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sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

"Roberto Carlos em Detalhes", de Paulo César Araújo - ed. Planeta (2006)

 

por Márcio Pinheiro


"Eu tive duas motivações. Uma foi a afetiva: ele foi meu primeiro ídolo de infância. A outra, inte­lectual. Quando cheguei à faculdade e me interes­sei pelo estudo da música brasileira, constatei que não tinha nenhum livro que explicasse o fenóme­no Roberto Carlos."
Paulo César Araújo, sobre o que o motivou a escrever a obra


Se você pretende saber quem ele é, eu posso lhe dizer: está tudo em "Roberto Carlos em Detalhes", livro de Paulo César Araújo lançado pela Editora Planeta em 2006, logo depois retirado de circulação e até hoje o mais completo perfil biográfico feito sobre um artista tão gigantesco quanto misterioso. Na internet, o livro pode ser encontrado pelo preço médio de 400 reais.

Resultado de 16 anos de pesquisas e entrevistas, "Roberto Carlos em Detalhes" começou a ser desenvolvido em 1990, quando Araújo - autor de "Eu Não Sou Cachorro, Não" - começou a coletar dados para um trabalho específico sobre a Jovem Guarda. Entre as quase duas centenas de entrevistas - incluindo aí nomes como Tom Jobim, Chico Buarque e João Gilberto - percebeu que um nome se destacava.

Assim, o bem detalhado "Detalhes" acompanha a trajetória do cantor desde a infância, do nascimento em Cachoeiro do Itapemirim, em abril de 1941, filho caçula do relojoeiro Robertino e da costureira Laura, e revela aspectos pouco conhecidos e/ou comentados, como quando Roberto Carlos, aos seis anos, foi atropelado por uma locomotiva e sua perna direita teve de ser amputada até pouco abaixo do joelho.

O autor também acompanha a chegada de Roberto Carlos ao Rio, em 1956, relatando o encontro do jovem com Wilson Simonal, Tim Maia, Erasmo Carlos e, principalmente, com o produtor musical Carlos Imperial, a quem Roberto chamava de "papai" e que foi responsável pela gravação de seu primeiro disco. Antes disso, Roberto Carlos, suburbano com influências roqueiras, tentou se inspirar em João Gilberto, mas nunca foi bem aceito pela turma da Zona Sul. Resolveu abandonar o ídolo e criar um caminho à parte. "Ele foi rechaçado pela classe média. Era chamado de 'João Gilberto dos pobres'", lembra Araújo.

Das diversas fases do cantos - da Jovem Guarda ao romantismo dos motéis, dos rocks iniciais ao misticismo - tudo está contemplado. Araújo conta histórias sem descambar para a mera fofoca e esmiúça todos os fatos que já foram contados superficialmente em um ou outro lugar.


sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Livro "Chapa Quente" - Pré-lançamento

 


“Chapa Quente” é uma reunião de cinco contos que têm em comum as tensões interpessoais e a complexidade das relações humanas, independente da época, do local ou da cultura em que ocorram.
Com imensa satisfação, anuncio o meu mais novo livro, "Chapa Quente", que está em fase de pré-lançamento. Quase saindo do forno! É o meu primeiro de contos individual, eu que já estive em seleções e antologias coletivas. A publicação sai pela mineira Caravana Editorial, de Minas Gerais.

A capa, de autoria do designer Caíque Cavalcante sobre uma fotografia do editor da Caravana, Leonardo Costaneto, é o detalhe da parede de um restaurante em Madrid. Curioso é que, vendo a imagem pela primeira vez, meu irmão e coeditor do blog, Cly Reis, achou que se tratava de algum desenho feito por mim, pois o traço parece com o meu. Revendo, percebi: "não é que parece mesmo?!". Coincidências da vida - ou não tão coincidências assim.

Mas para dar uma ideia do conteúdo em si, “Chapa Quente” é uma reunião de cinco contos de minha autoria, que têm em comum as tensões interpessoais e a complexidade das relações humanas, independente da época, do local ou da cultura em que ocorram. Seja nas favelas dos morros cariocas, na Europa iluminista ou nas pradarias inóspitas da América do Norte. E o fogo está ali, queimando sempre.

Ficaram instigados? Então, aqui um trecho do conto que dá título à obra, originalmente de 2014:

“O som insistia em não parar, o que os deixava ansiosos, porém, também apreensivos caso parasse, pois perderiam a pista. Até que Fabão, quieto e observador que era, levantou-se do sofá, chegou perto do sequestrado e encostou o ouvido na altura de seu ventre. Apenas apontou o dedo na direção da barriga dele. Era o celular pequeno e antigo que o tinham obrigado a engolir na hora do sequestro.” 

E aí, instigou? Para adquirir, está em tempo ainda: basta acessar este link


Daniel Rodrigues

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

"Bom Dia, Manhã - Poemas", de Grande Othelo - Ed. Topbooks (1993)




"Grande Othelo foi um imenso brasileiro, um dos maiores de todos os tempos: ator, músico, cantor, apresentador de televisão, grande do teatro e do cinema, gênio nascido no ventre mestiço do Brasil. Tão gênio brasileiro quanto Oscar Niemeyer, Carlos Drummond de Andrade e Pelé."
Jorge Amado

"O autor por excelência do Brasil."
José Olinto

Há determinados artistas brasileiros que deixam um vácuo quando morrem. Aqueles que vão inesperadamente como foi com Elis Regina, Chico Science, Raphael Rabello, Cássia Eller e, mais recentemente, com Gal Costa. Eles provocam essa sensação de um buraco que se abre e que nunca mais será preenchido. Tanto quanto aqueles que, comum mais antigamente, despediam-se com menos idade do que seria normal à atual expectativa de vida, casos de Tom Jobim (67), Emílio Santiago (66), Mussum (53) e Tim Maia (55). 

