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segunda-feira, 17 de julho de 2017

Arthur Verocai - “No Voo do Urubu” (2016)


“Compositores e arranjadores são animais distintos na floresta e, não raro, hostis entre si. Disputam as mesmas presas: a beleza, a complexidade, a inspiração – enfim, a música –, e cada qual costuma se atribuir o crédito pelo sucesso do outro. Arthur Verocai é dos poucos a desconhecer esse problema: compositor, ele é seu próprio e completo arranjador, e os dois se embrenham juntos pela mata, partilhando segredos e descobertas”.
Ruy Castro


Podia ter escolhido pelo caminho do já consagrado pelo tempo para falar sobre Arthur Verocai. Podia falar sobre o mítico primeiro trabalho, lançado há 45 anos e hoje considerado cult entre músicos e apreciadores de sua música pelo mundo. Podia, igualmente, falar de “Econre”, CD lançado em 2005 pelo pianista, violonista, maestro, compositor e arranjador na Inglaterra e que traz o fino de um trabalho amadurecido e com a merecida produção “gringa”. Mas a emoção faz com que, deliberadamente, deixe de optar por essas duas vias mais fáceis. A opção se dá exatamente pelo sentimento imediato, pelo coração que bate rápido ao ouvir pela primeira vez “No Voo do Urubu”, o primoroso novo disco de Verocai lançado ano passado e que, embora o pouco tempo de vida, pode já ser considerado fundamental. Isso, desde a primeira audição. Como ocorreu comigo.

Com seu misto inequívoco de jazz, bossa nova, soul, clássico e música experimental, Verocai é uma das joias brasileiras tardiamente redescobertas. Desde os anos 60, foi arranjador de gente do calibre de Elis Regina, Jorge Ben, Ivan Lins, Gal Costa, Erasmo Carlos, Som Imaginário, Nélson Gonçalves, Marcos Valle e muitos outros. A atuação nos bastidores se estendeu nos anos 70, quando atuou como diretor musical e arranjador da TV Globo em programas como "Chico City" e "A Grande Família", compondo trilhas incidentais e temas de abertura de novelas. Tanto foi nessa linha “por trás das câmeras” que, em terras brasileiras, acabou caindo no obscurantismo. Porém, como já é recorrente, precisou ser descoberto por DJ’s do hip hop norte-americano nos anos 2000 para que, enfim, voltasse à cena. E agora para ficar.

“No Voo do Urubu” registra, assim, um músico, aos 72 anos, em sua melhor fase. É isso que o disco transparece. Composto por 11 novas faixas - todas magistralmente arranjadas pelo autor -, traz, além de 6 delas escritas unicamente por Verocai, parcerias entusiasmadas que denotam a devida homenagem ao mestre. Que, por sua vez, tributa seus mentores: Stan Kenton, Bernard Herrmann, Vilma Graça, Wes Montgonmery, Miles Davis, Milton Nascimento e, claro, Tom Jobim. O disco já começa assim: na faixa-título, cuja abertura é brilhantemente orquestrada pelo maestro, o clima retraz os primeiros arranjos de um Tom pré-bossa nova com um misto de soundtracks, que tanto Verocai se acostumara a inventar. O título e a atmosfera classuda, que fazem referência ao “maestro soberano” como das muitas que há no disco, dá lugar agora a um suingue carioca tanto em melodia quanto em letra e, mais ainda, pela ginga do intérprete. Seu Jorge põe o vozeirão a serviço da linda e brasilianista letra, que exalta a Rio de Janeiro com suas belezas e ícones: “Sol, o supremo pintor/ Arquiteto do mundo, Deus nosso senhor/ Poderia criar/ A cidade no monte com vista pro mar/ Uma bela baía, nossa Guanabara/ Olha o cara de cão, lembra o São Sebastião/ Padroeiro do nosso Rio de Janeiro/ Onde Estácio de Sá arremessou o Sá/ Tem muito siri, quero ficar aqui/ Tem patola azul, arraiá, guaiamum/ As antigas baleias, hoje são sereias/ De Ipanema à Bangu, no voo do urubu”.

A elegância da bossa nova invade como uma brisa matinal sobre as pedras do Arpoador em “O Tempo e o Vento”, quando o próprio Verocai canta uma nova homenagem ao mestre Tom – além do próprio título, que remete à trilha sonora feita por Tom à minissérie da TV Globo, em 1986, ainda parafraseia a canção “Luiza” (“As canções que escrevi/ esqueci sobre o piano...”). O amigo de décadas Danilo Caymmi – filho do mestre baiano, que tanto influenciara Tom, e membro da Banda Nova, que acompanhou o autor de “Corcovado” por 15 anos – é quem empresta o timbre grave para “Oh Juliana”, mais uma bossa refinada cujo arranjo de cordas, cheio e intenso, ajuda a desenhar uma melodia romântica e delicada. Ao final, Verocai empunha um de seus instrumentos-base, o violão, para um solo rico, que passeia entre o clássico, aprendido nas aulas com Léo Soares e Darci Villaverde, e o popular, que Roberto Menescal lhe ensinara.

A voz suave de Lu Oliveira entoa o samba-exaltação “Minha Terra Tem Palmeiras”, parceria de Verocai com outro antigo companheiro musical, o igualmente maestro e veterano Paulinho Tapajós. Ao mesmo tempo, um tributo bilaquiano e jobiniano, que une os sabiás e as cores tropicais celebradas tanto pelo poeta quanto pelo músico, estes, por sua vez, duas referências máximas da cultura brasileira. A abordagem solene, entretanto, não se restringe somente a Tom Jobim (“Ninguém perde o Tom/ Ilusão de vista/ Coração artista não tem fim/ Coração sambista tem compasso de passista/ Seja no piano ou tamborim.”), ou a Olavo Bilac, tal qual o título induz, mas também a outros compositores referenciais da formação do ritmo que define o Brasil: o samba: “Minha terra tem palmeiras/ Beija-flores e portelas/ Na aquarela do Brasil/ Amarelo, verde, anil/ De Noel, Ary e Gil”. Em clima de samba de gafieira, são os metais que protagonizam.

A veia soul de Verocai dá as caras na brilhante parceria com Vinícius Cantuária, “A Outra”. Sopros em altíssima afinação e um magnífico domínio de Itamar Assiere ao piano elétrico, que se conjuga com perfeição na instrumentalização meticulosamente preparada para o arranjo, outro dos trunfos do tarimbado Verocai. Outro a reverenciar o mestre, e à altura, é o rapper Mano Brown, com quem Verocai divide a composição e os microfones de “Cigana”. Um verdadeiro funk melódico ao estilo Bobby Womack e Cassiano, com direito a coro feminino e orquestra de cordas com 20 músicos. Brown, exímio letrista, capricha: “Leu a minha mão/ e levou o meu dinheiro/ Decifrou as linhas/ de um destino traiçoeiro/ Um sonho de um menino/ A cigana revelou/ Um exímio jogador/ Infeliz no amor”.

