Curta no Facebook

terça-feira, 1 de outubro de 2013

"Biografia Incompleta" Exposição Coletiva – Museu de Arte Contemporânea - Niterói /RJ (08/08/2013)









Eu reencontrando o MAC, em Niterói
Ao lado da amorosa companhia de Leocádia Costa, que empresta seu olhar fotográfico para este registro, voltei ao MAC, em Niterói (RJ), o qual havia visitado em 2011 e me impressionado muito com aquele traçado em forma uma flor, de um cálice, lindo de qualquer ângulo que se contemple. Dois anos depois, constatei que a admiração pela obra de Niemeyer continua intacta naquela arquitetura tão poética e em plena simbiose com a natureza local, simbiose aparentemente improvável haja vista o desenho futurista e quase extraterrestre que é o prédio do museu.

A obra de Antônio Dias
que deu nome à mostra
Como se não bastasse a beleza e grandiosidade da natureza e da arquitetura num radiante domingo de sol e praia, que já valeriam o passeio, deparei-me com exposições maravilhosas em seu interior. Uma delas é a da mostra Biografia Incompleta, que reuniu obras do colecionador João Sattamini que compreende quase 30 anos com peças de alguns dos principais artistas da vanguarda das artes plásticas brasileira: Antonio Dias, Loio-Pérsio, Nelson Leirner, Raymundo Colares e Rubens Gerchman. Tomadas de sarcasmo, crítica e personalidade, as obras desses artistas ligados ao neoconstrutivismo, corrente das artes plásticas brasileira iniciada nos anos 60 que, de forma pungente e mordaz, traz novos elementos ao construtivismo e ao abstratismo próprios de uma nova realidade urbana, como a cultura de massas (quadrinhos, cinema americano, publicidade, erotismo) e a vida social (violência, religiosidade, censura, política, indústria). Incrivelmente atuais para um “Brasil ano 2000”.

Acrílico sobre madeira Raymundo Colares
Isso fica evidente nas obras de Raymundo Colares, que, em telas que brincam a tridimensionalidade, explora os elementos kitsch, dos quadrinhos, da dinâmica da montagem do cinema e até do àquela época já midiatizado universo do automobilismo. “Objeto ônibus”, da série de 1969, é um tinta esmalte industrial sobre metal que traz bem esta ideia. Outra, um belo acrílico sobre madeira, é magnífico em sua simplicidade conceitual, movimento e ideia de equilíbrio.

Antonio Dias, um dos dois únicos vivos entre os cinco artistas junto com Nelson Leirner, é dono de uma obra altamente peculiar marcada pelo minimalismo e pela exploração minuciosa de texturas visuais, porém não menos crítica, valendo-se, por exemplo, da secura visual dos códigos binários da linguagem dos computadores para expor sua indubitável simbologia maniqueísta. Além disso, revela fortemente a massificação imperialista através dos debochados grafismos em inglês. Sua identificação com o pop é absurdamente atual. Uma das obras expostas, “The Place”, poderia ser a capa de qualquer disco de artista tecno. O aspecto enterteinment, no entanto, se esvai rapidamente: a crítica, presente, está na observância de que o escrito “mente” (mind) encontra-se disperso no nada (preto da tela), enquanto que a palavra “mapa” (“map”), ou seja, aquilo que a mente deveria circunscrever, é justamente a que está localizada dentro de um espaço delimitado. Outro quadro, o que dá nome à exposição, é um acrílico sobre tela que lança, em poucos elementos simbólicos, a dimensão das utopias do mundo moderno: o “desejo” tão distante do percurso do traço.

"Milagre", de Nelson Leirner
A seleção de Leirner é outra espetacular. Numa linguagem própria que, igualmente, caminha entre o severo e o deboche, vale-se de técnicas inovadoras e até insólitas (colagem de asas de borboleta em sua Santa Ceia), além de miniaturas e recursos “não nobres” para as artes plásticas, como a serigrafia e o off-set da publicidade.  A religiosidade católica, moral e eticamente comprometida, assim como a violência urbana, convivem sem nenhuma fronteira. Dois brilhantes: “Milagre”, serigrafia e pintura sobre madeira em que Nossa Senhora de Fátima ganha traços e dimensões pop e tupiniquins ao colocar-lhe aos pés suplicantes mendigos da cidade grande; e, a mais impressionante, “São Sebastião do Rio de Janeiro” (2002), assustadoramente atual numa cidade de balas perdidas e de dessacralização dos mitos pela ação humana, um conjunto de imagens sacras enfileiradas ao lado de “patrióticas“ flâmulas em que cada um dos santos têm cravado no peito uma bala de revólver. Impossível não se lembrar dos versos de “Estação Derradeira”, de Chico Buarque: “São Sebastião crivado nublai minha visão/ Na noite da grande fogueira desvairada”.

Se Leirner tem correlação com a MPB, Rubens Gerchman está essencialmente ligado à vanguarda da música brasileira. Dono de uma arte que mistura erotismo e dinheiro, violência  e beleza, morro e asfalto, futebol e escola de samba, tradição e ruptura, Gerchman, irônico e crítico ao extremo, é diretamente ligado ao tropicalismo (é dele a arte da capa de “Tropicália”, de 1967, e, inspirados em uma peça homônima sua, Caetano Veloso e Gilberto Gil escreveram, para este mesmo disco, a canção “Lindonéia”, cheia de críticas à esquizofrenia mortífera e ao endeusamento do belo da sociedade moderna), o que fica evidente em suas obras daquela época (décadas de 60 e 70): coloridamente tropicais e conscientemente globalizadas e cáusticas.
"Monalou", a Monalisa
fascista de Gerchman
Suas “monalisas” dão diretamente este tom: uma, “Monalou” (tinta óleo sobre fotográfica colada em eucatex, 1975) a quebra do elemento clássico (a perspectiva ao fundo da personagem, aqui chapada e carregada de simbologia política), a outra, a revelação/massificação (a Gioconda com beiços de negra). Maravilhoso e forte, igualmente, o quadro em que um acontecimento da mídia dos anos 60, o sumiço de um ajudante de obra durante a Ditadura Militar pego pela polícia por um suposto porte de drogas, serve de denúncia e mostra de inconformismo. Ele se vale da linguagem corriqueira e sensacionalista dos jornais e da dissolução folclore/cultura pop para evidenciar de forma ainda mais reveladora a realidade obscura. Alguma semelhança com o caso Amarildo não é mera coincidência.

Igualmente revolucionário em conceito (seu falso díptico, que, na verdade, forma um tríptico, é muito interessante), porém trabalhando volumes e cores com a intenção de não atribuir-lhes nenhuma associação figurativa, acabou deixando Loio-Pérsio um tanto deslocado dentro da mostra se comparado ao impacto e transgressão dos outros autores. Um lapso da curadoria (Luiz Guilherme Vergara) totalmente perdoado, tendo em vista o enorme acerto da seleção como um todo.



Abaixo, mais alguns momentos da mostra:



Denúncia social na obra
de Rubens Gerchman

Eu diante da versão tupiniquim
da Monalisa de Gerchman

O 'díptico-tríptico' de Loio-Pérsio

"Ônibus ônibus",
Raymundo Collares

"The Place", de Antônio Dias,
capa de disco de tecno

Visitantes se deparando com o São Sebastião
crivado de balas, de Leiner



Nenhum comentário:

Postar um comentário