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quinta-feira, 26 de agosto de 2021

CLAQUETE ESPECIAL 13 anos do ClyBlog - The Who - Live at Isle of Wight Festival 1970, de Murray Lerner (1996)


LOUCA PERSPECTIVA DA ILHA
por  E L E N I C E   M I C H E L O N



 
"Senhoras e senhores, 
desocupem os seus sacos de dormir 
e sejam bem vindos!"
Jeff Drexler, 
mestre de cerimônias do Festilval de Wight, 
convocando o público a acordar, às 4 da manhã,
e assistir ao show



Como dizia o grupo Língua de Trapo, “Foi no dia de São João Batista que conheci Deusdéti; naquele tempo eu já era Marxista e ela ainda ia em discoteque”. Posso dizer que conheci o The Who numa ilha, aos vinte e poucos anos, tendo já vivido várias utopias, algumas teorias e já abandonado algumas delas. Caiu-me nas mãos o DVD do Festival da Ilha de Wigth de 1970 através de um amigo.

Como diz o título, o que relato nestas linhas é minha louca perspectiva ao vivenciar, infelizmente não possuo uma máquina do tempo, o que até hoje minha razão insiste em negar. 

Primeiro ato: luzes apagadas, um vulto de branco corta rapidamente o palco; expectativa do público e minha. Eis que explode um som que invade meu cérebro como uma marreta, sendo a dor surpreendentemente agradável.

Me deparo com um guitarrista vestindo um macacão alguns números menores, creio que propositalmente, ou não... coisas de gênios. Em outra cena, desce um esqueleto marionete (em minha mente, juro que vi), Ás do baixo, coadjuvante digno de um Tony Awards.

Segundo ato: prefaciado por "I Cant’ Explain" e diante de uma platéia atônita, surge um deus de longos cabelos encaracolados, franjas balouçando aos seus movimentos, dorso quase nu; sem esforço algum, sem nada pedir, na fração de segundos em que minha retina capta sua visão, se torna meu sex symbol, pondo Robert Plant “no chinelo”, utilizando uma expressão popular. A voz incomparável ressoava pelo teatro/ilha ou vice versa.

Extasiada, sentidos aguçados, perscruto o tablado e emerge o ator principal; pensaram que o Tony estava garantido, ante minha eloquência ao falar de Roger Daltrey? Ledo engano... olhos insanos, baquetas incontroladas, porém dominadas a seu bel-prazer, trejeitos peculiares e autênticos, inteiramente entregue... talvez no decorrer desta existência fugaz, eu consiga definir o que senti e ficou incrustrado em meu ser, tamanha foi a intensidade de sua presença naquele show e os estilhaços de loucura que Keith Moon desferiu em minha alma; (uma pitada de poesia é necessária).

Terceiro ato: harmônica nos lábios do Roger e mais curtição por parte do Keith... Blues na medida para quem é exímia apreciadora desse gênero, dentre outros, como a música clássica. The Who soava como uma afinadíssima orquestra e certamente seriam ovacionados por Beethoven e sua trupe, destacando-se a saudação de Chopin, o mestre maior (preferência minha, ok?).

Quarto ato: não poderia faltar humor, o que ficou por conta do “gênio e o insano”, culminando com uma bofetada indolor. Após a delícia que foi presenciar tal cena, irrompem os vocais agudos de Apolo, na inesquecível "Water". Nesse instante, arrebatada por algo surreal, no despertar da Kundalini, senti-me transcender.

Os acordes de Jonh Entwistle transformaram o antes marionete, no próprio titereiro, tamanho controle exercido pelo seu dedilhar.

Como se não bastasse, me servem um aperitivo de Beatles e após um Southern Confort à la Janis; confesso que saboreei cada gole, enquanto Roger adicionava ao whisky seu gelo vocálico. Ah, desejava embriagar-me e queria mais. Atendida generosamente pelo Olimpo, solos de guitarra jorraram sem cessar, aliados às performances de seu criador Peter Thownshend.

Enquanto afinam seus instrumentos, permitam que lhes conte que nesse ano Gilberto Gil e Caetano Veloso, exilados, se apresentaram no Festival, representando a Tropicália. Não é à toa que são dois dos melhores artistas do Brasil e quiçá do mundo.

Último ato: Tommy não poderia deixar de comparecer, afinal, “ninguém” é tão especial quanto “ele”, ou marcou tanto, rendendo artigos à parte. Foi o ápice do Maior Espetáculo da Terra (recomendo o filme com esse mesmo nome).

As cortinas se fecham, gritos de “Bravo!!!” presos na garganta, aplausos contidos, não ouso levantar-me... Quedo-me, sorvendo o último gole.

John Entwistle, e sua indumentária cadavérica, com
o alucinado Keith Moon, destruindo tudo, lá atrás, na bateria.


Assista:
The Who - Live at Isle of Wight Festival -1970


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Elenice Michelon
tem 49 anos, mora em São Marcos/RS e tem duas filhas, Morgana e Heloiza.
É formada em Administração de Empresas, e por amor às palavras, atualmente cursa a faculdade de Letras Português/Inglês.
É apaixonada por poesia, principalmente Fernando Pessoa, Manoel de Barros, Florbela Spanca, Pablo Neruda e Carlos Drummond de Andrade, curte rock, blues, música clássica, MPB e ópera, e aprecia as artes em geral, sem preconceitos de qualquer natureza.
Seus hobbies são artesanato (tricô, crochê), violão, ler e o contato com a Natureza.
Eterna aprendiz, busca conhecer um pouco de cada cultura, extrair e absorver o máximo do que lê, assiste e vivencia.
Futilidades não lhe interessam, pois aprecia conversas inteligentes que a façam pensar e que possam enriquecê-la, bem como a simplicidade das coisas, que, segundo ela "é onde reside o mágico, o belo e o segredo do universo...o Surreal".