Mais do espírito da black music – que tanto ajudou a mitificar a figura de Verocai às novas gerações –, porém deixando de lado a abordagem romântica e investindo num tema social e filosófico típico deste outro parceiro e fã: Criolo. Os versos iniciais de “O Tambor” dizem: “Chega de ser, de sofrer, de chorar/ Mastigar toda a desgraça com pão/ Saliva com ódio num prato de arroz com feijão/ Pra quem não sabe o que é humilhação”. A canção, por sua vez, seja pelo arranjo de metais ou pela levada de jazz-funk, tem o maior clima de Azimuth, a brilhante banda brasileira que esteve sempre muito presente na discografia de Verocai. O baterista Mamão, aliás, é quem comanda as baquetas.

De modo a equilibrar temas cantados com instrumentais, aos quais Verocai sempre deu muito valor a um e outro sem distinção, três suítes apenas tocados fecham o disco. “Snake Eyes”, a primeira delas, impressiona pelo equilíbrio da instrumentalização, ora investindo nas volumosas cordas, ora nos igualmente fartos sopros em chorus: 2 trompetes, 2 trombones, sax alto, sax tenor, piccolo, trompa e clarinete. “Na Malandragem”, por sua vez, retoma o suingue funkeado, dando vez a um inteligente dueto de flauta e sax. Outro craque da percussão, Robertinho Silva, agiliza a bateria mas também um brasileiríssimo pandeiro, que lhe dá uma mirada samba funk.

O bom gosto das linhas melódicas a la Tom, não coincidentemente remetendo a Villa-Lobos (de quem Tom é o mais célebre aprendiz), finaliza o disco com a emocionante “Desabrochando”. O violão clássico toma a frente, acompanhado da flauta e da orquestra de cordas. Tão sensível que lhe é possível ouvir uma flor em botão rebentando. Como disse Ruy Castro, “em outros tempos, ‘No voo do urubu’, logo seria elevada à categoria de clássico. Mas, como vivemos na vida real, resta-nos o privilégio de sermos os poucos e felizes a poder escutar essas grandes canções”. Comigo, ao menos, foi assim também: bastou uma primeira audição para que esse sentimento de regalia e essa certeza se confirmassem. Fácil assim.
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FAIXAS
01. No Voo do Urubu (Arthur Verocai) - part. Seu Jorge
02. O Tempo e o Vento (Verocai/Tibério Gaspar)
03. Oh! Juliana (Verocai) - part. Danilo Caymmi
04. Minha Terra Tem Palmeiras (Verocai/Paulinho Tapajós) - part. Lu Oliveira
05. A Outra (Verocai/Vinícius Cantuária) - part. Vinícius Cantuária
06. Cigana (Verocai/Mano Brown) - part. Mano Brown
07. O Tambor (Verocai/Criolo) - part. Criolo
08. Snake Eyes (Verocai)
09. Na Malandragem (Verocai)
10. Desabrochando (Verocai)

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OUÇA

por Daniel Rodrigues

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Milton Nascimento & Criolo - "Existe Amor" (2020)



"Criolo é um dos artistas mais criativos com quem já convivi na vida. Conheço poucas pessoas que conseguem fazer letra e música do jeito que ele faz." 
Milton Nascimento

“Milton é um ser de luz. Isso não se explica, apenas, se sente.” 
Criolo

Milton Nascimento, além de ser um dos gênios vivos da música mundial, celebrado por gente do calibre de Wayne Shorter, Caetano Veloso, Elis Regina, Herbie Hancock e Esperanza Spalding, é conhecido pela generosidade. Tanto é que seus pares costumeiros, como Wagner Tiso ou Lô Borges, ou esporádicos, como Chico Buarque e Gilberto Gil, o elegem como o melhor parceiro para se escrever música. Generoso, porém, exigente. Não é qualquer um que coassina ou divide com ele o palco ou os microfones – quanto mais, autorias. Criolo, no entanto, está neste seleto time. Desde 2005, quando escreveram a primeira canção juntos, “Dez Anjos”, para o disco “Estratosférica”, de Gal Costa, o rapper paulista entrou para o panteão de compositores a comungarem arte com Bituca como os já citados Chico, Caetano e Gil, bem como os célebres Fernando Brant, Ronaldo Bastos, Lô e Márcio Borges e outros privilegiados. O EP “Existe Amor”, produzido por Daniel Ganjaman, deste ano, já chega com o peso de ratificar esse encontro de duas gerações como o mais representativo da MPB na década. Obra essencial para a sustentação da sanidade brasileira, sagazmente contradiz os versos do próprio Criolo para lançar um sopro de esperança e resistência em meio a um caos sanitário, político e econômico que vive o Brasil.

Encontro de gerações e de almas
O impacto é forte, o que não quer dizer que, para isso, tenha-se usado toda a tonelagem. Afinal, o experiente Milton sabe muito bem que tamanho não é documento. Afeito aos formatos mais enxutos de obras sonoras, mesmo tendo lançado uma série de álbuns extensos na carreira – como os duplos “Clube da Esquina I” e “II”, “Milagre dos Peixes – Ao Vivo” e “Txai” –, o mineiro nunca deixou de apostar em compactos e EP’s. Foi assim com o emblemático “Milton & Chico”, de 1977, que trazia apenas duas faixas, as obras-primas “O Sal da Terra” e “1º de Maio”, ou com o também marcante “RPM Milton”, de 1987, quando o experiente músico soube extrair da banda de Paulo Ricardo o melhor que esta guardava já em um período pré-dissolução. Agora, com Criolo, no entanto, o tratamento ganhou ainda maior requinte.

A começar pela sensibilidade inequívoca do pianista pernambucano Amaro Freitas, um dos maiores talentos da MPB/Jazz brasileira dos últimos anos, convidado para tocar e assinar o arranjo de duas das quatro do projeto: a clássica “Cais” (de Milton e Ronaldo, escrita em 1971) e a música a qual se tira sabiamente o controverso título, “Não Existe Amor em SP” (esta, de Criolo, do seu “Nó na Orelha”, de 2011). Amaro dá uma coloração que une nitidez e abstratismo, mas em tons introspectivos, oníricos, que reinventam canções já eternizadas no cancioneiro brasileiro. Mais do que regravações, tomam caráter de ressignificação, principalmente, “Não Existe...”, cuja mensagem deliberadamente crítica de Criolo à sociedade e ao mundo materialista é endossada pelo canto incomparável de Milton.

Não apenas estas duas, mas existe ainda mais amor em “Existe Amor”. Além das duas gravadas com o toque virtuoso de Amaro Freitas, o disco apresenta duas gravações feitas pelos artistas em 2018 com regência de Arthur Verocai, outra lenda da música brasileira, compositor, arranjador e maestro carioca presente em obras memoráveis da MPB como “Por que é Proibido Pisar na Grama”, de Jorge Ben (1971), e “Pra Aquietar”, de Luiz Melodia (1973), além de seus próprios trabalhos solo, considerados cult no Brasil e no exterior. Dessa safra, Milton e Criolo regravam com a fineza dos arranjos de Verocai a já citada “Dez Anjos” e “O Tambor”, esta, parceria dos dois últimos, originalmente registada no último álbum de Verocai, “No Voo do Urubu”, de 2016. Se com Criolo a relação é mais recente, com Milton os caminhos de Verocai se cruzaram já no final dos anos 60, quando participaram do movimento Músicanossa junto de outros compositores como Roberto Menescal e Marcos Valle. Ou seja: tudo em casa, conexões certas em todos os pontos. Outras duas preciosidades que, embora difiram do arranjo contemplativo e da textura pianística das primeiras, em nada destoam no conjunto da obra, formando um disco curto, mas 100% assertivo. Um novo clássico da música brasileira.