Sebastião Bernardes de Souza Prata, o Grande Othelo é um desses vazios. Aliás, fazem 30 anos deste vazio, tão grande que parece contradizer com a diminuta estatura deste homem de apenas 1m50cm de altura. Mesmo que menos prematuro como os já citados (morreu aos 78 anos), sua vida marcada pela infância dura e pela vida adulta boêmia, não o poupou de roubar-lhe, quiçá, uma década cheia. Mas o que este brasileiro deixou como legado se reflete (ao contrário dos citados acima, músicos por natureza) em mais de um campo artístico. Grande Othelo foi um gênio na arte de atuar, mas deixou marcas indeléveis na música popular e na poesia.

"Bom Dia, Manhã" cristaliza essa magnitude de Grande Othelo, o homem das palavras, sejam as da dramaturgia, as dos sambas ou as dos poemas. Lançado em 1993 e com organização de Luiz Carlos Prestes Filho, o livro reúne um bom compêndio de mais de 100 textos poéticos do artista que eternizou em seu nome o ícone shakesperiano. Não haveria o livro, por óbvio, ser menos do que isso. Com sua inteligência incomum e fluência natural de escrita, Grande Othelo alterna da mais singela confissão existencial ao romantismo sentimental, a malandragem e a alta literatura, os sambas e o parnasianismo, passando pelas homenagens aos amigos e as observâncias da vida e das mazelas do mundo. Tudo numa linguagem de "puras palavras", como definiu o escritor José Olinto, sem cerebralismos e dotados de cadências existenciais.

Em “Nada”, o poeta escreve: “Na saga das tuas solidões/ Vão surgindo outras/ Em outros corações”. A compreensão do amor “desromantizado” de “Homem e Mulher” é também digna de escrita, assim como “Estrada”, que narra o descompasso de um homem velho e uma mulher mais jovem. Os sambas, no entanto, são uma delícia à parte. Como os que coescreveu com Herivelto Martins  “Fala Claudionor” ou o clássico “Bom dia Avenida”, de 1944, feito quando a Prefeitura do Rio de Janeiro resolveu acabar com o Carnaval na referencial Praça Onze, a Sapucaí do início do século XX: “Vão acabar com a Praça Onze/ Não vai haver mais escola de samba/ Não vai/ Chora tamborim/ Chora o morro inteiro”. Mas há ainda o samba-fantasia “Penha Circular”, o samba-crônica “Rio, Zona Oeste”, o samba inacabado “A boemia cantou”, o samba não-cantado por Elizeth Cardoso “Ao som de um violão”.

Representativo da raça negra em uma época de inúmeras dificuldades para o exercício deste ativismo, Grande Othelo mesmo assim posiciona-se por meio de suas palavras. Semelhante ao que ocorrera com outro ícone preto made in Brazil, Pelé, Othelo (que bem pode ser considerado um Pelé dos palcos, pois possivelmente o maior da sua área) bastava existir para representar resistência. Mas faz mais. “Sou no momento que passa/ A expressão mais forte/ De uma raça”, escreveu em “Neste momento: eu!”. Leu, com o olhar de menino sábio, a lenda gaúcha do Negrinho do Pastoreio, que ele mesmo representou no cinema em 1973, dirigido pelo tradicionalista Nico Fagundes:

“O negrinho descerá e subirá cañadas
Em correrias desenfreadas...
Beberá a água das sangas
E sempre sozinho, pois ninguém o vê.
Mas quando voltar há de trazer
A felicidade procurada por você.”

Não é uma delicadeza de apreciação? Estas e muitas mais delicadezas estão em "Bom Dia, Manhã", cuja leitura se dá com o prazer de quem ouve um samba, de quem lê uma crônica, de quem reflexiona a própria condição humana. É difícil imaginar o que Grande Othelo teria feito se tivesse vivido, quem sabe, mais 10 anos – nada alarmante nos tempos de hoje em que senhores da faixa dos 87-88 anos são Tom Zé ou Roberto Menescal, ativos e joviais. Mas é impossível não sentir falta dele vivo, aqui presente. Pensar que aquele Macunaíma, aquele Espírito de Luz, aquele parceiro de Carmen Miranda, aquele Cachaça, aquele farol do povo brasileiro não está mais é reconhecer o vazio que isso provoca. Um vazio grande, como o que este pequeno Othelo carregava no nome.

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Trio de Ouro 


Daniel Rodrigues

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

"Contos", de Erico Veríssimo - ed. Globo / coleção Aventura de Ler (1997)






"O Tempo é um rio sem nascentes
a correr incessantemente
para a Eternidade (...)"
trecho do conto "Sonata"



