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segunda-feira, 17 de abril de 2017

Elza Soares - "A Mulher do Fim do Mundo" (2015)



"Eu sou mulher do fim do mundo
Eu vou, eu vou,
eu vou cantar
Me deixem cantar até o fim."
da letra de
"A Mulher do Fim do Mundo"




Devo admitir que fui com um certo ceticismo para ouvir "A Mulher do Fim do Mundo", disco da veterana Elza Soares, desconfiado de que grande parte da badalação em torno dele viesse a dever-se muito mais à simpatia das "minorias" ou da parcela da sociedade engajada por assuntos que o disco aborda e causas que, direta ou indiretamente, defende como igualdade racial, feminismo, justiça social, etc., do que propriamente por suas suas qualidades musicais. Para minha felicidade o disco não limita-se a ser um grito dos oprimidos. Aparatada por um time de jovens músicos, compositores e produtores, antenados com o momento musical, com os novos recursos e possibilidades, a veterana Elza Soares tem a oportunidade de ter seu trabalho atualizado e por conta disso revalorizado através das inovações propostas por essa impetuosa retaguarda técnica. Bases e batidas pré-gravadas, guitarras, distorções, incorporação de outras tendências musicais como rap e o funk são algumas das novidades que vemos no trabalho de Elza, impulsionadas, é claro, pelo talentoso grupo de músicos já de bom trânsito e reconhecimento pela cena musical paulistana nos últimos anos.
Mas antes que digam que estou dando todos os méritos para a equipe técnica e inventem outra polêmica, como se já não bastasse da famosa discussão sobre o fato do álbum ter sido todo concebido e executado por homens brancos,  é importante que se saliente que "A Mulher do Fim do Mundo" é um disco DE Elza Soares, feito PARA Elza Soares como muitos discos são feitos para outros intérpretes por diversos compositores, independente de seu gênero, raça ou condição social, e ELA é a estrela maior do disco. Os temas, as letras, a obra foi entregue a ela, personificada nela porque, possivelmente, no Brasil, poucas artistas representariam tão bem a imagem de luta de uma mulher negra de origem humilde julgada pela sociedade como ela. E nada mais autêntico do que entregar esse repertório a uma mulher que, mesmo antes disse projeto, ao longo de sua carreira sempre fez questão de mostrar estas realidades fosse nos repertórios escolhidos, fosse em entrevistas.
Provando que sabem que Elza é quem tem que brilhar e que não tem a intenção de reivindicar a obra, os "garotos" fazem questão de enfatizar isso logo na primeira faixa: o que surge primeiro é a voz. Apenas a voz. Nada mais. Numa emocionante interpretação à capela de "Coração do Mar", poema de Oswald de Andrade, musicado por José Miguel Wisnik, Elza brilha solo mostrando que seu "instrumento de trabalho" permanece como uma marca registrada na música brasileira.
Imediatamente após a introdução vocal, a faixa que dá nome ao disco surge solene e melancólica com cordas chorosas logo integradas a um riff minimalista que não tarda a explodir num samba potente como um terremoto, um cataclismo, um apocalipse. É o fim do mundo e Elza está lá. No meio dele, no olho do furacão. Cantando. Com aquele rasgo de voz característico dela, como se fosse um trompete, ao melhor estilo Louis Armstrong, ela anuncia, inapelável, "Eu vou cantar até o fim". E, amigos, tal é a força, que a partir daquele momento ficamos com a certeza de que nada irá pará-la.
E pra confirmar essa volúpia incontida, a excelente "Maria da Vila Matilde", um "samba-de-breque" cheio de elementos eletrônicos, guitarras e metais, vem dando o papo-reto sobre violência contra a mulher botando o dedo na cara do machão covarde e avisando com todas as letras "Você vai se arrepender de levantar a mão pra mim". É a afirmação da postura da mulher do novo século, da mulher do fim do mundo.
Em "Pra Fuder" a linguagem que num primeiro momento pode parecer desnecessária, tipo criança boca-suja, meio Dercy Gonçalves nos últimos anos de vida, mostra-se imperativa num dos refrões mais intensos dos escritos no Brasil desde as sentenças primais de "Cabeça Dinossauro" dos Titãs.
"Luz Vermelha" é visceral, agressiva, caótica e traz um refrão embalado por uma espécie de drum'n bass sambado; a simpática "Firmeza?!" reafirma a contemporaneidade de linguagem, não somente sonora mas também verbal, proposta pelos compositores e produtores, num amistoso diálogo entre dois "parças" na "quebrada" onde vivem; a mórbida "Dança" talvez seja a que mais se aproxima de um samba canção tradicional; e "Canal" com uma poesia sutil aborda a questão da falta d'água com destaque para o brilhante trabalho de percussão.
"Benedita" (ou seria Benedito?), outro dos granes destaques do álbum, de estrutura quebrada e imprevisível, acompanha as desventuras de um transexual pelo submundo e seus recursos para sobreviver naquele meio selvagem e implacável ("Ela leva o cartucho na teta/ ela abre a navalha na boca") .Uma jornada underground comparável às mais sujas histórias de Fausto Fawcett com suas fantásticas personagens malditas como Kátia Flávia, a amazona loura terrorista, ou a falsa-santa traficante de armas Judith Raquel: ou mais realisticamente, com o personagem de mesmo nome criado por Itamar Assumpção em "Beleléu", mais conhecido como Nêgo Dito.
Sob acompanhamento de cordas "Solto" encaminha com melancolia o final do disco e, assim como começou ele termina, conduzido apenas pela voz de Elza na belíssima "Comigo". A voz está um pouco envelhecida, deve-se dizer a verdade, mas assim como Billie Holliday em "Lady in Satin", que com a voz hesitante e débil ainda conseguira gerar uma obra-prima, Elza Soares talvez tenha conseguido finalmente, em tempo, a sua.
Um disco que já nasceu histórico e que já coloca-se de imediato entre os grandes álbuns da música brasileira. Um projeto musicalmente ousado e que torna-se urgente e essencial no presente contexto político, social e humano por suas temáticas e abordagens. "A Mulher do Fim do Mundo" é o disco da nova mulher, de uma nova atitude, de um novo som, o disco de um novo século e, oxalá, quem sabe não o disco do fim do mundo, mas de um novo mundo.
******************

