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quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

"Wonka", de Paul King (2023)




Confesso que fui assistir "Wonka" já esperando pelo pior mas tive uma grata surpresa. E não é que o filme é bom? Música, cenário, figurino, atuações, tudo funciona no longa do diretor Paul King, o que torna assisti-lo algo prazeroso.
Confesso que fui assistir "Wonka" já esperando pelo pior mas tive uma grata surpresa. E não é que o filme é bom? Música, cenário, figurino, atuações, tudo funciona no longa do diretor Paul King, o que torna assisti-lo algo prazeroso.

A história se concentrará especificamente em um jovem, Willy Wonka, e como ele conheceu os Oompa-Loompas em uma de suas primeiras aventuras. O longa é um musical, já vá sabendo disso, e sei que muita gente tem resistência com musicais (desnecessário isso, hein). Mas se você, assim como eu, adora musicais, vai se divertir, com certeza. Timothée Chalamet (Willy Wonka), não está mal, porém muito longe do carisma dos Wonkas anteriores, que você gostando ou não, marcaram gerações. Ele não prejudica muito a narrativa, mas poderia ter um esforço maior na atuação. O filme parece esperar por uma sequência e por isso não se aprofunda tanto na vida de Wonka. Há algumas poucas cenas em que a relação com sua mãe é retratada mas praticamente se limita a isso, e essa falta de passado também dificulta uma evolução maior do protagonista, o que nos deixa na expectativa de ver o Wonka raiz nos próximos anos nas telas.

O longa me encantou com seu cenário fantasioso onde tudo é possível, o que é muto bem aproveitado pelo diretor, que faz com que as cenas musicais não causem aquela estranheza característica e, pelo contrário, funcionem naturalmente. Como apontei, os cenários que são maravilhosos, bem como os figurinos deslumbrantes trazem um clima de magia, nos proporcionando uma enorme imersão. Palmas para o design de produção! 

Que surpresa agradável, Oompa Loompa!

Vou dar um grande destaque para a menina Calah Lane (Noodle) que está muito bem e que encanta sempre que aparece, e para Hugh Grant como  o Oompa-Loompa), numa atuação impressionante que prometeu nada e entregou tudo. Além de tudo,  gostei de todo elenco de apoio, por menor que seja a participação de cada um, todos tem um contexto e funcionam para trama.

Filme bem agradável de se assistir. Não é longo, tem seus momentos divertidos, e por mais que pareça estar preparando o terreno para uma futura franquia, isso não faz a história travar ou ter problemas de desenvolvimento, não chegando sequer a ficar algo cansativo.

O ar fantasioso, o belo cenário, músicas descontraídas e contagiantes fazem "Wonka" ser uma opção muito divertida. "Wonka" é como uma caixa de bombom que tem aqueles bombons que você não gosta muito e divide com alguém. Os bombons ruins são meio que o que o caso do protagonista, sem carisma e com sua história excessivamente simplória. No entanto, tem aqueles bombons que você ama, que aí é o caso do cenário de fantasia que o longa cria, ampliando o mundo da fantástica fábrica de chocolate, mostrando potência para uma possível nova franquia.

O que essa menina vai brilhar...! Torço muito por ela.





por Vágner Rodrigues



sábado, 22 de julho de 2023

"Armageddon Time", de James Gray (2022)

 


Cinama - Armageddon Time
Um filme bem fácil de pegar você. Um olhar inocente de uma criança em meio a um mundo cheio de transformações. O longa do diretor James Gray tem excelentes personagens mas é uma pena que nem todos acabem tendo espaço para mostrar suas histórias, o que dá uma sensação, ao final, de que algo ficou faltando. 

Baseado nas memórias de infância do diretor, como estudante na Escola Kew-Forest, no Queens, "Armageddon Time" é uma grande história de amadurecimento que explora a amizade e a lealdade, no contexto de uma América do Norte pronta para eleger Ronald Reagan como presidente.

O filme é bem dirigido e você não sente o tempo passar com os personagens sendo apresentados juntamente com suas histórias. No entanto, como já mencionado, alguns são deixados de lado, e assim como suas trajetórias e definições que poderiam render bons debates, acabam ficando inacabadas. O melhor exemplo é Johnny Davis (Jaylin Webb), que aparece, vai ganhando destaque, você fica interessado nele, entretanto várias vezes o personagem é esquecido em algumas partes, e parece que a gente é que perdeu algo, mas infelizmente não é isso: é somente algo do filme que não nos é mostrado. A narrativa, que, à sua maneira, tenta mostrar o mundo da época, ao mesmo tempo quer se deter ao olhar do menino e seu próprio mundo, o que o longa um tanto perdido na sua proposta como um todo.

Como sua proposta principal é mostrar a vida e a realidade de Paul Graff (Banks Repeta), nesse ponto ele se destaca bastante. O olhar inocente do garoto sobre as coisas, uma visão mais "simples" dos problemas, e a forma como ele busca solucioná-los, de maneira tola , perigosa e até, por vezes, fora da lei. Banks Repeta como, Paul  Graff, entrega  um ótimo personagem, consegue se sustentar bem sozinho e mas também se sustenta bem nas interações com os outros personagens. Destaque para as belas cenas com seu avô 'Grandpa' Aaron Rabinowitz (Anthony Hopkins) e as mais tensas com Irving Graff (Jeremy Strong), seu pai. 

Cinema - Armageddon Time
Aquele almoço "agradável" em família,
onde o prato principal é... cobranças.

A forma como as coisas vão sendo desenvolvidas e amarradas, dentro do contexto de vida do garoto,  tanto no âmbito familiar como no social, é bem conduzida e sentimos o peso das decisões tomadas por por Paul e, especialmente as tomadas por seus pais. 

Acabou sendo um filme bem pessoal no qual muito da história de vida do autor foi colocada nele. Gostar ou não dessa escolha também se torna uma opinião bastante pessoal do espectador. Entre erros e acertos, ”Armageddon Time” consegue atingir um nível bem satisfatório, fazendo um recorte de uma parte importante da história americana e mundial e apontando alguns problemas que permanecem na sociedade até hoje, para isso mostrando a diferente realidade de vida das crianças. 

Apesar de alguns detalhes de como a condução da narrativa, no final das contas temos uma boa obra. Ver o garoto conhecendo o mundo e suas crueldades é algo que nos impacta, seja na beleza, doçura e inocência, em alguns momentos, seja na crueldade ou falta de empatia com o outro em determinadas situações.  “Armageddon Time” nos mostra que a vida é bela e feia ao mesmo tempo, e devemos estar preparados (ou pelo menos tentarmos...) para esses momentos. E se para adultos já é complicado, imagina para crianças. 

Cinema - Armageddon Time
As diferenças de realidades das crianças como recurso interessante para situar o momento histórico.



por Vagner Rodrigues


segunda-feira, 12 de junho de 2023

"Decisão de Partir", de Park Chan-wook (2022)

 


Que  coisa genial! Filme com tantos símbolos, significados, e tudo colocado de uma maneira tão cinematográfica, que você se joga dentro dele como se tivesse saltado de uma montanha. 

