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terça-feira, 21 de junho de 2016

cotidianas #442 - RW / Rewind



Quando adolescente, eu era o xaropão das locadoras. Bastava ir a um bairro diferente e avistar uma locadora que lá ia eu entrando para ver o que tinha de especial. Se eu fosse em outra cidade, sempre atentavas às locadoras. Já quando eu estava nas "minhas" locadoras – ou seja, naquelas em que eu era "sócio" (em especial: Marcus Vídeo, Pacs Home Vídeo e Canal Zero) –, aí pronto: me sentia em casa. Às vezes, passava as tardes olhando capas, lendo sinopses, vendo o elenco, analisando a clientela, proseando à toa. Me indignava quando o atendente não era do métier. Lembro, nostálgico, de ver o filme que eu queria assistir com um selinho escrito "ALUGADO". Tinha também os selinhos "24h" e os "48h". Nunca me apeguei aos lançamentos. Gostava, mesmo, era dos filmes "ACERVO".
Antes de ser o mala das locadoras, devo lembrar minha iniciação. Foi no fim dos anos 80, tempo em que videocassetes "duas cabeças" eram artigo de luxo – comprados via consórcio. Lembro-me de ir com o Tito (valeu, papito!) toda sexta-feira alugar alguma coisa. Ele escolhia os dele; eu, os meus. O detalhe é que meu pai nunca me deixava alugar desenho. Parece maldade, mas reparem no argumento. "Desenho tu vê na TV. Pega um filme". Justo. Todos os canais passavam desenhos animados nas manhãs. Por que, então, alugar desenho? A alternativa era alugar filmes de terror e de ação, sobretudo de artes marciais e de ninja. Ah, eu adorava filmes de ninja. Michael Dudikoff que o diga. Rememoro, até, um filme de ninja com o Milton Gonçalves (procura aí que tu acha) – obviamente, ele não era ninja, mas um detetive coadjuvante. O fato é que o golpe do Tito com a censura aos desenhos tinha efeito duplo: ele via comigo os filmes (porque desenho ele não veria) e, aprendendo a gostar de filme filme, eu assistia junto os que ele escolhia. Inclusive dramas, policiais, suspenses etc. Quando era drama ou romance, a Paulete curtia ver junto. Mas aí tinha um probleminha: aquelas cenas. Bastava surgir uma ponta de lascívia e entrava em cena o pudor de minha mãe com o "passa rápido, Tito, passa rápido". E lá ia meu pai apertando no "FF/fast forward".
Falando em FF, lembrei-me dos "RW/rewind". Tinha que rebobinar a fita ao entregar na locadora, sob pena de pagar multa. Lembrei também que era possível gravar filmes. Bastava ter dois videocassetes e uma fita virgem. As fitas gravavam em EP, SP e LP (acho que era isso): 2h, 4h e 6h. Quanto mais longa a gravação (três filmes!), pior era a qualidade. Sempre tinha alguém pedindo o videocassete emprestado para gravar um filme. Muito fiz isso, também, até termos dois. Tive estoque de fitas gravadas. Comprei muito filme. Novo e usado. Meu sonho era ser dono de uma locadora. Fui contratado por duas (Pacs e Hi Fi), e meus pais me vetaram de começar a vida laboral aos 14 ou 15 anos de idade.

Olha, eu escreveria um livro sobre as locadoras. Lamento profundamente a morte das locadoras. E tenho culpa, muita culpa no cartório. Eu, você, todos nós. O Netflix tá aí para provar. Mas, né? Vida que segue. Agora vou lá ver um filme de ninja.



quinta-feira, 12 de novembro de 2015

“Straight Outta Compton, a História do N.W.A.”, de F. Gary Gray (2015)