"Sou mais a palavra ao ponto de entulho.
Amo arrastar algumas no caco de vidro,
envergá-las pro chão, corrompê-las, -
até que padeçam de mim e me sujem de branco."
- Manoel de Barros






sexta-feira, 16 de agosto de 2019

CLAQUETE ESPECIAL 11 anos do ClyBlog - "Pixies Sell Out Reunion Tour 2004", dirigido por Michael B. Borofski (2005)



A Turnê dos Vendidos dos Pixies
por Helson Luiz Trindade



Formada em 1986, uma das mais influentes bandas do cenário alternativo estadunidense, a Pixies seguiu muito bem até 1992 quando se dissolveu deixando um belo legado em uma discografia irretocável.
Os integrantes, com exceção de Kim Deal, fizeram poucas coisas notáveis nesse período de hiato. Deal esteve ocupada com a produção musical e turnês de sua banda, The Breeders, formada em conjunto com sua irmã gêmea Kelley Deal, e Josephine Wiggs. The Breeders carrega o mesmo teor alternativo de Pixies mas em uma versão mais feminina e experimental.Após doze anos, os membros originais Black Francis, Joey Santiago, Kim Deal e Dave Lovering se reuniram para uma turnê mundial que levou o nome de “Sell Out Tour” (Turnê dos Vendidos), sugerido pelo próprio líder Black Francis que sempre deixou bem claro em diversas entrevistas que a falta de dinheiro foi o real motivo desta reunião.
O DVD “Sell Out – Reunion Tour 2004”, lançado no ano seguinte, trouxe uma compilação de sucessos da banda em vídeos dos shows com algumas pequenas performances pelos EUA como um “esquenta” para o festival Coachella do mesmo ano, na Califórnia.
A maior parte do material é um show ao vivo e emocionante no Eurockéennes Festival, em Belfort, na França. Há alguns takes de outros festivais no menu Extras mas infelizmente nada do Curitiba Pop Festival onde a banda se apresentou em terras brasileiras pela primeira vez.
Os Pixies seguiram sem Kim, que retomou suas atividades com os Breeders para uma turnê de comemoração dos 20 anos do disco Last Splash (1993). Em março de 2017 lançaram o quinto disco de estúdio "All Nerve". Em 2013 este ciclo foi novamente fechado quando, por Twitter, a banda anunciou a saída da baixista Kim Deal.
Paz Lechantin assumiu o baixo no mesmo ano em que Kim saiu. A argentina-estadunidense, que passou por bandas como A Perfect Circle, Zwan e Queens of the Stone Age, entrou como apoio para a gravação de Indie Cindy (2014) – quinto álbum de estúdio dos Pixies e o menos comentado da carreira – e Head Carrier (2016), este marcado pelo resgate da sonoridade dos tempos áureos.
O sucessor, "Beaneath the Eyrie", já tem data prevista para setembro deste ano.

Pixies - "Bone Machine" (Pixies Sell Out Reunion Tour 2004)


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Helson Luiz Trindade, carioca, residente no Rio de Janeiro, é, como ele mesmo se define, um 'apaixonado por música'; e por isso mesmo seu envolvimento com esta paixão é enorme e constante. Além de estar sempre às voltas com seus álbuns preferidos ou com o fone de ouvidos, Helson administra o blog Acervo Básico (acervobasico.wordpress.com) e colabora com seu repertório, conhecimento e atualização no blog Zine Musical (zinemusical.wordpress.com).

segunda-feira, 1 de julho de 2019

"Bravura Indômita", de Henry Hathaway (1969) vs. "Bravura Indômita", de Joel e Ethan Coen (2010)



Duelo dos bons esse! Jogo sem favorito. Pode dar qualquer coisa. Duas gerações diferentes em campo, estilos até parecidos de jogo e muita qualidade em ambos os lados. O time do original conta com um cracaço: John Wayne. Uma daquelas lendas do futebol, digo... do cinema. Até dava seus problemas fora de campo, às vezes dentro dele também, é verdade. Era meio chegado numa manguaça e consta que em muitas cenas que filmou, interpretando um personagem, por sinal, beberrão, o mercenário "Rooster" Cogburn, estaria mesmo um tanto... por assim dizer, mamado. Isso é que é craque! Fugia da concentração, ia pra balada, chegava bêbado, jogava bêbado e ainda acabava com o jogo. Dúvida? O cara SÓ faturou o Prêmio de Melhor do Mundo da FIFA daquele ano, ou melhor, digo, o Oscar da Academia exatamente por causa dessa atuação.
Mas do outro lado o melhor jogador do adversário, Jeff Bridges, embora não tenha alcançado ainda a condição de lenda como o outro, pra pouca coisa não serve e, só pra não  deixar por menos, também tem sua Chuteira de Ouro, ou melhor, sua estatueta dourada na prateleira. Se o prêmio não foi conquistado  pelo mesmo papel, ao menos foi por um personagem tão pé-de-cana quanto Cogburn, em "Coração Louco". Grande enfrentamento mas o Duke, leva pequena vantagem não só pelo confronto direto, a estatueta conquistada no filme em que os dois interpretam o mesmo papel, como pelo jeitão pronto de caubói, pelo manejo das armas, pela montaria... Não tem como ganhar do maior caubói das telonas de Hollywood. 1x0 no placar para o antigo "Bravura Indômita".
Mas o filme de 1969 não tem muito tempo pra comemorar pois no confronto entre as Mattie Ross, a personagem que recorre ao velho federal para encontrar o assassino de seu pai, embora Kim Darby esteja ótima também, a atriz da da refilmagem, Hailee Senfield, consegue se destacar com uma atuação verdadeiramente diferenciada. Desarma, passa bem, distribui a jogada e ainda aparece na frente pra fazer o gol de empate. 1x1 no placar.
Os coadjuvantes, cada um de seu lado, seguram as pontas com qualidade garantido o equilíbrio do jogo. Ambos os LaBoeuf, Glen Campbell, no original, e Matt Damon, no remake, mandam bem e nenhum consegue se destacar muito sobre o outro. Se de um lado temos brilhando o jovem, mas já careca e rodado, Robert Duvall como Ned Pepper, do outro temos Josh Brolin fazendo um desprezível Tom Chaney, e o placar assim continua em igualdade. 


trailer "Bravura Indômita" (1969)

trailer "Bravura Indômita" (2010)

Mas aí vem a fotografia do Bravura '69, com seus tons outonais como que saídos de um quadro e coloca o time de Hathaway em vantagem de novo. Uma pintura de gol!
Reta final de jogo. Essa é a hora pr'a gente ver quem tem garrafa vazia pra vender, quem tem café no bule.

E é exatamente a hora em que aparece o dedo do treinador. Os irmãos Coen fazem uma mexida tática importante mudando sutilmente alguns elementos de roteiro e deixando o seu time mais agressivo e conseguem o empate no finalzinho!
Que jogo é esse???
Emoção até o fim. Haja coração!
Mas não há tempo pra mais nada. O juiz sopra o apito aponta o meio de campo e é fim de papo.
Temos o primeiro empate no Clássico é Clássico (e vice-versa) do ClyBlog.