Erico Veríssimo era impressionante! Sua versatilidade, habilidade para transitar entre diversos gêneros com a mesma qualidade, intensidade era algo incrível.
Estava aqui em casa mas sempre deixava para depois, o livro "Contos", edição de 1987, que reúne algumas poucas histórias do autor neste modelo mais curto, mas sucinto, mas ainda assim muito significativas no que diga respeito a seu estilo e possibilidades.
O célebre autor gaúcho passeia do drama familiar ao terror, do fantástico ao policial, com uma naturalidade incomum. Emociona com o conto "As Mãos do Meu Filho", no qual um músico talentoso rende suas homenagens à mãe, esforçada, heroica nos sacrifícios, nas renúncias da vida, mas despreza o pai, problemático, ex-alcoólatra, e que no entanto, é orgulhoso do filho e, sabe que, à sua maneira, teve sua parcela para que ele chegasse àquele momento de consagração.
"O Navio das Sombras", ainda que com todos os conflitos emocionais do personagem principal e seu estado psicológico, é acima de tudo um conto de terror, seja pela ambientação, um porto deserto, um navio fantasma, seja pelas imagens criadas por Erico como a névoa, a escuridão, vultos indefinidos e rostos zumbificados.
"Os Devaneios do General", sobre a nostalgia de um ex-militar da época da Revolução Federalista, dos tempos em que mandava e desmandava numa cidadezinha do interior, embora traga a dura realidade das crueldade das guerras, carrega consigo uma ponta cômica e revela a veia ácida do autor.
A tortura interior de um homem ciumento em relação à sua jovem esposa pauta o envolvente "Esquilos de Outono", drama-suspense, ambientado nos Estados Unidos.
"A Ponte", o mais longo dos contos, desenvolvido com a habilidade do romancista, traz um homem rico realizado materialmente, mas cuja vida revela uma série de vazios, entre eles, uma saudade da cidade Natal e uma espécie de dívida pessoal com o lugarejo.
No mais impressionante dos contos, "Sonata", Erico Veríssimo manipula o tempo como bem entende, misturando tempo, personagens de épocas diferentes, espaços físicos, sensações, e costurando tudo isso, a música. Numa maestria que somente um grande autor pode se permitir e conseguir executar, ele conta a breve história de um músico, sem grandes perspectivas, deslocado de sua época, fora de seu tempo que, deparando-se com um anúncio de jornal do ano em que nascera, por curiosidade, resolve investigar como a pessoa que solicitara um profesor de piano, vinte e oito anos antes, encontraria-se naquele momento. Vai então até o endereço do anúncio e aí começa uma incrível jornada que alterna passado e presente e une esses mesmos espaços de tempo de forma mágica. Imaginação, viagem no tempo, delírio, sonho, pós-morte? Nada é certo, nada é definitivo em "Sonata".
Fazia tempo que não lia Erico e reencontrá-lo nesses contos foi, de certa forma, uma retomada completa. Tem o Erico novelístico, o Erico espiritual, o Erico cru, o Erico viajante, o Erico historiador, enfim... O exercício do conto possibilita que o autor coloque um pouco de suas características de romancista em cada uma dessas historietas e, desta forma, o leitor tem o privilégio de saborear praticamente uma compilação dessas formas literárias que o consagraram, em pequenas doses.
Meu tratamento à base de Érico Veríssimo foi retomado com êxito. Agora, a recomendação é aumentar a dosagem.




Cly Reis


domingo, 8 de outubro de 2023

"Ode a Mauro Shampoo e outras histórias da várzea", de Luiz Antônio Simas - ed. Mórula (2017)

 




"Os textos deste livro (...) foram escritos
com a duvidosa categoria de um peladeiro
que mais tomou frangos do que fez golaços.
A irrelevância do futebol das várzeas,
a comovente ruindade dos perebas,
a epopeia silenciosa dos derrotados,
dos fracassados, dos frangueiros,
dos frequentadores das arquibancadas de madeira e cimento,
traçam certo painel afetuoso
sobre um Brasil que me interessa."

"A minha pátria é um gole de cerveja
para comemorar um gol sem importância,
coisa capaz de aconchegar um homem na sua aldeia
quando tudo mais lhe parece 
vertigem de um mundo desencantado."
Luiz Antônio Simas


Que coisa maravilhosa o livro de Luiz Antônio Simas! Um deleite para os apaixonados por futebol. Quem já jogou bola num terreno baldio, quem teve um timezinho de bairro, quem conhece uma daquelas figuras folclóricas dos campos, quem frequentou estádio antes dos padrões FIFA, vai se identificar e até se emocionar com as pequenas histórias de "Ode a Mauro Shampoo e outras histórias da várzea", relatadas por essa figura incrível que é Luiz Antônio Simas, um romântico desse esporte que, segundo ele, foi reinventado pelo brasileiro.

Luiz Antônio Simas, professor de história e pesquisador de culturas populares, nos apresenta diversas histórias que resgatam a raiz do futebol, a essência, o improviso, a espontaneidade, a molecagem, o prazer pelo jogo. Times de várzea, pequenos clubes profissionais, suas origens e fundações muitas vezes inusitadas, episódios pitorescos, suas lendárias formações, nomes e apelidos hilários de seus craques, seus goleiros frangueiros, zagueiros mal-encarados, hinos inspirados e cores de uniformes... tudo é objeto para as divertidas e muitíssimo bem escritas crônicas do autor.

A epopeica excursão do Santa Cruz de Recife ao Amazonas, nos anos 40, que teve de tudo, de caganeira a assassinato; a escalação clássica do Vila da Cava, de Nova Iguaçu; o juiz que declaradamente beneficiava seu clube do coração; a curiosa origem do nome do Treze de Campina Grande, da Paraíba; o zagueiro que não escovava os dentes pra espantar os atacantes; o centroavante conhecido como Abecedário exatamente por ser um completo analfabeto, são apenas alguns dos episódios narrados de forma descontraída pelo autor. Simas é um romântico, um nostálgico do futebol, inconformado com os novos tempos de clubes empresa, modernas arenas, namming-rights, gramas sintéticas, pedantismos futebolísticos e mimadinhos jogadores "táticos" com seus pomposos nomes, com sobrenomes, RG e o escambau.

Livro com o sabor de um bom papo sobre futebol, regado a cerveja na birosca da esquina.


