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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Um Coração Lunar Com Um Pouco de Som





Amy Hildebrand - Dia 582
“Eu quero me refletir como uma só pessoa;
alguém que vai crescer, ter filhos, envelhecer e morrer.
Nem todos os meus dias serão bons, nem todas as minhas fotos serão boas, mas elas irão me refletir”
(Amy Hildebrand - 'O Nascimento da Realização' -
13.10.2009 – fotos 31 a 48)






Conheci a jovem Amy Hildebrand através da minha irmã e sócia, estudante de Pedagogia Carolina Costa em abril de 2012, dois meses antes do projeto que divulgou Amy ao Mundo ser concluído. O trabalho de Carolina sob o título “O ato de ver: solidariedade, justiça e respeito” para a disciplina de Estudos Sociais da PUCRS me impressionou bastante, porque dialogava com a nossa forma de compreender o universo visual das pessoas com cegueira e baixa visão na Aprata (http://www.aprata.com.br/) nos últimos cinco anos.

O trabalho começava com uma seleção das fotos de Amy e depois o breve texto: “Ela é cega e formada em fotografia”. Mais adiante Carolina destacava: “Amy é casada, tem dois filhos e nunca aprendeu a ler em Braille. Graças aos tratamentos feitos durante sua vida, conseguiu recuperar 20% da visão, o que de fato já se faz suficiente em meio ao talento extraordinário que possui. ´Eu sou uma pessoa com albinismo, mas eu também sou uma fotógrafa, esposa, mãe e artista. O albinismo é apenas um aspecto em mim e não é ele que me define´ declara Amy Hildebrand”.

Amy por causa do albinismo nasceu cega. O albinismo é um distúrbio congênito caracterizado pela ausência completa ou parcial de pigmento na pele, cabelo e olho, devido à ausência ou defeito de uma enzima envolvida na produção de melanina que afeta a visão, levando a baixos percentuais de visão ou até mesmo cegueira. Em 17 mil pessoas no mundo apenas uma pode ser albina e, por isso mesmo, essa característica torna a pessoa alguém raro. Na sua família não havia nenhum bebê albino até Amy nascer, mas por “algum motivo desconhecido a desordem apareceu em três das quatro gestações” , conta Amy.  Mas não é o albinismo que faz dessa jovem mulher alguém tão especial e sim a maneira como ela vive o que seria uma limitação visual.  Sua família não se acomodou com o diagnóstico médico e expôs Amy a vários estímulos que a levaram a mudar o rumo de sua vida.

Lendo as entrevistas que Amy concedeu a jornalistas mundo afora percebemos que a atuação da família e a sua força de vontade foram fundamentais no processo de cura: “Acredito que tudo esteja relacionado ao ambiente onde crescemos. Ninguém nunca nos disse que não poderíamos fazer algo. Fazíamos. E quando não conseguíamos, meus pais diziam que era porque talvez não fosse adequado para nós. Nunca disseram algo como ´você não pode por causa do seu problema de visão".

Durante a adolescência Amy passou a enxergar cores, formas e sombras, ela relata seu primeiro registro visual: “Lembro do piso de linóleo vermelho da cozinha. O sol entrava pela janela, e a poeira pairava no ar. Lembro de simplesmente deitar lá e ficar olhando o sol incidindo sobre o piso, o contraste entre o vermelho do linóleo e a luz, as sombras, minha mãe fazendo as tarefas domésticas. As cores eram tão vívidas. Eu amava isso. É como se fosse um sentimento aliado a uma experiência visual. É algo muito forte para mim. Muita cor, mas também muito amor”. Buscando a melhor forma de se expressar encontrou a fotografia: “Sempre me senti confortável com uma câmera nas mãos. Parecia o jeito mais natural de me expressar. Me perguntavam como eu enxergava o mundo, e nunca encontrei uma maneira adequada de responder isso, até começar a fotografar”. A fotografia pode ser entendida como um desenho com luz e contraste. A baixa visão levou Amy a interpretar muito o contexto ao longo dos dias, assim seu trabalho com fotografia faz com que as pessoas possam enxergar o que ela vê e da maneira que ela vê.
Amy lançou na internet o blog With Little Sound (tradução: Com pouco som) que lembra um diário com mil fotos e 29 textos escritos ciclicamente. As fotos são diárias e os textos de 30 em 30 dias. O período mais difícil para Amy fotografar foi quando seu padrasto foi diagnosticado com câncer terminal, numa entrevista a BBC Brasil ela comentou: “Mas depois de sua morte tentei ser o mais positiva possível”.