Entre os Rooster Cogburn, pequena vantagem para John Wayne sobre
Jeff Bridges por ter levado o Oscar pela atuação no filme.

Se o original de Henry Hathaway é um clássico consagrado,
a máxima que dá nome a esta seção vale para os filme dos Coen.
Clássico é clássico e vice-versa.


 



Cly Reis


quinta-feira, 11 de outubro de 2018

"Uma Noite de Crime: Anarquia", de James DeMonaco (2014)



“Deus abençoe
os Pais Fundadores
e a América:
 uma nação renascida“
lema do governo em
"Uma Noite de Crime: Anarquia"



"Uma Noite de Crime: Anarquia" seria apenas mais um filme de ação, de terror, de correria, de perseguição não fosse por seu argumento sagaz e extremamente pertinente. Quando assisti pela primeira vez, sem maiores expectativas, há pouco mais de um ano, o filme do diretor James DeMonaco me chamou atenção pela verossimilhança com condutas que se afiguravam e ganhavam corpo, não somente nos Estados Unidos que não muito adiante dali elegeria Donald Trump, como no mundo afora e especialmente no Brasil, até então ainda timidamente depois das manifestações populares de 2013 e diante do, então, aceno de candidatura de um presidenciável radical de direita. Se naquele momento, "...Anarquia" parecia uma inteligente alegoria sobre um totalitarismo conservador, racista e classista, na atual situação brasileira, em vias de eleger um representante com ideias muito próximas às do governo fictício do filme, parece uma realidade não muito improvável.
Num futuro não muito distante, diante de problemas sociais e violência urbana crescentes, um hipotético partido conservador, os Novos Pais Fundadores, tendo assumido o governo dos Estados Unidos, institui a Noite do Expurgo, um período de doze horas em que os cidadãos americanos têm o direito de extravasar toda a violência que bem entenderem em troca de se comprometerem a, no restante do ano manterem uma... "conduta exemplar". Só que o que acontece é que na prática quem acaba "aproveitando" mesmo o tal Expurgo são os "cidadãos de bem" que, com mais grana, com mais estrutura, utilizam a concessão governamental para "limpar" as cidades americanas dos indesejáveis: opositores, negros, pobres, mulheres. Nesse cenário de pânico um casal encurralado por expurgadores, uma mãe com sua filha adolescente e um justiceiro do bem que ronda as ruas livrando inocentes do massacre, têm que driblar os exterminadores de minorias e dar um jeito de se safar deles da maneira como conseguirem, numa caçada humana frenética.
Ricos pagam para que se capturem vítimas,
negros, pobres, mendigos, para sua diversão.
"Uma Noite de Crime - Anarquia" não é um grande filme. Escorrega em clichês, tem diálogos pobres, situações risíveis e cenas previsíveis. Diria que a intenção foi melhor do que a ação. Mas  a gente assiste a cada coisa desse tipo com menos conteúdo e sai enchendo a boca com "Que filmaço!", não? "... Anarquia" tem pelo menos o mérito de, entre tanto tiro, porrada e bomba, sugerir uma válida reflexão.
Sequência do fraco "Uma Noite de Crime" de 2013, que partia da mesma premissa mas se limitava ao ambiente da casa de um político que sem querer abrigara um negro alvo dos expurgadores, e tendo dado origem a mais duas sequências, este segundo tem o grande mérito de sair para a rua e estender definitivamente a questão a um nível social cutucando em temas como racismo, machismo, privilégios, legalização de armas, ódio de classes, fascismo, todos tópicos com os quais devemos nos preocupar, e muito, diante do possível novo governo que parece tomar forma.
Que o novo presidente não vai implementar um expurgo no Brasil, é claro que não vai, mas seu discurso de ódio e preconceito, de certa forma, avaliza que seus seguidores, e muitos deles diga-se de passagem são bastante radicais, corroborando com os alvos das declarações de seu representante máximo, façam pelas próprias mãos as "limpezas" que entenderem "necessárias". Ameaças como as de "Vocês viados vão ser todos metralhados quando ele for presidente", proferida a um rapaz agredido no Rio de Janeiro, "Sapata tem tudo que morrer", escrita na parede de um banheiro numa universidade em São Paulo, e "Morte à negrada", impressa em cartazes em Porto Alegre e outros tantos que tem surgido pelo Brasil afora, especialmente nos últimos meses, dão um indicativo de que o massacre autorizado do filme, não é tão absurdo assim. “Deus abençoe os Pais Fundadores e a América: uma nação renascida“...



Cly Reis

terça-feira, 17 de abril de 2018

"Sem Amor", de Andrei Zvyagintsev (2017)



Não é uma tarefa fácil digerir um filme desses. “Sem Amor” é frio e egoísta, infelizmente como muitas pessoas no mundo atualmente. Mas é uma obra que nos coloca para pensar por horas após seu termino.
Boris (Alexey Rozin) e Zhenya (Maryana Spivak) estão se divorciando. Depois de anos juntos, os dois se preparam para suas novas vidas: ele com sua nova namorada, que está grávida, e ela com seu parceiro rico. Com tantas preocupações eles acabam não dando atenção ao filho Alyosha (Matvey Novikov), que acaba desaparecendo misteriosamente.
 O longa se mantém na rotina dos personagens, embora isso nos ajude a entendê-los melhor, alguns momentos se tornam repetitivos e por vezes essa repetição mostra-se desnecessária, como o caso de algumas cenas contemplativas que tentam enfatizar a tristeza e melancolia dos personagens, o que com alguns minutos de filme já tínhamos “sacado, sem a necessidade de marcar tanto os personagens.
A construção ou desconstrução dos personagens é muito bem feita. Vemos a figura da mãe sempre explodindo, totalmente emocional. Já o pai, completamente o oposto, está sempre escondendo seu verdadeiro eu para todos. Enquanto o menino fica sempre de lado e o espectador o sente diminuindo cada vez mais no longa.
A fotografia é algo! Seus tons e cores frias acompanham o clima e os sentimento que o longa tenta transmitir. A narrativa de "Sem Amor" é fabulosa especialemente na maneira como mostra o sumiço do menino. No início a historia é contada do ponto de vista do garoto, mas aos poucos começa a mostrar a vida dos pais, como está a vida de divorcio, seus novos relacionamentos, e de repente, notamos que o menino sumiu, e aí vem o desespero.
Não é só uma história sobre paternidade e maternidade, ela serve como uma alegoria sobre a atual situação da Rússia, um país que assim como os personagens, vive da sombra do que já foi,  que mesmo em crise não assume isso, se fecha para mundo e olha apenas para si. Um longa pesado, triste, gelado e cruel, porém repleto de beleza e sensibilidade. Tenho certeza que vai fazer você se sentir incomodado com o egoísmo humano mostrando em "Sem Amor", e perceber o quanto isso é real e assustador. Assista “Sem Amor”, reflita sobre o que você é e como está sendo seu papel na vida daqueles que você ama, alias você ama alguém? E possível viver sem amor?
A fria e triste Russia, que “Sem amor”, nos mostra, com frias e tristes pessoas.


