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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

"Teorema", de Pier Paolo Pasolini (1968)





"Proposição que, para ser aceita como evidente,
 precisa ser demonstrada."
definição de Teorema


Ganhei do meu irmão e parceiro de blog, há algum tempo atrás, um monte de filmes em DVD. Coisas interessantíssimas, filmes excelentes mas que como ele tinha os pares resolveu dar bom destino. Até pelo ritmo de vida, correria, prioridades, sono, outras coisas na TV, futebol, etc., estou assistindo-os aos poucos e muitos deles nem vi ainda. Muitos deles já conhecia mas são daqueles de paixão, daqueles pra ter em casa e ver e rever até cansar, outros são inéditos para mim, como era o caso de “Teorema” de Pier Paolo Pasolini, filme que eu sempre ouvira falar a respeito e me despertava muita curiosidade.

Assisti dia desses, com grande interesse e de fato, esta obra de Pasolini justifica todos os bons predicados que lhe são atribuídos. Numa obra de sutileza, contundência e ironia, o anárquico Pasolini demonstra todo seu desprezo pelo formato tradicional de família burguesa, desmoralizando-a de forma inteligente e mordaz.

Terence Stamp, o misterioso 'anjo' sedutor
Utilizando-se de um elemento externo ao meio familiar ortodoxo, um visitante anônimo, Pasolini faz desmoronar os pilares mais sólidos daquela estrutura, a começar pela questão da ‘moral’ uma vez que a porta de entrada para toda a corrupção de cada um dos elementos da família é o sexo, inclusive entre os homens da família. Um hóspede misterioso, instalado na casa da família de um rico industrial seduz silenciosamente, sutilmente, sem esforço algum, cada um dos membros da casa, desde a velha empregada católica, passando pela filha até então pudica, pela esposa reprimida, até os homens da casa, o filho artista plástico e o patriarca, até então certo de sua sexualidade. O resultado de cada relação, após a despedida do estranho, é uma transformação em cada um dos personagens, com reações de diferentes grandezas e proporções, mas todos com a marca da revelação interior, apenas descortinando coisas que já estava impregnadas naquele meio mas que a partir de sua chegada, ficaram evidentes.
Em alguns, como no filho, estudante de arte, que, a partir da noite que passa com o visitante parece querer tirar o que há de mais profundo e criativo de suas confusões e conflitos pessoais colocando tudo isso em suas obras, a consequência pode-se dizer, acaba sendo de certa forma produtiva, embora o rapaz não consiga resultados satisfatórios de seu ímpeto repentino. Ou no caso da esposa que, após o ocorrido com o enigmático visitante, começa uma espécie de busca descriteriosa por prazer em homens na rua, tendo a interferência o poder de despertar para uma descoberta interior, alertar que alguma coisa estava faltando em sua vida vazia. Já nos casos da empregada e da filha a consequência acabara por ser mais traumática. Na velha, fazendo-a abandonar a casa e retornar a seu povoado de origem onde proporciona uma espécie de milagre, sendo idolatrada como uma santa, mas desde então mostrando-se afogada em uma infinita melancolia. Já na menina, uma adolescente virginal, a experiência causa uma letargia irreversível, uma imobilidade, uma desistência da vida, que assim pode significar uma satisfação tamanha que a fizesse preferir não viver mais, mas pode também indicar a incapacidade de conviver com a culpa por ter permitido que seu princípio fundamental fosse destruído, num remorso insustentável e doloroso.

Já o pai, o dono da família, o industrial, o símbolo da família burguesa, vê-se nu. Vê-se destituído de tudo o que sempre acreditou, entregando-se a uma espécie de exílio, a uma espécie de inferno.

Embora tenha ido longe na minha exposição, o que é inevitável em se pretendendo falar algo a seu respeito, não se preocupe o eventual leitor pois tenho certeza que não fui até o final e ainda deixo coisas a serem vistas, descobertas e interpretadas no filme. Mas no que diz respeito a um conceito, a meu juízo, este elemento transformador apresentado por Pasolini, um homem sem nome que cuja presença e a beleza seduz a tal ponto de pessoas com diretrizes concretas básicas bem formadas, abandonarem esses valores de maneira cega e inconseqüente, me parece que entre toda a crítica social, as preferências políticas, os conceitos religiosos e todos os outros elementos presentes, há acima de tudo uma referência à Arte. Que elemento teria força para modificar a sociedade de maneira tão pacífica, através da beleza, do amor? Que elemento é capaz de desenterrar sentimentos, emoções de dentro das pessoas pela mera presença? O que é capaz de mostrar realmente o que somos? O filme é repleto de significados, símbolos e metáforas, mas me parece que, além de todas as referências políticas, posições sociais e formação comunista do diretor, a interferência da arte de forma fundamental na sociedade é uma outra interpretação válida e nada desprezível até mesmo pela sua condição de artista transgressor, que de alguma forma, sempre ansiou por transformar o que estava à sua volta.


Cly Reis

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