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quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

"Eu, Daniel Blake", de Ken Loach (2016)



Qualquer um que já tenha sido desrespeitado pelo Estado, em qualquer nível, na sua condição de cidadão vai se identificar com "Eu, Daniel Blake", filme do inglês Ken Loach, vencedor da Palma de Ouro do ano passado. Daniel (David Johns) é um carpinteiro viúvo que tendo sofrido um ataque cardíaco, tem recomendação médica para não voltar a trabalhar e assim, busca então nos programas sociais um auxílio saúde mas esbarrando em burocracias, insensibilidade, despreparo, inflexibilidade e burrice vê-se em uma situação complicada financeiramente e aviltante enquanto ser humano. Blake é uma coroa boa gente, meio rabugento às vezes, é verdade, muito por gostar das coisas certas, mas no fundo sabe que as coisas nem sempre são como devem ser e, na medida do possível flexibiliza e facilita o andamento da vida, ao contrário do sistema que parece engessado, não mudando uma vírgula de seus cânones para favorecer o cidadão. É a esse sistema que Blake está preso. É diante dessa máquina emperrada que aquele homem vê-se incapaz e impotente. Ele quer trabalhar mas não pode por causa de sua saúde; requisita um auxílio doença que é reprovado; diante da negativa pede um auxílio desemprego mas aí para provar ao Estado que não é um 'desocupado' profissional tem que bater de porta em porta atrás de um emprego que mesmo que consiga, não poderá aceitar. Cara..., é difícil!
Blake e seu 'grito'
 num dos momentos mais marcantes do filme.
Em meio a seu drama, numa dessas filas da vida, cheias de vetos, negativas e indiferença, Daniel conhece uma mãe solteira, Katie (Hayley Squires), que num desses programas sociais tudo o que ganhara fora um alojamento numa moradia popular da periferia sem menor infraestrutura e agora batalha por outros benefícios que possam lhe dar recursos para alimentar os dois filhos. Aquele senhor e aquela moça, ambos esmagados e e vilipendiados pelo sistema, criam então um vínculo na adversidade formando uma espécie de família, de certa foma completando o que faltava para cada um. Daniel fica com os filhos de Katie enquanto ela vai procurar emprego e recursos, brinca com eles, ao mesmo tempo que as crianças, em retorno, lhe proporcionam companhia, distração e até mesmo um estímulo de vida, ao passo que Katie, por sua vez, ganha além de um aliado em sua luta, uma figura paterna tanto para seus filhos quanto para ela mesmo. A cena em que Katie, faminta, abre uma lata de conserva ainda na espera do banco de distribuição de alimentos é tocante; bem como a que Daniel, descobrindo que sua nova amiga, 'optara' por vender seu corpo, vai até o local tentando dissuadi-la. Isso sem falar na já clássica cena da frente do banco em que o nosso protagonista, e mais do que nunca nesse momento nosso herói, picha na parede da instituição Eu, Daniel Blake, exijo uma data para meu apelo antes que eu morra de fome — e troquem a música de merda no telefone , senta ali e fica até ser retirado pela polícia.
Salvo particularidades políticas, sistema social deste lugar para aquele, etc., o drama de Blake serve para qualquer lugar e nós brasileiros, em especial, temos muito com o que nos identificarmos com a maneira como o cidadão é tratado no filme de Ken Loach, com total desrespeito, indiferença e descartabilidade. O que apanhamos, no fim das contas, da dolorosa saga deste homem que esbarra em todo tipo de obstáculos, topa em todo tipo de barreiras, e que só consegue ser "ouvido" numa carta ou num ato de vandalismo público, é que no fundo, no fundo, todos somos Daniel Blake.




Cly Reis