Cly Reis 

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

"A Décima Segunda Noite", de Luís Fernando Versíssimo - ed. Objetiva - Coleção Devorando Shakespeare (2006)

 



Olha..., uma das raras vezes que não gosto de alguma coisa do Luís Fernando Veríssimo

"A Décima Segunda Noite", sua "versão" para a peça de Shakespeare, conhecida por aqui como "Noite de Reis", é uma bagunça. Um caos mais estapafúrdio do que seria permissível mesmo para o gênio criativo de Luís Fernando Veríssimo que, costumeiramente mistura elementos muitas vezes aparentemente incompatíveis, criando universos literários peculiares e interessantíssimos.

Não é o caso aqui.

"A Décima Segunda Noite" é uma verdadeira salada: um grupo de travestis brasileiros, ex-integrantes de um fracassado grupo de dança, trabalha no salão de beleza de um italiano que é apaixonado por uma ricaça francesa, cujo um irmão falecido era contrabandista de santos barrocos vindos do Brasil, e cujo "bobo-da-corte" (?!?!), que animava as festinhas dos travestis brasileiros tocando violão, fora diplomata no Itamaraty... E tudo isso narrado por uma papagaio cinza, pintado de verde e amarelo só pra dar um toque de brasilidade ao salão de beleza.

Não, ó: aí o Veríssimo passou dos limites na "liberdade criativa".

A situação da separação dos irmãos, Viola e Sebastian, no original, Violeta e Sebastião, nesta adaptação, até é bem criativa e interessante. Se lá eles se perdem num naufrágio, aqui eles são separados no aeroporto em Paris, por questões diplomáticas e suspeitas em relação ao envolvimento de Sebastian com o contrabando de joias. Ok... Tá bom, mas praticamente ficamos nisso. O papagaio contando a história dá um toque original, até tem seu valor, tem seus momentos divertidos, mas é muito pouco.

No mais, um infeliz "samba do branquelo doido" que faz a gente querer chegar logo ao final, muito mais para se livrar daquele martírio do que para saber o final que, no fim das contas, para quem conhece a peça, já está cansado de saber. Mas não se engane, por mais que saibamos o final, neste caso, Luís Fernando Veríssimo consegue colocar elementos que não acrescentam em nada, não têm graça nenhuma e só pioram o final.

Por mais fã de Shakespeare que seja, e apaixonado por Paris, acho que, desta vez, Veríssimo errou na mão. Adaptação completamente dispensável (E é com peso no coração que digo isso).




Cly Reis


quinta-feira, 14 de setembro de 2023

"Robert Johnson - Pacto de Amor à Música", de J.M. Dupont e Mezzo - ed. Darkside / selo Macabra (2022)

 



"Se você é alucinado por blues,
vai adorar este livro.
Mas não é necessário amar o estilo
para apreciar este retrato do bluesman
mais famoso de todos os tempos.
Verdadeira obra-prima,
tanto pela qualidade das ilustrações
quanto pela narrativa,
esta história é mais do que 
uma simples graphic-novel
graças à poética de seu texto e 
à grandeza de seus quadros,
que são, por si só, verdadeiras obras de arte."
Lawrence Cohen, produtor musical do álbum


Algumas biografias, às vezes, podem ser melhores nos quadrinhos do que escritas. Embora tenha assistido a alguns documentários, nunca li, efetivamente, nenhuma biografia de Robert Johnson, mas o que posso afirmar é que a graphic-novel "Robert Johnson - Pacto de Amor à Música", cumpre muito bem seu papel em contar a trajetória do nome, possivelmente, mais importante da história do blues e, certamente, um dos mais importantes da história da música em todos os tempos. 

Nome sempre cercado por lendas, polêmicas e histórias mal contadas, Robert Johnson figura que mudou a forma de fazer, de tocar o blues e influenciou diversos nomes de expressão como Bob DylanRolling Stones, Led Zeppelin, Eric Clapton e outros, teve uma vida conturbada desde a infância, como era comum aos negros norte-americanos sulistas no pós-escravidão. Dotado, na juventude, de um "misterioso" talento, conquistou respeito e até uma certa inveja dentro do meio musical, ao mesmo tempo que causava a ira de produtores musicais por sua irresponsabilidade e tendência à bebida, e provocava o ódio de maridos por conta de sua reputação de mulherengo. Mas é claro, que o principal elemento que envolve o nome de Johnson é o suposto pacto com o Diabo, que teria proporcionado a ele todo aquele absurdo talento. 

Arte que remete ao impressionismo de Van Gogh
com a tradição dos negros sulistas das garrafas nas árvores
 para capturar os maus espíritos

O livro roteirizado pelo jornalista e escritor J.M. Dupont e pelo quadrinista Mezzo, como não podia deixar de ser, explora a lenda na própria narrativa, proporcionado uma condução interessante e constantemente instigante. Com as devidas liberdades artísticas e criativas diante da falta de informações precisas, com uma arte robusta e com um traço marcante, os autores nos entregam uma biografia gráfica convincente ao mesmo tempo poética e documental.

Mais uma biografia em quadrinhos que não fica devendo nada a outras em outros formatos e que comprova, mais uma vez, o valor das HQ's. Documento indispensável para amantes da música, aficcionados pelo blues, fãs de Robert Johnson e, até mesmo... adoradores do Diabo.

Arte maravilhosa de Mezzo!
O blues embalando a loucura durante a grande depressão norte-americana dos anos '30



por Cly Reis


sexta-feira, 23 de junho de 2023

"A Menina que Morava no Sino", de Celso Gutfreind e ilustrações de Flávio Fargas, ed. Physalis Editora (2020)

 

"A nossa história já foi comprovada para além da imaginação. A menina morava aqui na Terra mesmo. Ela vivia sozinha no Sino. A bem da verdade, havia três sinos lá no alto. Eles tocavam juntos para a gente ouvir melhor. A menina achava que eles não precisavam de ninguém. Ou eles tocavam sozinhos para acompanhar o balanço dela."