Para não deixar passar em brancas nuvens: agradabilíssima surpresa o filme "Straight Outta Compton, a História do N.W.A". O filme, produzido por Dr. Dre, Ice Cube e pela viúva de Eazy-E (os criadores do N.W.A, ao lado de DJ Yella e MC Ren) estreou em agosto nos Estados Unidos e tá indo tri bem em crítica e bilheteria.
A história dos precursores do "gangsta rap" norte-americano é contada de maneira envolvente, sem muitos clichês e com atuações muito consistentes – especialmente a do filho do Ice Cube, que interpreta o próprio pai, e do sempre bom Paul Giamatti, que faz o empresário da banda. Mesmo quem não é chegado na música pode assistir, pois o filme traz um belo retrato e contexto da época, com as sempre pertinentes questões envolvendo a relação polícia x nigazz.
Confesso que faltou um espaço, ainda que mínimo, para apresentar Run-DMC e Body Count – outras duas bandas que revolucionaram essa "cena black" no fim dos 80 e começo dos 90 –, mas as breves menções ao surgimento de 2Pac e de Snoop Dogg são muito bacanas, lembrando um pouco os Rolling Stones gravando na Chess Records, assistidos por Muddy Waters, no genial “Cadillac Records”. F*&;#k tha Police!

Os atores que interpretaram a banda
precursora do gangsta rap, o N.W.A.


segunda-feira, 19 de outubro de 2015

cotidianas #399 - Um bom motivo para “volver” a Santiago



A genial artista chilena,
agora devidamente homenageada.
Leio uma notícia da abertura do Museu Violeta Parra e minha memória remonta a outubro de 2006. Depois de dormir uma noite em um hostel isolado em Uspallata (onde filmaram "Sete anos no Tibet" – tem até um barzinho lá cheio de fotos do Brad Pitt), no meio da Cordilheira dos Andes, tomei um ônibus rumo a Santiago. A viagem foi linda e tranquila, especialmente por conta da paisagem e das incríveis 49 curvas em ‘U’ que formam os chamados "caracoles chilenos". O longo percurso, ainda que feito dentro de um ônibus desses de linha urbana, foi bem menos desafiador do que os 800 km que eu havia feito dentro de um Scania 111, ano 1979, que me levara de Uruguaiana até Córdoba. Naquele mochilão, eu já tinha conseguido umas coisas bem legais, como: 1) passar um dia na Fundación Atahualpa Yupanqui, em Cerro Colorado; 2) conhecer, tomar mate e prosear com o simpático "Koya" Chavero, filho de Don Ata (que, inclusive, me deu uma carona de volta a Córdoba); e 3) ter passado uma noite em um ginásio lotado para ver a "Peña de los Carabajal", cheio de gente dançando zamba e chacarera.
Uma das principais obras da artista,
exposta no Museu do Louvre.
Bueno, voltando a Santiago. A primeira coisa que fiz na cidade foi ir à rua Carmen, número 340. Era lá que funcionava (olha a minha cabeça), NOS ANOS 60, a Peña de los Parra, tocada por Violeta Parra e pelos filhos, Angel e Isabel. Victor Jara vivia lá, também. Era uma vida de música, folclore, bebidas e empanadas. Cheguei lá e dei de cara com uma casa normal onde não tinha mais nada senão... uma casa normal. Na minha cabeça, lá deveria funcionar uma fundação, um museu ou algo do gênero. Mas não.
Peguei um ônibus e me mandei para a calle Brasil (isso mesmo), onde ficava a Fundación Victor Jara. Essa, sim, existia. E não só existia como tive a sorte de encontrar por lá sua viúva, a bailarina inglesa Joan Jara, autora de "Uma canção inacabada", livro fundamental sobre a vida e a obra desse gênio chileno assassinado dias após o golpe de Pinochet, em 1973. Agora, nove anos depois, a amiga Míriam Miràh (uma das pedras fundamentais do Tarancón, grupo que nos anos 70 difundiu o folclore e a música de protesto latino-americana pelo Brasil) me alerta sobre a inauguração, finalmente, de um museu que vai abrigar a obra tátil de Violeta, como tapeçarias, bordados e pinturas. Quanta história envolvida. E que bom motivo para volver a Santiago.





segunda-feira, 13 de abril de 2015

"Livre", de Jean Marc Valeé (2014)