FAIXAS:
  1. "Coração Do Mar"
  2. "Mulher Do Fim Do Mundo"
  3. "Maria Da Vila Matilde"
  4. "Luz Vermelha"
  5. "Pra Fuder"
  6. "Benedita"
  7. "Firmeza"
  8. "Dança"
  9. "Canal"
  10. "Solto"
  11. "Comigo"

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OUÇA:
Elza Soares A Mulher do Fim do Mundo



Cly Reis


sexta-feira, 5 de abril de 2019

Elza Soares: show "A Voz e A Máquina" - Festival Março Delas (SESC-RJ) - Praça XV - Rio de Janeiro/RJ




Elza comandando sua jovem banda e encantando
o público no Centro do Rio.
Elza Soares foi a grande atração de encerramento dos eventos relativos ao mês da mulher ocorridos na Praça  XV, no Centro do Rio, apresentando seu espetáculo "A voz e a máquina" que traduz exatamente essa nova fase de sua revigorada carreira, na qual a cantora alia sua voz marcante e singular ao maquinário de samples, programações e batidas eletrônicas de um grupo de jovens músicos que entenderam o alcance e o potencial da música da artista e com estes recursos mais contemporâneos, deram a ela mais possibilidades dentro de seu já amplo universo musical. E dentro disso, com toda parafernália eletrônica a seu serviço, comandando seu séquito, de seu trono, a rainha das mulheres pretas deu um showzaço no qual desfilou versões de Chico ScienceCazuza, Chico BuarqueLuiz Melodia e também  brindou-nos com alguns de seus novos clássicos já consagrados mesmo em sua relativamente recente nova fase. Traduzindo perfeitamente a proposta de humanos+máquinas, abriu os trabalhos com "Computadores fazem arte", canção emblemática do mangue-beat recifense, seguiu a celebração com a eletrizante "Hoje é dia de festa" que promoveu um verdadeiro baile a céu aberto na praça e emendou com uma releitura eletrônica de "Fadas", de Luiz Melodia. Se por um lado o título do espetáculo sugere a integração do homem com a tecnologia, também pode ser interpretado como a voz que se levanta contra a máquina da sociedade, o sistema que tanto nos sufoca e nos oprime, e nesse ponto, sempre engajada e ciente da posição que conquistou de porta-voz das mulheres, em especial da comunidade feminina negra e desfavorecida, Elza não deixou passar a oportunidade para pedir mais paz na cidade, mais amor entre as pessoas, respeito às escolhas individuais, igualdade e o fim da violência contra a mulheres, fazendo-o não somente nos pequenos discursos a cada intervalo entre as músicas como nas músicas como na impactante "Não recomendado à sociedade", sobre o preconceito e violência contra homossexuais; na denúncia racial "A carne"  e na, já clássica, "Maria da Vila Matilde", um manifesto feminista em forma de crônica  urbana sobre violência doméstica.
Teve ainda versões emocionantes para duas de Cazuza, "Milagres" e o hino "O tempo não para", acompanhada entusiasticamente pelo público que cantou junto, e, como não  poderia faltar, "A mulher do fim do mundo" pois ela é essa mulher, a mulher do novo século, a mulher que vai até o fim do mundo pelos seus direitos.
Pena que o show tenha sido curto, com pouco mais de uma hora mas foi aquele tempo que valeu cada segundo. Embora já admirasse seu talento, nunca tinha visto Elza Soares ao vivo, em especial nesse novo momento artístico. E ela justificou plenamente todo o sucesso, tardio é verdade, e todo o recente reconhecimento em torno de seu nome e seu potencial. A posição, sentada em uma cadeira devido às limitações físicas que os 80 anos de idade lhe impõe, se lhe causa a inconveniência da imobilidade no palco, parece, justamente aproxima-lá da imagem mais adequada à sua imagem e condição diante do público que a respeita, a admira e idolatra: rainha. A nós, súditos, resta agradecer. Obrigado pelo show, Vossa Majestade!