por Vagner Rodrigues

segunda-feira, 31 de julho de 2017

"Boa Noite, Mamãe", de Severin Fiala e Veronika Franz (2016)



Tenso...
Tenso do início ao fim.
"Boa Noite, Mamãe", prende  a tenção do espectador desde as primeiras passagens em que os irmãos gêmeos Elias e Lukas, no milharal, no túnel, no lago. se confundem e se misturam instigando as primeiras de muitas dúvidas que o filme propõe.
A mais importante destas questões, a central pelo menos, é a que envolve a mãe das crianças, que em seu retorno para casa, depois de uma cirurgia plástica, ainda com ataduras no rosto, parece revelar um comportamento diferente do seu habitual despertando nos meninos a dúvida  de se aquela seria verdadeiramente a pessoa que diz ser, ou seja, sua mãe. Ela, ríspida, rigorosa, impaciente, egoísta, chega mesmo a ignorar um dos gêmeos fazendo com que ambos, revoltados e desconfiados, unam-se mais do que nunca e comecem a conspirar cometendo primeiramente desaforos infantis mas logo passando a pequenas vinganças à mulher que não reconhecem como mãe. Só que à medida que a desconfiança cresce por uma série de pequenos detalhes como a foto escondida da mãe com uma mulher muito parecida com ela, ou a diferença da cor dos olhos da mãe para a "pessoa" que encontra-se na casa, aumenta também a intensidade dos atos de rebeldia dos garotos e de sua investigação em busca da verdade que procuram, culminando na captura, cativeiro e torturas psicológica e física daquela mulher a fim de que confesse não ser quem diz e que revele o paradeiro daquela a quem substitui.
Mas se não é a mãe, quem seria
a mulher por trás daquelas ataduras?
Classificar "Boa Noite, Mamãe" como um filme de terror em função de suas cenas visualmente chocantes, pelo sinistro visual mumiático da mãe ou por uma suposta sobrenaturalidade, seria uma simplificação quase ofensiva para um filme com tamanha qualidade e méritos cinematográficos diversos. As cenas são minuciosamente pensadas, os diálogos econômicos são precisos, a fotografia neutra é irreparável e o roteiro é extremamente bem desenvolvido deixando, propositalmente, uma série de pontas soltas de modo a provocar dúvidas no espectador e deixá-las vivas até o final.
As fotos borradas, o silêncio, o vazio da casa, o isqueiro, à ida á floresta... Por quê a casa esta à venda? Qual a causa da cirurgia plástica? Houve um acidente? Que tipo de acidente? Foi incêndio? Se houve, os meninos têm algo a ver com a causa? Por que então a bronca pelo isqueiro? Sabemos que houve um divórcio, mas por que? Por que, como ela afirma, "as coisas ficaram mais difíceis depois do divorcio"? O que ficou mais "difícil"? O temperamento dos meninos?
Os diretores austríacos Severin Fiala e Veronika Franz até vão nos dando algumas respostas aos poucos, vão nos alimentando com algumas migalhas, é verdade, mas fazem questão de não nos matar a fome. Questões continuam inteligentemente em aberto mantendo nossa tensão e expectativa no nível máximo o tempo todo.
Vi várias manifestações sobre o filme e estas lacunas acabam deixando margem a diversas interpretações e versões não somente sobre o final como mesmo sobre o desenrolar, o desenvolvimento da trama, o que vejo como extremamente positivo ainda que muitas dessas manifestações também tenham sido depreciativas entendendo que o filme teria sido mal feito, mal conduzido ou mal acabado, o que pode-se entender pela acomodação que o cinema norte-americano, que dá tudo mastigadinho, já conseguiu incutir em grande parte do público. "Boa Noite, Mamãe" não dá sustos nem tem reviravoltas mirabolantes, seu pavor vem exatamente de nossa impotência total diante do que está adiante de nós. Perturbador e inquietante, o longa é construído, montado, arquitetado de tal maneira que consegue deixar o espectador desconfortável do início ao fim. Durante pouco mais de uma hora e meia somos tão reféns das crianças quanto aquela mulher que se diz ser sua mãe. E que talvez seja...
A assustadora cumplicidade dos gêmeos e seus misteriosos cochichos.



Cly Reis

sábado, 27 de maio de 2017

"Cadillac Records", de Darnell Martin (2008)



Dia desses, arrumando minha coleçãozinha de blues e topando com meus CD's de Muddy Waters e Howlin' Wolf acabei lembrando de um filme muito legal e que nenhum fã de blues pode deixar de assistir. Trata-se de "Cadillac Records, filme da diretora norte-americana Darnell Martin, que de forma apaixonante apresenta a formação do blues de Chicago nos anos 50 e a criação da Chess Records, selo que foi berço de grandes nomes do gênero contribuindo para a divulgação e popularização do estilo e de seus praticantes pelos Estados Unidos.
O filme centra-se mais na figura de Muddy Warters, sua descoberta, sua ascensão, seu sucesso e seus conflitos amorosos e musicais, mas também destaca Howlin' Wolf e sua rivalidade com Muddy; um neguinho chamado Chuck Berry que misturava blues com "música de brancos", o alcoolismo do gaitista Little Walter e seu estilo inovador no instrumento e no estúdio; o talento e o affair de Etta James, com o chefe, Leonard Chess; e até um certo grupo inglês chamado Rolling Stones.
"Cadillac Records tem momentos tristes, alegres, divertidos, emocionantes, trágicos e conta com interpretações extremamente competentes como a de Jeffrey Wright como Muddy, intensas como a de Eammon Walker na pele de Wolf, e surpreendentes como a de Beyoncé (olha só!) vivendo Etta James. Adrien Brody é que está meio insosso como Leonard Chess mas nada que seja suficiente para fazer alguém não gostar do filme por causa disso.
Mas e o Cadillac? O que é que o Cadillac tem a ver com tudo isso? Foi o presente de Chess para Muddy, seu primeiro contratado, assim que alcançaram o primeiro grande sucesso. Depois disso todos que emplacavam um grande hit passaram a querer o seu. Tornara-se uma tradição na gravadora e aí só dava "crioulo" transitando de Cadillac nas barbas da sociedade racista dos anos 50. Teriam que engolir a "negrada". Ah, teriam. E aquilo era só o início.
Mais um Cadillac sendo entregue.