As fotos de Amy estão intercaladas entre textos. A numeração das fotos segue seu fluxo, assim como os dias das nossas vidas. Alguns períodos são mais intensos, noutros as imagens se concentram nos interiores das casas, na intimidade com a sua família. O que mais impressiona é que ela manteve seu plano inicial estabelecido nas regras e extraiu do seu cotidiano imagens essencialmente artísticas, nos deixando ver o que está mais forte no seu momento de vida. O afeto permeia a Arte de Amy durante todo o tempo. Imagens me acompanham desde que conheci o Blog, alguns olhares dela se identificam com o meu olhar de fotógrafa. Os desfoques me agradam. As cores ofuscantes também. As composições rendem inúmeras interpretações semióticas.

Separei para vocês as minhas imagens prediletas. Os textos mais bonitos a meu ver são os que falam das festas de Natal e dos filhos, me lembram cartas a partir dos posts de 10.02.2010 quando deixam de ser escritos diretamente no Blog e parecem ser cartas scanneadas. Alguns posts são mais reflexivos beirando o estado permanente de  deriva de quem está apreendendo cada momento: “Today reminded me of one of the first days of this project. I see the light at the end of the tunnel and I find myself hesitating on moving forward”(“Hoje me lembrou um dos primeiros dias deste projeto. Eu vejo a luz no fim do túnel e eu me encontro hesitando em avançar” – texto da foto número 720 ).

As regras estabelecidas por Amy em 14.09.2009 me chamaram atenção e demonstram a persistência diária (“postar uma foto por dia; a foto tem que resumir o meu dia, seja ele emocional, físico, real ou fantasioso e depois deste post preliminar, vou escrever a cada 30 dias”).  Além disso, sempre despedia-se do leitor com a palavra coração entre aspas, numa demonstração de quanto há de afeto nessa conquista. Em chinês, os pensamentos são movimentos do coração - mente e coração são a mesma palavra.
“Coração”


Leocádia


PS. 1: Amy esteve em Porto Alegre/RS em outubro de 2012 a convite do projeto “Saber Viver” como palestrante e trouxe sua mostra “1000 Fotos em 1000 dias”.
P.S. 2: O albinismo faz parte da vida de outras pessoas talentosas:  Jonhy e Edgar Winter: músicos texanos; Connie Chiu: primeira modelo albina no Mundo admitida por Jean-Paul Galtier;  Ademir da Guia: jogador de futebol, conhecido por negro-aço. Possui estátua no Palmeiras onde é um dos ídolos da história do Clube; Hermeto Pascoal  alagoano toca sanfona, violão, contrabaixo, flauta, saxofone e uma infinidade de outros instrumentos musicais. Aprendeu a tocar sanfona por ter que ficar horas em casa. Ele não podia ajudar os pais na lavoura por causa das queimaduras de Sol. Nos anos 1970, participou das gravações de um álbum do astro do jazz Miles Davis  que o chamou de “músico mais impressionante do mundo”; Sivuca: Também apelidado de “Cabelo de Milho”, “Sarará Crioulo” e “Gênio Louro”, Sivuca nasceu em Itabaiana, na Paraíba, sob o nome Severino Das de Oliveira em 1930. Na época da guerra racial na África do Sul, saiu com a cantora negra Miriam Makeba em turnê mundial. O ousado músico gostava de experimentar e chegou até a tocar Bach usando sua sanfona.
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Amy Hildebrand - Dia 1

Amy Hildebrand - Dia 85

Amy Hildebrand - Dia 112


Amy Hildebrand - Dia 261

Amy Hildebrand - Dia 336

Amy Hildebrand- Dia 420

Amy Hildebrand- Dia 665

Amy Hildebrand - Dia 725

Amy Hildebrand - Dia 872

Amy Hildebrand - Dia 919

Amy Hildebrand - Dia 1000


Sites e páginas pesquisados:  
http://guiadoscuriosos.com.br/blog/tag/albinos-famosos/  Marcelo Duarte 
www.bbc.co.uk – Jessica Fiorelli
www.zerohora.com.br – Larissa Roso
http://pt.wikipedia.org/wiki/Albinismo - Wikipédia
http://www1.folha.uol.com.br/bbc/1070976-fotografa-que-nasceu-cega-registra-uma-imagem-por-dia.html - Folha de São Paulo
http://withlittlesound.blogspot.com.br/ - blog de Amy Hildebrand





2 comentários:

  1. Bárbaro, hein, Leocádia!
    Que trabalho admirável, que sensibilidade, que exemplo.
    Tal é a beleza e a singularidade das imagens dela que poderia-se até exagerar e dizer que seu grande trunfo é a sua deficiência e que talvez não o fizesse ão lindamente como faz se não tivesse essa limitação.
    Muito bom, trabalho, Leo.
    Obrigado pela matéria.

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  2. Cly,
    Obrigada por seu entusiasmo com a história de Amy. Realmente é uma mulher a quem admiro desde que conheci seu ofício: a fotografia. Que mais pessoas possam sentir-se capazes de realizar seus sonhos e desafiar seus limites.
    Abraço pra você e aos leitores do ClyBlog!
    Leo

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