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quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Chico Buarque - "Construção" (1971)



"Ao entregar a letra, num golpe de ironia e audácia, o advogado da gravadora pediu que a proibissem; os censores então, como que para contrariá-lo, liberaram "Construção" sem cortes."
relatado pelo escritor Humberto Werneck,
no livro "Tantas Palavras - Letra e Música",
songbook de Chico Buarque



Tijolo por tijolo num desenho mágico. Assim foi construído "Construção"(1971), disco espetacular de Chico Buarque de Holanda; o primeiro gravado após sua volta do exílio, provavelmente o melhor do artista e um dos maiores da música brasileira. Ao contrário da boa parte dos discos de Chico que eram verdadeiras colchas de retalho com músicas feitas em épocas diferentes, com parceiros variados, para fins diferentes (filmes, peças, homenagens), "Construção" fora planejado para ser efetivamente um álbum e provavelmente por isso mostre uma coesão, uma unidade, uma encaixe tão perfeito entre as músicas que o tornam diferenciado na obra do cantor.
Constitui praticamente uma grande sinfonia cotidiana, uma grande ópera do homem comum, com tragédias, amores, sangue e emoção. Reforçam esta sensação de obra erudita os arranjos ousados e intensos do maestro Rogério Duprat, com suas cordas e metais poderosos. Já em "Deus lhe Pague" que abre o disco esta intensidade fica demonstrada: ela é forte, ela é densa, com sua condução grave, sua percussão pesada e com as vozes do MPB4 intensificando o sarcasmo da gratidão.
"Cotidiano" que a segue alivia o clima num samba descontraído faz um infinito ciclo do dia-a-dia. "Desalento", um samba triste com uma cuíca chorosa, parceria com Vinícius de Moraes, é um dos poucos casos de música que não deveria estar ali uma vez que faria parte originalmente do compacto de "Apesar de Você" que acabou não saindo, vetado pela censura.
A faixa título, "Construção" é a verdadeira ópera trágica cotidiana: dramática desde sua sonoridade até seus versos pessimistas. Um dia na vida de um operário de obra; aquele dia que ele, cansado da vida, da injustiça, da mesmice, decidira ser o último de sua vida. E Chico descreve isso de maneira mágica, brincando com as palavras, jogando com os versos, num exercício formal absolutamente bem engendrado, amarrando a letra toda por uma anáfora que serve de fio condutor e mantendo uma admirável regularidade silábica de dodecassílabos. A dramaticidade da letra, da situação do operário, do incidente fatal ganham proporções ainda maiores novamente com a orquestração de Duprat e com o coro do MPB4 até chegar a um final  onde repete-se um trecho de "Deus lhe Pague" (dentro de "Construção") reafirmando toda e desesperança.
Segue com o gostoso samba "Cordão"; com a lamentosa "Olha, Maria" parceria com Vinícius e Tom Jobim, bem com a cara do maestro soberano; com o desafiador "Samba de Orly" que não se privou, mesmo em época de censura forte e violenta, de falar de quem estava fora do país morrendo de saudades mas que não podia voltar por 'forças maiores'. "Minha História", uma adaptação de uma canção italiana de Lucio Dalla chamada "Gesù Bambino", também teve seus problemas com a censura e com a igreja pela menção a um Menino-Jesus de procedência indigna e vida marginal e boêmia, à qual Chico então teve que se contentar em deixar o nome que pretendia traduzir simplesmente, apenas entre parênteses e no original em italiano.
O disco baixa a rotação totalmente na última faixa, numa espécie de canção de ninar, como que num convite a um relaxamento depois de tantos dramas, compromissos e agruras, em que Chico se despede com "Acalanto". A última peça. O último tijolo.
A obra estava completa.
Álbum mais que fundamental! E não sou apenas eu que digo: "Construção" é um dos poucos discos brasileiros na publicação "1001 Discos Pra Ouvir Antes de Morrer", livro que conta com avaliações de críticos especializados do jornalismo internacional; além disso, foi eleito o terceiro melhor disco brasileiro de todos os tempos na edição brasileira da Rolling Stone, e também pela mesma revista, a canção "Construção" foi considerada a melhor música brasileira da história.
É pouco?
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FAIXAS:
  1. "Deus lhe Pague" – 3:19
  2. "Cotidiano" – 2:49
  3. "Desalento" (C. Buarque, Vinícius de Moraes) – 2:48
  4. "Construção" – 6:24
  5. "Cordão" – 2:31
  6. "Olha Maria" (C. Buarque, V. de Moraes, Tom Jobim) – 3:56
  7. "Samba de Orly" (C. Buarque, Toquinho, V. de Moraes) – 2:40
  8. "Valsinha" (C. Buarque, V. de Moraes) – 2:00
  9. "Minha História (Gesù Bambino)" (Lucio Dalla; versão de C. Buarque) – 3:01
  10. "Acalanto" – 1:38
*todas as músicas, Chico Buarque, exceto as indicadas
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Ouça:
Chico Buarque Construção

Cly Reis

2 comentários:

  1. Simplesmente incrível esse disco. "Construção" é daquelas obras de se ouvir e reouvir, que o impacto sempre se renova. E a música "Construção" foi a minha motivadora para passar a gostar de Chico, foi a que abriu caminho. Aos que não o tem em sua estante, vale a pena comprar a edição especial com libreto da editora Abril que está à vanda nas bancas. Um material super bem feito, com fotos bem escolhidas e um ótimo texto contextualizando a época e o porquê do disco.
    Dã.

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  2. Muito bom o texto e o álbum,que sempre aparece na ordem dos três melhores de todos os tempos.

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