Trecho de "O Tempo Não Para", de Cazuza




Cly Reis

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

COTIDIANAS nº 656 Dia da Consciência Negra - "A Carne"



A carne mais barata do mercado é a carne negra
A carne mais barata do mercado é a carne negra
A carne mais barata do mercado é a carne negra
A carne mais barata do mercado é a carne negra
A carne mais barata do mercado é a carne negra

Que vai de graça pro presídio
E para debaixo do plástico
Que vai de graça pro subemprego
E pros hospitais psiquiátricos

A carne mais barata do mercado é a carne negra
A carne mais barata do mercado é a carne negra
A carne mais barata do mercado é a carne negra
A carne mais barata do mercado é a carne negra
A carne mais barata do mercado é a carne negra

Que fez e faz história
Segurando esse país no braço
O cabra aqui não se sente revoltado
Porque o revólver já está engatilhado
E o vingador é lento
Mas muito bem intencionado
E esse país
Vai deixando todo mundo preto
E o cabelo esticado

Mas mesmo assim
Ainda guardo o direito
De algum antepassado da cor
Brigar sutilmente por respeito
Brigar bravamente por respeito
Brigar por justiça e por respeito
De algum antepassado da cor
Brigar, brigar, brigar

A carne mais barata do mercado é a carne negra
A carne mais barata do mercado é a carne negra
A carne mais barata do mercado é a carne negra
A carne mais barata do mercado é a carne negra
A carne mais barata do mercado é a carne negra

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"A Carne"
autores: Seu Jorge / Marcelo Yuka/ Wilson Capelette

intérprete: Elza Soares

Ouça:

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Os 20 melhores discos brasileiros da década de 2010

Macalé: um dos expoentes da geração dos 60
da MPB marcando também a década de 2010
Passou rápido essa última década, hein? Tanto que só fui notar que isso estava ocorrendo quando, próximo do Ano Novo, ouvi dizerem que uma nova estava por iniciar. Tá, eu sei que vão dizer que a década mesmo só termina quando chegar 2021. Mas, convenhamos, todo mundo começa a contar a partir de um novo “zero” no calendário. Foi o que fiz. Automaticamente, meu cérebro começou a resgatar acontecimentos importantes no campo da cultura, entre estes, de discos da música brasileira que dessem conta desse ciclo que se fechava. E avaliando os trabalhos lançados entre 2010 e 2019, o saldo, aliás, é bem positivo.