Tive a oportunidade de ler o original do livro "A Menina que Morava no Sino" e me lembro do grande impacto que senti. Já nas primeiras páginas queria ser amiga dela e subir no sino que cresci escutando, e que existe mesmo, ali na Igreja (super gótica) conhecida como Santa Therezinha, em frente ao Brique da Redenção. 

Ao ler essa estória você irá se deparar com temas como adoção, diferenças, deficiência auditiva, o cotidiano das cidades e seus personagens, poesia, música e literatura. São 136 páginas para leitores de todas as idades, mas também indicado a leitores do 4º ao 9º ano do Ensino Fundamental, cuja edição cuidadosa é da Physalis (Passo Fundo/RS) e foi lançada em 2020. O meu exemplar foi adquirido na AMA Livros. 

Essa é a primeira novela infanto-juvenil do conhecido escritor e médico gaúcho Celso Gutfreind. Na trajetória de escritor, a poesia ocupa boa parte das publicações de Celso e a surdez é um tema recorrente em sua prática como psicanalista, e por isso faz parte dessa estória, “que não se sabe muito bem de onde vêm”, como a menina mesmo diz.

De forma poética, divertida e cheia de referências as estórias dentro da estória da menina, vão trazendo emoções, dúvidas, e a oportunidade de discutir muitos aspectos ali contidos. Maria Antonieta Cunha, que apresenta o livro, diz que "A menina que morava no sino é um hino à humanidade e a algumas das melhores coisas que ela produz: por exemplo, a arte, em suas tantas manifestações (em especial, o ato de contar histórias) e o amor, nas suas mais diversas formas. Saímos dela com otimismo, com esperança, com vontade de experimentar um olhar mais atento e carinhoso para nosso mundo." 

Premiadíssimo em 2021, "A Menina que Morava no Sino" ganhou os troféus: Açorianos de Literatura Infantojuvenil; Livro do Ano Juvenil AGES - Associação Gaúcha de Escritores e Carlos Urbim - Literatura Infantil, pela Academia Riograndense de Letras, e Prêmio Cidade de Passo Fundo RS. A edição traz as ilustrações do mineiro Flávio Fargas, formado em Belas Artes pela UFMG com bacharelado em Pintura e Desenho, que revela: “Já tive a oportunidade de ilustrar textos magníficos ao longo desta vida de ilustrador. Mas poucos mexeram comigo tanto quanto este. A menina que morava no sino é lindo, leve, divertido, emocionante. Tudo ao mesmo tempo...” 

#ficaadica


Leocádia Costa


quinta-feira, 15 de junho de 2023

"O Som dos Negros no Brasil - Cantos, Danças, Folguedos: Origens", de José Ramos Tinhorão - ed. 34 (2008)

 



Estudo sobre as origens e influências dos ritmos de origem africana no Brasil

"Tendo caminhado naquele dia até quase as quatro da tarde,
ouvi perto da estrada, por onde se descia a um vale,
a música pastoril dos pretos, que parecia
se estavam suavizando do jugo do trabalho."
Nuno Marques Pereira, peregrino português,
em relato do final do séc. XVII


"A música tem, em elevado grau,
a faculdade de espairecer o espírito dos negros e,
naturalmente que ninguém lhes pretendia negar o direito
de suavizar sua dura sorte caras quão
desagradáveis aos ouvidos dos outros.
Consta que certa vez se pretendeu proibir que os negros cantassem
[enquanto trabalhavam] para não perturbar o sossego público.
Diminuiu, porém, de tal forma a sua capacidade de trabalho
que a medida logo foi suspensa."
Reverendo Kidder, missionário metodista, 
em relato de 1837


Numa dessas, conversando com minha mãe sobre blues, sobre meu gosto pelo gênero, o efeito que aquele ritmo produz em mim, comentei com ela sobre sua origem, um canto oprimido, simulado, trabalhando, na escravidão, nos campos de algodão do sul dos Estados Unidos. Foi então que ocorreu a ela me apresentar o livro "O Som dos Negros no Brasil", no qual se dava uma situação  semelhante, de escravos negros cantando mesmo durante a mais pesada e forçada labuta. Efetivamente, o livro do jornalista e pesquisador José Ramos Tinhorão dedica uma parte de seu estudo a esse curioso pormenor, contudo, em absoluto, se limita a isso. É um abrangente e muito bem documentado estudo que retorna desde antes da própria colonização em terras brasileiras, já relatando os hábitos e manifestações dos cativos africanos em seu próprio território, em terras portuguesas e, capturados, já submetidos, a bordo das embarcações dos exploradores.

Tinhorão examina a fundo cada passo da manifestação musical dos negros escravizados no Brasil, desde as senzalas, as manifestações religiosas de seus deuses e entidades, as limitações, as proibições, as pequenas concessões dos brancos, avançando para uma tímida 'entrada' na Casa-Grande, a uma gradual aceitação da sociedade, e chegando a apropriação por parte do branco, dos sons dos negros, originais de rituais e folguedos, adaptados a ritmos menos 'selvagens'. Cada detalhe é comprovado por cartas, anúncios de vendas de escravos, matérias jornalísticas da época, documentos oficiais, relatos de viajantes e pesquisadores, e documentos oficiais, não deixando margem de dúvida quanto a datas, locais ou envolvidos em determinado episódio que marque o desenvolvimento dos ritmos negros no nosso país.