Em "Decisão de partir", longa do sul-coreano Park Chan-wook, diretor do clássico "Oldboy", um detetive (Park Hye-il) se apaixona por uma misteriosa viúva (Tang Wei) após ela se tornar a suspeita número um em seu último caso de assassinato.

Já vou logo avisando: de alguma forma você pode terminar o filme frustrado por não entregar o final que você quer (eu, por exemplo, achava que ia ser outra coisa o final), mas de maneira alguma isso diminui a obra. O longa, por mais que tenha uma premissa bem simples, é repleto de detalhes e alguns são bem explícitos, como o lance do olhar do casal e a obsessão do diretor em mostrar closes nos olhos. O fato de haver muitos momentos assim pode não agradar a muitos, ainda que seja possivelmente, o grande charme do filme.

As cenas de interação do casal são o ponto alto filme. Não há um momento dos dois em telas que você não fique preso nos diálogos, olhares, gestos. Conforme o crime vai se solucionando, maior fica a tensão sexual do casal e, por alguns momentos você até deixa de querer saber a solução do crime, mas sim, se algo vai acontecer entre os dois. 

Park Hae-il( HaeJoon) e Wei Tang (SeoRae)... Não tenho palavras para falar sobre as atuações, o que acontece quando os dois estão em cenas juntos! É algo forte que prende o espectador desde a primeira cena quando estão juntos no interrogatório. (Meu casal... não pera, não quero, ou quero), a forma como um olha para outro, simplesmente é algo!

Cada fala, cada cena, tudo é muito bem pensado, escrito e filmado. Um longa que não entendo como  não ganhou uma atenção maior. Às vezes a gente é pego de surpresa ao assistir um filme, o que não foi o caso aqui, pois já entrei com uma baita expectativa e, no entanto, todas foram atingidas.

Prepare-se para mergulhar em olhares que dizem muita coisas, solidão, amor, tristeza, às vezes alegria... Quando você faz esse mergulho, acaba percebendo que o que a investigação, o que longa propõe, vai além dos crimes, mas sim, pretende chegar até onde vão as relações pessoais criadas, a interpretação de símbolos. 

Acredito que uma das mensagens que o filme pode passar, na minha humilde opinião, é de olhar mais para a vida como um todo, olhar bem tudo que temos ao nosso redor, não focar unicamente em uma coisa, por que se não conseguimos conquistar o que queremos, uma enorme frustração pode ser gerada, e não é fácil lidar com frustrações ou coisas inacabadas. 

O casal de protagonistas tem grande atuação e é
simplesmente mágico, juntos, na tela.



por Vagner Rodrigues

quinta-feira, 20 de abril de 2023

"O Desconhecido", de Thomas M. Wright (2022)



Esse filme poderia tranquilamente ser uma série. Que imersão! Queria mais . 

O projeto é baseado em uma operação real da Austrália. A história segue dois homens que se encontram em um avião e iniciam uma conversa que se transforma em amizade. Para Henry Teague (Sean Harris), desgastado por uma vida inteira de trabalho físico e crime, este é um sonho tornado realidade. Seu novo amigo Mark (Joel Edgerton) se torna seu salvador e aliado. O que Henry não sabe é que Mark é um policial disfarçado. 

Talvez o ar contemplativo de "O Desconhecido" e seus poucos diálogos possam não ser tão atraentes se formos comparar com filmes para um público que normalmente acessa a Netflix. Se você for muito ansioso talvez não entre no clima, uma vez que o longa é vagaroso e por segurar certas revelações até o o final. O filme do diretor Thomas M. Wright começa muito misterioso e é possível que o espectador sinta-se um tanto perdido, embora esse mistério todo seja compensado no final. No entanto, essa desorientação e falta de respostas, receio que possam fazer com que algumas pessoas desistam do filme no meio, o que seria um erro.

Se você curte um suspense, esse filme é para você. "O Desconhecido", consegue esconder seu objetivo até praticamente metade do filme e, até lá, você vai tentando juntar as informações, descobrir o que está acontecendo e, quando  percebe, já está dentro do caso, investigando e montando o quebra-cabeça com a polícia. 

Embora ache que o final acaba muito corrido, as respostas são dadas e isso torna a experiência recompensada. Temos uma atuação boa de Joel Edgerton, que normalmente vai bem, mas atuação de  Sean Harris, com seu personagem completamente obscuro, realmente é a que realmente chama atenção 

Um bom roteiro que consegue se sustentar nos mistérios. Realmente um bom filme para você tirar seu disfarce do armário, seu material de detetive e imergir na investigação até a última cena. (Estou falando sério: até a última mesmo).

"O Desconhecido" é cheio de alternativas, reviravoltas e, se você tiver paciência,
 vai surpreendê-lo no final.


por Vagner Rodrigues


terça-feira, 7 de março de 2023

"Pinóquio" ou "Pinóquio por Guillermo Del Toro", de Guillermo Del Toro e Mark Gustafson (2022)

VENCEDOR DO OSCAR
MELHOR ANIMAÇÃO



O lar da sabedoria
por Cly Reis


Guillermo Del Toro é daqueles diretores que já consolidou de tal forma uma identidade cinematográfica, uma série de marcas registradas, características estéticas, que sua obra é facilmente identificável pelos admiradores de seu trabalho. "Pinóquio", embora seja uma animação com um argumento originalmente infantil, traz consigo o melhor das características de Del Toro. A adaptação do mexicano, vencedor do Oscar com "A Forma da Água (2018), em colaboração com o norte-americano Mark Gustafson, para a consagrada obra do escritor italiano Carlo Collodi, acrescenta seu tradicional tom sombrio e um olhar crítico e engajado, à singeleza do conto infantil.

O diretore se utiliza da magia da história do velho marceneiro que cria um boneco de madeira que ganha vida, para denunciar o fascismo e as sociedades conservadoras, situando sua adaptação entre as duas grandes guerras, especialmente no início da Segunda, quando a Itália encontra-se sob o governo totalitário direitista de Mussolini. Mais uma marca registrada, uma vez que não é a primeira vez que isso acontece na obra de Del Toro: ele já havia contextualizado outros filmes seus em períodos de guerra, pós ou sob regimes fascistas, como em "Labirinto do Fauno" e "A Espinha do Diabo" e mesmo quando não ambienta nessas circunstâncias, aborda situações que se assemelham ao fascismo e cerceamento de liberdade, individualidade e identidade.

No "Pinóquio por Guillermo Del Toro", depois de perder o filho Carlo, de 10 anos, num bombardeio no final da primeira guerra, o marceneiro Gepetto, depressivo e nunca totalmente conformado pela morte do garoto, dez anos depois, embriagado, num acesso de fúria, corta o pinheiro vizinho ao túmulo do filho e resolve dele fazer um boneco para 'substituir' o filho. Compadecida por tamanha dor de um pai, uma Fada da Floresta concede vida ao pedaço de madeira, no qual, por acidente, residia, antes da marcenaria, um grilo escritor e intelectual que, recusando-se a sair, assume o papel de conselheiro do boneco-menino.