Pode-se notar desde a entrada de uma nova turma de compositores/produtores no cenário musical até a reafirmação dos que já haviam conquistado espaço. Igualmente, a estabilização da geração de vozes femininas (como Tulipa Ruiz, Céu, Xênia França, Anelis Assumpção, Karina Buhr, entre outras), vindas em enxurradas sem critérios na década passada, é outro fenômeno percebido nesses dez últimos anos. Também viu-se um passo adiante dado pelo rap nacional (seja em São Paulo, Rio, Bahia ou outros estados) e na música instrumental mais “cabeça”, bem como a confirmação de que os velhos deuses da nossa música - Caetano, JardsGil, Chico, Djavan e outros -, ainda são bússola para todo mundo. Mas uma peculiaridade se percebeu fortemente: o encontro de gerações. Músicos jovens, além de conduzirem seus projetos próprios, passam a servir de base para moldar os mais antigos na modernidade que a produção musical da atualidade, digital e pós-moderna, exige.

Kiko Dinucci, da Metá Metá: a cabeça da nova geração
por trás de discos de outros artistas
Para representar essa década inspirada, então, selecionamos, em ordem cronológica, já que estamos falando da entrada da década de 20, duas dezenas de discos essenciais da música no Brasil daquilo que, transcorridos mais de 90% de sua totalidade, podemos já chamar de anos 2010. Semelhanças com outras listas sobre o mesmo tema haverá, pois alguns destaques são bastante evidentes. Uma boa parte, por exemplo, figurou no seleto grupo de ÁLBUNS FUNDAMENTAIS do blog e outros, merecedores, estão em tempo de, nalgum momento, serem alçados a tal. Mas diferenças também se notarão, e é aí que reside o legal da formação de listas: poder compará-las, concordar, discordar e, quem sabe, motivar que novas sejam compostas.

****

1. “Recanto” Gal Costa (2011)

O brilhante disco que marcou o retorno de Gal ao nível de qualidade do qual ela nunca deveria ter se afastado. Álbum irmão de “Cantar”, de 1974, "Recanto" tem, igualmente àquele, a curadoria de Caetano Veloso. O disco, no entanto, vai além: é todo de autoria do mano Caetano, com a assinatura de Kassin e Moreno Veloso na produção e arranjos. Disco que revolucionaria não apenas a carreira da cantora, mas ditaria conceito e sonoridade pra quem não quisesse ficar de fora dessa evolução em termos de música no Brasil. Do krautrock tropicalista ao baião renascentista, da industrial-bossa ao funk-maculelê: uma obra-prima da MPB moderna.

1. Recanto Escuro
2. Cara do Mundo 
3. Autotune Autoerótico 
4. Tudo Dói 
5. Neguinho 
6. O Menino
7. Madre Deus 
8. Mansidão 
9. Sexo e Dinheiro 
10. Miami Maculelê 
11. Segunda



2. “Chico” Chico Buarque (2011)

Como seus livros, os discos de Chico têm sido cada vez mais espaçados. Porém, quando acontecem, são de uma síntese tremenda. Este, seu único trabalho musical da década além de “Caravanas”, de seis anos adiante, é o retrato de um artista maduro para com sua música e de um homem consciente para com sua história. Haja vista a autoavaliativa “Querido Diário” ou a romântico-realista “Essa Pequena”. A mais afinada parceria dele com o maestro Luis Cláudio Ramos, “Chico” ainda tem pelo menos outras duas obras-primas: “Tipo um Baião” e “Sinhá”, esta última, parceria com João Bosco, Melhor Canção daquele ano no Prêmio da Música Brasileira.


1. Querido Diário
2. Rubato
3. Essa pequena
4. Tipo um baião
5. Se eu soubesse
6. Sem você nº 2
7. Sou eu
8. Nina
9. Barafunda
10. Sinhá


3. “Nó na Orelha” Criolo (2011)

O ano de 2011 foi marcante não apenas pela alta qualidade de trabalhos de artistas tarimbados como Chico  e Gal, mas também por conta da chegada de uma figura que revolucionaria a música brasileira a partir de então: o paulista Criolo. E ele não o fez repetindo os mesmos passos dos mestres. Fez, sim, pela via do rap. Dono de uma musicalidade assombrosa e de versos imagináveis somente numa cabeça como a dele, Criolo, com o auxílio luxuoso de Daniel Ganjaman, cunhou um dos melhores discos da história da música brasileira e abriu caminho para uma renovação no rap nacional: um rap brasileiríssimo em cores, rimas e sons.