À parte as curiosidades, a maneira inferior como eram tratados os hábitos musicais africanos, o desprezo e a resistência da sociedade em relação à introdução desses ritmos na cultura 'civilizada', me chamou atenção, particularmente, a dimensão da influência que esses sons, que essa cultura negra teve na própria música portuguesa, em especial no fado. Dada a leveza e a melancolia do gênero musical tipicamente lusitano, nunca imaginaria ter sofrido tamanha influência da umbigada e do lundu dos negros, afro-brasileiros ("A julgar pela descrição das danças do lundu e do fado feitas por viajantes (...) os pontos coincidentes entre as duas danças são tantos que quase se poderia no fado como um segundo nome para o mesmo lundu.").

Enfim, uma bela recomendação de leitura. Muito melhor do que imaginava. Estudo, pesquisa, trabalho documental, mas nada maçante. Muito pelo contrário! Leitura extremamente prazerosa e estimulante.


Cly Reis 

quinta-feira, 8 de junho de 2023

"Grande Sertão: Veredas", de João Guimarães Rosa, adaptado para quadrinhos por Guazelli e Rodrigo Rosa - editora Quadrinhos na Cia. (2014)

 




"O diabo
no meio da rua
no meio do redemunho"


Belíssima adaptação para quadrinhos de um dos maiores clássicos da literatura brasileira. O roteirista Guazelli e o artista Rodrigo Rosa tiveram a desafiadora tarefa de transpôr para esta outra linguagem, ainda que também literária, porém muito mais visual, uma obra de estrutura difícil, de texto complexo e longa extensão, e no fim das contas, pesando acertos e erros, prós e contras, pode-se dizer que se saíram muito bem.
O romance gráfico consegue transmitir a atmosfera árida, o clima sufocante do sertão, a intensidade dos confrontos e a verdade do sertanejo, seja ela de ignorância ou de sabedoria.
"Grande Sertão: Veredas", obra original de Guimarães Rosa, um dos maiores gênios da literatura brasileira, narra, na voz de um sertanejo relatando a um visitante curioso, as sagas, aventuras e desventuras de um grupo de jagunços no interior de Minas Gerais, seus conflitos, traições, disputas de poder e batalhas, tudo sob um olhar de sabedoria do homem que aprendeu a conhecer os homens e a conhecer o mundo, e a partir disso formou juízos repletos de filosofia sobre tudo à sua volta.

A sensação do calor e a intensidade dos tiroteios
nas ilustrações impressionantes de Rodrigo Rosa

As ilustrações de Rodrigo Rosa são impressionantes! O leitor quase sente o calor, o sol castigando, a tensão entre os homens, a coragem, o medo, o clima dos tiroteios. O roteiro que peca um pouco nas transições, de situações, de lugar, de tempo, mas não  desvaloriza o grande trabalho de adaptação dessa obra, por um lado fácil de ser colocada em imagens, dada a riqueza narrativa de Guimarães Rosa, mas, por outro, difícil pelo formato, pelo texto corrido, pela linguagem sertaneja, etc.
Enfim, mais méritos que críticas ao trabalho dos autores da HQ. Parabéns a eles. Mais uma obra fundamental da nossa literatura que ganha traço e cores artísticas com muita qualidade. 

A beleza e a força da cena de Riobaldo invocando o demônio.





Cly Reis


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"Grande Sertão: Veredas"
romance gráfico adaptado a partir da obra "Grande Sertão: Veredas", de João Guimarães Rosa
roteiro: Guazelli
arte: Rodrigo Rosa
editora: Quadrinhos da Cia.



terça-feira, 2 de maio de 2023

Coleção "Os Melhores Filmes de Todos os Tempos - Terror", coordenação de Paulo Basso Jr. - ed. Europa (2020)



 

Filmes de terror
Ganhei de aniversário - a meu pedido - o livro  de Terror da coleção "Os Melhores Filmes de Todos os Tempos".
Meio decepcionante.
Uma breve coletânea de posters de grandes clássicos do gênero com algumas informações, observações e curiosidades. A verdade é que deveria ter me interado melhor do que se tratava a publicação antes de querer tê-la em minha biblioteca. Tem as obviedades, como "O Bebê de Rosemary", "A Noite dos Mortos-vivos", algumas boas surpresas, como o assustador "O Babadook", justiças, como o inovador "A Bruxa de Blair", e novos clássicos como o impressionante "A Bruxa".
Esperava uma vasta lista, com dicas improváveis, coisas pouco conhecidas, informações que me fizessem querer ver algum filme que nunca me interessara etc., mas o que ganhei foi apenas uma publicação bem básica para iniciantes no assunto.
Para ser justo, algumas das curiosidades são realmente muito interessantes e algumas delas eu sequer tinha conhecimento, como o fato de Jamie Lee Curtis só ter sido a escolhida para "Halloween" por ser filha de Janeth Leigh, a estrela do clássico "Psicose"; de Christopher Lee ter feito "O Homem de Palha" de graça e colocar o filme como o ponto alto de sua carreira; ou da Disney ter manifestado a intenção de comprar o roteiro de "A Hora do Pesadelo', com a intenção de suavizá-lo para crianças e adolescentes. Mas só seria bom mesmo se tivesse uns duzentos ou trezentos filmes, como no número anual especial da antiga revista Set, que trazia um guia com os melhores filmes de todos os tempos em cada gênero e uma publicação especial dedicada ao terror. Aquilo lá, sim, muito me serviu de base e orientação.
Quem sabe uma hora dessas encontro algo assim. 
Mas não foi dessa vez.