Sou fascinado pela história de Christopher McCandless (ou Alexander Supertramp). Em 1992, aos 24 anos, o "jovem-vida-perfeita" botou uma mochila nas costas e se bandeou estrada afora, sem um tostão no bolso, rumo ao isolamento na carcaça de um ônibus abandonado em Fairbanks, no Alaska. Uma jornada de autoconhecimento, de desapego transcendental, de alguém completamente fora dos padrões do quadradismo mundano. A história, trágica, ficou famosa depois de uma reportagem publicada em 1993 na revista The New Yorker. O autor, John Krakauer, acabaria transformando a história em livro: "Na Natureza Selvagem", de 1996. Em 2007, Sean Penn dirigiu Emile Hirsh como McCandless e trilhou a obra-prima ao som de Eddie Vedder. O filme é genial. Tudo nele é genial; de uma ponta a outra.
Agora, finalmente matei a curiosidade de ver algo que se lançou (pelo menos foi a primeira impressão que tive) como a versão feminina dessa história. De fato, "Livre" lembra "Na Natureza Selvagem": uma jovem, vinte e poucos, resolve fazer, sozinha, uma trilha de 1,8 mil km tentando superar uma sequência de traumas. Em meio a isso, pitadas de literatura (ainda que mais acanhadamente). A história também é real, porém mais agridoce. Muita gente teima em lembrar de Reese Whiterspoon por "Legalmente Loira", mas prefiro a referência de "Johnny & June". Ela vai bem em "Livre", dirigido por Jean Marc Valeé (o mesmo de "Clube de Compras Dallas"). Pontos positivos, ainda, para a fotografia; o roteiro fragmentado e muito bem construído por Nick Hornby; e a trilha, que leva desde o El Condor Pasa inigualável de Simon &; Garfunkel até uma ceninha com banda cover de Greateful Dead. Não é "Na Natureza Selvagem", mas é justo e tão verídico quanto.


terça-feira, 24 de março de 2015

cotidianas #359 - Emiliano passou por aqui



foto: Ricardo Lacerda
É um absurdo o que me aconteceu neste domingo, mas um fato desses não posso deixar passar batido. Domingão de sol, 11h, resolvo dar uma caminhada na Redenção. Eis que esse cara da foto estraga o passeio. Ali, bem no meião do Brique, sentado numa caixa de som que sequer era plana, o cidadão cantava: "Que dulce encantos tienen tus recuerdos Mercedita...". Pô, mas que coisa séria! Parei para dar aquela conferida. Eis que o louco emenda uma milonga do Alfredo Zitarrosa. Aí pensei, cá com meus botões: "Imagina se emenda uma chilena". Foi bem aí que o diabo do músico começou: "Volver a los 17, después de vivir un siglo...". Ah, não! Violeta Parra em plena Redenção é mais que luxo pro gaúcho. Entrou um cisco no meu olho, marejado por detrás das lunas. E ali fui me quedando. Eu e uma dúzia de vivente. E ele não parava: de boininha a la rebelde, violão desbeiçado, microfone todo enjambrado com durex, a cada troco que despejado no case (a maioria de 2 conto), ele dizia um simpático: "brigado, cara". O sotaque não enganava: o “qüera” não era desde aqui.
E assim o tempo foi passando, em meio a zamba, chacarera, chamamé, milonga e até corrido mexicano. Fui ficando, por supuesto. Entre uma e outra instrumental, o exibido encarnou Atahualpa Yupanqui, Daniel Viglietti, José Larralde, Miguel Aceves Mejia y otras cositas más. Uma melhor que a outra. Pedi Victor Jara e Los Olimareños. Fui prontamente atendido. Vendo que estava prestes a fundar um fã-clube do folclorista ali mesmo, um casal (na casa dos 60 e picos de idade) puxou assunto. "Eu vim comprar carne. Preciso ir pra casa fazer o churrasco, mas tá difícil", disse ele. "Por mim, como uma tapioca por aqui mesmo", retrucou a senhora. Mesmo contrariado, o senhor tentou ir embora umas quatro vezes, mas ela sempre dizia: "Deixa eu ouvir mais essa".
A certa altura, já há uns 45 min ali, meu novo amigo foi saindo e me disse, de galhofa, "entrega ela lá em casa amanhã, por favor". Deixei 10 mirréis pro artista. Segundo meu escrutínio, ele angariou uns R$ 200 naquela uma hora e meia em que fiquei no espetáculo. Eu também precisava ir para casa. Quando o artista resolveu dar uma pausa para tomar água, aproveitei e fugi – ainda que a contragosto. Emiliano está de partida. Apenas passou por Porto Alegre. Nessa semana, deve voltar para sua Córdoba natal. Que cara sacana esse Emiliano, estragando o passeio dos outros.








segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

"Interestelar", de Christopher Nolan (2014)


Fiz as pazes com a ficção-científica



Estaria Kubrick por trás disso?