1. Bogotá
2. Subirusdoistiozin
3. Não Existe Amor em SP
4. Mariô
5. Freguês da Meia-Noite
6. Grajauex
7. Samba Sambei
8. Sucrilhos
9. Lion Man
10. Linha de Frente



4. “MetaL MetaL” Metá Metá (2012)

Quando a Metá Metá (Juçara Marçal, voz; Kiko Dinucci, guitarras; e Thiago França, sax) foram convidados, em 2017, para compor a trilha sonora do balé “Gira”, do Grupo Corpo, aquele grande trabalho tinha um evidente precedente: o abundante “MetaL MetaL”, segundo disco da banda paulistana dona do jazz-rock mais afro-brasileiro que já se viu. Uma explosão de sensações, musicalidade, timbres, sonoridades. Basta ouvir “Oyá”, “Logun” ou “Cobra Rasteira” para entender o que se está dizendo. “Incrível” é o mínimo do que se pode descrever.


1. Exu
2. Orunmila
3. Man Feriman
4. Cobra Rasteira
5. São Jorge
6. Oya
7. São Paulo No Shaking
8. Logun
9. Rainha Das Cabeças
10. Alakorô
11. Tristeza Não



5. “Abraçaço” Caetano Veloso (2012)

Não é de se estranhar que o sempre criativo e produtivo, mas também aberto e inovador Caetano tirasse proveito da parceria com os novos músicos. Mas para a sua mente tropicalista essa química foi ainda mais contributiva quando, em 2006, se deparou com a Banda Cê (Pedro Sá; Ricardo Dias Gomes e Marcello Callado). A formação/sonoridade rocker de baixo-guitarra-bateria deu condições ao baiano não apenas de compor uma elogiada trilogia (“Cê”, “Zii e Zie” e este) como, mais que isso, criar um quase subgênero: o transrock. “A Bossa Nova É Foda” (Grammy Latino de Melhor Canção Brasileira) e a faixa-título são apenas duas que confirmam ser este um dos grandes momentos da longa carreira de Caê.

1. A Bossa Nova é Foda
2. Um Abraçaço
3. Estou Triste
4. Império da Lei
5. Quero ser Justo
6. Um Comunista
7. Funk Melódico
8. Vinco
9. Quando o Galo Cantou
10. Parabéns
11. Gayana



6. “Não Tente Compreender” Mart’nália (2012)

Não dá pra dizer que Mart’nália, que já soma mais de 30 anos de carreira, pertença à nova geração. Mas que foi nos anos 2010 que ela se superou, isso sim, é possível afirmar. A filha mais famosa do mestre Martinho da Vila convoca ninguém menos que outro craque, Djavan, para produzir seu álbum, o que resulta no trabalho mais bem acabado dela. O mais legal é que é um disco fácil de se ouvir: suingado, melodioso, charmoso. Além de composições suas, Mart’nália grava figuras carimbadas da MPB, como Marisa Monte, Adriana Calcanhoto, Gil, Caetano, Ivan Lins, Nando Reis e outros. E, claro: não poderia faltar Martinho.

1. Namora Comigo
2. Surpresa
3. Daquele Jeito
4. Depois Cura
5. Que Pena, Que Pena...
6. Não Tente Compreender
7. Itinerário
8. Reverses Da Vida
9. Serei Eu?
10. Eu Te Ofereço
11. Os Sinais
12. Demorou
13. Zero Muito
14. Vai Saber



7. “Aquário” Tono (2013)

Se na década de 2000 foi a turma de Kassin, Domenico e Moreno quem ditou os padrões de “inteligentsia” da música no Brasil, Bem Gil e sua trupe deram um passo adiante nos 2010. Sonoridade moderna e ao mesmo tempo doméstica; melodias complexas que soam fáceis de ouvir; perfeição de timbres e execução que faz parecer algo simples de se fazer. Tamanha completude funcionou tão bem, que foi posta a serviço do genial pré-tropicalista Jorge Mautner em seu mais recente álbum “Não Há Abismo Em Que o Brasil Caiba”, do ano passado, produzido pela banda. Eis os novos caciques da MPB.