Além da qualidade musical, a reunião também tem méritos humanistas. A venda do EP pretende arrecadar projeto R$ 1 milhão para um projeto em conjunto com a agência AKQA e o Coala.Lab para ajudar pessoas durante a pandemia do Coronavírus. Milton, em depoimento sobre a atual situação do país e o desafio cidadão deste momento, falou: “E, diante desse cenário que se mostra cada dia mais absurdo, precisamos fazer a nossa parte, urgente.” O parceiro, por sua vez, engrossa o coro: “'Arte cria energia para a luta contra quem fomenta o mal”. Ao que depender dos dois, a chama da elaboração crítica fará com que os justos sobrevivam a tamanho obscurantismo e perversidade do Brasil atual. Ao contrário de todo o mar de negatividade que se impõem, eles nos dão um lugar - de fala e de escuta. Essa "SP" real e imaginária que representa a todos. A rebeldia, a não aceitação, a insubmissão como maior prova de amor. É a negação dos versos originais ("Não existe amor") como um chamado positivo de salvamento ("Existe Amor"). Por sorte, ele ainda existe em todas as “SP’s” simbólicas a que Milton e Criolo nos loteiam.

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FAIXAS:

1. "Cais" (Milton Nascimento/Ronaldo Bastos) - participação: Amaro Freitas - 6:03
2. "Dez Anjos" (Milton/Criolo) - 4:53
3. "Não Existe Amor em SP" (Criolo) - participação: Amaro Freitas - 5:48
4. "O Tambor" (Arthur Verocai/Criolo) - 3:25


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Vídeo de "Cais", com Milton Nascimento, Criolo e Amaro Freitas


Daniel Rodrigues


quarta-feira, 31 de julho de 2019

Música da Cabeça - Programa #121


Se nossa terra ainda "tem palmeiras onde cantam sabiás, jamelões e outros mais”, muito devemos ao senhor das harmonias, arranjos e composições: Arthur Verocai. Em um rápido bate-papo que tivemos com o maestro carioca no nosso quadro “Uma Palavra”, fala-se sobre a arte de compor, a magia da música e, claro, de Música da Cabeça. Afinal, Verocai também escolheu música para tocar. Além disso, The Cult, Airto Moreira, The Smashing Pumpkins, Suzanne Vega, Miles Davis e outras coisas vão aparecer nesse programa especial de nº 121. Gruda o ouvido na Rádio Elétrica e não perde o MDC de hoje, viu? É às 21h. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues.



Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Música da Cabeça - Programa #299

 

A Rússia invadiu a Ucrânia, a rainha Elizabeth morreu, a Anitta foi indicada ao Grammy, o Brasil perdeu a Copa, o Lula derrotou o Bozo... Ufa, quanta coisa nesse 2022! Ainda bem que junto disso sempre teve o MDC pra fazer a trilha, inclusive deste último programa do ano, o de nº 299. Na playlist, Smashing Pumpkins, Arthur Verocai, Milton Nascimento, The Cure, Dom Salvador e mais. Ainda um Cabeção trazendo o Ethio-jazz do etíope Mulatu Astatke. Tudo isso vai ao ar às 21h, na retrospectiva Rádio Elétrica. Produção, apresentação e Feliz Ano Novo: Daniel Rodrigues. 


(www.radioeletrica.com)

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Criolo - “Convoque seu Buda” (2014)

 

'Convoque seu Buda' fermenta a massa modelada no antecessor 'Nó na Orelha', álbum que projetou e consagrou Kleber Cavalcante Gomes, cantor e compositor das quebradas que, comendo pelas beiradas, vem flertando com ícones da linha de frente da MPB.  'Convoque...' jamais ultrapassa a fronteira delimitada por 'Nó...', mas aprimora a receita sonora do álbum anterior."
Mauro Ferreira, crítico musical

Quando “Convoque seu Buda” foi lançado, no final de 2014, Criolo já ocupava seu merecido lugar no panteão dos grandes da música brasileira. “Nó na Orelha”, seu antecessor de três anos antes, havia garantido este posto ao cantor e compositor paulista ao lado de colegas do gabarito de Chico Buarque, Caetano Veloso e Milton Nascimento. Obras como “Subirodoistiozin”, “Não Existe Amor em SP” e “Grajauex” eram provas incontestes de que, depois de muitos anos, havia surgido um talento acima da média na já tão bem representada MPB, mas carente de novas referências.

Só status, contudo, não era suficiente para Criolo. Para um artista de alto nível e, principalmente, honesto consigo e para com seu público, contentar-se com a atribuição externa seria impensável. Ainda mais porque, indiretamente, espera-se, sim, que grandes artistas sigam produzindo bem e, consequentemente, evoluindo. Por isso, fazer um novo disco só para cumprir tabela lhe soaria, ao mesmo tempo, a mediocridade e calvário. O que se vê em “Convoque...”, além de um Criolo totalmente consciente de seu universo sonoro, é a manutenção de parte da estrutura narrativa da estreia, bem como da veia contestadora e do rap como força-motriz. Mas com acréscimos.

A pegada hip hop está lá, preservada, como na faixa-título e de abertura. Porém, já aí se nota um Criolo mais maduro e dono de uma musicalidade talvez menos instintiva. As referências não-óbvias ao rap samurai da Wu-Tan Clan, bem como a seus ídolos Sabotage e Racionais, chamam o ouvinte para uma experiência diferente. Na letra, a pungência onírica improvável de sua poética: "De uzi na mão, soldado do morro/ Sem alma, sem perdão, sem jão, sem apavoro/ Cidade podre, solidão é um veneno/ O Umbral quer mais Chandon/ Heróis, crack no centro/ Da tribo da folha favela desenvolvendo/ No jutsu secreto, Naruto é só um desenho".

Pronto: foi dada a largada para um novo grande disco de Criolo, que definitivamente não se resume ou se estreita, como “Nó...” já sugeria, apenas ao rap, sua raiz das quebradas paulistas. A musicalidade brasileira afro se homogeneíza fortemente agora. Caso evidente da obra-prima “Esquiva da Esgrima”. Misto de rap e candomblé. E que letra, que refrão! “Hoje não tem boca pra se beijar/ Não tem alma pra se lavar/ Não tem vida pra se viver/ Mas tem dinheiro pra se contar/ De terno e gravata teu pai agradar/ Levar tua filha pro mundo perder/ É o céu da boca do inferno esperando você”. E mais uma evolução visível: Criolo está cantando melhor. Seja nos detalhes de overdubs, nas variações de timbre e até na extensão, seu belo timbre está mais bem trabalhado e aproveitado.

Sem dar fôlego, Criolo apresenta aquela que é ao mesmo tempo a mais pop e uma das mais críticas do álbum: a sarcástica “Cartão de Visita”. Rap de excelente arranjo e cantado por ele com uma debochada voz afetada sobre a frivolidade perversa da alta sociedade, tem a parceira de Tulipa Ruiz no marcante refrão: “Acha que 'tá mamão, 'tá bom/ 'Tá uma festa/ Menino no farol se humilha e detesta/ Acha que 'tá bom/ Não é não nem te afeta/ Parcela no cartão/ Essa gente indigesta”. Nada menos que genial.

