quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016
Cartola - "Cartola" (1976)
quinta-feira, 17 de novembro de 2022
Paulinho da Viola - “Prisma Luminoso” (1983)
A carreira de Paulinho, marcada pela observância acurada da música de Cartola, Zé Ketti, Dª Ivone Lara e Nelson Cavaquinho, iniciou ao lado dos bambas do passado e do presente no conjunto Rosa de Ouro, e 1965. Mas a música está desde sempre na sua vida. Vem de casa, das rodas de choro em Botafogo promovidas pelo pai, o violonista César Faria, onde recebia de Pixinguinha, Jacob do Bandolim e Dilermando Reis sob os olhos do pequeno Paulo. Depois, nos pagodes e feijoadas na quadra da Portela, sua Escola, onde aprendeu com os gênios anônimos Manacéa, Ventura, Paulo da Portela, Santana, Monarco, Carlos Cachaça, Candeia. Fora isso, na juventude, o convívio de perto com os mestres no Zicartola, de Nelson Sargento a Clementina de Jesus, passando por Elton Medeiros, Hermínio Bello de Carvalho, Ciro Monteiro e outros, que deram combustível ao coração sensível e à mente altamente inteligente de Paulinho. Eis, então, um autor original e intimista, que consegue juntar a tradição do samba, a voz do morro e a modernidade aludida pela bossa nova.
Dono de uma obra de apenas 21 álbuns solo em quase 60 anos de carreira, sendo alguns ao vivo ou de regravações, Paulinho tem um cancioneiro diminuto. Sabiamente descompassado do restante do mercado fonográfico, desde 1996 não lança um trabalho de estúdio novo. Isso tudo obriga o ouvinte a, diante de sua obra, ser tão contemplativo quanto suas letras sugerem, fazendo com que cada disco seu seja um verdadeiro tesouro artesanal onde guardam-se preciosidades como choros, toadas, sambas-enredo, partidos-altos e mais e mais brasilidades. Tudo encapsulado por um estilo marcadamente sofisticado e por uma poética que remete ao parnasianismo, ao simbolismo, ao romantismo e às vezes à poesia moderna (a se ver pela ousada “Sinal Fechado”, de 1971). Por isso, escolher “Prisma Luminoso” para representar sua discografia é tarefa fácil. Nele se encontra toda esta conjunção de qualidades amalgamadas a um estilo tomado de originalidade e fineza.
Quase como um lema, “O Tempo não Apagou” começa um dos discos preferidos do próprio Paulinho em ritmo de batucada, a qual encerra com uma batida única que não se encontra mais em lugar nenhum, nem mesmo nas escolas de samba há bastante desviadas do som dos blocos carnavalescos de antigamente. Logo depois, de arranjo impecável de Cristóvão Bastos, o samba romântico “Retiro” apontaria o caminho em timbrística e clima para a retomada da carreira de Emílio Santiago alguns anos dali nas “Aquarelas Brasileiras”. Já “Cadê a Razão”, João Bosco, Djavan e Gilberto Gil na veia (não à toa dedicada aos três, aliás) traz uma saborosa mistura de samba-de-breque com funk. Na medida certa, sem pesar a mão, bem ao estilo do seu autor.
Outra joia do disco é “Mas Quem Disse que Eu te Esqueço”, de autoria de Dª Ivone em parceria com Hermínio. Certamente uma das mais belas melodias e letras do samba de todos os tempos: “Tristeza rolou dos meus olhos/ De um jeito que eu não queria/ E manchou meu coração/ Que tamanha covardia”. Ainda mais quando cantada pela voz principesca de Paulinho! O samba triste “Mais que a Lei da Gravidade” tem no piano de Cristóvão a cama perfeita para a parceria com Capinan, com quem Paulinho também divide a autoria da faixa-título, um clássico samba de breque com astral pra cima, amoroso e sensível. Nela, se vê claramente a poética de Paulinho, que faz alusão às metáforas com os elementos naturais e suas simbologias, como o mar, o vento, o olhar, o sal e o cristal. Elementos da passagem do tempo.
