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sexta-feira, 20 de outubro de 2017

cotidianas #533 - Pílula Surrealista #22


Noite de balada, ele saiu de casa perto da meia noite para pegar a hora quente da festa. Roupa nova, banho tomado, perfume no pescoço, cabelo penteado. Foi. Entrou na boate, e a festa estava realmente bombando. Muita gente, muita mulher, todos devidamente vestidos, banhados, perfumados e penteados. Já entrosado, dançava na pista quando, atrás dele, um rapaz, percebendo sua presença, virou-se e, incrédulo, indagou-lhe:

- Ei, cara, o que você tá fazendo aqui?!

Embora surpreso com o porquê da abordagem, percebeu que era, sim, com ele. Não conhecia aquele rapaz, que se mostrava bastante irritado e hostil, aliás. Não conseguiu articular-se para responder, até que um outro - bem maior de tamanho e ainda mais bravo -, notando o zum-zum-zum, também se manifestou:

- Éééé! O que você tá fazendo aqui, cara? Pensa que pode entrar na festa, assim, sem mais?!

Assustado, ele tentou ao menos esboçar reação:

- Sim... Eu vim à festa. Por que, tem algum... problema? Eu conheço vocês?

Pronto: questionamentos suficientes para irritar não apenas os dois estranhos interlocutores, mas também suas namoradas e mais um bolo de umas cinco ou seis pessoas. Que logo se transformou num monte de mais seres humanos, praticamente todos da festa entre aqueles que passaram a se dar conta que ele estava lá dentro.

- Quem você pensa que é pra estar aqui?! – ralhou um dos incomodados. – Só porque o cara não deve nada pra ninguém, é um cidadão que trabalha, paga suas contas e circula livremente na rua pensa que pode entrar na festa! Ora, vejam só! – disse, olhando em volta para os outros, os quais, igualmente inconformados, riram, murmuraram coisas ruins ou até esbravejaram. Teve quem salivasse de ainda mais raiva.

O linchamento foi ali mesmo, na pista de dança, sob o tunt-tunt do tecno. Nem se fez menção de parar a música e nem de se chamar segurança, quanto menos a polícia. Era coisa muito vulgar, sem importância, de ser resolvida ali mesmo. O corpo ficou próximo ao pé de uma mesa no canto da pista, para onde foi arrastado, de modo que não atrapalhasse a divertida noite dos outros - que estava, como se sabe, bombando. Não demorou muito entre a agonia e a morte em si.

Mereceu.

Daniel Rodrigues

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