Mas Criolo estava, definitivamente, disposto a fazer história. “Casa de Papelão” pode não se tratar da melhor do disco, mas certamente a mais radical aproximação com aquilo que se entende por MPB. O arranjo, primoroso, lembra os dos clássicos discos dos anos 70 assinados por Rogério Duprat, Edu Lobo, Wagner Tiso ou Francis Hime. A música soa épica, densa, imponente. O forte teor social, igualmente, retraz as denúncias musicais e a atmosfera grave dos Anos de Chumbo, como "Cala a Boca, Bárbara", "Demônio de Guarda", "Sacramento", "Café". Deste nível. Criolo, que à época já ensaiava parcerias com Milton, Arthur Verocai e Tom Zé, chegava, sozinho, àquilo que seus mestres o ensinaram.

“Convoque...” tem, assim como “Nó...”, mais uma vez a mão dos produtores Daniel Ganjaman e de Marcelo Cabral nos arranjos, instrumentos e coautorias. Mas não se resume a estes, pois novos parceiros são, como o título sugere, convocados. A turma originalíssima da Metá Metá, donos da musicalidade afro mais raiz da música brasileira, são alguns deles. Seus integrantes, Kiko Dinucci, Thiago França e Juçara Marçal, aparecem em mais de uma faixa e em momentos fundamentais. É o que se vê noutra excelente do repertório, “Pegue pra Ela”, com a sonoridade folclórica dos pífaros tocados por França e a percussão marcante de Maurício Badé, bem como em “Pé de Breque”, dub jamaicano tal como reggae “Samba Sambei” do álbum anterior, compondo uma variação estratégica na narrativa sonora.

O samba, claro, está novamente presente. Repetindo também a "fórmula" de “Nó...”, que trazia o partido-alto "Linha de Frente", agora é vez da sociopolítica “Fermento pra Massa”, crônica urbana que defende em seus versos o direito à greve para se obter melhores condições de trabalho. Interessante que a música tem relação com o que Criolo fez antes, mas também com o que faria depois, a se ver por seu disco só de sambas “Espiral da Ilusão”, que lançaria 4 anos depois, e canções atuais.

Outra com olhar para a música brasileira de outros tempos, “Plano de Voo” carrega na lírica com uma letra extensa e densa que conta com ajuda do rapper Síntese. Encaminhando-se para o fim, a forte “Duas de Cinco” traz o sampler da canção "Califórnia Azul", de Rodrigo Campos, com a voz de Luísa Maita – filha de Amado Maita e de visível semelhança ao timbre da saudosa Beth Carvalho – para abrir a música com um canto melancólico e circunspecto, que dá lugar, aí sim, ao Criolo rapper. "Ela conta uma epopeia sem Ulisses", diz Criolo sobre seu rap-denúncia-confissão. Afinal, o narrador é um sujeito impregnado de "realidade", um sujeito comum que vivencia os fatos fractalmente narrados, sem a homérica intenção de heroísmo. 

A excelente “Fio de Prumo (Padê Onã)”, com os vocais de Juçara e arranjo de Dinucci, inundam de signos brasileiríssimos e põem na boca de Juçara as palavras nagô: "Laroyê eleguá/ Guarda ilê, onã, orum/ Coba xirê desse funfum". Ancestralidade poética, musical, cultura. Resistência, ode, memória. Que forma de terminar um grande disco, aquele que punha definitivamente Criolo entre os maiores. Se “Nó...” serviu para ele abrir a porta ao de muito desvalorizado rap como sendo pertencente ao universo da música brasileira, “Convoque...” solidificou sua posição e desfez de vez qualquer preconceito musical, artístico ou cultural. E pode-se dizer hoje: sim, a linhagem de Noel Rosa, Pixinguinha, Dorival Caymmi, Gilberto Gil e outros gigantes fez-se preservada em Criolo.

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FAIXAS:
1. “Convoque Seu Buda” - 3:51 (Criolo e Daniel Ganjaman)
2. “Esquiva Da Esgrima” - 4:29 (Criolo, Ganjaman e Marcelo Cabral) 
3. “Cartão De Visita” - 3:26 (Criolo, Ganjaman e Cabral)
4. “Casa De Papelão” - 4:59 (Criolo, Ganjaman, Cabral e Guilherme Held)
5. “Fermento Pra Massa” - 3:41 (Criolo)
6. “Pé De Breque” - 4:06 (Criolo)
7. “Pegue Pra Ela” - 4:25 (Criolo)
8. “Plano De Voo” - 3:39 (Criolo, Síntese, Ganjaman, Held e Cabral) 
9. “Duas De Cinco” - 3:45 (Criolo, Rodrigo Campos, Ganjaman e Cabral)
10. “Fio De Prumo (Padê Onã)” - 4:09 (Criolo e Douglas Germano)

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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Música da Cabeça - Programa #163


Essa quarentena tá desorientando todo mundo, né? Então, o Música da Cabeça veio te salvar! Afinal, quarta-feira é dia do programa mais musical (e cerebral) da web. Não tem como errar. Assim como a gente não erra na playlist, que terá João Gilberto & Stan Getz, Fellini, The Crusaders & Randy Crowford, Herbie Hancock, Arthur Verocai e mais. No “Cabeção”, o genial Moondog e no “Música de Fato” o projeto de Sebastião Salgado em defesa dos índios brasileiros. Não te perde: se terça foi ontem e amanhã é quinta, então é sinal de que hoje, quarta, é dia de MDC, às 21h, na infalível Rádio Elétrica. Produção, apresentação e orientação temporal: Daniel Rodrigues.



Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Dossiê ÁLBUNS FUNDAMENTAIS 2017



Gilberto Gil e Jorge Ben lideram o quadro nacional
graças a seu disco conjunto de 1975
Chegou a hora da verdade! A hora dos números! É hora de atualizar a situação dos nossos discos favoritos e seus autores depois de mais um ano. Não, a nossa seção ÁLBUNS FUNDAMENTAIS não é uma disputa, um campeonato, mas é sempre divertido e interessante fazer este levantamento e expô-lo desta maneira "competitiva".
Em 2018 a discografia nacional deu uma belo salto na nossa lista abrindo uma certa distância para os ingleses que, até nosso último levantamento, disputavam palmo a palmo a vice-liderança entre os países. Para que se tenha uma ideia, dos vinte e nove álbuns fundamentais apontados este ano, treze foram brasileiros deixando todo o restante distribuído entre outros quatro países. Mas a dianteira continua, é claro, com os norte-americanos que, apesar de terem, em média, registrado números menores do que nos últimos anos, continuam numa situação muito confortável.
A propósito de liderança, entre os artistas internacionais a ponta de cima não teve alteração, uma vez que tanto Beatles quanto Stones quanto Bowie não colocaram mais nenhum disco na lista durante este ano. Mas é bom abrirem o olho porque Miles Davis, Talking Heads, The Who e Pink Floyd que se igualaram aos alemães do Kraftwerk, se aproximam ameaçadoramente da ponta. Já no quadro nacional só o que mantém Jorge Ben e Gilberto Gil à frente de Tim Maia, Chico Buarque, Titãs, Legião, Caetano e Engenheiros, é o disco que fizeram em parceria em 1975, porque tirando isso, todos estariam empatados com três álbuns cada.
Em épocas, a década de 70 continua mandando ver, seguida lá de longe pelos anos 80; em compensação o ano de 1986 é o que continua tendo maior número de indicados, com 19 obras, vendo o ano de 1976 segui-lo de perto com 16 álbuns. O que chama  a atenção é o aumento de títulos do século XXI, sendo quatro somente este ano, que também registrou o álbum fundamental mais recente até então, o ótimo "No Voo do Urubu" de Arthur Verocai, de 2016.
E 2018, ano da primeira década de existência do ClyBlog, virá repleto de publicações especiais comemorativas por esta data e outras ainda envolvendo futebol e Copa do Mundo como já aconteceu em 2014. Já demos início aos festejos com o número 400 dos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS com o convidado especial Michel Pozzebon e vem mais por aí com outros amigos dando suas contribuições e falando de seus discos do coração.
Mas por enquanto é isso aí. Fiquem com os números de 2017 e vamos em frente:



PLACAR POR ARTISTA (GERAL)

  • The Beatles, David Bowie  e The Rolling Stones: 5 álbuns cada
  • Kraftwerk, Miles Davis, Talking Heads, The Who e Pink Floyd: 4 álbuns cada
  • Stevie Wonder, Cure, Smiths, Led Zeppelin, John Coltrane, Van Morrison, Sonic Youth e Bob Dylan: 3 álbuns cada


PLACAR POR ARTISTA (NACIONAL)

  • Jorge Ben e Gilberto Gil: 4 álbuns*
  • Caetano Veloso, Chico Buarque, Legião Urbana, Titãs, Engenheiros do Hawaii e Tim Maia; 3 álbuns cada
*contando o álbum Gil & Jorge

PLACAR POR DÉCADA

  • anos 20: 2
  • anos 30: 2
  • anos 40: -
  • anos 50: 15
  • anos 60: 71
  • anos 70: 108
  • anos 80: 97
  • anos 90: 71
  • anos 2000: 10
  • anos 2010: 10


*séc. XIX: 2
*séc. XVIII: 1

PLACAR POR ANO

  • 1986: 19 álbuns
  • 1976: 16 álbuns
  • 1985: 16 álbuns
  • 1977: 15 álbuns
  • 1967, 1991: 13 álbuns
  • 1968, 1972, 1979 e 1992: 12 álbuns cada
  • 1965, 1969, 1970, 1971, 1972 e 1987: 11 álbuns cada
  • 1980, 1989 e 1994: 10 álbuns cada


PLACAR POR NACIONALIDADE*

  • Estados Unidos: 140 obras de artistas*
  • Brasil: 107 obras
  • Inglaterra: 93 obras
  • Alemanha: 8 obras
  • Irlanda: 6 obras
  • Canadá: 4 obras
  • Escócia: 4 obras
  • México, Austrália e Islândia: 2 cada
  • Jamaica, Gales, Itália, Hungria, Suíça e França: 1 cada

*artista oriundo daquele país


C.R.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Música da Cabeça - Programa #302

 

Vamos pegar carona nos acordes de Jeff Beck no programa para uma viagem musical, que tem ele e muitos outros passageiros. Acompanham Caetano Veloso, The Crusaders, Red Hot Chili Peppers, Arthur Verocai, The Breeders e outros. Além de homenagear o guitarrista, que nos deixou dias atrás, também há os quadros fixos e móvel e um Palavra Lê para os 60 anos de Nando Reis. Que passeio bonito o deste MDC de hoje, que sai da estação às 21h, na britânica Rádio Elétrica . Produção, apresentação e guia turístico: Daniel Rodrigues


www.radioeletrica.com

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

4ª Feira de Vinil Gira Música - Casa da Polônia - Rio de Janeiro/RJ (1º/09/2019)



O dias em que passamos Leocádia e eu no Rio de Janeiro foram invariavelmente lotados. Só coisa boa, mas lotados. Mas sempre se tem espaço para encaixar mais uma programação, ainda mais quando esta trata de música. Ou melhor: quando esta trata de música E discos, o que para um colecionador é um prato cheio. Minha mãe, sabendo de nosso gosto, havia avisado dias antes que ocorreria, no domingo, a Feira de Vinil Gira Música, na Casa da Polônia, no próprio bairro e avenida onde estávamos instalados, Laranjeiras. Pois que, voltando de um passeio no bairro Jardim Botânico neste dia, eis que cruzamos em frente à feira. Obviamente que descemos e fomos dar uma conferida, o que não só valeu a pena a título de passeio como, claro, de compras.

A feira trazia food trucks, bancas com artesanato e bijuterias e uma exposição sobre o célebre músico, arranjador e produtor Lincoln Olivetti, morto há  4 anos, infelizmente muito primária e amadora e que não dimensionava nem de perto a relevância do homenageado. Mas isso não era o mais importante e, sim, aquilo que nos levou até lá: os discos. Com expositores cariocas mas também vindos de Minas Gerais e São Paulo, a feira estava muito boa em termos de quantidade e variedade. Todos os gêneros musicais contemplados, mas principalmente rock, MPB e jazz. O nível dos expositores chamou atenção, uma vez que todos sabem muito bem o acervo que oferecem. Ou seja: os discos raros tinham preços que justificavam suas particularidades. Títulos como "A Bad Donato", de João Donato, "Stand", da Sly & Family Stone, o primeiro disco de Arthur Verocai, "Spirit of the Times", de Dom Um Romão, "Blue Train", de John Coltrane, ou o disco do próprio Lincoln em parceria com Robson Jorge, clássico da AOR brasileira, não saíam por menos que 500, 400, 350, 200, 180 Reais ou valores parecidos.

Galera percorrendo as prateleiras em busca "daquele" vinil
Clima descontraído e musical da Feira de Vinil na Laranjeiras
Não só vinil tinha na feira
Eu vasculhando as preciosidades da banda do Sonzera, um dos expositores
Pedaço da miniexposição sobre Lincoln Olivetti: deixou a desejar

Em compensação, vários balaios. E bons! Com muita variedade e, às vezes, até discos raros, era possível encontrar unidades a 10, 20 ou 30 Reais. E foi aí que me esbaldei, passando algumas horas na feira percorrendo as caixas com promoções enquanto Leocádia aproveitava outras atividades ou simplesmente me aguardava. Uma das atrações da feira seria a presença do cantor e compositor Hyldon, lenda da soul brasileira, que estaria à tarde autografando seu disco relançado, mas não ficamos para isso. Afinal, já estávamos muito bem alimentados com o que encontramos de variedade e qualidade de bolachões, inclusive esses, os que levamos para casa:



“Limite das Águas” – Edu Lobo (1976)
Edu tem vários discos solo cultuados, como “Missa Breve”, “Camaleão” e “Jogos de Dança”, mas não raro este aparece como o preferido do autor de “Ponteio”. Afinal, não tem como não adorar as parcerias como Capinan, Cacaso e Guarnieri, além do primor dos arranjos do próprio Edu e as participações de músicos do calibre de Oberdan Magalhães, Cristóvão Bastos, Joyce, Toninho Horta, Danilo Caymmi e o grupo vocal Os 3 Morais. Coisa fina da MPB.