E pode crer que ele precisa de um conselheiro! O boneco é  completamente espirocado. É agitado, tagarela, curioso, teimoso e incontrolável... É lógico que nem o grilo, Sebastião, com toda sua sabedoria, nem o pai, com seu zelo, conseguem pôr o guri na linha, o que resulta em inúmeros problemas para o velho. Pinóquio é um daqueles espírito livres, independentes, aquele tipo de 'gente' que não se submete, não aceita um  'não porque não', e isso incomoda a sociedade, incomoda os conservadores, os conformistas, e incomoda o poder. Assim que se apresenta ao mundo, o menino de madeira é considerado uma aberração, algo satânico aos olhos dos católicos, que insistem em não enxergar nada além da Criação Divina. Mais do que sua aparência, sua procedência, o garoto, contestador e crítico, choca por desafiar a ordem e os bons costumes. Na cena da igreja, quando todos da cidadezinha tomam conhecimento de sua existência e suas habilidades humanas, e manifestam seu espanto, desaprovação e condenação a seu convívio com os demais, Pinóquio aponta, no fundo do altar, para uma enorme imagem de Cristo crucificado, esculpido pelo mesmo marceneiro que o criara, e questiona por que gostam tanto daquela imagem da madeira e dele não. "Blasfêmia!"

Rejeitado pela sociedade por não se enquadrar nos padrões, cobiçado pelo exército do Duce por suas propriedades metafísicas, e contestado pelo próprio pai-criador por conta de seu comportamento, o garoto, em busca de aceitação, de encontrar seu lugar no mundo, iludido por um um dono de circo, abandona a escola, a cidade e o pai, e segue com a trupe em turnê, sendo exibido pelo país afora como grande atração. Aí, a partir dessa rebeldia, se desencadeiam uma série de fatos, aventuras e perigos, sendo alguns deles fatais. Sim, fatais! O garoto morre mas descobre, em meio a esse turbilhão de acontecimentos, que sempre voltará a viver, o que poderá vir a representar um fardo em sua vida, uma vez que todos que ele ama, partirão e ele, eterno, terá que lidar com essas perdas. Bom menino, amoroso, bem intencionado mas confuso, talvez tenha nesse ponto seu grande desafio enquanto ser não-humano e imortal: entender o valor da vida e de cada momento.

Obra repleta de sutilezas, questionamentos, mensagens, "Pinóquio, por Guillermo Del Toro" é mais que somente uma animação ou uma adaptação de um clássico infantil. É uma utilização de uma linguagem mais acessível, lúdica, fantástica, para transmitir uma série de pequenos recadinhos, que servem, perfeitamente, tanto para os pequenos como para os crescidinhos.

Há uma série de detalhes importantes como as mudanças na parede do vilarejo, perto da igreja, que no início do filme, enquanto Carlo ainda vivia, tinha um anúncio de produtos da região; depois, quando surge Pinóquio, passa a ter uma convocação para o exercito com a inscrição "Crer-Obedecer-Combater"; e mais tarde, quando o boneco resolve fugir, um anúncio do circo, ou seja, três maneiras de manipulação do indivíduo (capitalismo, poder e entretenimento); o fato do livro que Gepetto dá ao filho (tanto o humano quanto o de madeira), ser de História, sugerindo que quem tem conhecimento, quem sabe o que se passou, torna-se menos suscetível a ser enganado; a própria declaração do boneco, que afirma não gostar de ser chamado de marionete, rebatendo a argumentação do dono do circo, "Adoramos marionetes. São  o melhor que há"; ou mesmo a ordem de Mussolini para queimar o teatro e matar a todos, depois de desacatado pela estrela principal do espetáculo, nosso intrépido Pinóquio, só comprovando que a arte só serve para o fascista se for ao encontro de seus propósitos.

Mesmo com tantas mensagens sérias, tanta carga dramática, "Pinóquio..." é divertido e tem doses de humor na medida certa. A cena de seu "despertar", de quando ganha vida, descobrindo as coisas e perguntando a utilidade de tudo, é hilária, suas idas e retornos do mundo da morte são, ao mesmo tempo soturnas, engraçadas e graciosas; e sua inocência, sua pureza, são absolutamente cativantes.

Além de tudo, o diretor brinda os cinéfilos e amantes de filmes com diversos easter-eggs e referências a outras obras como "Moby Dick", "Nascido Para Matar", "Hellraiser III" e, "Trainspotting", até porque a voz do grilo Sebastião, é de ninguém menos que Ewan McGregor, o eterno Renton do filme de Danny Boyle. E aí, pescou todas?

Quando acabei de assistir o Pinóquio de Guillermo Del Toro já projetei que o filme não somente seria indicado ao Oscar de melhor animação como também para melhor filme na categoria principal. Me enganei... A Academia preferiu indicar coisas como o comum "Nada de Novo no Front" e o blockbuster banal "Top Gun: Maverick". Pior que, diante dos tradicionais bambambans badalados da Disney/Pixar e da DreamWorks, mesmo com todas suas qualidade e méritos, periga sair de mãos vazias. Fazer o quê? Mas certamente, independente do prêmio, seu Pinóquio terá lugar garantido em muitos corações, que, como nos ensina o filme, é onde mora a sabedoria.

O dono do circo engambelando o menino de madeira.
Sempre vai ter algum "esperto', algum explorador, 
pronto para se aproveitar da inocência.


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De peito aberto
por Vagner Rodrigues


Sabe quando você pega uma receita na internet, que é muito boa, e na hora de fazer você altera algo, coloca um tempero que você gosta muito e a receita se transforma e algo fabuloso? Isso é "Pinóquio por Guillermo Del Toro".

Conto de fadas clássico de um boneco de madeira que se transforma em um menino real, situada na Itália dos anos 30, quando o fascismo estava em ascensão e Benito Mussolini estava tomando controle do país.

O longa diferente da nova versão da Disney, até consegue mostrar melhor seus personagens coadjuvantes mas ainda assim, esse foi um ponto que não me agradou muito. O grilo até tem um enredo bem bacana, mas o restante dos personagens são muito rasos e só fazem a história evoluir por conveniências do roteiro.

No entanto, o que essa versão faz com o cenário em que a história se passa é algo fantástico! Todo cenário é incrível e o fato da história se passar na Itália fascista é um detalhe que só faz o longa crescer. Apesar de se tratar de uma fantasia, esse fato histórico conseguiu trazer um peso real para a obra.

Quanto ao protagonista, o que temos é mais uma versão inocente de Pinóquio, só que esta é tão exageradamente inocente que chega a nos fazer perder a paciência com o personagem, em muitos momentos. O que muito bom! Só mostra como estamos imersivos e nos envolvemos com ele e com a história. E essa ingenuidade essa pureza, é muito bem utilizada pelo diretor, deixando patente toda a evolução da aprendizagem do personagem, aumentando a sua forma de relacionar tanto com o mundo quanto com seu pai, Gepetto, cuja profundidade do personagem merece destaque, uma vez que as cenas mais comoventes e emocionantes do longa vem dele.