A ótima “Documento”, de Eduardo Gudin e Paulo César Pinheiro, abre a segunda parte do disco, que tem na sequência outra coautoria de Paulinho, esta com o antigo parceiro Elton: “Quem Sabe”. Com um distinto riff puxado no cavaquinho, faz jus ao legado de Cartola a que tanto os dois dignificam. “Quem sabe/ Retomando a velha estrada/ Eu encontro em outros braços/ Aquela ternura que um dia perdi/ Dentro dos olhos teus”. A modernidade de Cartola, aliás, a qual Paulinho tanto exalta, é novamente reverenciada na versão de “Não Posso Viver sem Ela”, música de 1942 gravada originalmente por Ataulfo Alves e pelo seu autor em 1976. Para encerrar, o impecável “Prisma...” traz ainda a bela “Cisma”, a onírica “Só Ilusão” e a sertaneja “Toada”, mostrando a maturidade de um artista que se experimenta em vários gêneros.
Acontecimentos únicos como Paulinho da Viola revestem-se, no entanto, de certa normalidade. Veja-se só agora, com os 80 anos deste artista, celebrados país e mundo afora. Mas é só parar um pouco e observar o que está tácito: 80 anos, que nada! Paulinho tem 80 e mais, 80 e todos. 80 e tudo. Muita sabedoria, poesia, elegância, beleza para caber em meros anos somados uns anos outros. Ele pensa que engana quando canta os versos de Wilson Batista: “meu tempo é hoje”. Pura humildade: o tempo de Paulinho não é só hoje: é sempre. Paulinho é o tempo do infinito, o tempo dos mares que tanto lhe cabem na poesia. O tempo do vento, que lhe faz articular essa voz límpida e cheia de coração. O tempo do amor, sentimento sem tempo. Não é ele quem se navega: quem lhe navega é o mar.
Irokô definitivamente sabe das coisas.
segunda-feira, 27 de dezembro de 2021
Monarco - "Terreiro" - Participação da Velha Guarda da Portela (1980)
Posso dizer que estive muito próximo de Monarco desde
bastante tempo. Certamente não tanto quanto os amigos, parceiros, moradores da
comunidade de Madureira ou Oswaldo Cruz, dos portelenses que tinham o
privilégio de conviver com ele. Mas meu contato com o mestre, que nos deixou no
último dezembro, certamente foi muito maior do que para com muitos artistas que
admiro mas que, como acontece na maioria dos casos, uma admiração somente à
distância. Por isso, arrisco em afirmar que estive, pelo menos três vezes, quando não a metros, por um fio de distância de Monarco. Tão próximo que seria possível ouvir-lhe, como um bumbo de samba, a batida do coração.
Primeira vez que o vi presencialmente foi em 2014 quando este,
juntamente com a Velha Guarda da Portela, presenteou Porto Alegre em uma
apresentação ao vivo – e de graça – em pleno parque da Redenção para a
celebração dos 80 da UFRGS. Já havia ficado um tanto frustrado em 2010 quando, com minha mãe, fui á quadra do bloco Cordão da Bola Preta, no Rio de Janeiro, para uma feijoada em que tocaria a Velha Guarda da Portela, mas ele foi um dos ausentes. Na Redenção, no entanto, a alegria foi completa. Que momento histórico aquele! Lembro que foi uma
sexta-feira, em que Leocádia e eu saímos de nossos compromissos e rumamos
direto para o local do show, próximo ao espelho d’água. Com seu barítono em
dia, mesmo com os mesmos 80 anos da universidade que o convidara, o baluarte,
acompanhado das pastoras e de uma competente banda, fez sua escola do coração tomar
conta do parque com sambas clássicos de sua autoria e de outros bambas como ele
tanto da Portela quanto de outras agremiações.