“Libertango” – Astor Piazzola (1974)
Um dos gênios da música do século XX em seu disco mais icônico. Gravado em Milão, é a representação máxima do tango argentino moderno, tanto que as próprias faixas, assim como a que o intitula, trazem o termo “tango” no nome: Meditango, Violentango, Undertango, entre outras. De ouvir ajoelhado - ou tangueando.



“Brazilian Romance – Sarah Vaughn with Milton Nascimento” ou “Love and Passion”  Sarah Vaughn (1987)
A grande cantora norte-americana Sarah Vaughn, amante da MPB, recorrentemente voltava ao gênero. Depois de gravar discos como “Exclusivamente Brasil” e “O Som Brasileiro de Sarah Vaughn”, nos ano 70, em 1987 ela torna à sonoridade do Brasil por meio de um de seus mais admirados compositores: Milton Nascimento. E o faz isso com alto grau de requinte, haja vista a produção de Sérgio Mendes, os arranjos de Dori Caymmi e participações de gente como George Duke e Hubert Laws. Ela quase levou um Grammy de melhor performance feminina por este álbum.

“Merry Christmas, Mr. Lawrence (Music From The Original Motion Picture Soundtrack)”  Ryuichi Sakamoto (1983)
Tenho adoração por este filme intitulado no Brasil como “Furyo - em Nome da Honra”, e tanto quanto pela trilha sonora, escrita pelo genial Ryuichi Sakamoto. Que, aliás, atua neste filme de Segunda Guerra do mestre Nagisa Oshima, o qual conta no elenco (e só no elenco, o que acho legal também em nível de desprendimento) e como ator principal David Bowie em espetacular atuação. A faixa-título é não só linda como um marco das trilhas sonoras feitas para cinema.


“Stories to Tell” – Flora Purim (1974)
Terceiro disco solo de Flora e segundo dela em terras norte-americanas. Ou seja, vindo um ano após o seu debut “Butterfly Dreams”, no mesmo ano de“Hot Sand”, do então marido Airto Moreira, e dois da estreia com Chick Corea na Return to Forever, “Stories...” a consolida como a musa do jazz brasileiro. Ainda por cima tem Carlos Santana, George Duke, Ron Carter e o próprio Airto compondo a “bandinha”. E que voz é essa a dela?! 




“Amor de Índio” – Beto Guedes (1978)
Dos discos mais célebres da chamada “segunda fase” do Clube da Esquina. A galera tá toda lá: Milton, Brant, Toninho, Tiso, Venturini, Tavinho, Caetano e, claro, Ronaldo Bastos, produtor, compositor com Beto da faixa-título e autor da icônica foto dele enrolado no cobertor usada por Cafi na arte da capa.



texto: Daniel Rodrigues
fotos: Leocádia Costa e fanpage Gira Brazil - Gira Música

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Chico Buarque - "Vida" (1980)

O disco de uma vida



 

“Vida, minha vida/ Olha o que é que eu fiz?”
Versos iniciais da música “Vida”

“- Parecia que aquele disco branco marcava já um Chico mais sereno...
- Já vejo diferente. Vejo um disco bastante angustiado. Se a gente continuar dividindo o trabalho, você vai ter, desde ‘Construção’ até ‘Meus Caros Amigos’, toda uma criação condicionada ao país em que eu vivi. Tem referências a isso o tempo todo. Existe alguma coisa de abafado, pode ser chamado de protesto.”
Entrevista de Chico Buarque à Rádio Eldorado, em 1989

No final dos anos 90, Porto Alegre presenciou um encontro histórico e inédito na Casa de Cultura Mario Quintana de duas figuras icônicas da cultura brasileira: Luis Fernando Verissimo e Chico Buarque. Mais do que as falas inteligentes e bem humoradas vindas de ambos, no enquanto, uma imagem captada pelas câmeras que registravam o bate-papo entre o gaúcho e o carioca ficou marcada em minha memória já que eu, igual a milhares de outros porto-alegrenses menos afortunados, contentava-me em assistir pela televisão por não poder estar presente devido à rápida lotação do evento preenchida dias antes. A imagem era a de um espectador da plateia, que carregava em seu colo um LP de Chico. Com a capa um tanto surrada pelos anos de fabricação e, certamente, constante uso na vitrola de sua casa, era com ela que iria enfrentar uma quilométrica fila após o evento para ganhar um autógrafo do autor. 

Não sei se conseguiu os valiosos garranchos, mas este moço, um homem de uns 30 e poucos anos, ouvia compenetrado a conversa daqueles dois geniais artistas, concentração esta que fazia com que a expressão do seu rosto se assemelhasse com a da capa do disco que portava como uma relíquia: um primeiro plano em tom sépia-esverdeado sobre um árido fundo branco do rosto de um Chico Buarque maduro, na faixa dos 40 anos, com o olhar igualmente sério e penetrante desenhado pelas mãos habilidosas de Elifas Andreato. Aquele lance fortuito em meio a uma atração infinitas vezes mais importante formava, contudo, uma duplicidade bastante simbólica para aquela situação. O jeito como o rapaz segurava o disco, com as duas mãos, com tamanha devoção e carinho, como que a um filho, como se realmente carregasse uma vida consigo, dava a dimensão da significância do encontro, da existência daqueles dois imortais e da obra de Chico. Da importância sentimental do referido disco para aquele fã e para outros igualmente a ele que ali estavam ou não. Quer dizer, meu caso.

O long play em questão completa 40 anos de lançamento neste conturbado 2020, e ouvi-lo hoje, como em todas as inúmeras vezes que o fiz ao longo dessas quatro décadas - tal como aquele rapaz com o qual me identifiquei -, redimensionam sua simbologia, sua importância, sua contundência. Não foi sem querer que Chico escolhera, em 1980, chamá-lo de “Vida”. 19º álbum de carreira do cantor, compositor, dramaturgo e escritor, é também o primeiro no qual ele pode, minimamente, falar sobre si e sobre os irmãos sufocados pelas ditaduras que assolavam a América naqueles idos ainda mais conturbados do que hoje. Chico vinha de anos de uma ferrenha perseguição pelos militares, com peças de teatro empasteladas, apresentações sabotadas, letras censuradas e projetos cancelados, o que prejudicava sobremaneira a concepção de qualquer obra por inteiro que intentasse. Foi assim durante todo os anos 70, a ponto de inviabilizar totalmente um disco de própria autoria havia uns 4 anos. O álbum de versões “Sinal Fechado”, de 1974, de título nada desavisado, e o “Disco da Samabaia”, de 1978, uma coletânea de sobras de alguém que não conseguia completar um repertório novo, são a materialização do mais próximo do possível de um artista que queria trabalhar. Mas não só: queria também a liberdade sequestrada.

Mas eis que chega a roda-viva e carrega o destino pra lá. Vladimir Herzog e Stuart Angel são assassinados pela polícia, celebra-se a missa ecumênica na Sé, a corrupção começa a corroer o Estado, a crise do petróleo afeta a economia mundial, dentre outros diversos fatores. Tudo isso faz com que o desgastado governo militar sinta a necessidade de afrouxar as mordaças. E para quem vinha de uma quase total censura, a Lei da Anistia, de 1978, era suficiente pra se celebrar. É neste impulso de renovação das esperanças democráticas que Chico decide exaltar a existência nesta obra em homenagem – mas também, em revisão – à sua própria e a de todos os brasileiros. Um disco que versa sobre o tempo, do começo ao fim. Um disco sobre vidas.