Essa nova versão de Pinóquio, consegue ser tão mágica e impactante quanto a primeira, preservando a magia, o encanto, mas ganhando em humanização e verdade dos personagens principais. Seus dramas se tornam mais profundos uma vez que acompanhamos com bastante clareza sua evolução emocional, o que é muito bom. 

"Pinóquio" mostra mais uma vez porque e um dos melhores diretores da atualidade consegue andar pelo drama profundo e a pureza da magia infantil, como um mestre.  Apesar de todo o esplendor visual que o longa mostra em um trabalho perfeito de stop-motion, acredito que a maior beleza esteja mesmo na sua narrativa, na mensagem sobre a vida. Como ela é compartilhada e como pegamos um pouquinho de cada pessoa com quem nos relacionamos, para o bem e para o mal, além da importância de saber lidar com tisso, de modo a construímos, a partir dessas experiências e convívios, nossa própria jornada. Recomendo muito! Vá assistir ao filme de peito aberto, assim como faria Pinóquio.

Não é todo mundo que tem o "privilégio" de voltar a viver
várias vezes até aprender algumas lições, né Pinóquio...



quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

"Pinóquio", de Ben Sharpsteen e Hamilton Luske (1940) vs. "Pinóquio", de Robert Zemeckis (2022)

 


Uma partida que já começa com um favorito disparado: "Pinóquio" de 1940 tem mais talento, criatividade e um futebol mais vistoso, o famoso futebol arte. Já o longa recente do competente Robert Zemeckis, entra com um esquema defensivo defensiva, recuado, só espelhando a tática do adversário. Ambos começam lindamente e delicados, mas a originalidade e a delicadeza dos detalhes da animação original, se destacam muito.

Na história, que todo mundo conhece, um velho carpinteiro que faz um boneco de madeira que por meio de uma fada ganha vida e, um tanto rebelde, um tanto inocente e curioso, acaba saindo de casa e se metendo em uma série de apuros.

Os primeiros minutos são de futebol de alto nível, para frente, os dois com vontade de ganhar. "Pinóquio" de 2022 tenta inovar e mostrar que tem talento, apresentando a repaginada que deu em seus atletas e nisso bate um bolão, mas não o suficiente para superar o encanto do futebol do time de 1940, que, por sua vez, mostra que tem estrela. E é por aí que sai o 1x0. Cruzamento de Fada Azul, Gepeto escora para trás com a cabeça, e Pinóquio, mostrando que não é perna de pau, afunda a rede. 

As cenas inicias são bem parecidas, todo encanto que surge no início dos dois longas é bem impactante em ambos, mas como falei anteriormente, o primeiro, por ser original, se torna algo único e não tem como competir com a cena de Pinóquio ganhando vida, o grilo sendo introduzido como sua consciência, e uma apresentação de personagens linda e lúdica, ao passo que a nova versão apenas emula isso.

O jogo segue ainda igual, com momentos belos, mas termina o primeiro tempo bem morno. Segundo tempo se inicia sem novidades, apenas com uma certa acelerada que o jogo ganha. A equipe de 2022 coloca uma jogadora que parece que vai brilhar, a gaivota Sofia, personagem nova introduzida nessa nova versão, porém pouca coisa acontece e só vai mesmo acontecer lá pelo final do segundo tempo. Chegamos, então, aos minutos finais com cada time tentando surpreender da sua forma: o time de 2022, exagera nos ataques e fica exposto, toma o contra-ataque e... buuum!, leva o segundo gol. Acaba aprendendo que é melhor jogar simples de vez em quando. 2x0 para Pinóquio '40.


"Pinóquio" (1940) - trailer



"Pinóquio" (2022) - trailer


O novo longa tem um dos seus acertos ao nos apresentar a nova personagem que dá um sopro de originalidade ao filme e que até serve para fazer a história ir para frente, mas o roteiro faz questão de tirá-la da história e não entendi o motivo pelo qual, assim como aparece, ela some de tela. O lance da baleia ser substituída por uma fera do mar, desculpe, pode ser coisa minha, mas, particularmente, não gostei.

O quarto árbitro levanta a placa de +2 minutos e, aos 47 do segundo tempo o time de 2022 faz um gol de falta, mas já é tarde e o jogo chega ao fim. 

Por mais que eu tenha gostado do final do remake, que deixa a história muito aberta, o longa no geral não consegue ter a mesma magia do original que, desde do início já traz uma beleza, uma pureza, um encanto singulares. Devido a toda essa magia, bem característica da era de Ouro da Disney e que vale muito, o longa de 1940 sai vitorioso, e jogando muito melhor que seu adversário.

Mas esse torneio não acaba aqui! Logo logo, o time de Ben Sharpsteen e Hamilton Luske vai enfrentar um novo adversário treinado por ninguém menos que o fabuloso Guillermo Del Toro.

Continua...  

No alto, criador e criatura, o velho Gepetto e Pinóquio, à esquerda a animação e à direita o live-action;
na segunda linha, a Fada Azul das duas versões dando vida ao garoto de madeira;
e, abaixo, o que acontece quando se mente,
elemento clássico na história de Pinóquio mas que tem bem menos importância e destaque na nova versão.
 

E o filme novo ainda teve a ousadia
de tentar superar um verdadeiro clássico...
Que cara de pau!




por Vagner Rodrigues

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

"A Ilha de Bergman", de Mia Hansen-Løve (2021)

 



"A Ilha de Bergman" é um filme, até, bem agradável, ainda que apresente alguns problemas de ritmo que o tornam uma montanha-russa.

Um casal de cineastas viaja para a ilha sueca de Fårö, onde o diretor Ingmar Bergman viveu e filmou. Eles entram em contato com o lugar e, enquanto tocam seus projetos, os limites entre ficção e realidade passam a se confundir.

 A história se inicia bem com o casal principal sendo apresentado, ainda de maneira um tanto superficial, mas como somos colocados dentro de sua rotina, acabamos por conhecê-los um pouco mais. No entanto, a demora para se aprofundar na história, aquele “vai ou não vai”, tornam o segundo arco do filme monótono e repetitivo. Essa parte meio chata se encerra no início do terceiro ato onde é inserida uma outra história dentro da história, o que, aí sim, dá nova vida e brilho para o filme. (Confesso que essa segunda história chamou mais minha atenção).

Por mais que longa tenha uma barriga em sua metade, um tempo duração de vai além do necessário, ele consegue chamar atenção em alguns aspectos. É muito interessante como a diretora, Mia Hansen-Løve, consegue fazer referência à filmografia e também a fatos da vida pessoal de Ingmar Bergman em sua narrativa e, para o espectador, ter essas referências podem tornar sua relação com o filme mais divertida e agradável, embora mesmo sem elas seja possível acompanhar o filme muito numa boa. 

Achei bem bacana as visitas que eles fazem aos sets de filmagens dos filmes de Bergman, e a relação de cada personagem com o lugar, além da relação das pessoas que vivem na ilha com aquelas célebres locações, o que também é muito bacana.