Cly Reis

domingo, 7 de maio de 2017

"A Onda", de Dennis Gansel (2008)


Deixa eu me levantar, ajeitar minha postura, respirar e pronto, já posso falar. Uma obra muito bem realizada, "A Onda", além de ótimas atuações, nos coloca para pensar o quanto somos manipuláveis (você ai também). É uma crítica social que funciona como um soco.
Rainer Wegner, professor de ensino médio, deve ensinar seus alunos sobre autocracia. Devido ao desinteresse deles, propõe um experimento que explique na prática os mecanismos do fascismo e do poder. Wegner se denomina o líder daquele grupo, escolhe o lema “força pela disciplina” e dá ao movimento o nome de A Onda. Em pouco tempo, os alunos começam a propagar o poder da unidade e ameaçar os outros. Quando o jogo fica sério, Wegner decide interrompê-lo. Mas é tarde demais.
A única coisa  que nos distancia do filme, é o fato da sua cronologia fazer com que as coisas aconteçam rápido demais, tudo se desenvolve numa velocidade enorme para apenas uma semana, mas vamos encarar isso como uma licença poética.
Fora isso, o longa e um "tapa na cara" da sociedade. A forma clara e direta com que mostra como funciona o fascismo ou comunismo, ou dê o nome que você achar melhor é provocativa e questionadora. Aqui o professor utiliza sua influência e poder para impor suas ideias sobre a turma formada por adolescentes que ainda não tem suas ideias totalmente formadas e, portanto, ainda buscam um lugar na sociedade para se encaixar, assim acabam sendo seduzidos pelos ideais desta ONDA.
Essa liderança que a princípio parece ser boa, justa, disciplinadora, libertadora vai se tornando hegemônica, abusiva, autoritária, acabando por excluir os diferentes, ficando cada vez mais poderosa julgando invariavelmente suas ideias como sendo superiores às demais.
O filme retrata muito bem isso e o quanto maléfico esse tipo de ditadura pode ser. Ao mesmo tempo que a turma fica unida, vestem o mesmo uniforme, compartilham os mesmos gostos, até mesmo se protegem entre si, passam a se considerar superiores ao resto da escola, ou até mesmo da cidade, como é retratado na cena das pichações e na partida de polo aquático.
Uma obra cinematograficamente muito bem realizada, que consegue passar bem por todos os personagens. Mesmo com um elenco bastante numeroso, o filme não deixa de ninguém sem seu devido destaque e nada acontece por acaso. O melhor é quando termina o filme e você ainda consegue vê-lo, transportá-lo para conversas além da tela, e “A Onda” faz isso, trazendo um assunto muito delicado e importante, ainda mais no atual momento que vivemos no Brasil (e porque não no mundo), onde temos uma juventude tão descrente com figuras políticas. É necessário que professores tomem muito cuidado e percebam a importância e dificuldade do seu papel. Sim devemos lutar pelo o que acreditamos, mas não devemos subjugar os outros.
Uma imagem assustadora, e não, não estou exagerando.



Vagner Rodrigues

terça-feira, 18 de abril de 2017

"Jimi: Tudo a Meu Favor", de John Ridley (2013)




"Jimi: Tudo e Meu Favor" não é uma cinebiografia tradicional, daquelas que acompanham uma vida inteira, do nascimento ou infância à glória, à perdição, à decadência ou à morte. O projeto do cineasta John Ridley concentra-se basicamente no período entre a descoberta do talento do guitarrista, num esfumaçado bar em Nova Iorque, e a gravação do primeiro disco com seus reflexos e consequências imediatas. Além de fixar-se num espaço de tempo relativamente curto, o filme desenvolve-se de uma maneira pouco convencional para o gênero, intercalando, por vezes uma linguagem quase videoclípica, de imagens rápidas, cores alucinantes e sons em profusão; com cenas longas de diálogos pausados ou às vezes até silêncios duradouros.
Jimi Hendrix, vivido espetacularmente por Andre Benjamin, mais conhecido com Andre 3000 do grupo Outkast, mostra-se introspectivo e reflexivo sobre sua obra, sua origem e sobre seus relacionamentos em sua vida em meio à polvorosa cultural de Londres na metade dos anos 60. A proposta meio filme de arte, num modelo de biografia mais contemplativa dividiu opiniões mas, particularmente, me agradou, tanto estética quanto tematicamente sendo tão válida quanto outras mais badaladas, focando-se contudo em elementos e aspectos pessoais e psicológicos, muitas vezes não levados em consideração ou não devidamente destacados em outras produções.
Como curiosidade, o filme de John Ridley, roteirista do premiado "12 Anos de Escravidão", não pode contar, por uma questão de direitos, com as músicas de Jimi Hendrix e sua banda, lidando bem com a situação com uma trilha recheada de outros nomes relevantes da época e tratando momentos em que as canções de Hendrix deveriam aparecer, como ensaios ou shows, de maneira muito inteligente com soluções bastante satisfatórias. Um desses momentos é quando Jimi e sua Experience executam "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band", poucos dias depois do disco dos Beatles ter sido lançado, na presença dos próprios Paul, Ringo, George e John, no Saville Theatre, constituindo-se em um dos pontos altos do filme em uma situação de show em que o espectador (assim como o público na época) esperaria ansioso por ver e ouvir Jimi Hendrix executando algum de seus grandes clássicos. Logada de mestre! Uma circunstância avessa, contrária, mas que o diretor com muita perspicácia soube colocar a seu favor.
A cena da apresentação no Saville Theatre diante dos Beatles.




