Webber... deve ter mais alguém.

B: E sobre as produções Brasileiras e Latino-Americanas o que você tem a dizer?
JE: Bom... O cinema brasileiro sempre me interessou, desde que me habituei a vê-lo já na fase final das comédias da Atlântida. Nós temos um cinema muito bom, diferente, com valorosos cineastas. No tempo do Cinema Novo éramos uma das cinematografias mais desafiadores. O cinema brasileiro foi recordista mundial de prêmios em mostras e festivais internacionais nos anos 70. Penas que os contextos políticos não ajudaram.
Já vi muitos filmes mexicanos. Eram exibidos facilmente no Brasil até o começo dos anos 70. Havia aqui uma representação da PelMex – Películas Mexicanas –, que fazia a distribuição do que veio a ser conhecido como Cinema de Lágrimas. O cinema cubano também teve melhores dias entre nós, principalmente o Novo Cinema Cubano (já velho), dos anos imediatamente posteriores à Revolução.
Pouco conhecemos das produção dos nossos vizinhos, excluída, atualmente, a Argentina, que vive um contagiante momento de euforia. Quanto a nós, agora, parece que estamos prisioneiros do formato ditado pela Globo Filmes. Mesmo assim, não podemos reclamar, pois temos Jorge Furtado, Fernando Coimbra, Karim Aïnouz, Cláudio Assis e gente mais velha que ainda está na ativa apesar de todas as dificuldades.

B: O que tu achas do cinema como ferramenta de inclusão social?
As contribuições seriam exatamente a de levar o cinema à população. Tentativa que não é nova e era praticada em tempos mais generosos e mais fartos de filmes com temáticas populares e de acesso mais facilitado ao público em geral, principalmente ao carente de cinema. Nos anos 60 e 70 os cineclubes faziam essa ponte, levando o cinema à população que nunca o teve. Inclusive estimulando-o a tomar a câmera como exercício de criação própria. Cheguei a participar um pouco dessa fase, em meus dias de cineclubismo.

B: Para finalizar, se você se definisse como pessoa em um filme, qual seria ele, e por quê?
JE: Ah! Não sei. Certamente seria alguém semelhante aos personagens interpretados pelo Wilson Grey, pelo Hank Worden, pelo Henry Calvin. Nunca me preocupei com isso. Mas alguém heroico é que não seria. Estou mais perto do perfil dos perdedores. Se tivesse que ser um cowboy, encontraria afinidades com o Monte Walsh vivido pelo Lee Marvin em “Um homem difícil de matar” (Monte Walsh, 1970), de William Fraker.