As relações entre os casais principais também se destacam, embora o casal que tem mais tempo dela acabe nos cansando um pouco (a mim, pelo menos) por conta de suas dinâmicas pessoais e os problemas da vida a dois.

"A Ilha de Bergman" é um filme para quem está disposto. Ele é parado, lento, mas acredito que vai valer a pena essa viagem para Suécia.


"A Ilha de Bergman" - trailer




por Vagner Rodrigues

sábado, 20 de agosto de 2022

'Um Herói", de Asghar Farhadi (2021)

 



Independe da cultura, da religião, todos tem uma linha moral entre o que é aceito ou não.

Rahim está na prisão devido a uma dívida que não pôde pagar. Durante uma licença de dois dias, ele tenta convencer o seu credor a retirar a sua queixa contra o pagamento de parte da soma. Mas as coisas não correm de acordo com o plano.

 Por mais que haja uma barreira cultural por não ser um país com o qual tenhamos forte ligação cultural, isso não chega a atrapalhar a apreciação do filme do iraniano Ashgar Farhadi. O que realmente pode fazer o espectador virar a cara, um pouco, e que, particularmente, senti que atrapalhou minha experiência, é a forma como a história é narrada. Focando na vida de Rahim, o filme nos mostra as consequências das suas decisões e atitudes, com um olhar todo especial em seu passado e a importância que aquele momento tem em seus atos, sem contudo, nos mostrar muito, de fato. Há algumas lagunas não preenchidas que, particularmente, gostaria de ver esclarecidas. É claro que essa é uma visão muito pessoal  e qualquer outro espectador pode não sentir falta dessas respostas. A ligação com o passado está lá, é forte, mas parece que faltou algo...

 Um grande destaque para atuação de Amir Jadidi como Rahim, ele está impecável e o personagem é muito mais que aquilo que ele apresenta em tela. Seu jeito calmo e pacato, meio “bobo” inocente, esconde uma certa violência.

Não é e nem tem a pretensão de ser um grande clássico. "Um Herói" tem suas falhas narrativas, parece que falta algo (ou eu que não peguei), mas a mensagem é bem passada e você entende a proposta do filme, tratando da questão moral de "fazer o bem porque é a algo certo" vs. "fazer o bem pensando em ganhar algo em troca", mesmo que em ambas as hipóteses se esteja fazendo o bem. Mas o dilema deixa questões: é a mesma coisa? As consequências dos dois pode ser muito diferente?.

 Veja uma cultura diferente, veja uma bela atuação e veja como esta a sua moral e ética. Por exemplo: o que você faria com a bolsa de ouro? Recomendo muito “Um Herói”.

Um atuação bastante silenciosa mas muito impactante.



por Vagner Rodrigues


quinta-feira, 14 de julho de 2022

"Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo", de Daniel Kwan e Daniel Scheinert (2022)

 


VENCEDOR DO OSCAR
MELHOR FILME
MELHOR DIREÇÃO
MELHOR ROTEIRO ORIGINAL
MELHOR MONTAGEM
MELHOR ATRIZ
MELHOR ATOR COADJUVANTE
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE

Sabe aquele filme que te faz entrar numa viagem tão boa, mas tão boa, que demora para sair dela? É o que acontece ao assistir “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”. Você fica dias com o filme na cabeça.

Michelle Yeoh interpreta Evelyn Wang, uma cansada mulher chinesa-americana que luta para se manter. As coisas ficam estranhas quando ela descobre que é a chave para salvar o multiverso, e que pode acessar o conhecimento e os talentos de todos os seus vários "eus" através dos infinitos universos.

Não sei por onde pode posso começar os elogios a esta obra, então vamos para um roteiro, que teria tudo para ser uma grande confusão, mas por conta dos seus diálogos perfeitamente escritos, tudo fica perfeitsmente amarrado sem deixar pontas soltas. O que falar dos figurinos, principalmente da personagem Joy Wang (Stephanie Hsu)? Gostei de muito de como roteiro trabalha as habilidades de cada versão da protagonista. Todas são bem diferentes, com diferentes habilidades, e, no entanto, são muito bem aproveitadas funcionando muito bem em tela (até mesmo a versão pedra). 

Temos atuações memoráveis que com certeza, capazes de alavancar a carreira de alguns atores, e até mesmo da já consagrada Michelle Yeoh, que só justifica o por quê de todo hype em cima dela. Mas também merecem destaque Joy Wang, que sempre que está em cena mostra força, cativa, tem humor, tem drama, e para o esquecido Ke Huy Quan (Waymond Wang), que faz a gente se perguntar onde esse cara estava esse tempo todo? Por favor mais filmes com ele! 

De resto, as cenas de luta são muito bem coreografadas e não dá pra deixar de elogiar a competente direção dos “The Daniels” que se mostram cada vez mais ousados e seguros de si

Uma forma única de abortar uma história tão complexa faz desse filme realmente um destaque. Apenas  lendo sinopse ou olhando trailers, talvez não se tenha a rela noção do que realmente o filme é. Tem que se jogar nele. “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, assim como viaja pelo multiverso, consegue viajar por temas e você pode ver com um olhar referente a relação mãe e filha, pai e filho, a relação de um casal e suas crises, e por aí vai. 

O longa é um show muito bem conduzindo, apesar grande número de informações que é jogado para o espectador. Por incrível que pareça, você não fica perdido e a edição muito dinâmica, acelera e freia nos momentos certos. “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” é a confusão mais organizada que você vai assistir nos últimos tempos.

Esse trio é muito bom. E não importa a versão do trio.



por Vagner Rodrigues


sábado, 11 de junho de 2022

"O Homem do Norte", de Robert Eggers (2022)

 



Um longa que chegou gerando uma serie de expectativas e no meu ponto de vista, consegue cumprir todas elas. Robert Eggers deve ter em "O Homem do Norte" seu longa menos aclamado pela crítica, mas segue tendo apenas acertos na sua curta carreira de 3 filmes. Eggers consegue acertar mais uma vez, fazendo o filme de ação que Hollywood adora, mas sem deixar de lado seu toque artístico pessoal. 

O príncipe Amleth (Oscar Novak) já é considerado um homem e está pronto para ocupar o lugar do pai, o rei Aurvandil (Ethan Hawke), quando este acaba sendo brutalmente assassinado pelo próprio irmão Fjölnir (Claes Bang), que pretende tomar seu lugar. O menino, que presenciou o acontecimento, jura que um dia voltará para vingar o pai e matar o tio.

Filme que divide opiniões: muita gente não gostou pelo fato de conter muita simbologia, diálogos longos, uma profundidade maior dos personagens, um ar fantasioso que foge da veracidade histórica... Outros, no entanto pessoas não gostaram por não ser exatamente aquilo que esperamos de Eggers. O longa tem mais ação e foca na figura heroica masculina, o que incomoda parcela do público. Acredito que o filme só perde força quando ultrapassa uma das linhas, indo muito para fantasia, ou muito para ação, tendo dificuldade em manter o equilíbrio,  e gerando os desagrados do público.