1. Murmúrios
2. Sonho com Som
3. Como Vês
4. Tu Cá Tu Lá
5. Chora Coração
6. Leve
7. Do Futuro (Dom)
8. UFO
9. Pistas de Luz
10. Da Bahia
11. A Cada Segundo



8. “Sambadi” Lucas Arruda (2013)

Certamente Marcos Valle, a Azymuth e a turma remanescente da primeira fase do jazz-soul-AOR brasileiro vibrou quanto, em 2013, viram o Espírito Santo operar um milagre: o nascimento de um músico multi-instrumentista e multitalentoso, o capixaba Lucas Arruda. O semi-instrumental “Sambadi”, seu disco de estreia, é um alento de resistência de uma música que o Brasil por muito tempo importara, mas que também há muito não se via representada. Foi Ed Motta quem disse: “Para mim, Lucas Arruda salva esse cenário supermedíocre de hoje”. Talvez nem tanto assim, mas dá a dimensão do acontecimento que foi a sua chegada.


1. Physis 
2. Tamba, Pt. 1 
3. Batuque 
4. Who's That Lady
5. Rio Afternoon 
6. Na Feira 
7. Sambadi 
8. Carnival 
9. Alma Nov
10. Tamba, Pt. 2



9. “Vira Lata na Via Láctea”Tom Zé (2014)

Mais do que os colegas tropicalistas Gal, Caetano e Gil, o que talvez seja o de espírito mais jovem e inquieto é Tom Zé. O baiano de Irará entra na roda da gurizada e produz seu mais poderoso disco da década. Criolo, Dinucci, Tim Bernardes, Trupe Chá De Boldo e Filarmônica de Pasárgada revigoram o sarcasmo poético-erudito do autor de “Brasil Ano 2000”. Mas também tem espaço para os contemporâneos Milton Nascimento (“Pour Elis”), Fernando Faro e uma inédita coautoria com Caetano na faixa que encerra o álbum: “A Pequena Suburbana”.

1. Geração Y
2. A Quantas Anda Você?
3. Banca de Jornal
4. Cabeça de Aluguel
5. Pour Elis
6. Esquerda, Grana e Direita
7. Mamon
8. Salva a Humanidade
9. Guga na Lavagem
10. Irará Irá Lá
11. Papa Perdoa Tom Zé
12. Retrato na Praça da Sé
13. A Boca da Cabeça
14. A Pequena Suburbana



10. “Passado de Glória: Monarco 80 Anos” Monarco (2014)

Último remanescente da Velha Guarda (sim, com letra maiúscula!) do samba brasileiro, Monarco gravou, desde os anos 70, quando já era um bamba da Portela, praticamente um disco por década. Já octogenário, o mestre, com seu barítono inconfundível e suas melodias e letras marcantes, desfila canções irreparáveis de seu vasto cancioneiro. Desde composições dos anos 40 (o gracioso maxixe “Crioulinho Sabu”, escrito quando tinha apenas 8 anos) até parcerias com sambistas célebres, como Mário Lago (“Poeta Apaixonado”), Ratinho (“Verifica-se De Fato”, “Pobre Passarinho”) e Mijunha (“Meu Criador”). Sabe aquele disco que tem caráter de registro histórico-antropológico? Pois é.

1. Poeta Apaixonado
2. Verifica-se De Fato
3. Não Reclame Pastorinha
4. Tristonha Saudade
5. Insensata E Rude
6.  Estação Primaveril
7. A Grande Vitória
8. Pobre Passarinho
9. Momentos Emocionais
10. Fingida
11. Meu Criador
12. Horas de Meditção
13. Crioulinho Sabu



11. “Mulher do Fim do Mundo” - Elza Soares (2015)

A deusa negra Elza Soares já vinha de um ótimo trabalho com músicos de São Paulo por meio do craque Zé Miguel Wisnik, “Do Cóccix Até O Pescoço”, de 2012. E foi dessa proximidade com a turma paulista que a grande cantora viva de sua geração e símbolo do empoderamento feminino chegou a Guilherme Kastrup. Deu liga. Ele arrumou o campo pra que Elza entrasse em campo com o que sabe fazer melhor do que ninguém: cantar. Clássico imediato, “Mulher. do Fim do Mundo” conta com joias como a faixa-título, “Maria de Vila Matilde” e “Pra Fuder”.