Cly Reis

domingo, 12 de março de 2023

"Dead-End: Na Velocidade dos Anos Solitários", de Seyer (1990)


"Um olhar mais atento se dá conta
que o noir de Seyer é ainda mais noir
que os policiais do anos 40 -
ele é menos aveludado do que seus inspiradores,
tem menos glamour.
É rigorosamente gráfico.
Os rostos conhecidos, reconhecidos, convenientes,
próprios a esse repertório, são mais signos do que símbolos."
Jean Luc-Cochet,
quadrinista e escritor



Cinema e quadrinhos têm uma relação muito próxima de longa data. Além dos story-boards, guias organizacionais de diretores para o andamento de uma história, as adaptações de obras pensadas originalmente para papel são parceiras da telona há bastante tempo, e, mais recentemente, ganharam uma força enorme com a ascensão dos estúdios da Marvel e da DC. Já o caminho inverso não costuma ser tão exitoso, uma vez que, grande parte das vezes, quando quadrinistas resolvem passar para o papel uma obra cinematográfica de sucesso, se limitam a reproduzir os quadros da película.
"Dead-End, Na Velocidade dos Anos Solitários" é diferente dessa mera transposição de cenas para as HQ's. A graphic-novel é inspirada e ao mesmo tempo é uma reverência ao cinema. Seyer, o artista responsável pelo trabalho, se utiliza de cenas clássicas, de imagens consagradas de ícones de Hollywood como Humphrey Bogart, Lauren Bacall, James Cagney, Orson Welles, entre outros, para compor sua obra, mas fora do contexto em que elas apareciam originalmente, criando algo totalmente diferente e original. Na história de Sayer Bogart não é o detetive Sam Spade, de "O Falcão Maltês", e sim um cara encrencado tentando arranjar alguma grana e sobreviver como puder; Welles não é o corrupto capitão Hank Quinlan de "A Marca da Maldade", e sim um dono de uma espelunca muito mal frequentada; e a bela Lauren Bacall passa longe de ser a blonde fatal de "À Beira do Abismo" para encarnar um prostituta vulgar de última categoria. O universo de Seyer é esse: a tônica dos filmes noir norte-americanos americanos, só que tudo ainda mais sujo e podre.
A trama é bastante simples: na Nova York dos anos '30, dois caras, ferrados, endividados, jurados de morte pelo gângster do pedaço, sem ter nada a perder, vão para uma cartada final praticamente suicida, roubando um malote e tentando dar o fora da cidade. Só que as coisas não saem exatamente como eles imaginavam e a dupla de perdedores acaba se complicando cada vez mais.
Homenagem ao cinema noir dos anos 40, "Dead-End...", publicada em 1990, hoje é considerada praticamente um cult das HQ's, e tornou-se um verdadeiro item de colecionador. Um exercício de reimaginação do universo do cinema, praticamente recriando personagens que conhecemos com uma visão muito original. Um clássico das HQ's que honra os clássicos do cinema.

Rostos conhecidos, Bogart, Welles, cenas familiares, mas com outra roupagem,
em outra história, diferente (mas nem tanto) das originais em que costumamos vê-los.


 


Cly Reis

terça-feira, 24 de janeiro de 2023

"Poesia", de Jorge Luis Borges - ed. Companhia das Letras (2017) - compilação de poemas de 1969 a 1985




"Escrever um poema
é ensaiar uma espécie de magia menor.
O instrumento dessa magia,
a linguagem, é bastante misterioso.
Nada sabemos  de sua origem.
Só sabemos que se ramifica em idiomas
e que cada um deles consta de um indefinido
e cambiante vocabulário e de um número indefinido
de possibilidades sintáticas.
Com esses inapreensíveis elementos, compus este livro."
introdução do autor
no livro "Os Conjurados"


Acabei de ler, há pouco, o robusto "Poesias" de Jorge Luis Borges, coletânea de poemas com nada menos que sete publicações do autor: "Elogio da sombra" (1969), "O Ouro dos Tigres" (1972), "A Rosa Profunda" (1975), "A Moeda de Ferro" (1976), "História da Noite", "A Cifra" (1981)

Eu apaixonado pela escrita de Borges pude me deliciar ao longo de suas mais de 600 páginas com todo aquele universo de enigmas, magia, labirintos, bravuras, reminiscências e inspiração. Poemas delineados com a pena da sabedoria de quem muito viveu, muito viu e muito estudou, e ao mesmo tempo da admissão da ignorância diante da vastidão de segredos do mundo. Paisagens fantásticas, questionamentos sobre a arte de escrever, batalhas sangrentas em guerras na Europa ou nas estâncias do pampa gaucho marcam as páginas de "Poesias". 

Organizado cronologicamente, a partir da publicação de "O Elogio da Sombra", de 1969, o livro tem, na minha visão, um crescimento gradual, chegando a um nível incrível em "A Cifra" (1981) e culminando, para mim, em "Os Conjurados", de 1985, no melhor momento de sua poesia e razão, como aliás, na maior parte das vezes é natural na vida de um escritor, mas curiosamente, no caso de Borges, exatamente em seu momento de maior limitação física, muitíssimo doente, e praticamente cego na época da publicação.

Prato cheio, aliás, transbordante, para os apreciadores da obra do escritor argentino, mais conhecido e aclamado por seus contos, mas muito valoroso também por seus poemas que, no fim das contas são enriquecidos dos mesmos elementos recorrentes que tanto apaixonaram leitores como eu.