Aliás, abrindo um parêntese aqui: igual a ele, talvez não
tenha existido. Hildemar Diniz cruzou praticamente todos os momentos
importantes nos últimos 70 anos do samba carioca e da Portela, agremiação da qual
tinha apenas 10 anos menos. Monarco conviveu e cambiou com os principais nomes
da sua comunidade e do samba carioca: Paulo da Portela, Silas de Oliveira, Candeia,
Natal, Cartola, Manacéia, Nelson Sargento, Martinho da Vila, Beth Carvalho, Paulinho da Viola,
Tia Vicentina, Dona Ivone Lara, Casquinha, Áurea Maria, Surica entre tantos outros. Uma simbiose
que muitos não tiveram talento, nem perseverança e nem tempo de vida para
tanto. Presidente de Hora da escola, Monarco tinha mais do que somente um
título honorário mas sem propósito prático. Era quase como um cacique, um pai
de santo, um líder religioso, uma majestade cujo respeito foi conquistado durante a vida e a quem todos recorriam
para pedir-lhe a benção. A autoridade de um monarca do samba.
Mas voltando às minhas vezes com Monarco, a segunda em que o
vi bem de perto foi dois anos depois do show em Porto Alegre numa apresentação
no CCBB do Rio de Janeiro celebrando os 100 anos do samba, quando, além de
Leocádia, ainda tive o prazer da companhia de minha mãe, que, sempre antenada
na programação cultural carioca, nos levou àquele deleitoso momento que contava
também com a participação de Nei Lopes. O velho mas lúcido Monarco, então com apenas 18 anos menos que o próprio samba, não só
cantou como contou histórias, o que fazia com maestria tanto quanto seus
sambas, verdadeiras crônicas cotidianas.
Da discografia de Monarco, no entanto, “Terreiro”, seu segundo dos sete
solo, de 1980, é talvez o mais especial. Com os companheiros de Velha Guarda, mas
também outros craques como Mestre Marçal, Valdir 7 Cordas e o filho e parceiro
Mauro Diniz, o disco desfila em azul e branco sambas de todas as épocas invariavelmente
com a maestria de sua interpretação. Nas composições, as elegantes melodias de nuanças eruditas se
juntam às letras que namoram com a melhor poesia parnasiana de um “sambista-historiador”,
como definiu Sérgio Cabral. Dos temas do próprio Monarco tem “Homenagem À Velha
Guarda” (“Vi os sambistas de fato/ Manacéia e Lonato e outros mais/ Juro que
fiquei boquiaberto/ Nunca me senti tão perto/ Da Portela dos tempos atrás”), “Você
Pensa Que Eu Me Apaixonei” (com Alcides), “Proposta Amorosa” e a clássica “Passado
de Glória” (“A Mangueira de Cartola, velhos tempos do apogeu/ O Estácio de
Ismael, dizendo que o samba era seu/ Em Oswaldo Cruz, bem perto de Madureira/ Todos
só falavam Paulo Benjamin de Oliveira”), daquelas que não podem faltar em qualquer
apresentação da Velha Guarda.
No disco tem também espaço para outras escolas que não só a
Portela: “Silenciar a Mangueira”, numa interpretação inédita do amigo Cartola que
morreria naquele mesmo ano, e “Estácio de Sá Glória do Samba”, em que Monarco,
como era de sua natureza, deixa o clubismo de lado e homenageia uma das
comunidades fundadoras do carnaval carioca. Prevalecem, no entanto, as
composições de portelenses como ele. A linda “Chuva” (Hortêncio Rocha), a lírica
“Conselho de Vadio” (Alvarenga) e a ufanista “Feliz Eu Vivo no Morro”
(Josias/Pernambuco/Chatim). Tão bom quanto, o pot-pourri “Temporal” (Tia Doca), “Mulher
Vai Procurar Teu Dono” (Rufino), “Caco Velho” (Caetano), e “Serei Teu Ioiô”
(Paulo da Portela/Monarco) é uma mostra mais do que perfeita da grandiosidade
poética e melódica da turma de Madureira.