Alô, meus caríssimos Kubrick, Arthur C. Clarke, Stephen Hawking, Newton, Einstein, Carl Sagan, Erich von Daniken, Asimov, Nietzsche e Padre Quevedo: vocês já assistiram Interestelar, né!? Não viram? Ainda não? Puuuts! Eu jurava que vocês estavam por trás desse colosso! Bueno, então corram aos cinemas. Obrigado, Nolan. Reatei com a ficção-científica. O problema vai ser achar algo melhor nos próximos 50 anos (se bem que o tempo é algo relativo)...



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Grandiloquência Vazia


Nem bom elenco salva o pretensioso filme de Nolan
Um dos filmes mais falados dos últimos tempos é “Interestelar”, de Christopher Nolan, diretor de “Amnésia” e “Insônia”. Depois destes dois grandes momentos da sua filmografia, vem a trilogia do "Batman - Cavaleiro das Trevas" , onde a pretensão em transformar um herói de histórias em quadrinhos num ser filosófico já deixava transparecer os arroubos de pedantismo. Na sequência, veio uma prova desta pretensão, "A Origem", um banho visual tentando segurar uma história banal. Pois, “Interestelar” sofre do mesmo mal. Embalado num visual realmente arrebatador – inclusive nas locações na Islândia -, o filme de Nolan peca por querer empurrar uma teoria fajuta de “dobra do tempo”, “buraco negro como passagem para um universo paralelo”, em que tudo está acontecendo agora, no passado e no futuro. È só uma questão de encontrar o ponto certo onde estes “momentos” se encontram. Como diriam os americanos, “bullshit”!! Centrado neste fiapo de “ciência física”, “Interestelar” acaba por ser mais um filme interminável que poderia ter sua “ação” reduzida em, no mínimo, meia hora. Mesmo utilizando grandes atores, como Matthew McConaughey, Jessica Chastain e Michael Caine e a média Anne Hathaway, o filme se demora a decolar literalmente, querendo explicar a história de uma busca de outro planeta, já que a Terra está condenada pelo ataque de pragas na monocultura do milho. As primárias comparações com o obra-prima de Stanley Kubrick, "2001 - Uma Odisséia no Espaço" só podem ter sido feitas pelos marqueteiros tanto da Paramount quanto da Warner Bros, que dividem os direitos de distribuição. Não se sustenta enm ao primeiro olhar. Tudo é feito para impressionar. E impressiona: a música de Hans Zimmer, a fotografia do sueco Hoyte Van Hoytema, os efeitos visuais. O problema é que a teoria que carrega esta função toda é muito furada e faz com que o filme se arraste demoradamente na tela, feito um paquiderme cansado. No final das contas, o papo pseudo-metafísico tenta esconder o melodrama de superação das barreiras entre pai e filha e a patriotada da onipresente bandeira norte-americana. Mas não consegue. E pensar que, com muito menos dinheiro e com histórias mais verdadeiras, "Relatos Selvagens" de Damián Szifron consegue chegar e se consagrar junto ao público. “Interestelar” não. Nolan poderia guardar todo este dinheiro e toda esta pretensão para voltar a fazer filmes interessantes. Mas parece que ele se contenta em destilar grandiloquência vazia.