No geral, o filme é em bem balanceado, trabalhando os elementos fantásticos de uma maneira única, trazendo o misticismo das mitologias, prezando também por ser o mais fiel possível aos registros históricos da época, na direção de arte, com as roupas e cenários. 

"O Homem do Norte" pode dividir o público, mas no meu ponto de vista pode agradar todos os públicos, com uma uma fotografia fabulosa, que poderiam virar um quadro para colocar em qualquer parede, um roteiro que dá espaço para desenvolvimento dos personagens, uma atuação formidável de Oscar Novak, e um plot no trecho final do roteiro que, por não conhecer a história (confesso), me pegou de surpresa.

Parece simples fazer uma atuação dessas,
mas pense na intensidade que o ator tem que entrar em cena, SEMPRE!!!



por Vagner Rodrigues


quinta-feira, 19 de maio de 2022

"Titane", de Julia Ducournau (2021)

 



Desagradavelmente bom. É o que posso dizer de “Titane”.

Um violento acidente de carro deixou longos e duradouros efeitos colaterais: uma criança carrega uma placa de titânio em seu crânio; uma modelo de showroom de carros começa a ter atração sexual por seus produtos; depois de um tempo, uma gravidez inesperada se transforma em um massacre aterrorizante e um bombeiro se reencontra com um homem brutalmente queimado que diz ser seu filho perdido.

Um filme que vai direto para te chocar. Ele quer deixar você desconfortável e, devo admitir que em várias cenas fiquei. Se sua vibe é aquela famosa “Vou ver um filme para desligar o cérebro”, esquece! Impossível isso. A diretora, Julia Ducournau, do também chocante "Raw", quer seu cérebro bem ligado. 

Muitas vezes, na minha opinião, "Titane" tenta chocar até demais e se prolonga em algumas cenas para este objetivo, contudo, quando decide ir direto ao ponto, mesmo com todo seu “horror” desconfortável, ele só tem acertos. E quando vai para uma direção de autoaceitação, de se respeitar, de se compreender mesmo com seus defeitos, acerta mais ainda e , nisso, tanto Agathe Rousselle, como Alexia, com sua fixações e fetiches (e crimes também),  quanto Vincent Lindon, como Vincent, que nos é apresentado injetado hormônios no próprio corpo para manter a virilidade, trazem essa carga de tentar se adequar e se aprovar, ambos com suas tragédias e suas histórias. 

Entre acertos e erros, “Titane”, vencedor da última Palma de Ouro em Cannes, se sai bem com muito mais pontos positivos que negativos. É desconfortável na medida certa mas tem a capacidade de gerar algumas boas reflexões. Um longa que daqueles que  continua na sua cabeça por dias.

Peque o carro e vá ver o filme. Vrumm! Vrumm!

E isso é só o começo...



por Vagner Rodrigues


segunda-feira, 9 de maio de 2022

"Drive My Car", de Ryusuke Hamaguchi (2021)

 



Não é um filme para qualquer um. Não no sentido seletivo, que estabeleça alguém como melhor que outro ou com maior capacidade. Me refiro à aceitação, à disposição, ao estímulo. Tirando isso, se você entrar em “Drive My Car” e deixar com ele o conduza, vai perceber que se trata de uma obra muito bem trabalhada e que consegue abordar temas extremanete profundos de uma maneira única.

Yusuke Kafuku (Hidetoshi Nishijima) é um ator e diretor de sucesso no teatro, casado com Oto (Reika Kirishima), uma linda roteirista com muitos segredos, e com quem divide sua vida, seu passado e colaboração artística. Quando Oto morre repentinamente, Kafuku é deixado com muitas perguntas sem respostas de seu relacionamento com ela e arrependimento de nunca conseguir compreendê-la. Dois anos depois, ainda sem conseguir sair do luto, ele aceita dirigir uma peça no teatro de Hiroshima e vai com seu precioso carro Saab 900. Lá, ele encontra e tem que lidar com Misaki Watari (Toko Miura), uma mulher e chauffeur com quem tem que deixar o carro.

A forma com que o filme vai desenvolvendo seu roteiro e sua velocidade, de maneira bastante lenta, podem ser fatores que afastem o público por assim dizer geral, mais acostumado com roteiros mais dinâmicos e ágeis. Contudo, particularmente, devo afirmar que, pelo contrário, para mim foi um dos pontos altos, bem como seus momentos de silencio, e que não são poucos, tão necessários, mesmo em um filme de 3 horas de duração.

"Drive My Car" consegue abordar tantos temas polêmicos de forma singular! É verdade que alguns de maneira mais superficial que outros, mas estão todos lá; morte, solidão, relacionamento, perda... Nem todos são aprofundados, contudo são apresentados brilhantemente. Uma das maiores qualidade do longa de Ryusuke Hamaguchi é a capacidade de mostrar a importância do diálogo. A peça  encenada dentro do filme é cheia de atores de diferentes partes da Asia, cada um falando um idioma diferente, mas, claro, temos uma japonesa, mas que, no entanto, ironicamente, só fala na língua dos sinais. Até mesmo nas cenas onde não temos diálogos, como o início da relação de Yusuke e  Misaki, muito é dito mesmo em meio ao silencio.

O longa além de artisticamente muito bom, trabalha bem com as simbologias e serve também como objeto de reflexão sobre como lidamos com nossos problemas, se os enfrentamos, se fugimos deles, se fingimos que não existem, ou se simplesmente os aceitamos e deixamos que nos consumam.

Gosto muito também da forma que o filme aborda o luto, a perda, a sensação de não ter mais aquela pessoa na sua rotina. Tudo funciona e é muito interessante como a peça encenada no longa dialoga com a história do filme. E aqui, dialogar é a palavra certa.

Às vezes um bom diálogo não precisa de muitas palavras ditas.


por Vagner Rodrigues


segunda-feira, 14 de março de 2022

"Belfast", de Kenneth Branagh (2021)


Sabe quando alguém te convida para ir em algum restaurante chique, onde a comida é bem cara, e você chega lá cheio de expectativas, e no final a comida e apenas “OK”, não é tão espetacular assim? Essa foi a minha sensação ao terminar “Belfast”.

Escrito e dirigido por Kenneth Branagh, este filme semiautobiográfico traça a infância de um menino durante o tumultuado final dos anos 1960, na capital da Irlanda do Norte.

O filme está bem longe de ser ruim, tem muitas qualidades que não podemos negar, mas a indecisão de para onde ele quer nos levar atrapalha a narrativa. O longa acaba ficando no meio do caminho e carente de equilíbrio. "Belfast" tenta andar entre o drama e um tom mais leve e inocente, mas a intenção não funciona. Quando o drama chega, está perto de atingir seu alvo, “Belfast” traz algo mais leve e nos impede de atingir o clímax. E essa quebra de expectativa não é orgânica, o espectador sente essas mudanças é isso é desconfortável. Mas temos que destacar a belíssima fotografia do filme. Nesse ponto, o filme ganha muitos pontos. Algumas atuações também crescem muito com o andar do filme, como Caitriona Balfe, a mãe e Jude Hill, o menino e principal personagem do longa.