Detalhe da contracapa
do disco: a identidade
das digitais e da 3x4
de quando foi preso na 
adolescência, que lembra
as fotos de presos
políticos da Ditadura
A proposta é inequívoca, tanto que é ela, a memorável faixa-título, uma de suas melhores em todos os tempos, que abre o disco. Crítica e autocrítica, “Vida” já seria um marco na carreira de Chico pela inerente simbologia. Mas a canção, em letra e música, vai além. A melodia, num ritmo rumbado, é densa mas absolutamente sensível. Arranjada por Francis Hime, que lhe impõe uma orquestração dramática e ares melancólicos com o trompete de Maurílio nos primeiros acordes, tem ainda o violão erudito de Arthur Verocai e uma intensa percussão comandada por Chico Batera, que se exalta conforme o decorrer – conforme a “vida” passa. Já a letra é de uma honestidade e consciência tocantes, poucas vezes atingida na tão rica música brasileira: "Vida, minha vida/ Olha o que é que eu fiz/ Deixei a fatia/ Mais doce da vida/ Na mesa dos homens/ De vida vazia/ Mas, vida, ali/ Quem sabe, eu fui feliz”. Chico, amadurecido e fortalecido, questiona-se, e não apenas defende-se ou lamenta. 

O uso das metáforas relativas ao “mar” (“barco”, “cais”, “vela”) e ao “palco” (“cortinas”, “luz”) deixa clara a virada de pagina na biografia de Chico, em pleno curso de escrita – como, aliás, é a vida. “Infinitas cortinas com palcos atrás”. O futuro incerto, o destino a se perseguir. O artista que passou pelo autoexílio, o jovem bonito revelado nos festivais, o genial letrista, o herdeiro intelectual dos Buarque de Hollanda, o boleiro, o homem do teatro e do cinema, o parceiro de Tom e de Vinicius, o Julinho da Adelaide, o malandro, o pensador de voz política... Chico tornara-se definitivamente, pela força das vidas e das mortes, as verídicas e as simbólicas, um artista adulto, que deixava para trás todos estes Franciscos, mas abarcando-os como experiência vivida. É o que dizem os versos da canção: “Toquei na ferida/ Nos nervos, nos fios/ Nos olhos dos homens/ De olhos sombrios/ Mas, vida, ali/ Eu sei que fui feliz.”. A mínima permissão política faz com que Chico se permita "tocar nas feridas", denunciando do jeito que dava as barbáries promovidas pela ditadura ao fazer referência às torturas (feridas, nervos, fios, olhos). 

Os acordes finais de “Vida” dão este alerta tenebroso. Inconclusos e em tom grave, deixam uma angustiante sensação de que o pior ainda não havia acabado. Afinal, o retorno à liberdade seria “lento e gradual”, como anunciava a Anistia. Levaria ainda quase uma década para o Brasil se ver livre dos milicos no poder, e esse cenário fazia com que continuasse sendo difícil para o autor de “A Banda” compor um álbum autoral sem percalços. O jeito era fazer como vinha procedendo havia alguns trabalhos: se não tinha condições de montar um repertório completamente novo, a solução era aproveitar sua versatilidade e pescar aqui e ali composições espalhadas em outros projetos, como para o cinema e teatro, ou feitas para os amigos. E o mais incrível disso é que, assim como foi com “Meus Caros Amigos”, de 1976, onde teve de se valer de tal expediente, o resultado final é excelente. Dos 12 números de “Vida”, quase 100% têm origem anterior ou análoga ao disco. 

O artista em 1980,
 fotografado por Thereza
Eugenia: maturidade
A própria faixa-título é extraída da peça “Geni”, situação igual à canção seguinte, a sensível e melodiosa “Mar e Lua”. Como classifica o jornalista Márcio Pinheiro, a “melhor música sobre suicídio duplo da música brasileira”, narra de forma altamente poética o trágico destino de duas mulheres amantes cujo amor não é admitido“naquela cidade distante do mar” e que “não tem luar”. Chico falando de uma relação homossexual novamente, como já o tinha feito na censurada “Bárbara”, da trilha da peça “Calabar”, de 1973, cujo sulco dos vinis havia sido literalmente riscado pela censura no momento em que se pronunciavam os versos “de nós duas”... Agora, conquistava o direito de falar com todas as letras sobre um tema tabu sem cortarem-lhe violentamente a fala. Mais uma pequena vitória de uma democracia clamante.

Igualmente, na linha de reaproveitamentos, “Bastidores”, imortalizada na voz de Cauby Peixoto, o qual foi presenteado por Chico com a canção para seu álbum “Cauby Cauby Cauby”, daquele ano, e que se tornou o maior sucesso na carreira do tarimbado cantor. Chico, no entanto, mesmo sem o poderio vocal de Cauby, desempenha muito bem a própria criação, num samba-canção cadenciado e rascante. Impossível não fazer relação com a faixa inicial quando se ouve Chico cantar os famosos versos: “Chorei, chorei/ Até ficar com dó de mim”. Seria um momento de autocompaixão?

Das novas, destacam-se a bonita “Já Passou”, em que o hábil compositor harmoniza a extensa e cacofônica palavra “catatônico” com a maior naturalidade – assim como faria semelhantemente poucos anos mais tarde com outro vocábulo cabeludo, “paralelepípedo”, na emblemática “Vai Passar” –, e “Deixa a Menina”. Esta última, aliás, nem tão nova assim. É um samba em resposta a “Sem Compromisso”, de Geraldo Pereira, de 1956, que Chico havia cantado em seu último álbum de estúdio, “Sinal Fechado” - aquele em que, em protesto, decidira gravar apenas outros autores (inclusive, um tal de Julinho da Adelaide...). Aqui, Chico encarna o sambista malandro, mas com a classe composicional que lhe é peculiar num arranjo que inclui o clarinete de Botelho e o violão de Octávio Burnier. 

De um ano antes e ideada aos "caros amigos" da MPB4 para o indagador disco do quarteto vocal "Bons Tempos, Hein?!", “Fantasia” é mais uma pérola da então pequena safra recente by Chico Buarque. Se “Vida” havia iniciado o lado A do bolachão, esta, uma ode à liberdade individual e, em especial, aos trabalhadores do campo, traz versos que dizem muito sobre os Anos de Chumbo e a eterna necessidade de reforma agrária no Brasil: "Canta, canta uma esperança/ Canta, canta uma alegria/ Canta mais/ Trabalhando a terra/ Entornando o vinho/ Canta, canta, canta, canta”. Sem concessões, Chico expõe seu coração e admite sofrer, mas, assim como a música “Vida” propõe, acredita que a arte redima: “E se, de repente/ A gente não sentisse/ A dor que a gente finge/ E sente/ Se, de repente/ A gente distraísse/ O ferro do suplício/ Ao som de uma canção/ Então, eu te convidaria/ Pra uma fantasia/ Do meu violão”. O convite aberto é aceito por uma constelação de convidados que, literalmente, fazem coro com ele neste manifesto utópico: as manas Cristina Buarque e Miúcha, a sobrinha Bebel Gilberto, o ator Antônio Pedro, o parceiro italiano Sérgio Bardotti, os admiráveis músicos Danilo Caymmi e Markú Ribas, entre outros.