1. Coração do Mar
2. A Mulher do Fim do Mundo
3. Maria da Vila Matilde
4. Luz Vermelha 
5. Pra Fuder
6. Benedita
7. Firmeza?!
8. Dança
9. O Canal
10. Solto
11. Comigo



12. “Sangue Negro” Amaro Freitas (2016)

Justo na década em que o Hermeto Pascoal começa a dar sinais de cansaço, eis que surge, também do Nordeste, um novo talento do jazz brasileiro com domínio do piano, da composição, da harmonia e, claro, do improviso: o pernambucano Amaro Freitas. Seu disco de estreia, “Sangue Negro”, é uma ode ao caminho aberto pelo Bruxo e seus cultuadores de magias sonoras. Ora modal, ora hard-bop, ora vanguarda. Ora sertão e barracão. Sintonia perfeita entre ele e seus músicos, Jean Elton (baixo), Hugo Medeiros (bateria) e os sopros de Fabinho Costa e Elíudo Souza.



1. Encruzilhada
2. Norte
3. Subindo O Morro
4. Samba De Cesar
5. Estudo 0
6. Sangue Negro





13. “No Voo do Urubu” Arthur Verocai (2016)

Só o fato de ser um dos quatro discos do maestro e compositor mais cults da música brasileira e o único na década de 2010 já seria suficiente para ser considerado importante. Mas “No Voo do Urubu” alça mais alto que isso: vai aos céus. Essencial desde seu lançamento, como bem percebeu Ruy Castro, traz desde o primor das melodias jobinianas (“Oh! Juliana”, “O Tempo e o Vento”) ao contagiante suingue funk-soul nas parcerias com Vinícius Cantuária (“A Outra”), Mano Brown (“Cigana”) e Criolo (“O Tambor”). Claro, Verocai não deixa de lado também os arranjos de cordas mozartianos e o dedilhado erudito-popular do violão.

1. No Voo do Urubu 
2. O Tempo e o Vento
3. Oh! Juliana (
4. Minha Terra Tem Palmeiras 
5. A Outra 
6. Cigana 
7. O Tambor
8. Snake Eyes 
9. Na Malandragem 
10. Desabrochando 



14. “Duas Cidades” BaianaSystem (2016)

A Bahia de Todos os Santos é um dos polos da música brasileira desde que o samba é samba. Por isso, não é de se estranhar que tenha seus representantes nesta nova geração da música brasileira. É aí que entra o BaianaSystem. Misto de reggae, dub, samba, afro-beat, rap, axé e rock, eles trazem não só a Salvador idílica como também a urbana, como suas questões sociais, raciais e políticas à flor do asfalto. “Jah Jah Revolta – parte 2” abre o disco dizendo a que veio. Isso sem falar nas excelentes “Mercado”, “Dia da Caça” e “Panela”. Mais um pra conta de Daniel Ganjaman, aliás.

1. Jah Jah Revolta - Parte 2
2. Bala na Agulha
3. Lucro (Descomprimindo)
4. Mercado
5. Duas Cidades
6. Playsom
7. Dia da Caça
8. Cigano
9. Calamatraca
10. Panela
11. Barra Avenida Parte 2
12. Azul



15. “Tribalistas 2”Tribalistas (2017)

Ainda bem que não se confirmaram os versos ditos por eles mesmos em 2002 de que “o tribalismo” iria “se desintegrar no próximo momento”. Para sorte dos fãs e da música brasileira, 15 anos depois, Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes se reúnem novamente e, novamente, produzem um disco impecável de cabo a rabo. Das composições às execuções, das interpretações à produção. Que beleza infindável que são, por exemplo, "Diáspora", "Baião do Mundo" e "Fora da Memória"!

1. Diáspora
2. Um só
3. Fora da memória
4. Aliança
5. Trabalivre
6. Baião do mundo
7. Ânima
8. Feliz e saudável
9. Lutar e vencer
10. Os peixinhos




16. “Besta Fera”Jards Macalé (2018)

O “maldito” voltou com tudo, a se ver já pelo título. Com o aporte de um dos cabeças desta nova geração, o “Metá Metá” Kiko Dinucci, juntamente com outro talento eminente, Thomas Harres, Macao traz desde temas com esses jovens parceiros e outros, como Tim Bernardes e Rodrigo Campos, até o velho companheiro de estrada Capinam (em “Pacto de Sangue”) e a filha do amigo Glauber Rocha, Ava Rocha, com quem compôs “Limite”. Impossível ficar alheio à faixa de abertura, “Vampiro de Copacabana”, homenagem a Torquato Neto.

