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terça-feira, 10 de maio de 2016

cotidians #432 - Katana



Quando viu aquele pacote longo e não muito largo teve quase certeza do que sua esposa o estava presenteando naquele seu 43º aniversário mas não quis acreditar. Seria mesmo? Desembrulhou num misto de emoção e ansiedade e para sua feliz confirmação era mesmo o que imaginava: uma brilhante e reluzente espada samurai. Mais de uma vez havia falado à esposa do desejo de ter uma mas sempre dizia que é o tipo de coisa que não se compra qualquer imitação e que se fosse comprar uma verdadeira, uma que valesse a pena, custaria os olhos da cara. Além, do mais, sempre dizia que era melhor não ter uma, porque se tivesse teria que usar. Que graça teria possuir uma espada como aquelas e não fazer uso como um samurai faria?
Retirou a espada da caixa estreita e a empunhou, reta, alinhada com seu nariz, totalmente afastada do corpo pelos braços esticados e foi se afastando como que hipnotizado para o centro da sala. Olhava com admiração aquela peça, uma katana, era assim que os japoneses chamavam. Admirava a perfeição da suave curva da lâmina, o fio brilhante, o primor do acabamento do cabo, os detalhes em baixo relevo numa espécie de selo antigo gravado no metal. A esposa tratou de esclarecer-lhe do que se tratava aquela marca. Tratava-se de uma peça rara e que lhe dera muito trabalho encontrar e aquele selo gravado representava exatamente a marca da família Wasabe que vivera na região de Osaka por volta do ano de 1716, mas quando ia relatar sobre as peripécias bélicas dos guerreiros daquela casta sua narração repentinamente se interrompeu. Seus olhos se arregalaram em direção ao marido e de sua boca entreaberta surgiu um filete de sangue que escorreu-lhe pelo lábio que logo, aumentando em quantidade, descia até o queixo até rolar pelo pescoço abaixo. Ainda inclinava o corpo para a frente tentando com a mão trêmula alcançar o ombro do marido, que estava de costas para ela, quando com um movimento rápido e preciso a lâmina foi retirada inteiramente, num golpe só, deixando o corpo, sem sustentação, cair inanimado no chão. Olhou o corpo da esposa sem vida encolhido no chão sobre a poça de sangue. Que pena ter feito aquilo. Amava sua esposa. Mas sempre dissera a ela que se um dia tivesse uma daquelas, teria que usar. Ainda admirou por um momento a fria lâmina prateada suja de sangue, e num gesto firme embainhou o instrumento letal. Pegou o telefone, fez uma ligação, sentou na poltrona com a espada descuidadamente enrolada nos pedaços rasgados do papel de presente e apenas aguardou que a polícia chegasse.



Cly Reis

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