A produção entrou na temporada de premiações com um “hype” muito maior do que realmente merecia. “Belfast” não é um filme ruim, consegue trazer um tema bacana, a luta violenta dos grupos extremistas na Irlanda do Norte nos anos 60 que até hoje persiste, a gente sente a tensão disso em alguns personagens, mas ao mesmo tempo, por ser visto pelos olhos de uma criança, tenta ser alegre e leve, e aí perde o equilibro. Suas mudança de tom são muito bruscas e você acaba não sentindo nem o peso, n nem a leveza. 

Pela beleza da fotografia, o filme já deve ser visto, pelo tema tão pouco abordado (ou minha ignorância, de não achar tantos filmes sobre o tema), também, além de algumas atuações bem fortes com alta entrega que deixam o filme interessante. 

Fica o alerta do que brigas ideológicas, preconceito religioso, podem fazer de mal na vida de uma família. O final do filme mostra isso, e, certamente, não é o que queremos, não.

A fotografia é um doas maiores destaques do filme de Kenneth Branagh



por Vagner Rodrigues


quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

"Ataque dos Cães" , de Jane Campion (2021)

 

Deu pra ti, John Wayne
por Daniel Rodrigues

Jane Campion é uma cineasta que, mais do que somente pela qualidade de seus filmes, é por si só uma figura marcante para a história do cinema. Além de ser a segunda entre cinco mulheres nomeadas para o Oscar de Melhor Direção, foi a primeira cineasta feminina da história a receber a Palma de Ouro do Festival de Cinema de Cannes por seu marcante “O Piano”, em 1993. Mas é fato também que, guardada sua importância representativa, a talentosa diretora neozelandesa acumula bons feitos e outros nem tanto. Porém, invariavelmente voltados à visão da mulher no cinema. Desde seu primeiro e referencial “Um Anjo em Minha Mesa” (1990), que retrata a sofrida vida real da escritora Janet Frame, passando pelo inconsistente “Em Carne Viva” (2003) ou em seu celebrado “O Piano”, um dos melhores filmes dos anos 90, a figura feminina é sempre desafiada a situações as quais só mesmo uma mulher para expressar. Em “Ataque dos Cães”, seu novo filme, curiosamente, no entanto, este “lugar de fala” se desloca, visto que não é a personagem feminina quem o protagoniza. Aliás, não há um único protagonista, e isso talvez seja justamente o grande trunfo da produção, que põe Campion novamente na mira do Oscar com o filme com mais indicações em 2022, doze. Mas o longa a leva a se destacar mais uma vez, porém agora por um outro mérito, que é o de inscrever a obra numa importante ressignificação do tão simbólico - e questionável - gênero faroeste.

“Ataque...” se passa numa rústica Montana dos anos 20 em que os irmãos Phil (Benedict Cumberbatch) e George (Jesse Plemons) possuem uma das maiores fazendas da região. Quando George se casa em segredo com a viúva Rose (Kirsten Dunst), dona de uma pequena pensão em que vive com o sensível filho Peter (Kodi Smit-McPhee), a cumplicidade familiar entra em jogo. Phil, de postura rígida e sedutora, faz o possível para atrapalhar a vida de Rose e de Peter, a quem ele cria certa obsessão. Apoiado pelos vaqueiros em suas zombarias, ele não pretende parar até criar conflitos maiores. No entanto, a investida do caubói leva a rumos inesperados – principalmente, para ele próprio.

A trama, construída em capítulos – o que dá ao filme um caráter autoral a exemplo do que fizeram com propriedade Kubrick, Godard e Tarantino – vale-se dos conceitos não só da feminilidade, mas também de masculinidade e da homossexualidade para dissolver mitologias e criticar estereótipos. Em uma sociedade bruta como a do Velho Oeste dos Estados Unidos, em que os instintos se sobrepõem, principalmente a tudo que for de natureza sensível e “feminina”, Campion põe em xeque a macheza do famoso homem “durão”, bem como subjetiva a fraqueza do homossexual e, realista, não inventa nenhuma falsa imagem de uma mulher forte e corajosa diante de uma condição social irrespirável. Tempos antigos, inspirações atuais.

trailer de "Ataque dos Cães"

O longa, embora não seja genial, é muito bem engendrado, uma vez que sabe dispor os elementos narrativos econômica e gradativamente, o que mantém a atenção do espectador que venceu os primeiros 20 minutos de história e diálogos naturalmente (e propositalmente) ainda vagos. Alguns méritos são evidentes. Faroeste sem um disparo de pistola sequer, o filme consegue manter a sensação de tensão quase permanentemente – seja pelo temperamento explosivo de Phil, pela iminência da doença dos animais ou pelo mistério que as montanhas do extremo Norte dos Estados Unidos guardam. O elemento sonoro-musical é outro ponto bem tratado, quase uma chave que liga dois mundos, o selvagem e o desenvolvido, isso tanto na trilha sonora invariavelmente dissonante, assinada pelo Radiohead Jonny Greenwood, quanto nas músicas incidentais. 

Fica claro que não é por acaso que Jane escolheu o faroeste como metáfora para refletir ideologicamente a sociedade atual. Embora não seja novidade a tentativa de Hollywood de mostrar que os brutos também amam, é inegável que o gênero mais yankee do cinema representa em boa medida a ideologia que os Estados Unidos vendem ao mundo, arraigado em boa parte em concepções machistas e patriarcais. Isso explica porque o western, enquanto símbolo cultural e hipérbole dessa ideologia, tenha perdido o passo ao galopar paralela e anacronicamente com o desenvolvimento sociocultural de sua nação. Neste processo, sofreu um considerável desgaste ao longo das décadas até quase sumir das telas nos anos 80-90, salvo por um clássico temporão, "Os Imperdoáveis", de Clint Eastwood (1992) . Hoje, sua revitalização só poderia vir em forma de crítica. O protagonismo de um caubói negro na refilmagem de "Sete Homens e Um Destino" (Fuqua, 2016), a descrença na natureza humana de “A Balada de Buster Scruggs” (irmãos Coen, 2018) e a feminização do herói valentão de “Cry Macho” (Eastwood, 2021) juntam-se a “Ataque...” nessa tendência de um olhar racional e reflexivo sobre a sociedade e seus padrões. O rei está nu e não se fazem mais John Wayne como antigamente. Ainda bem.

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Cão que ladra forte
por Cly Reis

Tenho que admitir que tinha um certo preconceito quanto a filmes dirigidos por mulheres. Jane Campion era uma exceção. Desde o primeiro momento, com seu brilhante "O Piano", vencedor da Palma de Ouro em Cannes, em 1995, a diretora neozelandesa conquistou meu respeito e admiração. Agora, quando soube que seu novo filme, "Ataque dos Cães" era um faroeste fiquei bastante intrigado sobre como funcionaria um gênero tão rústico e pesado nas tão delicadas e talentosas mãos desta diretora. Certamente não poderia se tratar de um western convencional. E, efetivamente, não o é. Além de não ser exatamente um faroeste dentro dos moldes tradicionais, nem a época é exatamente a dos conflitos mais brutais e ignóbeis do oeste americano como duelos, assaltos a diligências ou corrida por ouro. "Ataque dos Cães" se passa no final dessa era sem lei, é o início da "civilização", onde há vaqueiros, há revolveres, há cavalos, mas também há  homens de terno que administram as fazendas, a caneta muitas vezes resolve mais do que a bala e o automóvel começa a dividir espaço  com as montarias, sinalizando um novo tempo.