Cly  Reis

sábado, 28 de janeiro de 2017

"O Invasor Americano", de Michael Moore (2016)



Assisti o documentário disponível no Netflix “O Invasor Americano” (“Where to Invade Next”), do Michael Moore - mesmo diretor de “Tiros em Columbine” e “Fahrenheit 11 de Setembro” - onde ele aponta com deboche (como sempre) para a política dos EUA com foco no bem estar social norte-americano.
Entre diversos aspectos os que me chamaram mais atenção são dois que, aqui no Brasil, podemos dizer que temos este tipo de política MUITO similar ao dos EUA: a política antidrogas e a política carcerária. Estas duas sendo o foco da mídia nacional esta semana devido aos terríveis ocorridos nas prisões de Manaus e Roraima.
Moore crava a bandeira yankee na sala do casal português.
Michael Moore visita Portugal e conversa com policiais e com políticos a respeito de como o país lida em relação a usuários de drogas, onde se constata que, nos últimos quinze anos, nenhuma pessoa foi presa por consumo no país. Aí pergunto, estamos cerca de 40 anos na "guerra às drogas" e tá na cara que todos estão perdendo de lavada, que bilhões já foram desperdiçados, não é o momento de colocar o rabo entre as pernas e admitir erro? de que uma nova forma de posicionamento já é mais do que na hora de ser tomado? de parar de achar que consumo de entorpecentes é caso de polícia e focar no que ele realmente é: UM CASO DE SAÚDE. Muito bom esse ponto do documentário.
O diretor também visita países nórdicos como Noruega e vai conhecer o sistema prisional, que, obviamente por terem muito menos delitos, há muito menos detentos e, todo o sistema prisional é focado em reabilitar o preso e não em puni-lo, não há um sentimento de vingança, há um sentimento de necessidade de corrigir a pessoa que cometeu um erro. Mesmo com superpopulação de presos, não deveríamos pensar numa forma de fazer com que eles sejam conduzidos a uma reabilitação e, quiçá, tornem-se produtivos mesmo estando encarcerados? É interessante ver o quão próximo dos EUA estamos nesse quesito, na forma como se encara os presos.
Documentário recomendadíssimo com diversos pontos importantes da sociedade e mostrando que, se não está dando certo o que se tem feito em décadas, não é a hora de mudar radicalmente a forma como encaramos as coisas que não dão certo? Assistam, vale a pena.


por Ricardo Finocchiaro


"O Invasor Americano" -  trailer






Ricardo Finocchiaro é jornalista por formação,
mas produtor cultural por vocação,
proprietário da Abstratti Produtora
de Porto Alegre (RS).

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

"Martyrs", de Pascal Lauguier (2008)



Vinha topando com frequência com esse filme em listas de melhores terror ou mais impactantes ou coisas do gênero até que resolvi ir atrás. "Martyrs" realmente é tudo o que se diz dele. Tem que ter estômago. É de uma violência explícita chocante como poucas vezes se viu e por extensão de um pavor psicológico perturbador.
Uma jovem, Lucie, vai em busca de vingança da família que a teria sequestrado e torturado na infância e para seu intento conta com a ajuda de Anna, uma amiga ex-colega do internato para onde foi mandada depois da fase do cativeiro. Anna, no entanto, mostra-se um pouco cética quanto à certeza que a amiga tem em relação àquela família especificamente e principalmente quanto à veracidade da história toda de sequestro e tortura, uma vez que Lucie costuma ter alucinações e comete por vezes automutilações. No entanto, dentro da casa da família, a vingança é concretizada num massacre impiedoso que não poupa absolutamente ninguém, muito menos o espectador que vê entre outras coisas uma criança ser executada a sangue frio, mas o ato é seguido por mais uma das crises alucinatórias violentas da vingadora Lucie o que acentua o sentimento de dúvida e agora de culpa em Anna, cúmplice de certa forma. Só que tudo se confirma quando a Anna, sem querer, acaba encontrando uma passagem oculta na casa que leva a uma instalação subterrânea com celas e equipamentos de tortura. Se quem está vendo o filme acha que já viu bastante horror até ali, engana-se. O pior ainda está por vir. A partir daí as cenas e situações chocantes se sucedem de maneira tensa e desconfortável. A mulher que é resgatada numa das celas com placas parafusadas no corpo, os espancamentos,a alimentação, os métodos e, para culminar, a cena do esfolamento, tão dolorosa e cruel que faz aquela do "Hellraiser" parecer coisa de criança. Tudo ali... na lata, a seco, sem cuspe.
Esfolada viva.
E toda essa crueldade, toda essa tortura para que? Bom, não vou revelar com detalhes uma vez que esta questão é um dos elementos-chave do filme, mas o que posso dizer é que efetivamente há um grupo de pessoas envolvido com um motivo bastante inusitado e hediondo, e cujo martírio, que sugere o nome do filme, é bastante esclarecedor.
"Mártires" é uma produção francesa, o que é interessante uma vez que não é um cinema que costuma se destacar muito na linguagem de terror e menos ainda nessa ênfase física e psicológica. Procurando por este, o francês, me deparei com uma versão americana, também surpreendentemente bastante boa uma vez que muitas vezes suavizam ou fantasiam excessivamente histórias originais valiosas. Poucas coisas mudam no remake, algumas situações são, sim, amenizadas, mas por outro lado outras são intensificadas. O final é diferente, um pouco mais dramático, mais hollywoodyano, mas não tira o valor da boa versão.
Mas recomendo mesmo o original tão forte, tão pesado tão porrada que chegou a ter sua exibição proibida em diversos países, inclusive no Brasil, o que justifica o fato de ser somente encontrado para download ou no Youtube. Mas como eu falei: tem que ter coragem, tem que ter resistência, não vale fechar os olhos nem virar o rosto. É dor e dor e dor e dor! Veja, resista, aguente como um mártir.

trailer de "Martyrs" (França/ 2008)




Cly Reis

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Cinema Marginal #8 - "Câncer", de Glauber Rocha (1972)



Tem momentos que é realmente difícil entender mas, quer saber,
simplesmente aproveite.
Se você já conhece Glauber Rocha, assista esse filme. Ah! Não conhece? Então assista o filme. Uma obra totalmente experimental, seu único filme verdadeiramente marginal (segundo o próprio diretor, mas não é, tá pessoal?)  mas sem perder o "selo Glauber de qualidade".
São três personagens dentro de uma ação violenta. Acabei a sinopse, sim é isso. Não acredita? Veja o filme, já falei.
"Câncer" não tem história embora tenha um começo e um fim, não temos um meio que as ligue. O grande objetivo do filme é experimentar, questionar o cinema e o espectador. Quase todo o filme você fica com a sensação de que viu duas pessoas conversando e pegou o assunto no meio e acaba ficando perdido, só que o longa faz questão que você fique perdido.
Se você leu os textos anteriores, desculpe mas vou repetir, mais uma vez temos uma obra com uma qualidade de imagem e áudio horríveis. Em alguns momentos até mesmo é desconfortante.
O que nos mantém no filme são as fortes atuações. Podemos ver claramente que é tudo improviso mas mesmo assim todo mundo se vira muito bem. Para mostrar como os atores estão bem, digo que temos inúmeros planos-sequência cheios de diálogos e todos são sustentados magistralmente pelos atores. Algumas sequências são fabulosas, com diálogos bem fortes, críticas políticas e principalmente ao preconceito social e racial.
Uma obra única. Pode parecer um pouco diferente do que você já viu do diretor em termos técnicos mas os questionamentos políticos, a maneira ousada de se fazer cinema está lá. Acredito que esta seja a síntese perfeita da expressão “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”.