domingo, 9 de novembro de 2014

Robert Evans: o homem que bancou Coppola


Não sei o que mais chama a atenção nesta foto: a superbarba do Lee Marvin, o tapa-olho do John Wayne ou a elegância do Clint. Mas uma coisa eu sei: o que tem as mais escabrosas histórias a contar é o Robert Evans. O homem já era um milionário da Costa Leste, ligado à indústria da moda, quando foi descoberto por Norma Shearer nadando numa piscina de hotel em LA. Virou ator famoso, ainda que medíocre. Não se contentou: queria ser o novo Darryl Zanuck, o bambambam dos estúdios de “OIiú”. E conseguiu. Como produtor, tirou a Paramount da ingrata nona posição entre os maiores estúdios para o primeiro lugar – em apenas quatro anos, entre o fim dos 60 e o começo dos 70. Produziu “Love Story”, "O Poderoso Chefão", “Ensina-me a Viver”, “Chinatown” e “Maratona da Morte”.
Quando ninguém queria dirigir o filme inspirado no livro de Mario Puzo, foi ele quem teve a ideia de chamar Coppola, um jovem de 30 anos que tinha feito três fracassos até então, mas que reunia uma virtude: era o único diretor ítalo-americano da época. E um filme sobre a máfia só funcionaria se fosse comandado por alguém "de dentro" – até então, a maioria dos filmes de gângster eram dirigidos por judeus. E não emplacavam.
À época de ‘Love Story” (filme que causou uma explosão de nascimentos de crianças nove meses depois do lançamento), Evans casou com a Ali McGraw. Era rico, bonito, bem-sucedido, tinha a mulher mais linda da época e linha direta com Henry Kissinger. Enfim, a vida mais invejável do mundo, aparentemente. Mas ele se preocupava demais em trabalhar. Em novos sucessos. Depois de dois meses na Europa comercializando os direitos de “O Poderoso Chefão”, Evans lembrou de ligar para a esposa, que filmava “Os implacáveis”, com Steve McQueen. Pobre Evans. Logo para quem acabou perdendo a mulher. "Você poderia ser o homem mais poderoso do mundo, mas perder a esposa para McQueen fazia me sentir insignificante", reconheceu.
Dali em diante, Evans ainda emplacou algumas coisas nos anos 70, como o próprio “Chinatown”, baseado num roteiro que ninguém entendia. "Eu não compreendia aqueles diálogos, mas se o Robert Towne garantia que era bom, então eu insisti", relembra. Valeu e pena, tanto que ganhou tudo quanto é prêmio, como todos sabem. Fato é que a traição pesou. Nos 80, Evans apostou todas as suas fichas em “Cottom Club”, também de Coppola e com o Richard Gere, que acabou sendo um fracasso. Ali, na verdade, o próprio produtor já estava fracassando. Pirou na cocaína, foi parar num hospital psiquiátrico – de onde conseguiu fugir a muito custo. Perdeu sua mansão em LA. Como não conseguia se desvencilhar da velha vida, acabou alugando a ex-casa para morar. Pagava 25 mil dólares mensais – isso estando quebrado. A casa acabou recomprada por Jack Nicholson, que presenteou o amigo com o pequeno regalo.

Quando recomeçava, foi acusado de assassinato, em um processo inconclusivo que levou quase uma década. Nos 90, recomeçou como produtor, tentando emplacar porcarias como “O Santo”, “O Fantasma” e “Jade”. Ganhou dinheiro (e provavelmente mais alguma coisa da Sharon Stone) com “Invasão de Privacidade”. Na prática, a melhor coisa que fez desde então foi escrever o livro "The Kid Stays in the Picture", que deu origem ao documentário "O Show Não Pode Parar", de 2002 – onde conta tudo isso. Na carreira, no entanto, fico em dúvida entre as coisas pelas quais mais o admiro: 1) Ter batido pé para Coppola estender “O Poderoso Chefão”, quando o diretor entregou o filme com 2h7min; 2) Ter metido a mão na trilha de “Ensina-me a Viver”, colocando Cat Stevens no filme mais sui generis que já vi; ou, claro, 3) Ter casado com a Ali McGraw. Cara legal esse Evans.


por Ricardo Lacerda

terça-feira, 16 de setembro de 2014

"Marlon Brando - A face sombria da beleza", de François Forestier – Ed. Objetiva (2014)


"O horror! O horror!"





Acabo de ler "Marlon Brando - A face sombria da beleza", do jornalista francês François Forestier, que já biografou JFK e Marilyn Monroe. O presentaço veio do amigo Francisco Bino, que, na dedicatória, fez uma previsão um tanto cômica: "Che, tu vai ler tão rápido que vai parecer ejaculação precoce - desse mal Brando não sofria". Na verdade, acho que foi o único mal do qual esse puta ator não padeceu.