Essa situação histórica não é em vão, não é por acaso. O faroeste de Jane Campion, adaptado do romance do escritor Tomas Savage, é estrategicamente situado nesse recorte histórico de modo a sinalizar para um novo momento no qual não há mais espaço para homens que resolvem tudo na bala. Um novo homem aparece. Na verdade sempre esteve lá, mas agora quer sair. Esse é o conflito que se estabelece em um dos protagonistas, Phil Burbank (Benedict Cumberbatch), um típico vaqueiro, rústico de maus modos e pose de machão, que, além de desaprovar a civilidade do irmão, George, homem do campo como ele, porém mais adaptado aos novos tempos e administrador dos negócio da família, briga contra si mesmo por sentimentos íntimos que, contra sua vontade, o tornam frágil, vulnerável e fazem aflorar coisas que reluta em assumir. O conflito interior se acentua quando Phil tem contato com Peter
Cumberbatch e Smth-McPhee: faroeste com requintes
de um drama sensível e perspicaz
(Kodi Smth-McPhee), filho de uma estalajadeira, Rose (Kirsten Dunst), que, para seu desgosto, cai nas graças do irmão que a pede em casamento. O jovem é sensível, talentoso, emotivo e a percepção dessas qualidades por parte do cowboy fazem com que, incapaz de lidar com sua sexualidade, nutra pelo rapaz uma séria antipatia. Por extensão à repulsa pelo garoto, e também por "roubar" seu irmão e pelo fato de, na sua visão, enfraquecer os valores de homem do campo, Phil rejeita a nova cunhada destratando-a, a fazendo sentir-se uma estranha mesmo dentro da própria casa. O filho, o jovem Peter, que não havia ido morar com o casal, num primeiro momento, aproveita o recesso das aulas para passar uma temporada em companhia da mãe em seu novo lar, dando a ela um pouco de conforto naquele território hostil. No entanto, o que era para ser algo positivo acaba sendo mais uma dor de cabeça  para Rose quando o cunhado, seu desafeto, por incrível  que pareça, acaba se aproximando de seu filho, em parte por implicância, por provocação, mas em parte, também, por ver no rapaz algo parecido consigo e, nessa proximidade, a possibilidade de se libertar e de, minimamente, ser quem desejaria ser. E é nesse quadrilátero que a diretora desenvolve seu filme com engenhosidade e sabedoria para captar e transmitir o perfil psicológico e emocional de cada um de seus personagens principais, com rara sutileza e sensibilidade.

O título em português, embora justificável, de certa maneira, é um tanto infeliz e acaba insinuando uma violência que o filme não possui, o que acaba mais repelindo do que conquistando potenciais espectadores. Sei de gente que não quis ver ainda por conta da sugestão de atrocidade que o nome carrega. Mas não precisa ter medo dos cães. O filme passa longe de ser um bang-bang, um faroeste spaghetti e muito menos um desfile de atrocidades. "Ataque dos Cães" é, na verdade, um drama familiar de quatro pontas, um exame sobre a masculinidade que, no fim das contas, acaba por nos revelar que nem sempre o cão que late mais alto é o mais perigoso. 


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Ataque psicológico
por Vagner Rodrigues


Uma certa lentidão, uma narrativa arrastada, tudo isso é muito bem compensado com um terceiro ato magnífico. Que filme, senhoras e senhores!
"Ataque dos Cães" acompanha os irmãos Phil (Benedict Cumberbatch) e George (Jesse Plemons), que são ricos proprietários da maior fazenda de Montana. Enquanto o primeiro é brilhante, mas cruel, o segundo é a gentileza em pessoa. Quando George secretamente se casa com a viúva local Rose (Kirsten Dunst), o invejoso Phil faz tudo para atrapalhá-los.
O fato do andamento ser mais arrastado e parado foi proposital, mas entendo aqueles que aproveitaram o filme em streaming para dar uma pausa, ir ao banheiro, fazer um lanche, pois realmente fica um pouco cansativo. Um dos aspectos que me tirava um pouco do filme era o modo como o personagem de Jesse Plemons foi utilizado, entrando e sando da história a todo instante. Seus momentos de interação são ótimos, mas ele acaba aparecendo bem pouco, e fiquei com a impressão de que poderia ter sido melhor aproveitado.
Já que estamos falando dos personagens, é simplesmente impossível falar do filme e não citar as grandes atuações. O elenco como um todo está inspirado. Começando pelo próprio, já citado Jesse Plemons (George) que, se por um lado é o que tem menos tempo de tela, por outro, quando aparece é cirúrgico. Poucas falas, mas muito é dito com seu olhar. Kirsten Dunst (Rose) fazia tempo que não via atuar tão bem. A dor, a confusão mental que essa mulher passa, você sente tudo. Kodi Smit-McPhee (Peter), é o segundo personagem mais importante da trama e a forma como ele muda o filme e também como cria os elos das pessoas é o que nos leva às surpresas finais. E ele, Benedict Cumberbatch, tem uma das melhores atuações de sua vida, (se bem que, para mim, ele esta sempre bem). A forma intensa que ele atua, como ela passa aquele ar do cowboy bruto, sujo, quieto, tudo muito natural em um personagem com uma presença enorme, interpretado em uma atuação magnifica.
A construção narrativa feita pelo longa é espetacular, desde como os personagens são apresentados passando por como eles vão interagindo entre eles, sendo essas interações repletas de detalhes muito bem colocados.
A fotografia exuberante de "Ataque dos Cães"

E a fotografia, se não for a melhor do ano, certamente é uma das melhores! O jeito como o cenário é construído, os enquadramentos em planos abertos, os detalhes nas composições de cena... Um esplendor.
Temos um bom trabalho na construção e desconstrução do cowboy, a forma como longa brinca com nossas expectativas nos induzindo a pensamentos, conduzindo nossa mente para um lado para o outro. Na sequência em que Phill e Peter terminam juntos de construir uma corda de laçar, por exemplo, Jane Campion cria toda uma situação cheia simbolismos e possíveis interpretações (eu tive a minha, depois me conta a sua) que nos prendem  a ela de uma maneira incrível, tal qual a tensão criada por um filme de terror psicológico.
“Ataque dos Cães” não brinca somente com o psicológico dos personagens porque, sim temos ataques psicológicos fortes no longa que são muito mais agressivos que os físicos. Não vá pensando em ver um “bang-bang”. "Ataque dos Cães" é um filme que não mexe apenas com o psicológico dos personagens, mas com o seu também.