Fora isso, as audições, tantas e tantas. “Tudo Azul”, da Velha Guarda da Portela, de 1999, furei de tanto ouvir. E quantos sambas, quantas joias da nossa cultura! “Lenço”, “O Quitandeiro”, “Coração em Desalinho”, "Obrigado pelas Flores", “Portela Desde Que Eu Nasci”, “Ingratidão”, “Agora é Tarde”, “De Paulo a Paulinho”, “Pobre Passarinho”... Ah, tanta beleza, que se for falar mais de Monarco, hoje eu não vou terminar.
Ah, mas faltou falar da terceira ocasião em que me vi junto a
Monarco. Pois bem: embora mais longe fisicamente, foi a vez em que, curiosamente, tive-lhe
mais perto. No início de 2019, minha irmã Kaká Reis, produtora cultural,
trabalhava com o velho bamba e, por ideia de meu outro irmão e coeditor do blog, Cly Reis, arranjou-me
para meu programa Música da Cabeça, na Rádio Elétrica, uma entrevista com Monarco,
com quem ela estaria em São Paulo para um show. Kaká não apenas viabilizou a
conversa e a gravação como mediou a entrevista a partir das questões que
cuidadosamente elaborei. No camarim, horas antes de subir ao palco, Monarco,
com toda sua simpatia e sabedoria, prestou-lhe(me) uma entrevista deliciosa,
que marcou a centésima edição do meu programa. A se considerar que irmãos são
nós mesmos em outro corpo, posso dizer que estive, sim, com Monarco. Bem próximo,
a seu lado, falando com ele. A centímetros do coração. E ele – como sempre fez
através de sua obra grandiosa – falando comigo.
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FAIXAS:
Daniel Rodrigues
quinta-feira, 15 de maio de 2014
O Jogo da Sua Vida #4 - Grêmio 0 x Flamengo 0 (1989)
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Jorge Ben - "Camisa 10 da Gávea"
sábado, 5 de novembro de 2022
Copa do Mundo Gilberto Gil - Campeã
Chegou o grande momento.
Conheceremos a grande canção campeã.
Querem saber qual a melhor música de Gilberto Gil?
Vamos lá, então!
(Esse suspense é que me mata.)
Cly Reis
Dentro do campo, se Palco começa com aquele seu "Papapapabaia, papapa pabaia, papapa papá...", Realce não deixa por menos e manda o seu "Hey-ah mama, hey-ah..."; letra por letra, ambas trazem toda a mestria da poesia de Gil, com seu jogo de palavras inigualável e recado repleto de sabedoria; se Realce tem aquela guitarra marcante, estridente, que já se apresenta logo na abertura, os metais precisos e o refrão muito disco; Palco traz um suingue rico e embalado, também cheio de metais e, por sua vez, uma pegada soul contagiante. O 0x0 persiste mas, o refrão decide o jogo: apesar do ótimo refrão de Realce, do título repetido entre as linhas de metais, o "fora daqui" de Palco é uma das coisas mais fantásticas da música brasileira. 1x0, apertado, no limite, no detalhe, mas o suficiente para despachar Realce. Vitória de Palco.
segunda-feira, 30 de abril de 2018
Copa do Mundo The Smiths - Final
Chegou a hora da tão esperada final.
"Girl Afraid", canção que oficialmente não saiu em álbum, mas aparece na compilação Hatful of Hollow mas que aparece em outras coletâneas da banda de Manchester, com bravura, derrubando adversários difíceis, chega à final para encarar "There's A Light That Never GosOut", canção do clássico disco "The Queen Is Dead", considerado por muitos o melhor do grupo, e por outros tantos até mesmo, o melhor álbum de rock de todos os tempos. Será?