Brando teve infinitas personalidades. Ora anjo, ora monstro. Mais monstro do que anjo, diga-se. Na arte dramática, soube ser Midas; na vida real, foi Medusa. Único, rebelde, encantador, arrogante, trágico. Ao mesmo tempo em que conquistava todos à sua volta, fazia-se repugnante. Antes de filmar algumas cenas de "Uma rua chamada pecado", praticava um ritual que começava por uma leve masturbação, depois molhava a calça jeans e, por fim, abria a braguilha. Pronto, agora Stanley Kowalski poderia se exibir aos colegas - em especial, à Blanche DuBois-Vivien Leigh.

Desdenhava a profissão. Não lia roteiros, não decorava falas. Improvisava e tomava conta dos sets como se fosse o dono de estúdio - havia exceções, como com John Houston e Francis Ford Coppola, por exemplo. Ainda no teatro, quando fazia "Um bonde chamado desejo", tinha como hobby "brincar de boxe" com figurantes e atores substitutos. Certo dia, levou um direto no rosto que quebrou seu nariz. O autor da proeza: um jovem desconhecido chamado Jack Palance, que se orgulharia a vida inteira do feito. Sua grande diversão era chocar, chamar a atenção. E conseguiu. Todas as mulheres do universo, de Hollywood ao Taiti, do México às Filipinas, caíram em tentação. Entre as que sucumbiram, Ava Gardner (então namorada de Frank Sinatra, que mandou capangas darem um "recado" a Brando envolvendo a palavra "castração"), Marilyn Monroe (a quem ele não dava bola - "era muito bunduda") e Vivien Leigh (então esposa de Laurence Olivier, bissexual e grande referência para Brando, tanto no cinema quanto no teatro).


Na adolescência como
protagonista de
"O Selvagem"
O homem que virou rei de Hollywood, que defendeu indígenas e panteras negras, nunca escondeu a sexualidade aflorada, intransigente, desafiadora, inquietante. Gostava de mulheres exóticas - Rita Moreno, Movita Castañeda, Katy Jurado, Tarita Teririipaia. E de homens, também. Entre eles, os parceiros de toda vida: Wally Cox e Christian Marquand. Brando nunca negou sua bissexualidade. Bernardo Bertolucci teria se apaixonado por ele, incutindo sua obsessão nas transgressões entre Brando e Maria Schneider em "O último tango em Paris". O ator gostava tanto de gente quanto de Russel, seu guaxinim. Teimava, no entanto, em não gostar de si. Ainda que não bebesse ou consumisse drogas (influência pela vida errante levada pela mãe, Dodie), Brando maltratava o próprio corpo comendo desenfreadamente. A grande paixão? Sorvete. Potes e mais potes, que o faziam engordar quilos de um dia para o outro. Aos 30 anos, por estar "muito rechonchudo", quase perdeu o papel de "O selvagem" para Montgomery Clift - que fazia sombra a Brando desde "Uma rua chamada pecado", sendo, na época, um dos grandes queridinhos de Hollywood. Monty era bonito, educado, inteligente e homossexual. Ainda que tomasse conta de qualquer ambiente, Brando baixou a bola para um colega de "O selvagem". Um ex-fuzileiro naval mal-encarado chamado Lee Marvin fazia-no tremer. Para Marvin, aquele motoqueiro falso requebrava um pouco além da conta. "Maricão", dizia. "Não passa de um monte de merda".