1. Vampiro de Copacabana
2. Besta Fera
3. Trevas
4. Buraco da Consolação
5. Pacto de Sangue
6. Obstáculos
7. Meu Amor e Meu Cansaço
8. Tempo e Contratempo
9. Peixe
10. Longo Caminho do Sol
11. Limite



17. “Abaixo de Zero: Hello Hell”Black Alien (2018)

Falando novamente em rap, não só a nova geração surpreendeu, mas também um velho militante do hip-hop brasileiro: o ex-Planet Hemp Black Alien. Após um período sabático, Gus ressignificou sua vida e sua música, lançando um disco curto, pungente e genial. Letras afiadíssimas sobre a sua realidade e vivência e também sobre sociedade, política e sistema, ganham a roupagem perfeita dada pelo produtor e parceiro Papatinho, outro “ás” da nova geração. Versos como “Quem me viu, mentiu, país das fake news/ Entre milhões de views e milhões de ninguém viu” dão a ideia do quanto o negócio é quente.


1. Área 51
2. Carta Pra Amy
3. Vai Baby
4. Que Nem O Meu Cachorro
5. Take Ten
6. Au Revoir
7. Aniversário De Sobriedade
8. Jamais Serão
9. Capítulo Zero





18. “Taurina”Anelis Assumpção (2018)

A responsabilidade de representar a tradição dos Assumpção na música não é tarefa fácil. Não para Anelis Assumpção. Após a perda do pai, o genial Itamar Assumpção, no início dos 2000, viu-se, em 2016, também sem a irmã mais velha, a igualmente musicista Serena. Toda essa hereditariedade e tradição, unidas à sua criatividade própria, resultaram no brilhante “Taurina”, terceiro disco dela. Sensibilidade feminina, empoderamento, Lira Paulistana, poesia maldita, ecos do Nego Dito: elementos musicais e conceituais não faltam, o que se pode notar em “Mergulho Interior”, “Chá de Jasmin”, “Paint my Dreams” e outras. 

1. Mergulho Interior
2. Chá De Jasmim
3. Segunda à Sexta
4.  Gosto Serena
5.  Pastel De Vento
6. Caroço
7. Mortal À Toa
8. Paint My Dreams
9.  Moela
10.  Escalafobética
11. Receita Rápida




19. "Bluesman" - Baco Exu do Blues (2018)

Na Bahia tem cururu, vatapá e... rap! Baco Exu do Blues, esse jovem talento vindo da terra de Caymmi, balançou a cena musical brasileira em 2017 com o marcante "Esu" e, logo em seguida, surpreendeu ainda mais com o premiado "Bluesman". Trap, gangsta, blues e funk se homogeinizam às mais profundas raízes da música afro-brasileira. Samples inteligentes e letras poderosas, viscerais, críticas e improváveis, como as de “Queima Minha Pele”, “Me Desculpa Jay Z” e Flamingos” e “Girassóis De Van Gogh”.


1. Bluesman
2. Queima Minha Pele
3. Me Desculpa Jay Z
4. Minotauro De Borges
5. Kanye West Da Bahia
6. Flamingos
7. Girassóis De Van Gogh
8. Preto E Prata
9. BB King




20. “Gil” Gilberto Gil (2019)

Se o autor de “Aquele Abraço” não tinha produzido nenhum disco à altura de seus grandes álbuns na década de 2010, ao apagar desta o mestre baiano tira da cartola a trilha sonora para a peça que o Grupo Corpo encenaria lindamente nos palcos. Mas, como acontece sempre com as trilhas da companhia de dança, o disco pode ser apreciado separadamente da coreografia com tranquilidade. E que maravilha Gil compôs! Espécie de réquiem em ritmos e cores brasileiras, Gil, de mãos dadas com o filho e igualmente talentoso Bem Gil, desfila suas inúmeras referências, tendo uma como principal: a própria obra. 

1. Intro Choro nº 1
2. Choro nº 1
3. Improviso Choro nº 1
4. Intro Seraphimu
5. seraphimu
6. Improviso Seraphimu
7. Intro Fragmento Lírico
8. Fragmento Lírico
9. Improviso Fragmento Lírico
10. Círculo
11. Triângulo
12. Quadrado
13. Retângulo
14. Pentágono
15. Gil


Daniel Rodrigues