segunda-feira, 30 de março de 2020
"A Fantástica Fábrica de Chocolate", de Mel Stuart (1971) vs. "A Fantástica Fábrica de Chocolate", de Tim Buton (2005)
Sabe aqueles velhos que vem com aquele papo, "Bom mesmo era o futebol no meu tempo!"? Pois é... É mais ou menos a sensação que tenho em relação a "A Fantástica Fábrica de Chocolate". Embora reconheça todos os méritos da refilmagem de Tim Burton, de 2005, não consigo deixar de gostar mais da versão original de 1971. Acho que por uma espécie de Síndrome da Sessão da Tarde, uma vez que este foi um dos filmes que mais assisti, e tenho certeza que não somente eu, nas tardes globais dos anos oitenta, numa época em que a sessão vespertina do mais popular canal aberto era tudo o que se tinha e não havia toda essa avalanche de canais exibindo filmes 24 horas por dia, sem falar streaming, aplicativos , plataformas e todas essas coisas que essa meninada de hoje em dia gosta.
Com uma grade de filmes muito menos ampla que as que os canais possuem hoje em dia, volta e meia repetia o filme daquele excêntrico proprietário de uma famosa fábrica de chocolate que permitia que cinco crianças que encontrassem a etiqueta dourada na embalagem nas barras do seu produto, espalhadas ao redor do mundo, visitassem sua empresa e as instalações de produção. O filme revelava, através da personalidade e cada criança e seu respectivo caráter, bem como dos pais que os acompanhavam no tour, uma crítica não somente à sociedade consumista e de aparências, como também à criação e educação que muitos pais dão a seus filhos fazendo delas criaturas mimadas, glutonas, prepotentes e alienadas. Lá, só o humilde Charlie, um garoto pobre que conseguira seu ticket dourado por pura sorte, com míseros trocados que achara na rua, fugia a essas características e por isso mesmo, aos poucos, vai ganhando a simpatia do dono da fábrica.
Mas minha preferência pelo antigo não se limita a uma mera nostalgia infanto-juvenil. O filme original é, na minha opinião, superior a seu remake em diversos pontos, a começar pela atuação sóbria e precisa no equilíbrio entre o cômico e o perturbador de Gene Wilder como Willy Wonka, em contraste com as expressões caricaturais de Johnny Depp, quase sempre exibindo um sorriso maníaco forçado e aquele olhar abobalhadamente distante. Prova dessa competência de Wilder no papel, é que um dos memes mais conhecidos da internet tem ele, em uma cena do filme, com uma cara tão cínica, tão enfadada, que o quadro passou a ser utilizado nas mais diversas situações de sarcasmo, descrença e desprezo. Outro ponto a favor do antigo é a concisão. O novo filme se alonga demais em coisas desnecessárias, tem flashbacks que não acrescentam nada, e acrescenta uma historinha da infância do chocolateiro que, ainda que remeta a família, a união, a compreensão, ok!, é, no fim das contas, de pouca contribuição para o resultado final ou para formar uma "mensagem". Pra ser justo, a origem dos Oompa-Loompas, que revela a origem dos pequenos pigmeus que trabalham na fábrica, e faz velada menção à escravidão dos povos negros, é uma dessas cenas de recuperação que é válida, interessante e é um gol a favor do filme de Tim Burton. Por outro lado, os homenzinhos do filme original, anões com seu tamanho natural, são melhores, na minha opinião, que os da refilmagem, onde um também anão é infinitamente multiplicado para representar todos os funcionários da fábrica e digitalmente reduzido ainda mais que sua estatura original, sendo que em algumas cenas o efeito não fica lá muito convincente.
Apesar do efeito discutível dos minúsculos funcionários da fábrica, a parte técnica é um dos pontos a favor do novo filme. Os efeitos especiais e sonoros são na maior parte das vezes muito bons e prestam bom serviço às pretensões do diretor. A propósito, a direção de Burton também é bastante competente, com suas tradicionais cores, ordem, profundidade e atmosferas soturnas. Os cenários e a direção de arte são bem característicos com distorções, maquinários e bizarrices que são a cara do diretor.
"Mas como assim? Se o remake é tão bom nisso, naquilo e naquilo outro, como é que o original ganha?". Eu disse que o original ganhava, eu não disse que seria fácil!
