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terça-feira, 5 de dezembro de 2017

cotidianas #540 - A Biblioteca do Infinito




O pequeno sino no alto da porta tocou. Alguém entrara no estabelecimento. Sempre passava por aquela livraria, sempre tivera curiosidade de entrar e finalmente naquele dia, decidira-se por fazê-lo. Sempre pareceu-lhe que uma livraria como aquela de aspecto tão rústico e lúgubre devesse ter exemplares de singular raridade  Lá dentro, o potencial cliente encontrou um ambiente velho, poeirento e amarelado como as páginas dos livros que já não encontrando espaço nas prateleiras eram dispostos como possível em caixas, pilhas, no balcão ou no chão. Difícil seria alguém encontrar algum livro específico naquela amontoação. Um senhor de cabelos brancos, de idade já relativamente avançada, de estatura mediana e de óculos na ponta do nariz, provavelmente o dono, surgiu de trás de uma cortina escura e pesada.
- Eu já o esperava. -disse para o visitante. - Seus livros estão aqui, venha.
E voltou a penetrar atrás da cortina fazendo um sinal para que o cliente o seguisse.
Confuso, depois de uma breve hesitação, o cliente cruzou o limite do balcão e seguiu o senhor que sumira atrás do pano.
Adentrou. Depois da cortina havia ainda uma porta bastante rústica e envelhecida. Estava semiaberta e não encontrando o livreiro entendeu que deveria entrar. Em seu interior reinava uma quase absoluta escuridão senão por uma fresta de luz, a uns cinco metros adiante, que logo se alargou expandindo-se em luminosidade. Ainda cego pela breve cegueira que a luz causa até acostumar a retina, avançou para o ambiente que se abrira. O que viu ali o impressionou sobremaneira como poucas vezes algo o fizera em sua vida. Era uma enorme, vasta, diria infinita biblioteca. Duas sucessões de fileiras de estantes, cortadas por um largo corredor central, que pareciam se perder até onde seus olhos não podiam mais alcançar. Pareciam caber ali todos os livros do mundo. Sua estupefação foi interrompida por um toque no braço. Era o livreiro. Pedia para que esperasse que logo traria sua encomenda. Não teve tempo de argumentar que não fizera encomenda alguma pois o homem velho já se afastava. Afastou-se muito, quase o perdera de vista mas pode vê-lo sumir entre algumas daquelas estantes. Um barulho então atraiu sua atenção. Um livro caíra. Um garoto conduzia um um carrinho cheio de livros e outro o ajudava amparando para que outros não tivessem o mesmo destino uma vez que o carro transbordavam de livros. O ajudante juntou o livro do chão o colocou no topo da pilha, mal conseguindo equilibrá-lo, e seguiram pelo corredor entre as fileiras.
Acompanhava visualmente as crianças quando percebera que o livreiro retornara e parara a seu lado. Parecia-lhe impossível estar de volta tão rapidamente pela distância que havia percorrido mas não deu maior importância a isto. O velhote trazia três volumes grossos, pesados, envelhecidos, de páginas puídas e amareladas. Os estendeu ao visitante que o apanhou livrando o outro, já não tão forte pela idade avançada, do esforço de carregar aqueles exemplares tão robustos. 
O velho livreiro disse então:
- São os seus. Leve-os consigo.
- Mas eu... - tentou argumentar.
- Apenas leve. Agora vá. - e saiu virando as costas e dirigindo-se ao fundo interminável de fileiras de livros.
O cliente tomou o mesmo caminho de volta: o curto trecho escuro, a porta rústica, a cortina, o balcão, e enfim, a livraria. Hesitou ainda algum momento dentro da loja mas vendo que não havia a quem fazer qualquer questionamento, resolveu sair. Os livros pesavam muito e a porta foi aberta com dificuldade. O sino no topo da porta tocou mais uma vez quando esta foi aberta. 
Assim que pisou na calçada algo tão inexplicável quanto tudo que havia vivido nos últimos minutos aconteceu. Os livros que trazia nos braços desapareceram, desfizeram-se, desintegraram-se, esvaíram-se como areia. Ficou alarmado por um breve instante pelos destino dos livros que há pouco tempo não representavam nada para ele mas que apenas pela solenidade de sua entrega e pela confiança nele depositada para portá-los já davam a eles uma importância que não conseguia exprimir nem para si mesmo. No entanto seu susto e sua preocupação não tardaram nada a serem afastados. Mantida a posição de quem carregasse algo nos braços, mesmo não os vendo, podia sentir ainda o peso dos livros. Naquele momento entendeu que os livros sempre estariam com ele. Relaxou os braços, os baixou ao longo do corpo com tranquilidade. Seguiu andando pela calçada. 


Cly Reis

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