Cly Reis



sábado, 10 de dezembro de 2022

"Bailado Esportivo", de Hardy Guedes, com ilustrações de Renato Moriconi, ed. Prumo (2009)

 


"São dois bailarinos ligeiros
em passos opostos da dança.
Enquanto ensaiam os gestos,
a bola descansa.
Se um balança o corpo,
 o outro balança também.
Se um finge que vai,
o outro finge que vem.
E a bola, tão cobiçada,
aguarda, na grama,
parada
o desfecho desse vaivém."
trecho do poema "Finta (o drible)"



Assim que começou a pandemia e veio a determinação do "fique em casa", minha filha, não retornando à escola até a normalização das atividades, que só aconteceria meses depois, ficara com o último livro que pegara na biblioteca da escola. Esse livro era "Bailado Esportivo", livro de poesias sobre futebol, do niteroiense Hardy Guedes, com belíssimas ilustrações de Renato Moriconi.

 Sorte nossa! Nós dois, apaixonado por futebol, adorávamos ficar lendo esse livro! 

Hardy, também cantor e compositor, com muita sensibilidade de torcedor, de amante do futebol, provavelmente de praticante de peladas desde a infância, capta e transmite com simplicidade, singeleza, o encanto do futebol em todos seus âmbitos: dentro do campo, em cada posição, na torcida, na imprensa, no futebol profissional, no amador, num estádio repleto em plena Copa do Mundo ou num campinho de terra. Em seus versos exalta o êxtase da vitória, lamenta o dissabor da derrota, ou, meramente, ressalta o prazer de torcer pelo seu time, independente do resultado que ele possa lhe proporcionar ("Torcer pelo meu time / não tem explicação. / Nem sempre é o melhor / nem sempre é o campeão. / Mas torço porque torço... / É coisa do coração...).

Leitura muito gostosa. Líamos, minha filha e eu, com frequência antes da hora de dormir. Pena que tivemos que devolver quando voltaram as aulas. 

E o pior é que depois não encontrei mais nas livrarias...

Uma das belas ilustrações do artista Renato Moriconi.



Cly Reis 

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

"Linha de Ataque - Futebol Arte", coletânea de HQ's - argumentos de Casagrande, José Trajano, Armando Nogueira e Marcelo Fromer, com arte de Roger Cruz, Octavio Cariello, Marcelo Campos e Rogério Viana - ed. Abril (1998)

 



"Era uma vez um país que amava futebol,
onde se jogava com tanta paixão que cada lance era uma obra de arte
e qualquer gramado, uma tela esverdeada aguardando as carícias do pincel.
Lá, todo menino nascia artista e todo artista tinha alma de menino.
Daí, a arte e futebol serem irmãos gêmeos,
mais ainda, um só ser... FUTEBOL ARTE."
introdução de Jotapê Martins,
editor da publicação



Projeto idealizado tendo como ponto de partida a Copa de 1998, "Linha de Ataque - Futebol Arte", acabou não passando do primeiro número. Proposta interessante que colocava lado a lado uma personalidade ligada ao Futebol, um jornalista, um ex-jogador, escritor, cronista, etc., com um artista de quadrinhos, compondo assim, ambos, em parceria, um breve conto no qual o futebol fosse elemento catalisador da trama.

No primeiro o ex-atacante Casagrande, hoje comentarista de futebol, idealizou uma espécie de "Space Jam" de futebol, só que com monstros do Lago Ness invadindo Paris e sendo desafiados por um time de bichos brasileiros, os Animais Tetropicais, que propõe que, se os répteis gigantescos perderem, voltem para as profundezas de seu escuro lago na Escócia. Ilustrada pelo quadrinista Roger Cruz, de trabalhos com a Marvel, "O Primeiro Confronto" tem um traço bem cartunesco e um tom bastante descontraído, com personagens que remetiam à Seleção Brasileira que disputava a Copa daquele ano, como o goleiro Carcarel, o atacante Coelhadinho, com os mesmos dentes proeminentes do Fenômeno, o Animal (Edmundo) e o técnico, o Velho Lobo.

A segunda história, uma colaboração do jornalista José Trajano com o artista Octavio Cariello é uma trama policial repleta de nostalgia e reminiscências. Em "Loxa & três-com-goma", uma operação policial é organizada a fim de deter criminosos que mantém reféns em uma cabine de imprensa, em um jogo de futebol. Concomitantemente à ação, o narrador vai repassando suas lembranças de Rio de Janeiro, de peladas, de bate-papos sobre futebol com os amigos, jornadas no Maraca, até culminar num final surpreendente.

O mestre das letras da crônica esportiva, Armando Nogueira idealizava o continho "Pelada de Subúrbio", o melhor dos episódios da publicação. Muito "raiz", bem essência do futebol, o conto ilustrado por Marcelo Campos, credenciado por seus trabalhos com a DC Comics, apresenta um típico jogo de bairro, pegado, no chão batido, sem tênis, sem camiseta, no qual, como não é raro acontecer, a bola cai várias vezes no pátio do vizinho. Tem vizinhos que aceitam bem e outros... nem tanto.

Marcelo Fromer, o falecido ex-guitarrista da banda Titãs e, à época, assíduo frequentador de mesas-redondas futebolísticas, em parceria com o premiado artista Rogério Viana, trazia o bom episódio "Lua, a bola branca no céu", que se destaca pelo roteiro ágil, boas tiradas de humor, mas cujo maior destaque fica por conta da belíssima arte do ilustrador.

Proposta muito bacana, muito legal para fãs de futebol e quadrinhos, mas que lamentavelmente, não seguiu adiante. Lembro que, na época, fiquei esperando pela sequência de publicações e nada. Sinceramente, não sei os motivos do arquivamento do projeto, mas conhecendo o Brasil como a gente conhece, é de se imaginar que tenha sido o de sempre: falta de apoio, incentivo, dinheiro, patrocinadores, parcerias...

Quem tem o seu que guarde bem na sua estante de quadrinhos, por que esse número único, já é relíquia de colecionador.

(Eu tenho)

Aqui, uma imagem de cada história.



Cly Reis