Pois bem, vamos então lance a lance, decidir esse confronto:
E a garota Violet, digo..., a bola rola na grama comestível do Wonka Stadium...
Gene Wilder em relação a Johnny Depp, pelos motivos já listados lá no início, é gol para o time de 1971; em compensação Freddie Highmore, que viria a ser o Norman Bates de "Bates Motel" e o médico de "The Good Doctor", ainda pirralho, como o garoto Charlie, é um ganho do remake: 1x1 no placar. A cena do garoto encontrando o bilhete é melhor na primeira versão: 2x1; mas a cena da entrada na fábrica com a musiquinha dos bonecos mecânicos e os mesmo derretendo nas chamas, numa cena de um estranhamento macabro tipicamente timburtiano, garante novo empate para o remake: 2x2.
Com um ganho aqui, outro ali, os passeios de visitação se equivalem, mas os "acidentes" com as crianças fazem o placar se movimentar novamente: o do gordinho Augustus, que funciona melhor no primeiro filme e causa um grande impacto no espectador por ser o primeiro acidente e o da chicleteira chata Violet, exagerado demais na nova versão, garantem mais um tento para o time de Mel Stuart. Só que do outro lado tem treinador, quero dizer, diretor e o time de Tim Burton contra-ataca com a macabra cena dos esquilos atacando a pedichona mimada Veruca Salt e a levando para o buraco das nozes ruins. Cena de filme de terror perturbadoramente fantástica. 3x3 para o original. E o remake passa à frente do placar pela primeira vez por conta do número musical do incidente com o garoto Mike Teavee que depois de ser teletransportado para dentro de um televisor, invade programas de culinária, de esportes, de música e tudo mais. 3x4. Que jogo, senhoras e senhores!
Mas por falar em musical, voltando aos Oompa-Lumpa, embora o filme de 2005 tenha praticamente um videoclipe ultra-produzido para cada intervenção dos nanicos, mesmo sem todo o aparato técnico da nova produção, as performances musicais dos baixinhos do filme de 1971 são, no âmbito geral, mais marcantes e sua canção é daquelas que não sai da memória de quem já assistiu ao longa. 4x4 para os baixinhos de Gene Wilder. E a galera canta "Oompa Loompa, doompadee doo..."!
Finalzinho do jogo e a cena do elevador define a partida: a do filme original é muuuito mais impactante. A primeira vez que vi aquilo, lá pelos meus 8 ou 9 anos fiquei surpreso, fascinado e emocionado. Charlie ganhado o prêmio final, aquele elevador rompendo o teto da fábrica e sobrevoando triunfalmente a cidade. Golaço para o antigo, até porque no novo a ideia do elevador é muito mal utilizada fazendo com que a inusitada máquina apareça antes do final levando os visitantes restantes à sala de TV e, depois, torne-se praticamente um elemento ordinário, perdendo um tanto de seu caráter extraordinário por servir como uma espécie de transporte particular comum para Willy Wonka, estacionado numa esquina à sua espera para ir pra lá e pra cá.
A essas alturas o treinador Mel Stuart já está no banco gritando, "Acabou, acabou!!!", pois o filme dele acabou, mesmo ali no voo do elevador, mas o time de Tim Burton quer jogo e tenta alguma coisa nos acréscimos com aquela história toda de família é bom, é ruim, de dou a fábrica, não dou a fábrica, olha meu dentinhos, perdão papai e tudo mais. Willy Wonka ainda tentou tirar alguma coisa da cartola apostando na experiência do craque Christopher Lee nos minutos finais, mas não foi o suficiente para empatar o jogo. E o placar ficou assim mesmo: 5x4 para o filme original, para o antigo, para o filme de '71. Aquilo é que era futebol, digo..., aquilo é que era filme!
"Então você é do ramo de doces... Conte-me então como é o sabor da derrota." |
o doce gosto da vitória.
por Cly Reis