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terça-feira, 15 de agosto de 2017

cotidianas #522 - Pílula Surrealista #20


Suzana não gostava de completar data. A cada ano – como ocorre com muita gente, aliás –, ao invés de comemorar aquela primavera, batia-lhe, sim, tristeza. Mesmo assim, família e amigos reunidos em volta do bolo para os parabéns como todo dia 10 de junho. Cansada de tamanha hipocrisia, ela pede a palavra antes de soprar a vela:
"Sei que vocês estão aqui por minha causa, mas não vou dizer que estou contente. Todo ano é isso: bolinho, algazarra, risadas, apaga a luz pras palmas, acende a luz pra cortar o bolo, rá-tim-bum... Que troço idiota, gente! Afinal, como gostar de ter um ano a menos de vida? Não gosto, não adianta: não gosto! Vamos parar com essa imbecilidade de celebrar uma data como essa! Tenho consciência de que meu futuro é, a cada ano que passa, de perder as pessoas. Cada ano uma idade a menos, cada ano mais jovem, até chegar ao feto e, depois, desaparecer no ventre da mãe. Veja o que aconteceu com você, tia Dulce, por exemplo: no início, lá pelos 70 anos, todos te davam atenção e te bajulavam, não é? Agora, assim, aos 9 anos, quase completando 8, quem quer saber de ti? Hein?!”
Tia Dulce apenas baixou a cabeça e chorou em silêncio pela verdade dita.
“E você, Luiz? Não vem mentir pra gente que, quando eu chegar ali aos meus 3, 2 anos de idade, você vai continuar me querendo, me cuidando, me amando! Faltam alguns anos pra isso, eu sei. Mas eu sei também o que me espera: abandono e solidão. E não é essa a verdade, gente? Vamos parar de mentir pra nós mesmos! É isso que nos acontece, a todos nós. É assim que sempre acabamos: sós”.
Luiz, ofendido e calado, retirou-se.
“Quer saber... acende essa vela de uma vez pra acabar com essa encenação, que eu detesto esses dias de desaniversário”.

Daniel Rodrigues

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