Dali em diante, entre péssimos filmes e parcas boas exceções, como o genial "Sindicato de Ladrões" (novamente de Kazan), Brando via seu peso aumentar na mesma medida em que as confusões sucediam em sua vida pessoal - sempre envolvendo mulheres. No começo dos anos 70, foi parar em "O Poderoso Chefão", já gordo e decadente, com 58 anos, depois que o papel fora recusado por Laurence Olivier e George C. Scott. Brando estava desacreditado, assim como o filme, negado por vários diretores até parar nas mãos de um jovem de 31 anos chamado Francis Ford Coppola. Sem dinheiro e credibilidade, Brando trocou 5% de participação na bilheteria por U$ 100 mil. Deixou de ganhar, por baixo, U$ 10 milhões. Mas recuperou a estima, a aura que havia ido pelo ralo. Depois dos primeiros dias de filmagem, quando quiseram trocar Coppola pelo velho mestre de Brando, um dedo-duro do Macartismo chamado Elia Kazan, Don Corleone acariciou um gatinho e bateu pé: "se tirarem Coppola, também saio". Assim, Coppola ficou. Ficando, fez uma obra-prima. Ficou rico e conseguiu dinheiro e renome suficiente para realizar seu maior sonho, uma insanidade chamada "Apocalipse Now". Tão insano quanto os 125 quilos com os quais Brando chegou às locações, nas Filipinas.

Brando encarnando o célebre
Cel. Kutz em "Apocalypse Now"
Sobre "Apocalipse Now", Forestier escreve: "As filmagens seriam afetadas por um furacão, que destrói os cenários; o ator principal, Harvey Keitel, não podia ser mais irritante. É pior que Brando, no estilo Actors Studio. A cada saleiro depositado na mesa, Keitel pergunta: ‘Mas por quê? Desde quando? Qual a história desse saleiro? E dessa mesa?’. Coppola o manda embora. O substituto, Martin Sheen, é satisfatório, mas... sofre um ataque cardíaco, de cansaço. Passam-se os dias. A película prende nas câmeras, por causa da umidade. Os técnicos fumam, se drogam, contraem doenças desconhecidas. Os mosquitos atacam os brancos. Os bifes importados dos Estados Unidos chegam descongelados, ou mesmo podres. Encantadoras figurantes incitam os atores e maquinistas a se entregarem a atos imorais - mas saborosos. O próprio Coppola cede aos encantos das coelhinhas da Playboy que participam das filmagens. O exército filipino recusa-se a emprestar helicópteros. Brando raspa a cabeça. Dennis Hopper, o bad boy de ‘Sem Destino’, chega. Drogado até o pescoço, recusa-se a tomar banho. Passada uma semana, ninguém mais lhe dirige a palavra - exceto por telefone. Ao fim de 40 dias, passa a ter direito a um ônibus particular: ninguém mais quer entrar na condução com ele. Brando desaparece na selva."

Em 2004, aos 80 anos, Marlon Brando morreu. Apesar de ter tido o mundo ao seu dispor, pereceu sozinho, assistindo uma comédia sem graça de Abbot & Costello. Talvez comendo um McDonald´s daqueles que eram jogados por cima do muro por um funcionário da lancheria mais próxima de sua casa, em Mulholand Drive. Partiu não sem antes ter vivido uma sequência de tragédias que, se fosse transformada roteiro de cinema, perderia credibilidade - tamanho surrealismo. Em 1990, seu filho Christian Brando, um drogado problemático de QI abaixo da média, dá um tiro na cabeça do cunhado, Drag Dollet, na sala da casa do ator. Brando presencia os momentos seguintes e procura inocentar o filho "atuando" no tribunal. Cheyenne, a filha viúva, é outra problemática. Viciada em drogas e remédios, estava grávida do agora finado namorado. Depois de inúmeras tentativas de suicídio, a garota conseguiu se enforcar (“com sucesso”) em 1995, aos 24 anos.

Entre a sedução de Kowalski, a luta de Zapata, a ingenuidade de Terry Malloy e a sagacidade de Vito, fico com a insanidade de Kurtz. Ou de Brando, tanto faz. Ao fim e ao cabo, this will never be the end.


por Ricardo Lacerda





Ricardo Lacerda é jornalista, chato e curioso. Desde que se conhece por gente, vê filmes e escuta música de “gente velha” – como diziam os amigos do colégio. É aficionado por folclore latino-americano, curte Paulo Leminski e Pedro Juan Gutierrez – entre doses de Salinger e Hesse. Na tela, aceita quase tudo – salvo exceções. Foi editor da revista APLAUSO. Formado pela PUC, tem especialização em Relações Internacionais pela ESPM e é sócio da República – Agência de Conteúdo, de onde escreve para publicações como Superinteressante, AMANHÃ, Voto e Jornal do Comércio.