A sequência na praia é excelente. O diálogo, a maneira como é filmada.
Amigos, isso é cinema também.



Vagner Rodrigues

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Os 12 personagens mais assustadores do cinema


O cinema é capaz de mexer com as nossas emoções como pouca coisa consegue, mesmo a gente sabendo que, na grande maioria das vezes, aquilo que estamos vendo seja apenas uma encenação. Somos, com total aceitação, levados a acreditar na “mentira” e com ela se comover. Jean-Claude Carrière, fascinado por essa magia que talvez apenas o cinema tenha no universo das artes, comenta em seu “A Linguagem Secreta do Cinema” que os instrumentos de persuasão do cinema podem parecer simples: emoção, sensação de medo, repulsa, irritação, raiva, angústia. Mas, pontua ele, “na realidade, o processo é muito mais complexo”, provavelmente até indefinível. “Envolve os mais secretos mecanismos do nosso cérebro, incluindo, talvez a preguiça, a natural indolência, a disposição para renunciar às suas virtudes por qualquer adulação.”

Isso explica em parte porque sentimos tanto medo de alguns personagens. E não estou falando apenas dos assassinos dos filmes de terror: há pessoas (afinal, acreditamos que elas, mesmo lá dentro da tela, existam de verdade) que, mesmo num drama ou outro gênero menos horripilante nos provocam igual sensação de temor. Quando essa magia intrínseca do cinema observada por Carrière se junta ao talento de cineastas e atores, a química é bem dizer infalível. Aí, soma-se a isso ainda nossa aceitação quase pueril ao que vemos e dá pra imaginar o que acontece: frio na espinha.

Ainda por cima, o universo dos vilões aterrorizantes é inegavelmente fascinante. Quem, mesmo tremendo as pernas a cada gesto que o dito cujo venha a dar, não aprecia (ou pelo menos reconhece que é sui genneris) a figura de um Freddy Krueger ou Michael Myers? Mas, como disse, não tratamos aqui somente dos carniceiros, afinal, destes é até previsível que imputem medo. Elencamos aqueles personagens e seus respectivos atores cujos papeis são tão críveis que não faríamos nenhuma questão de cruzar com eles algum dia na vida – e não precisa nem ser uma pessoa, inclusive.



O penetrante olhar do canibal Lecter.
1 – Hannibal Lecter (Anthony Hopkins)
O absolutamente frio psiquiatra, que atravessou a fronteira da sanidade para passar a matar por prazer – às vezes, até se alimentando de suas vítimas, dando-lhe o simpático apelido de Hannibal “Canibal” –, é provavelmente o mais célebre psicopata da história do cinema. Hopkins, com talento e muita sensibilidade, dá vida ao personagem do escritor Thomas Harris, o qual aparece pela primeira vez na tela no clássico “O Silêncio dos Inocentes” (Demme, 1991). Continuou assustador em outros longas, “Hannibal” (2001), “Dragão Vermelho” (2002) e “Hannibal - A Origem do Mal” (2007), mas vê-lo no primeiro e disparado melhor da série é até hoje imbatível em termos de qualidade cênica – e de medo também.





2 – Norman Bates (Anthony Perkins)
É inegável que as patologias psíquicas dão muito substrato para a criação deste tipo de personagem, seja na literatura ou no cinema. E claro que os diversos transtornos mentais existentes são um prato cheio para roteiristas. Norman Bates, psicótico atormentando pelo Complexo de Édipo encarnado como jamais o próprio Perkins conseguiu igualar, é até hoje um enigma que desafia os psiquiatras. Mas numa coisa todo mundo concorda: o cara dá medo pacas! Com a mão habilidosa de Alfred Hitchcock"Psicose", de 1960, tem talvez o melhor personagem de um thriller no melhor filme do mestre do suspense.


Monólogo final de Norman Bates - "Psicose"


Pacino, mais assustador que
muito serial-killer.
3 – Michael Corleone (Al Pacino)
Os filmes de máfia são recheados de personagens marcantes e não raro assustadores, pois altamente violentos. Porém, talvez pelo tratamento literário de drama dado por Mario Puzo, pela escolha acertada de Coppola do jovem Pacino para o papel e, obviamente, pelo talento do ator, nenhum se compare ao filho mais novo de Don Corleone. Empurrado pelo destino para o crime organizado, o ex-oficial do Exército tornou-se, mais do que qualquer outro de seus irmãos, o chefão mais impiedoso e frio da cosa nostra. Se no primeiro longa vê-se sua conversão à máfia até a natural sucessão ao pai, em "O Poderoso Chefão - parte 2", de 1974, ele está mais apavorante do que muito serial killer. Com um olhar, ele faz qualquer um congelar. Poderoso, dá-se direito a qualquer coisa, e nunca se sabe o que está maquinando naquela mente obsessiva. Coisa boa, não é. Seja nos acessos de raiva, seja no mais contido e calculista silêncio, Michael é apavorante.





Close com um sorriso nada covidativo.
4 - Alex Forrest (Glenn Close)
Não são apenas homens que fazem o espectador arrepiar. A maníaca de Alex Forrest, de “Atração Fatal” (Lyne, 1988), vivida por Glenn Close, é o melhor exemplo. Inconformada com um “pé na bunda” que levara de um homem casado, Dan Gallagher (Michael Douglas), com quem tivera um caso, ela passa a persegui-lo e a assombrar não apenas a ele, mas toda a sua família. Memoráveis cenas, como a do coelhinho de estimação da filha de Dan cozinhando na panela ou quando, depois de uma briga em que ele quase a estrangula, ela solta um sorriso horripilante, não deixam dúvida da força dessa personagem. Aliás, através da psicopatia, um símbolo à época do novo comportamento feminino, que não aceita mais a imposição machista nas relações. Não tem mais perdão: traiu, é penalizado.





