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sexta-feira, 29 de setembro de 2017

"Raw", de Julia Ducournau (2016)



Diante de tantos filmes de terror tão iguais e sem bons argumentos, o franco-belga "Raw" consegue se destacar como uma obra que, além de perturbar por seu tema central, suas cenas pesadas, grotescas e chocantes, também o faz por carregar consigo assuntos como maturidade, autodescoberta, feminismo e sexualidade, abordando-os de forma muito engenhosa e inteligente. Justine uma garota vegetariana, pura, virginal, que acaba de entrar na faculdade de veterinária, entre uma série de trotes pesados impostos pelos veteranos, num deles é obrigada a comer rim de coelho. A partir daí seu comportamento transforma-se totalmente, passando não somente a consumir o alimento que até então repudiava como a agir de forma estranha, impulsiva, inconsequente e desmedida. É como se a ingestão da carne tivesse levado embora sua "pureza". Sinto aí uma certa provocação a vegetarianos e veganos mas pode ser apenas impressão minha. Mas fato é que essa iniciação é um dos símbolos interessantes do filme no sentido de uma espécie de "lançamento para a vida", uma vez que o ingresso numa faculdade funciona também simbolicamente como uma etapa de entrada para a vida adulta. Sua visão das coisas aos poucos vai se transformando, sua relação com a irmã já veterana na faculdade também muda, com seu amigo homossexual colega de quarto, seu corpo muda e nela começam a se manifestar desejos... alguns bastante inusitados, diga-se de passagem. A carne funciona como uma volta ao instintivo, ao animal, ao seu "eu" mais puro. É a autodescoberta. É o deixar-se aceitar como é. Só que no caso de Justine, e aí entra o terror, o que ela descobre em si, é absolutamente assustador.
"Raw" não vai lhe dar sustos, não espere por isso, mas pode fazer você desviar o rosto da a tela. A cena em que Justine come o dedo decepado da irmã, por exemplo, é horripilante, repugnante mas ao mesmo tempo sensual e fascinante. Só para que se tenha uma ideia, depois das primeiras exibições nas quais o longa já causara desmaios na plateia, algumas salas de cinema passaram a distribuir sacos de vômitos para os espectadores antes das sessões. Mas é injusto com um filme tão bom, tão bem trabalhado, bem elaborado, lembrá-lo somente por estes tipos de reações. "Raw" é um daqueles filmes de terror nos quais o terror, em si, é quase que somente um detalhe integrante de uma boa ideia cinematográfica.
Podem estar certos que aquilo na mão dela não é uma batata frita
e o vermelho não é catchup.

Cly Reis

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