A romântica e triste “Eu te Amo”, em que divide os vocais com Telma Costa, nem parece mais uma reciclagem de quem padecia de pouco material. A luxuosa parceria com Tom Jobim (responsável pelo piano), “crème de la crème” da MPB capaz de legar obras como “Retrato em Branco e Preto” e “Olha, Maria”, não deixa perceber que se trata de uma encomenda do cineasta Arnaldo Jabor para a trilha sonora do filme de mesmo nome. E nem mesmo “De Todas as Maneiras” (dada a Maria Bethânia para seu Disco de Ouro "Álibi", de 1978) e “Qualquer Canção”, consideradas menores no cancioneiro de Chico, tão curtas que parecem vinhetas, passam longe de puxar para baixo a qualidade e a coesão do álbum. Afinal, ainda guardavam-se outras três obras-primas, a começar pelo semba “Morena de Angola”, prova de que Chico estava com a mão encantada se não para ele, para os outros. Igualmente escrita como presente, esta, para Clara Nunes, assim como “Bastidores”, também se transformou num grande sucesso e, assim como ocorreu com Cauby, virou um emblema da cantora mineira.

"Bye Bye, Brasil": marco do cinema
brasileiro genialmente traduzido em
música por Chico
Mais um rescaldo suntuoso: “Bye Bye Brasil”, canção que intitula o filme de Cacá Diegues, noutra contribuição para o cinema e para a filmografia do parceiro, tal como já o fizera em “Quando o Carnaval Chegar” (1972) e “Joana Francesa” (1973). Com maestria, Chico traça uma crônica do Brasil em fase de modernização com todas suas maravilhas e mazelas. Tal como num filme, a música (com coautoria de Roberto Menescal), lança diversos insights, às vezes, aparentemente desconexos, mas que dão condições de o ouvinte visualizar uma cena em que o cenário social, político e cultural são extremamente profundos. Desigualdade social, globalização, analfabetismo funcional, avanço da tecnologia, urbanização desenfreada, solidão e outros aspectos estão todos dispostos e interligados, dando destaque, principalmente, para a inexorável passagem do tempo. Seja na ligação telefônica, fadada a terminar conforme os minutos passam, seja na implacável ação da natureza, nada está sob o controle dos meros mortais. Tudo pertence ao destino. Quase terminando o disco, os versos “as fichas já vão terminar” se ligam imperiosamente ao clamor do tema-mãe do disco, “Vida”: “Arranca, vida/ Estufa, vela/ Me leva, leva/ Longe, longe/ Leva mais”.

Inteligentemente, Chico guarda para a estocada final mais um caso de reuso. “Vida” começava o álbum com uma reflexão na qual apontava a Ditadura como responsável por um caminho tão pedregoso (sem, contudo, abster-se), mas o engraçado baião “Não Sonho Mais”, feito para a trilha do filme “República dos Assassinos”, de Miguel Faria Jr., de 1979, e com a admirável flauta de Altamiro Carrilho, fecha-lhe o ciclo creditando a culpa, sim, aos opressores. Por isso, "engraçado" em termos, pois vai além da inocente brincadeira: trata-se, no fundo, de um desafiador recado aos militares. A história de uma esposa que, castigada pelo marido na vida real, relata-lhe um “sonho” em que ele é atacado impiedosamente pode ser facilmente entendida como uma revolta do povo contra o governo que lhe maltrata. “Vinha nego humilhado/ Vinha morto-vivo/ Vinha flagelado/ De tudo que é lado/ Vinha um bom motivo/ Pra te esfolar”. Detalhe: no sonho, ela estava entre os “esfoladores” que lhe rasgam “a carcaça”, descem-lhe “a ripa”, viram-lhe “as tripa” e comem-lhe os "ovo". “Tu, que foi tão valente/ Chorou pra gente/ Pediu piedade/ E olha que maldade/ Me deu vontade/ De gargalhar”, avisa ela sorrateiramente. Na linguagem chula, pode-se chamar de um “te liga!”.

"Vida" é mais que um disco: é o encontro das duas esferas que compõem a existência: a matéria e o espírito. Realidade e fantasia. Como um totem, suas músicas falam sobre dor e castigo nas mais variadas formas - do amor, da política, da sociedade, da força bruta. Não à toa a palavra "dó" aparece em três letras e "dor" em quatro, sem falar nos desdobramentos ("cravar as unhas", "toquei a ferida", "costas lanhadas", "ferro do suplício", "pediu piedade"). Referências a "sangue", igualmente, como as veias, o pulsar, o coração ou a própria expressão ou radical, ouvida em pelo menos três músicas: "Vida", "Eu te Amo" e "De Todas as Maneiras" - fora os outros sentidos figurados. Por outro lado, "Vida" é, ao mesmo tempo, uma obra de identidade. Aliás, como todo “álbum branco”, sendo este o que Chico intentou realizar e não o que foi obrigado como aconteceu anos antes quando, mais uma vez, a censura tolheu-lhe ao proibir a imagem da capa de seu “Calabar”, reintitulado como “Chicocanta” por força maior. "Vida", assim, é também sinônimo de resistência.

Hoje vendo o meu exemplar de “Vida”, tão surrado e usado como o do rapaz da plateia naquela longínqua tarde em Porto Alegre com Chico e Verissimo, fico imaginando o que ele, meu disco, já presenciou desse Brasil nas quatro décadas que se transcorreram desde que fora parido numa prensa industrial. As Diretas, a queda da ditadura, a redemocratização, duas Copas do Mundo, títulos e morte Senna, impeachments e golpes, Governo Lula, Brasil no Oscar, Lava-Jato, Fora Temer, Bolsonaro... Sim, porque aqueles olhos azuis da capa, mesmo que desenhados, enxergam! Permanentemente abertos, são testemunhas oculares da história recente deste Brasil que, como a vida, ainda está se construindo. Colcha de retalhos de alta qualidade, a feitura de "Vida" é quase milagrosa, tal outros discos célebres da música brasileira do período ditatorial como "Milagre dos Peixes", de Milton Nascimento, ou Gilberto Gil/68. Um milagre da "Vida", que, ao concebê-lo, Chico experencia o clássico dilema que ele próprio havia prenunciado: a gente quer ter voz ativa e no nosso destino mandar, mas eis que chega a roda-viva e carrega o destino pra lá. E não é assim a própria vida?

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Chico Buarque com Tom Jobim e Telma Costa - 
Vídeo de "Eu te Amo" (1980)

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FAIXAS:
1. "Vida" - 3:20
2."Mar e Lua" - 1:50
3."Deixe a Menina" - 2:53
4."Já Passou" - 1:50
5."Bastidores" - 2:27
6."Qualquer Canção" - 1:50
7."Fantasia" - 4:30
8."Eu Te Amo" (Chico Buarque/Tom Jobim) - 4:55
9."De Todas As Maneiras" - 1:50
10."Morena de Angola" - 3:15
11."Bye Bye Brasil" (Buarque/Roberto Menescau) - 4:40
12."Não Sonho Mais" - 3:45
Todas as composições de autoria de Chico Buarque, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO:

Daniel Rodrigues