5 - Alien (Bolaji Badejo)
Na magia do cinema, o medo pode vir da maneira que se bem entender. Pois não é a forma humana do ator nigeriano Bolaji Badejo que configura o seu personagem mais marcante. É a fantasia que ele veste, a do extraterrestre mais apavorante do cinema: Alien. Vários da mesma espécie dão as caras no bom “Aliens - O Resgate” (Cameron, 1986) e nas desnecessárias sequências. Mas nada se compara à excelente ficção-terror de 1979, de Ridley Scott, em que apenas um exemplar da espécie vai parar dentro da nave espacial em uma missão cheia de problemas. Um, aliás, é mais que suficiente para botar terror em todo mundo. O mais interessante é que o bicho não é muito visto, pois há o recurso fotográfico e cênico de dificultação do olhar, como pede um bom thiller. O vemos de fato, por inteiro e em luz suficiente, apenas mais para o fim da fita, quando o clímax já está lá em cima. Aí, só resta se segurar na poltrona.


Cena do gato de Ripley - "Alien, o oitavo passageiro"


O Cady da primeira e o da segunda vaersão.
6 - Max Cady (Robert De Niro)
Um dos maiores atores da história, De Niro de tempo em tempo encarna figuras assustadoras, desde o taxista louco de “Taxi Driver’ até o comerciante de escravos Rodrigo Mendoza de “A Missão”. Mas nada se compara a Cady, em que revive o já ótimo personagem de Robert Mitchum na versão que inspirou Martin Scorsese a rodar "Cabo do Medo", de 1991 (“Círculo  do Medo”, 1962). União de QI elevado e músculos, o algoz da família Bowden é capaz de, aliado à abordagem do roteiro, confundir os papeis de vilão e herói. Quem é mais filha da puta ali: o ex-presidiário que se vale da liberdade para perseguir os outros, o advogado que o prendeu deliberadamente, a esposa conivente ou as leis da sociedade, interpretáveis e permissivas?






7 - HAL-9000 (Douglas Rain – voz)
Quem disse que só a violência do homem ou a selvageria do bicho podem assustar? A inteligência, quando direcionada para o lado ruim, é devastadora. Ainda mais quando essa inteligência for artificial, como a do computador HAL-9000, o cérebro-mãe da nave especial de "2001: Uma Odisseia no Espaço" (1968). Kubrick e Clarke criam o personagem mais estático e, talvez até por isso, amedrontador do cinema moderno. Mirar aquele seu “olho” de plástico é deparar-se com a frieza inumana capaz das piores coisas. Através de meticulosos comandos, a máquina, rebelde e neurótica, põe à sua mercê toda a tripulação, afetando, mesmo depois de “morto”, toda a expedição. Detalhe: a voz original de Douglas Rain já é suficientemente aterradora, mas a da dublagem para o português, feita pelo célebre Marcio Seixas na clássica versão da Herbert Richards, consegue superar.

Dublagem clássica de HAL-9000 - "2001: Uma Odisseia no Espaço"




8 - Zé Pequeno/Dadinho (Leandro Firmino da Hora/ Douglas Silva)
Tem que ser muito sem noção para dizer para um mal-encarado “como é que tu chega assim na minha boca?!” Não precisa ser cinéfilo pra conhecer a resposta que é dada, pois é naquela cena que um dos personagens mais incríveis do cinema dos últimos 30 anos surgia ainda mais temível. Se o pequeno Dadinho já apavorava por se ver uma criança com sede de matar nos olhos, o jovem traficante vivido magistralmente por Firmino em “Cidade de Deus” (2002), então, “lavou a égua” neste quesito. Violento, entorpecido, marginal, cruel. Como não esbugalhar os olhos quando esse cara manda matar uma criança pequena a sangue frio? Ninguém se meta com Dadinho! Ops! Agora é Zé Pequeno, foi mal aí.






O brilhante personagem de Barden.
9 - Anton Chigurh (Javier Barden)
Os irmãos Cohen são mestres do anticlímax, uma vez que seus filmes se valem largamente desse expediente, usado por eles com muita habilidade de forma a gerar impactos surpreendentes no espectador pelo jogo oportuno de quebra ou confirmação da expectativa. O personagem Anton Chigurh, encarnado por Javier Barden no faroeste moderno "Onde Os Fracos Não Tem Vez" (2007), é montado todo em cima dessa premissa. Absolutamente inexpressivo e unidirecional, o psicótico Anton não sente nada, apenas mata. A naturalidade com que ele elimina suas vítimas não tem glamour nenhum. Ele simplesmente pega e mata, e nada é capaz de freá-lo. Fora isso, dá um pavor danado sempre que ele aparece com aquela arma de ar comprimido.







10 - Harry Powell (Robert Mitchum)
“Lobo em pele de cordeiro” é a melhor definição para Harry Powell. Afinal, quem desconfiaria que um pastor aparentemente cheio de boas intenções se revelaria um tirano doméstico da pior espécie? Se a interpretação de Mitchum fora superada pela de De Niro como Max Cady, esta de "O Mensageiro do Diabo" (Laughton, 1955) fica para a história do cinema como uma das mais fortes e impressionantes já vistas nas telas. Filme impecável, também mas não apenas pelas atuações. Mas Mitchum, inegavelmente é o destaque.

"Amor-Ódio" - "O Mensageiro do Diabo"



Mais insano que qualquer outro Coringa.
11 – Coringa (Heath Ledger)
 O alucinado e diabólico vilão das histórias do Batman é um dos personagens mais originais da cultura pop mundial. Interpretá-lo é, obviamente, um privilégio. George Romero o fez muito bem na série e até o craque Jack Nicholson mandou muito bem no papel, mas nada se compara ao que Heath Ledger fez em "O Cavaleiro das Trevas" (Nolan, 2008). Ele encarna Coringa, a ponto de, dizem, amaldiçoar-se, haja vista que morreu logo depois das filmagens. Ledger achou como poucos atores para o limiar entre a loucura e a lucidez, entre o burlesco e o austero. Menção que não podia deixar de faltar na lista.






12 - Jack Torrance (Jack Nicholson)
Se Stanley Kubrick já conseguira assustar com um computador, imagina quando ele volta toda a história para isso. É o caso do perfeito "O Iluminado" (1979), outra das obras-primas do cineasta costumeiramente reconhecido como o grande filme de terror de todos os tempos e a melhor adaptação de Stephen King para as telas. Mas seu impacto certamente não seria o mesmo se não tivesse a força de Nicholson no papel de Jack Torrance. Ele vale-se de toda sua técnica e sensibilidade cênicas a serviço da construção do personagem que vai perdendo o controle de sua sanidade, pois, mediunicamente vulnerável, sucumbe aos espíritos “sanguessugas” ligados àquele que Jack foi na vida passada: um serial killer que matou toda sua família.

por Daniel Rodrigues